segunda-feira, 13 de julho de 2009

Teatro/CRÍTICA

"As meninas"

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Lirismo, humor e tragicidade


Lionel Fischer


Como se sabe, tudo que nasce está fadado a morrer. Mas em se tratando de pessoas, há mortes mais toleráveis do que outras, ainda que sempre dolorosas - uma senhora de 90 anos, por exemplo, que chega ao fim de sua jornada, será sem dúvida pranteada, mas encaramos sua partida como algo previsto. No entanto, quando a morte chega precoce e sobretudo de forma violenta, muitos sentimentos nos acossam, tais como revolta, indignação, perplexidade e certamente uma necessidade desesperada de encontrar uma explicação para o que aconteceu.

No presente caso, uma jovem e linda mulher (Consuelo) é morta a facadas por seu marido, cabendo registrar que uma grande paixão os unira durante todo - ou quase todo - o casamento. Ela arranjou um amante, o esposo descobriu e então a tragédia se consumou. E é no velório desta mulher que se passa a ação de "As meninas" e as tentativas de entendimento do que ocorreu, feitas basicamente pela filha de 12 anos da falecida (Rubi) e de sua melhor amiga, Luzia, um ano mais nova.

Eis, em resumo, o enredo de "As meninas", em cartaz na Casa de Cultura Laura Alvim. De autoria de Maitê Proença e Luiz Carlos Góes, a peça chega à cena com direção de Amir Haddad e elenco formado por Analu Prestes, Clarisse Derzié Luz, Patrícia Pinho, Sara Antunes e Vanessa Gerbelli.

Desprezando por completo o realismo, os autores criam um contexto que em muito favorece o que foi dito no final do primeiro parágrafo. A morta, por exemplo, deixa o seu caixão para conversar com a filha e a amiga dela, assim como com sua mãe. E durante essas conversas, em especial com as meninas - e também quando elas estão sozinhas -, a platéia vai aos poucos tomando conhecimento da vida da protagonista, dos principais aspectos de sua sedutora personalidade, do primeiro encontro que teve com o futuro marido etc. E quando a ação está centrada nas duas pré-adolescentes, é então que o texto se torna verdadeiramente brilhante e comovente, tanto em função das perguntas que ambas se fazem como das respostas que encontram, sempre impregnadas de lirismo, inocência e fartas doses de humor.

Sob todos os pontos de vista, estamos diante de um texto de primeiríssima grandeza, que consegue abordar um tema tão crucial mesclando, de maneira irretocável, humor e tragicidade. E tudo ocorrendo não em função de tentativas "profundas" de empreender reflexões sobre a morte, o que conferiria à peça inconvenientes conotações filosófico-existenciais, mas em decorrência de múltiplas e diversificadas ações. E também graças ao talento dos autores no que concerne a permanente alternância entre o real e o imaginário. Sem dúvida, Maitê Proença e Luiz Carlos Góes conseguiram algo de muto especial: nos fazer muitas vezes rir de algo que nos aterroriza a todos, independentemente das crenças que possuímos ou da ausência delas.

Contendo ótimos personagens, diálogos fluentes e uma ação que prende a atenção da platéia desde o primeiro momento, "As meninas" recebeu uma versão cênica de Amir Haddad que se inscreve entre as melhores já feitas por este que é um dos mais brilhantes diretores do país. Impondo à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico, Amir consegue materializar todos os conteúdos propostos pelos autores, valorizando com a mesma intensidade tanto as passagens mais poéticas quanto aqueles em que o desespero predomina. Além disso, merece o crédito suplementar de haver extraído atuações maravilhosas do elenco.

Na pele da jovem mãe assassinada, Vanessa Gerbelli exibe atuação deslumbrante, conseguindo materializar todas as características de uma personalidade exuberante e eventualmente contraditória. Analu Prestes faz a mãe da protagonista, Berta, explorando com grande inteligência e sensibilidade seu caráter autoritário, racista e não raro operístico. Clarisse Derzié Luz se desdobra em várias papéis, a todos eles impondo seu extraordinário talento de intérprete, cabendo ressaltar sua performance como Linda, mãe do assassino, onde constrói uma mulher de hilariante vaidade e arrogância.

Quanto a Sara Antunes (Rubi, a órfã) e Patrícia Pinho (Luzia, sua amiga), as duas atrizes exibem atuações absolutamente irrepreensíveis, ótima contracena e notável capacidade de entrega. Sem dúvida, estamos diante de duas atrizes ainda bem jovens que reúnem todas as condições para trilharem uma vitoriosa carreira.

No que diz respeito à equipe técnica, Cristina Novaes assina uma cenografia maravilhosa, poética e funcional, que varoliza ao extremo a dinâmica cênica proposta pela direção. O mesmo ocorre com a iluminação de Paulo César Medeiros, também impregnada de lirismo, assim como de contornos trágicos quando a ação assim o exige. Beth Filipecki responde por figurinos imaginosos, em total sintonia com o contexto e as personalidades retratadas. E a trilha sonora de Alessandro Persson contibrui de forma decisiva para reforçar os múltiplos climas emocionais em jogo.

E para finalizar, nos permitimos sugerir aos que amam o teatro uma ida mais do que urgente à Laura Alvim, pois consideramos "As meninas" um dos três melhores espetáculos da atual temporada - os outros são "In On It" e "Espia uma mulher que se mata".

AS MENINAS - Texto de Maitê Proença e Luiz Carlos Góes. Direção de Amir Haddad. Com Analu Prestes, Clarisse Derzié Luz, Patrícia Pinho, Sara Antunes e Vanessa Gerbelli. Casa de Cultura Laura Alvim. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.

Um comentário:

  1. Deixei o teatro simplismente apaixonada por Luzia (Patrícia Pinho).
    E o que dizer da voz de Vanessa Gerbelli? E a cenografia e os figurinos? Um verdadeiro espetáculo!

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