A pedidos...
Lionel Fischer
Alguns seguidores deste blog me pediram para inserir aqui mais histórias curiosas envolvendo o mundo da arte e, mais especificamente, o do teatro. Então, aí vão mais algumas, como as anteriores extraídas, em sua maioria, do divertido livro O teatro visto por dentro e visto por fora..., de autoria de Olavo de Barros (Serviço Nacional de Teatro, Ministério da Educação e Cultura - Rio de Janeiro/1970).
* * *
ELA JUROU
Maria Callas, a cantora mais cara do mundo, depunha como testemunha num tribunal de Nova Iorque:
- Qual a sua profissão? - pergunta o Juiz.
- Sou a melhor cantora lírica do mundo -, responde Callas.
À saída do tribunal, o conhecido e bilionário armador grego Onassis (casado com a cantora), observou:
- Maria, você não devia ter-se gabado dessa forma perante o Juiz do tribunal!?
- Você bem sabe - replicou a cantora - que não gosto de me gabar, mas que havia de fazer, se de começo exigiram-me o juramento de que diria a verdade, somente a verdade e nada mais que a verdade?
POR QUÊ NÃO ESTAVA NO EXÉRCITO
Durante a Primeira Guerra Mundial, o comediante Will Rogers estava, certa noite, nas "Ziegfeld Follies", recitando um de seus monólogos, quando uma mulher muito feia grita da platéia:
- Por que você não está no Exército?
Rogers deu um tempo para que todos pudessem ver sua interlocutora, e depois disse calmamente:
- Pelo mesmo motivo que a senhora não está nas "Follies: incapacidade física.
O ENGOLIDOR DE ESPADAS
Carlos Benedetti, engolidor de espadas, em julho de 1976 esteve no Rio de Janeiro e foi convidado por Suas Alezas a ir à sua presença executar os seus primorosos trabalhos, tendo rcebido de Sua Alteza a Regente, um anel de brilhantes. Antes de se retirar, ela pergunta:
- Disseram-se, Benedetti, que antigamente você tragava fogo. Por que agora se dedica a engolir espadas?
- Porque o meu médico particular me recomendou muito ferro, Alteza...
A BAILARINA E O PRESIDENTE
Ana Pavlova, uma das mais famosas bailarinas de todos os tempos, auxiliava muitas obras de beneficência e mantinha, em Paris, um asilo de órfãs. Durante uma de suas viagens pela América do Sul, recebeu das mãos do Presidente da Venezuela um estojo de veludo, dentro do qual se encontravam moedas de 20 dólares, em ouro, formando o seu nome.
- É a primeira vez, senhor Presidente, que lamento chamar-me Ana Pavlova...
- Não compreendo - replicou o Presidente.
- É que se eu me chamasse Anastasia Edwardowna Karvin os meus pobres teriam recebido uma esmola muito maior...
O LUXO DAS FRANCESAS
Durante uma recepção mundana, Josefine Baker conversava com o general Larerinat.
- É deprimente ver tanto luxo - disse o general. - Sabe que as despesas da mulher francesa atingem o dobro do orçamento militar?
- Não duvido. - respondeu a bailarina. - Mas não se esqueça, general, de que as mulheres francesas fazem muito mais conquistas do que o Exército.
O MAL DA CONDESSA
No drama "As duas órfãs", de D'Ennery, que a empresa Jacinto Heler estava representando no Teatro Lucinda, no Rio de Janeiro, a atriz Luísa de Oliveira, deixando-se cair debulhada em lágrimas sobre um divã, ao invés de dizer: "Ah! senhor Conde, o meu sofrimento é ATROZ!", disse, certa noite: "Ah! senhor Conde, o meu sofrimento é ATRÁS!"
Da geral, um gaiato gritou:
- Então não senta, Condessa!
TAMBÉM PODE SER
Durante uma representação em um teatro de Berlim do "Ricardo III", de Shakespeare, o famoso ator Davison, na cena da batalha, exclama:
- Um cavalo! Todo o meu reino por um cavalo!
Certo espectador, dado a fazer graça, grita para o palco:
- E um burro...não serve?
- Também pode ser. Faça o favor de vir - replicou Davison.
O MÉDICO, O ATOR E O RESFRIADO
Procópio Ferreira ardia em febre e era assistido pelo médico-escritor Gastão Pereira da Silva, amigo particular do grande artista. Gemendo e espirrando ininterruptamente, Procópio perguntou-lhe:
- Gastão, meu velho, você tem certeza de que se trata de um resfriado? Veja lá! Eu me lembro de que o Manoel Pêra estava sendo tratado também de um resfriado pelo Rafael Pinheiro, e quase morre de uma pleurisia.
- Fique tranquilo, rapaz. Quando eu trato de um doente meu de resfriado, é mesmo de resfriado que ele morre!
A RÉPLICA
Eugene Scrib recebeu, um dia, uma carta de um desconhecido que lhe oferecia considerável quantia para com ele colaborar em igualdade no próximo drama do escritor. Scrib quis dar uma lição ao atrevido e respondeu-lhe: "Não tenho por hábito atrelar ao mesmo veículo um burro e um cavalo".
O desconhecido replicou, imediatamente, em nova carta:
"Lamento sua recusa de me ligar ao seu destino literário. Todavia, não me parece que isso lhe dê o direito de me considerar um cavalo".
Scrib achou muita graça na réplica e divulgou a história.
AS MARTELADAS DO PORTEIRO
Bernard Braden - ator canadense - interrompeu um dos ensaios de "Othelo", na Boradway, para investigar umas marteladas que vinham do corredor de entrada da caixa do teatro. Encontrou o porteiro afixando o seguinte aviso:
SILÊNCIO ENQUANTO DURAREM OS ENSAIOS.
O PRIMEIRO TROMBONE
Sir Thomas Beecham ensaiava uma orquestra. Repetidas vezes, fez os executantes repetirem um determinado trecho da partitura. Afinal, desesperado, largou a batuta.
- O primeiro trombone está tocando os compassos intermediários alto demais! - berrou.
- Mas o primeiro trombone não chegou ainda - disse um tímido flautista.
- Está bem - retrucou o irascível Sir Thomas. - Quando o primeiro trombone chegar, diga-lhe que ele está tocando alto demais.
O REI DA CATINGA
No auge do drama de Bento Camargo, "Mata tortuosa", o ator Luiz Carrara deveria dizer: "Embrenhei-me na mata e com a minha pistola derrubei o Rei da Catinga!". Certa noite, porém, no Teatro Rink, de Campinas, Carrara enganou-se e disse a fala assim:
- Embrenhei-me na mata e com a minha catinga derrubei o Rei da Pistola!"
Após um momento de total mudez, toda a platéia caiu na gargalhada. Como não se dera conta de seu engano, Carrara deixou o palco profundamente ofendido.
QUERIA CANTAR PUCCINI
A excelente atriz de opereta e revista Margarida Max, foi ter com o diretor artístico do Teatro Municipal, que era, na época, o maestro Sílvio Piergille, para que ele a deixasse cantar naquele teatro a "Tosca", de Puccini, "que havia estudado com muito carinho".
- Não, dona Margarida. Eu não posso permitir palavras obscenas neste teatro.
- Mas, maestro Piergille, eu não digo palavras obscenas!?
- Eu sei, minha cara senhora. Mas vai dizê-las o público quando ouvir a senhora cantar!
AS BARBAS DO SOUSA
O ator Ferreira de Sousa representava no Teatro Recreio, no Rio de Janeiro, o principal papel da comédia "O irmão das almas", de Martins Pena. A folhas tantas, no entusiasmo da cena, saltaram-lhe do rosto as barbas postiças. A platéia explodiu numa gargalhada, mas o apreciado ator da Companhia Dias Braga, sem se desconcentrar, saiu-se com esta:
- Até as barbas me caem de indignação!
Foi ovacionado.
LUGAR DISPONÍVEL
O genial pianista Rubinstein deu uma noite um concerto em Londres. Ao entrar no teatro, alguns minutos antes da hora marcada para sua apresentação, aproximou-se dele uma senhora modestamente vestida que lhe disse:
- Desejava tanto ouví-lo, mas os meus recursos são tão escassos que não me permitem comprar um ingresso tão caro. Venho pedir-lhe o favor de me dar um lugarzinho, nem que seja nas galerias.
- Sinto imenso, mas não tenho senão um lugar disponível e não sei se ele lhe agradará. Em todo caso, se o quiser, está ao seu dispor.
- Oh! Muito obrigada. Em qualquer ponto eu ouço bem. Onde é o lugar?
- Ao piano.
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
sábado, 29 de agosto de 2009
Teatro/CRÍTICA
"A paixão segundo
sóror Mariana Alcoforado"
.....................................................
Paixões em versão surpreendente
Lionel Fischer
Uma jovem portuguesa do século XVII vive uma tórrida paixão com um oficial francês. Quando ele a abandona, ela entra para um convento e torna-se freira. Até aí, uma história banal. Entretanto, uma vez confinada no claustro, Mariana Alcoforado entregou-se à tarefa de escrever cartas ao ex-amante. Eis, em resumo, o enredo de "A paixão segundo sóror Mariana Alcoforado", em cartaz até amanhã no Teatro do Jockei. Baseado em "Cartas portuguesas", o texto chega à cena com direção e interpretação de Viviane Rayes e Yashar Zambuzzi.
Embora muitos contestem a autenticidade das cartas e outros cheguem ao extremo de afirmar que sóror Mariana Alcoforado nem teria existido, o que de fato importa é a realidade dos textos. Estes, obviamente, foram escritos por alguém. E essa pessoa, seja ela quem for, deixou um testemunho da maior importância sobre a experiência amorosa.
Mas vamos admitir que as cartas sejam mesmo de Mariana Alcoforado e tenham sido redigidas dentro do contexto acima descrito. Estaríamos, portanto, diante de uma mulher que, tendo renunciado ao mundo e se tornado esposa do Senhor, ainda assim se mantém inteiramente ligada ao homem que a abandonou. E tal ligação, mesmo que contendo elementos espirituais, repousa fundamentalmente numa paixão carnal.
As recordações e lamentos de Mariana muitas vezes se reportam a atitudes egoístas ou insensíveis do oficial. Mas o que impressiona de fato é a abordagem que faz do erotismo e, mais do que isto, como ela o converte numa espécie de gozo que tem a motivá-lo a dor de uma ausência que jamais será suprimida - suas cartas são dilacerantes, poéticas e impregnadas daquele gênero de beleza que só o desespero produz.
No presente caso, os diretores optaram por materializar na cena o oficial, como se ele estivesse enunciando ao vivo as cartas que escreveu. Tal opção, em nosso entendimento, enfraquece a dor da ausência acima mencionada. E Mariana e o oficial não apenas dialogam, mas chegam inclusive a fazer amor, ainda que possamos interpretar tanto os diálogos, como as relações carnais entre ambos, como delírimos da protagonista. Seja como for, e embora reconhecendo todo o direto dos diretores de imprimirem sua versão do texto, acreditamos que seu impacto fica em muito minimizado pelas opções adotadas.
Quanto ao espetáculo, este recebeu uma versão austera e despojada. Mas a montagem depende, fundamentalmente, da performance dos atores e neste sentido achamos procedentes algumas observações. É evidente que Viviani Rayes se entrega com total paixão à tarefa de compor Mariana Alcoforado, mas acreditamos que seu desempenho seria mais convincente se conseguisse impor maiores variações rítmicas (o texto quase sempre é dito numa velocidade excessiva), assim como se explorasse mais um tom de voz menos agudo, já que este contribui para conferir mais histeria do que um real desespero. E na pele do oficial, Yashar Zambuzzi trabalha o personagem com um grau maior de frieza do que de paixão, o que pode levar o espectador a concluir que na realidade ele nunca amou tanto Mariana, sendo tal amor muito mais fruto da imaginação dela do que da efetiva relação que tiveram.
Na ficha técnica, consideramos corretos os trabalhos de Cristiano Gonçalves (iluminação), Te-Un TEATRO (cenário e figurinos) e Yashar Zambuzzi (trilha sonora).
"A paixão segundo
sóror Mariana Alcoforado"
.....................................................
Paixões em versão surpreendente
Lionel Fischer
Uma jovem portuguesa do século XVII vive uma tórrida paixão com um oficial francês. Quando ele a abandona, ela entra para um convento e torna-se freira. Até aí, uma história banal. Entretanto, uma vez confinada no claustro, Mariana Alcoforado entregou-se à tarefa de escrever cartas ao ex-amante. Eis, em resumo, o enredo de "A paixão segundo sóror Mariana Alcoforado", em cartaz até amanhã no Teatro do Jockei. Baseado em "Cartas portuguesas", o texto chega à cena com direção e interpretação de Viviane Rayes e Yashar Zambuzzi.
Embora muitos contestem a autenticidade das cartas e outros cheguem ao extremo de afirmar que sóror Mariana Alcoforado nem teria existido, o que de fato importa é a realidade dos textos. Estes, obviamente, foram escritos por alguém. E essa pessoa, seja ela quem for, deixou um testemunho da maior importância sobre a experiência amorosa.
Mas vamos admitir que as cartas sejam mesmo de Mariana Alcoforado e tenham sido redigidas dentro do contexto acima descrito. Estaríamos, portanto, diante de uma mulher que, tendo renunciado ao mundo e se tornado esposa do Senhor, ainda assim se mantém inteiramente ligada ao homem que a abandonou. E tal ligação, mesmo que contendo elementos espirituais, repousa fundamentalmente numa paixão carnal.
As recordações e lamentos de Mariana muitas vezes se reportam a atitudes egoístas ou insensíveis do oficial. Mas o que impressiona de fato é a abordagem que faz do erotismo e, mais do que isto, como ela o converte numa espécie de gozo que tem a motivá-lo a dor de uma ausência que jamais será suprimida - suas cartas são dilacerantes, poéticas e impregnadas daquele gênero de beleza que só o desespero produz.
No presente caso, os diretores optaram por materializar na cena o oficial, como se ele estivesse enunciando ao vivo as cartas que escreveu. Tal opção, em nosso entendimento, enfraquece a dor da ausência acima mencionada. E Mariana e o oficial não apenas dialogam, mas chegam inclusive a fazer amor, ainda que possamos interpretar tanto os diálogos, como as relações carnais entre ambos, como delírimos da protagonista. Seja como for, e embora reconhecendo todo o direto dos diretores de imprimirem sua versão do texto, acreditamos que seu impacto fica em muito minimizado pelas opções adotadas.
Quanto ao espetáculo, este recebeu uma versão austera e despojada. Mas a montagem depende, fundamentalmente, da performance dos atores e neste sentido achamos procedentes algumas observações. É evidente que Viviani Rayes se entrega com total paixão à tarefa de compor Mariana Alcoforado, mas acreditamos que seu desempenho seria mais convincente se conseguisse impor maiores variações rítmicas (o texto quase sempre é dito numa velocidade excessiva), assim como se explorasse mais um tom de voz menos agudo, já que este contribui para conferir mais histeria do que um real desespero. E na pele do oficial, Yashar Zambuzzi trabalha o personagem com um grau maior de frieza do que de paixão, o que pode levar o espectador a concluir que na realidade ele nunca amou tanto Mariana, sendo tal amor muito mais fruto da imaginação dela do que da efetiva relação que tiveram.
Na ficha técnica, consideramos corretos os trabalhos de Cristiano Gonçalves (iluminação), Te-Un TEATRO (cenário e figurinos) e Yashar Zambuzzi (trilha sonora).
quinta-feira, 27 de agosto de 2009
Teatro de Protesto
Robert Brustein
O Teatro de Protesto é extremamente consciencioso a seu próprio respeito e auto-comprometido, como convém a um movimento romântico. E, à semelhança de outros românticos, o dramaturgo participa de sua obra num grau sem precedente. Strindberg e O'Neill quase não se distinguem de seus heróis; Ibsen e Shaw identificam-se bastante com seus heróis; Brecht esconde suas experiências nas próprias peças, mas fala diretamente através da figura de um narrador, na terceira pessoa; Pirandello e Genet modelaram suas obras até um plano conceitual quase solipsístico; e até Thecov paira sobre suas peças como uma presença moral. Quer se envolva como idéia ou personagem, o moderno dramaturgo está continuamente explorando as possibilidades de sua própria personalidade, não só representando mas exortando, não só dramatizando os outros, mas examinando a si próprio.
Apesar de tudo, o Teatro e Protesto só parcialmente é subjetivo; o dramaturo rebelde continua a observar os requisitos de sua forma. Uma peça desenvolve-se através do diálogo, e o diálogo implica debate e conflito. Sem debate, o drama é propaganda, sem conflito, mera fantasia. O dramaturgo rebelde poderá desejar que a sua arte seja uma representação viva de sua revolta, mas tal desejo é disciplinado pela sua consciência objetiva.
O rebelde que deseja transformar o mundo é também um artista que deve representá-lo com exatidão; o romântico que destruiria todas as fronteiras é também um classicista, aceitando limitações na vida e na arte. Essa ambivalência faz com que o dramaturgo rebelde vacile entre a negação e a afirmação, entre a rebeldia e a realidade. Incapaz de dominar suas contradições, dramatiza-as em suas peças, graças a uma forma em que as tensões não precisam ser resolvidas.
Assim, conquanto cada um dos dramaturgos rebeldes tome a revolta e o protesto como seu tema central, também os critica em nome da realidade; ao mesmo tempo, identifica-se e repudia os seus personagens. É o conflito entre idéia e razão - entre concepção e execução que forma a dialética central do drama moderno. Na verdade, o dramaturgo rebelde é aquele que sonha e submete seus sonhos à prova real. Isto talvez sugira por que o conflito de ilusão e realidade é um tema de tal importância no drama moderno: ilusão e realidade são os pólos gêmeos da imaginação do dramaturgo.
O Teatro de Protesto é o templo de um sacerdote sem Deus, sem uma ortodoxia, sem o que se possa chamar de congregação, que conduz seu serviço litúrgico dentro da hedionda arquitetura do absurdo. Missionário da discórdia, propaga o evangelho da insurreição, tentando substituir os valores tradicionais por uma visão inspirada, procurando improvisar um ritual na base da angústia e da frustração.
Podemos distinguir três categorias de revolta: messiânica, social e existencial. A revolta messiânica ocorre quando o dramaturgo se insurge contra Deus e tenta ocupar o seu lugar; o sacerdote contempla sua imagem no espelho. A revolta social ocorre quando o dramaturgo se insurge contra as convenções, a moral e os valores do organismo social; o sacerdote volta seu espelho para a sua platéia. A revolta existencial ocorre quando o dramaturgo se insurge contra as condições de sua existência: o sacerdote volta o espelho para o vazio.
A revolta messiânica é a fase inicial do drama moderno e a mais ostensivamente romântica. Podemos encontrá-la em Ibsen, Strindberg, Shaw e O'Neill. Floresce de novo em Genet e caracteriza dramaturgos secundários, como Wagner, D'Annunzio, Sartre e Camus. A revolta messiânica é a mais subjetiva, grandiloquente e egoísta de todas as rebeliões dramáticas. Com efeito, foi o messianismo que determinou o Teatro de Protesto. E embora a expressão seja mais ruidosa no começo do movimento, seus reflexos podem sentir-se através de todo o teatro moderno.
O drama messiânico é um meio de libertação absoluta, desimpedido de regras dramáticas ou limitações humanas, através do qual o dramaturgo se entrega ao seu insaciável apetite de infinito. Concebendo o universo como uma projeção de sua personalidade, que pode ser alterado ou manobrado através da vontade sobre-humana, imagina-se um Criador superior a Deus, destinado a transformar a vida em algo mais ordenado do que a confusão sem regra nem sentido que vê à sua volta.
A revolta social é muito menos ambiciosa, se bem que muito mais familiar às platéias modernas: caracteriza as peças mais conhecidas da cena contemporânea. A revolta social domina as peças modernas de Ibsen, os dramas naturalistas de Strindberg, as ações íntimas de Tchecov, a maior parte da obra de Shaw, uma grande parte de Brecht, uma parcela de Pirandello, assim como os dramas rurais de Synge e Lorca, as parábolas de Dürenmatt e a totalidade da obra de dramaturgos secundários como O'Casey, Odets, Miller, Osborne, Wesker e Frisch.
A revolta social é, evidentemente, um aspecto habitual do drama messiânico, mas aí está subordinada a outras matérias; quando domina uma peça, trata-se de uma manifestação relativamente modesta. A ênfase do drama transfere-se das curas radicais para os diagnósticos cuidadosos, em que o paciente ocupa o palco e o médico se retira para os bastidores. Em vez de examinar as relações entre o homem e Deus, o dramaturgo concentra-se no homem em sociedade, em conflito com a comunidade, com o governo, a academia, a igreja, a família.
A revolta existencial ocorre durante a velhice do drama moderno, embora cronologicamente, possa algumas vezes aparecer muito antes. É a revolta dos fatigados e dos desesperados, refletindo depois da desintegração das energias idealistas, exaustão e desapontamento. Isto explica sua relação íntima com a revolta messiânica, pois, na realidade, é um desenvolvimento inverso do impulso messiânico.
A revolta existencial representa o romantismo introvertido e começando a apodrecer. Extremamente hostil aos ideais messiânicos, totalmente descrente do individualismo messiânico, o rebelde existencial evidencia, porém, vestígios das antigas exigências radicais. É um neo-romântico, em fúria contra a existência, envergonhado do ser humano, revoltado contra seu próprio corpo. Uma das mais vigorosas características identificadoras do drama existencial é uma atitude em relação à carne, que é usualmente descrita em imagens de esterco, lama, cinzas e matérias fecais num estado de decomposição e decadência.
_______________________________
Este artigo, aqui resumido, foi extraído de O teatro de protesto (Zahar Editores, Rio de Janeiro), e está na íntegra publicado na revista Cadernos de Teatro nº 40/1968, edição já esgotada.
Robert Brustein
O Teatro de Protesto é extremamente consciencioso a seu próprio respeito e auto-comprometido, como convém a um movimento romântico. E, à semelhança de outros românticos, o dramaturgo participa de sua obra num grau sem precedente. Strindberg e O'Neill quase não se distinguem de seus heróis; Ibsen e Shaw identificam-se bastante com seus heróis; Brecht esconde suas experiências nas próprias peças, mas fala diretamente através da figura de um narrador, na terceira pessoa; Pirandello e Genet modelaram suas obras até um plano conceitual quase solipsístico; e até Thecov paira sobre suas peças como uma presença moral. Quer se envolva como idéia ou personagem, o moderno dramaturgo está continuamente explorando as possibilidades de sua própria personalidade, não só representando mas exortando, não só dramatizando os outros, mas examinando a si próprio.
Apesar de tudo, o Teatro e Protesto só parcialmente é subjetivo; o dramaturo rebelde continua a observar os requisitos de sua forma. Uma peça desenvolve-se através do diálogo, e o diálogo implica debate e conflito. Sem debate, o drama é propaganda, sem conflito, mera fantasia. O dramaturgo rebelde poderá desejar que a sua arte seja uma representação viva de sua revolta, mas tal desejo é disciplinado pela sua consciência objetiva.
O rebelde que deseja transformar o mundo é também um artista que deve representá-lo com exatidão; o romântico que destruiria todas as fronteiras é também um classicista, aceitando limitações na vida e na arte. Essa ambivalência faz com que o dramaturgo rebelde vacile entre a negação e a afirmação, entre a rebeldia e a realidade. Incapaz de dominar suas contradições, dramatiza-as em suas peças, graças a uma forma em que as tensões não precisam ser resolvidas.
Assim, conquanto cada um dos dramaturgos rebeldes tome a revolta e o protesto como seu tema central, também os critica em nome da realidade; ao mesmo tempo, identifica-se e repudia os seus personagens. É o conflito entre idéia e razão - entre concepção e execução que forma a dialética central do drama moderno. Na verdade, o dramaturgo rebelde é aquele que sonha e submete seus sonhos à prova real. Isto talvez sugira por que o conflito de ilusão e realidade é um tema de tal importância no drama moderno: ilusão e realidade são os pólos gêmeos da imaginação do dramaturgo.
O Teatro de Protesto é o templo de um sacerdote sem Deus, sem uma ortodoxia, sem o que se possa chamar de congregação, que conduz seu serviço litúrgico dentro da hedionda arquitetura do absurdo. Missionário da discórdia, propaga o evangelho da insurreição, tentando substituir os valores tradicionais por uma visão inspirada, procurando improvisar um ritual na base da angústia e da frustração.
Podemos distinguir três categorias de revolta: messiânica, social e existencial. A revolta messiânica ocorre quando o dramaturgo se insurge contra Deus e tenta ocupar o seu lugar; o sacerdote contempla sua imagem no espelho. A revolta social ocorre quando o dramaturgo se insurge contra as convenções, a moral e os valores do organismo social; o sacerdote volta seu espelho para a sua platéia. A revolta existencial ocorre quando o dramaturgo se insurge contra as condições de sua existência: o sacerdote volta o espelho para o vazio.
A revolta messiânica é a fase inicial do drama moderno e a mais ostensivamente romântica. Podemos encontrá-la em Ibsen, Strindberg, Shaw e O'Neill. Floresce de novo em Genet e caracteriza dramaturgos secundários, como Wagner, D'Annunzio, Sartre e Camus. A revolta messiânica é a mais subjetiva, grandiloquente e egoísta de todas as rebeliões dramáticas. Com efeito, foi o messianismo que determinou o Teatro de Protesto. E embora a expressão seja mais ruidosa no começo do movimento, seus reflexos podem sentir-se através de todo o teatro moderno.
O drama messiânico é um meio de libertação absoluta, desimpedido de regras dramáticas ou limitações humanas, através do qual o dramaturgo se entrega ao seu insaciável apetite de infinito. Concebendo o universo como uma projeção de sua personalidade, que pode ser alterado ou manobrado através da vontade sobre-humana, imagina-se um Criador superior a Deus, destinado a transformar a vida em algo mais ordenado do que a confusão sem regra nem sentido que vê à sua volta.
A revolta social é muito menos ambiciosa, se bem que muito mais familiar às platéias modernas: caracteriza as peças mais conhecidas da cena contemporânea. A revolta social domina as peças modernas de Ibsen, os dramas naturalistas de Strindberg, as ações íntimas de Tchecov, a maior parte da obra de Shaw, uma grande parte de Brecht, uma parcela de Pirandello, assim como os dramas rurais de Synge e Lorca, as parábolas de Dürenmatt e a totalidade da obra de dramaturgos secundários como O'Casey, Odets, Miller, Osborne, Wesker e Frisch.
A revolta social é, evidentemente, um aspecto habitual do drama messiânico, mas aí está subordinada a outras matérias; quando domina uma peça, trata-se de uma manifestação relativamente modesta. A ênfase do drama transfere-se das curas radicais para os diagnósticos cuidadosos, em que o paciente ocupa o palco e o médico se retira para os bastidores. Em vez de examinar as relações entre o homem e Deus, o dramaturgo concentra-se no homem em sociedade, em conflito com a comunidade, com o governo, a academia, a igreja, a família.
A revolta existencial ocorre durante a velhice do drama moderno, embora cronologicamente, possa algumas vezes aparecer muito antes. É a revolta dos fatigados e dos desesperados, refletindo depois da desintegração das energias idealistas, exaustão e desapontamento. Isto explica sua relação íntima com a revolta messiânica, pois, na realidade, é um desenvolvimento inverso do impulso messiânico.
A revolta existencial representa o romantismo introvertido e começando a apodrecer. Extremamente hostil aos ideais messiânicos, totalmente descrente do individualismo messiânico, o rebelde existencial evidencia, porém, vestígios das antigas exigências radicais. É um neo-romântico, em fúria contra a existência, envergonhado do ser humano, revoltado contra seu próprio corpo. Uma das mais vigorosas características identificadoras do drama existencial é uma atitude em relação à carne, que é usualmente descrita em imagens de esterco, lama, cinzas e matérias fecais num estado de decomposição e decadência.
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Este artigo, aqui resumido, foi extraído de O teatro de protesto (Zahar Editores, Rio de Janeiro), e está na íntegra publicado na revista Cadernos de Teatro nº 40/1968, edição já esgotada.
terça-feira, 25 de agosto de 2009
Formas populares
do teatro japonês
Mais ou menos no final do século 14, em época relativamente calma, após um período de guerras civís, dois gêneros dramáticos se formaram e aperfeiçoaram no Japão. Foram o Nô e o Kyôgen, irmãos gêmeos, que se originaram de uma dança acompanhada de narrativa e de mímica às vezes bufa: o Saragaku, tão popular. Esse saragaku era apresentado durante as festas organizadas pelos templos shintoistas e budistas. Atualmente, num templo famoso, ainda se reprsenta o nô ao ar livre, à luz de fogueiras.
Os atores do saragaku ligados a esses templos procuraram aperfeiçoar seu jogo a fim de obter as graças do público formado de todas as classes sociais, e formaram uma espécie de corporação. O elemento coreográfico, épico e elegíaco daí se desprendeu e formou o nô, enquanto o elemento cômico e bufão se tornou o kyôgen.
Os grandes militares, que nada compreendiam dos divertimentos refinados da antiga nobreza ligada à Casa Imperial, favoreceram todavia o seu desenvolvimento. Um Shogun, no final do século 14, auxiliou um jovem ator de saragaku. Esse jovem ator, Zéami, fundou os jogos do nô. Sendo ao mesmo tempo grande intérprete e grande autor (quase a metade dos 200 textos que ainda subsistem são de sua autoria), foi também grande teórico. Graças a ele, o nô atingiu a perfeição.
Depois de Zéami, o espetáculo continuou ainda a se desenvolver e permanecer vivo no seio do povo. Mas nos séculos seguintes, o regime feudal se revigorou e a hierarquia foi estritamente restabelcida. Então, os Shogun, favorecendo o nô, o separaram de suas raízes populares. Desde então o nô se estereotipou como um teatro clássico. Hoje ainda, existem cinco ou seis teatros de nô em Tóquio e atraem simpatizantes.
Na concepção tradicional, o nô é uma espécie de tragédia acompanhada de dança. Os personagens são pouco numerosos. Shité (o que representa) faz o personagem principal, de máscara. Há também um Waki (aquele que fica ao lado), interlocutor do primeiro, e dois ou três Tsuré (aquele que segue), subordinados a Waki e às vezes a Shité.
Há ainda no nô um coro de uma dezena de pessoas, que canta ou declama a parte descritiva do texto, mas nunca dialoga com os personagens. O nô comporta um acompanhamento musical muito simples: uma flauta de madeira e três instrumentos de percussão. A cena é muito sóbria. O tablado principal é um quadrado de seis metros de largura; para o coro e acompanhamento musical, são acrescentadas cenas anexas ao fundo e do lado direito.
Um longo corredor de mais ou menos 15 metros se estende do lado direito por onde os atores aparecem e desaparecem. Essas cenas são desprovidas de qualquer ornamentação ou pintura. Mas não são menos caras, porque se escolhe rigorosamente a qualidade da madeira a fim de que o tablado seja polido e mostre a beleza natural do material.
Como decoração, pinta-se apenas um grande pinheiro na parede do fundo. Três pequenos pinheiros são colocados em intervalos iguais ao longo do corredor. Além dessa decoração, imutável, existem várias espécieis de cenários portáteis simples e simbólicos. Por exemplo, uma pequena porta representa uma casa, uma carruagem de luxo será uma estrutura de alguns pedaços de bambu e ficará imóvel mesmo no momento em que deve correr a toda velocidade conforme o texto. Um acessório indispensável no nô é o leque. Representa muitas coisas, conforme o caso: uma borboleta, um arco, a neve que cai, uma montanha longinqua, desde que seja segurado ao contrário. Tudo isto é muito sóbrio.
A única coisa luxuosa é a roupa. Os desenhos são riquíssimos e complicados, mas tem-se o cuidado de não empregar cores claras ou vivas. E como já se disse, o protagonista usa uma máscara. Essa máscara serve para representar em cena um personagem determinado, mas não lhe confere nenhuma expressão: nem alegria, nem tristeza ou cólera. Não tem qualquer sinal de vida. Todavia, quando ela aparece em cena, acentuada pelos gestos do ator, começa a mostrar expressões ricas e variadas. As máscaras exigem um trabalho delicado e sutil do fabricante. As produzidas no século 15 são consideradas obras-primas e ainda hoje usadas.
O jogo dos atores é também muito estilizado. É rigorosamente regulado por umas 30 posições, como as cinco posições dos pés no balé europeu, e para compô-las deve-se obedecer a regras estritas. Essa composição se divide em duas categorias: uma representa uma história ou um gesto seguindo o texto, a outra exprime estados de alma como alegria, furor, dor etc. Por exemplo, o ator leva uma das mãos ou as duas diante dos olhos, mas pára a alguns centímetros e as mantêm imóveis. É gesto de chorar. Aqui está uma das características do nô: o jogo não é e nunca deve ser natural. Ele deve "matar" os movimentos naturais para atingir, se se pode dizer, o natural artístico: é uma espécie de simbolismo.
Os textos do nô são escritos em versos livres e em estilo pomposo e declamatório. A ação é muito simples. Na primeira parte da peça, Waki, o segundo personagem que é geralmente um padre budista, encontra um velho senhor ou uma velha, que é o primeiro personagem, o Shité. Este último conta ao padre a história de um guerreiro, de um amante ou de uma criança que morreram de um acidente triste e pede-lhe para orar e consolar seus males. Na segunda parte, o Shité aparece na realidade como um fantasma desse guerreiro, amante ou mãe da criança. Revela-se com seu rosto verdadeiro e seu espírito não apaziguado, e descreve através de danças as circunstâncias de sua morte e de seu estado de espírito. O padre ora e, finalmente, consegue apaziguá-lo ou, se o Shité se torna um demônio, vencê-lo. A idéia dominante é de inspiração budista, é a inconstância da vida.
Quanto aos temas principais, são a celebração dos deuses, a história dos guerreiros, o amor infeliz, as lendas locais: todos são caros e familiares ao povo japonês. As frases do texto formigam de alusões aos antigos romanos, às poesias nipônicas e chinesas, o que os torna quase intraduzíveis. Enfim, a maneira de cantar ou de declamar essas frases é monótona, grave e majestosa. Deve-se notar que no nô não há atriz. O papel feminino é sempre representado por um homem. O curioso é que o ator não imita a voz feminina, mas declama com voz natural.
_____________________________
Artigo extraído da revista Cadernos de Teatro nº 65/1975, edição já esgotada.
do teatro japonês
Mais ou menos no final do século 14, em época relativamente calma, após um período de guerras civís, dois gêneros dramáticos se formaram e aperfeiçoaram no Japão. Foram o Nô e o Kyôgen, irmãos gêmeos, que se originaram de uma dança acompanhada de narrativa e de mímica às vezes bufa: o Saragaku, tão popular. Esse saragaku era apresentado durante as festas organizadas pelos templos shintoistas e budistas. Atualmente, num templo famoso, ainda se reprsenta o nô ao ar livre, à luz de fogueiras.
Os atores do saragaku ligados a esses templos procuraram aperfeiçoar seu jogo a fim de obter as graças do público formado de todas as classes sociais, e formaram uma espécie de corporação. O elemento coreográfico, épico e elegíaco daí se desprendeu e formou o nô, enquanto o elemento cômico e bufão se tornou o kyôgen.
Os grandes militares, que nada compreendiam dos divertimentos refinados da antiga nobreza ligada à Casa Imperial, favoreceram todavia o seu desenvolvimento. Um Shogun, no final do século 14, auxiliou um jovem ator de saragaku. Esse jovem ator, Zéami, fundou os jogos do nô. Sendo ao mesmo tempo grande intérprete e grande autor (quase a metade dos 200 textos que ainda subsistem são de sua autoria), foi também grande teórico. Graças a ele, o nô atingiu a perfeição.
Depois de Zéami, o espetáculo continuou ainda a se desenvolver e permanecer vivo no seio do povo. Mas nos séculos seguintes, o regime feudal se revigorou e a hierarquia foi estritamente restabelcida. Então, os Shogun, favorecendo o nô, o separaram de suas raízes populares. Desde então o nô se estereotipou como um teatro clássico. Hoje ainda, existem cinco ou seis teatros de nô em Tóquio e atraem simpatizantes.
Na concepção tradicional, o nô é uma espécie de tragédia acompanhada de dança. Os personagens são pouco numerosos. Shité (o que representa) faz o personagem principal, de máscara. Há também um Waki (aquele que fica ao lado), interlocutor do primeiro, e dois ou três Tsuré (aquele que segue), subordinados a Waki e às vezes a Shité.
Há ainda no nô um coro de uma dezena de pessoas, que canta ou declama a parte descritiva do texto, mas nunca dialoga com os personagens. O nô comporta um acompanhamento musical muito simples: uma flauta de madeira e três instrumentos de percussão. A cena é muito sóbria. O tablado principal é um quadrado de seis metros de largura; para o coro e acompanhamento musical, são acrescentadas cenas anexas ao fundo e do lado direito.
Um longo corredor de mais ou menos 15 metros se estende do lado direito por onde os atores aparecem e desaparecem. Essas cenas são desprovidas de qualquer ornamentação ou pintura. Mas não são menos caras, porque se escolhe rigorosamente a qualidade da madeira a fim de que o tablado seja polido e mostre a beleza natural do material.
Como decoração, pinta-se apenas um grande pinheiro na parede do fundo. Três pequenos pinheiros são colocados em intervalos iguais ao longo do corredor. Além dessa decoração, imutável, existem várias espécieis de cenários portáteis simples e simbólicos. Por exemplo, uma pequena porta representa uma casa, uma carruagem de luxo será uma estrutura de alguns pedaços de bambu e ficará imóvel mesmo no momento em que deve correr a toda velocidade conforme o texto. Um acessório indispensável no nô é o leque. Representa muitas coisas, conforme o caso: uma borboleta, um arco, a neve que cai, uma montanha longinqua, desde que seja segurado ao contrário. Tudo isto é muito sóbrio.
A única coisa luxuosa é a roupa. Os desenhos são riquíssimos e complicados, mas tem-se o cuidado de não empregar cores claras ou vivas. E como já se disse, o protagonista usa uma máscara. Essa máscara serve para representar em cena um personagem determinado, mas não lhe confere nenhuma expressão: nem alegria, nem tristeza ou cólera. Não tem qualquer sinal de vida. Todavia, quando ela aparece em cena, acentuada pelos gestos do ator, começa a mostrar expressões ricas e variadas. As máscaras exigem um trabalho delicado e sutil do fabricante. As produzidas no século 15 são consideradas obras-primas e ainda hoje usadas.
O jogo dos atores é também muito estilizado. É rigorosamente regulado por umas 30 posições, como as cinco posições dos pés no balé europeu, e para compô-las deve-se obedecer a regras estritas. Essa composição se divide em duas categorias: uma representa uma história ou um gesto seguindo o texto, a outra exprime estados de alma como alegria, furor, dor etc. Por exemplo, o ator leva uma das mãos ou as duas diante dos olhos, mas pára a alguns centímetros e as mantêm imóveis. É gesto de chorar. Aqui está uma das características do nô: o jogo não é e nunca deve ser natural. Ele deve "matar" os movimentos naturais para atingir, se se pode dizer, o natural artístico: é uma espécie de simbolismo.
Os textos do nô são escritos em versos livres e em estilo pomposo e declamatório. A ação é muito simples. Na primeira parte da peça, Waki, o segundo personagem que é geralmente um padre budista, encontra um velho senhor ou uma velha, que é o primeiro personagem, o Shité. Este último conta ao padre a história de um guerreiro, de um amante ou de uma criança que morreram de um acidente triste e pede-lhe para orar e consolar seus males. Na segunda parte, o Shité aparece na realidade como um fantasma desse guerreiro, amante ou mãe da criança. Revela-se com seu rosto verdadeiro e seu espírito não apaziguado, e descreve através de danças as circunstâncias de sua morte e de seu estado de espírito. O padre ora e, finalmente, consegue apaziguá-lo ou, se o Shité se torna um demônio, vencê-lo. A idéia dominante é de inspiração budista, é a inconstância da vida.
Quanto aos temas principais, são a celebração dos deuses, a história dos guerreiros, o amor infeliz, as lendas locais: todos são caros e familiares ao povo japonês. As frases do texto formigam de alusões aos antigos romanos, às poesias nipônicas e chinesas, o que os torna quase intraduzíveis. Enfim, a maneira de cantar ou de declamar essas frases é monótona, grave e majestosa. Deve-se notar que no nô não há atriz. O papel feminino é sempre representado por um homem. O curioso é que o ator não imita a voz feminina, mas declama com voz natural.
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Artigo extraído da revista Cadernos de Teatro nº 65/1975, edição já esgotada.
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
Teatro/CRÍTICA
"Deus é química"
........................................
E o pior é que é mesmo...
Lionel Fischer
Em um de seus mais impactantes poemas, Bertolt Brecht diz o seguinte: "De que vale, com a lama até o pescoço, manter limpas as unhas nas pontas dos dedos?" - a tradução é de alguém cujo nome me escapa, mas que assim mesmo parabenizo, pois não consigo entender como alguém domina o alemão. E naquela que talvez seja sua canção mais contundente, "Blowin in the win", lá pelas tantas Bob Dylan indaga: "How many times can a man turn his head, pretend that he just dosen't see?" ("Quantas vezes um homem pode virar a cabeça, fingindo que não viu?") - aqui a tradução é minha, pela qual faço questão de me desculpar, já que meu inglês é de boteco. Mas, enfim: o que possuem em comum o poema e a canção?
Absolutamente tudo. No primeiro caso, estamos diante da alienação, da negação de uma amarga realidade, da hipocrisia de simular que tudo continua bem em meio ao caos. No segundo, Dylan fala da indiferença, da falta de solidariedade, do salve-se quem puder, o que não deixa de também constituir um grave sintoma de alienação. E esta é, sem dúvida, a mais sinistra patologia da globalização, que prega justamente a indiferença, a falta de solidariedade, a hipocrisia e, como se tudo isso não bastasse, a imperiosa necessidade de já se ter um milhão de dólares na conta bancária no máximo aos 30 anos.
Mas como aqui o tema é teatro, o que tem a ver o poema, a canção e a peça de estréia - com acento agudo, pois estréia sem acento, para mim, não passa de ensaio geral - da atriz Fernanda Torres? Absolutamente tudo. E esta é uma das razões que me levam a considerá-la de extrema importância no atual cenário dramatúrgico carioca. Em cartaz no Teatro dos Quatro, "Deus é química" foi escrita por Fernanda com a colaboração do conto "A química da ressurreição", de Jorge Mautner, e chega à cena com direção de Hamilton Vaz Pereira, estando o elenco constituído por Luiz Fernando Guimarães, Fernanda Torres, Francisco Cuoco, Jorge Mautner e Fransergio Araújo, que dividem o palco com o coro formado por Cesar Miranda, João Lucas Romero, Lucas Oradovschi e Vicente Coelho, com Saulo Segreto ficando responsável pela leitura das rubricas.
É bem possível que muitos sábios, que se julgam detentores do monopólio da verdade, façam graves ressalvas à dramaturgia em questão. Mas como conceituar dramaturgia me obrigaria a escrever um tratado de no mínimo 800 páginas, deixo de lado a possibilidade imediata de redigí-lo e me contento em afirmar que Fernanda Torres produziu, sim, um texto dramatúrgico, e da maior qualidade. Claro que fora dos padrões convencionais, mas nem por isso isento dos méritos que detalho em seguida.
Para início de conversa, vamos ao tema principal. Numa leitura apressada, pode-se ter a impressão de que a autora situa seu foco no universo das drogas e de todas as suas funestas conseqüências - degradação pessoal, aumento da violência, responsabilidade dos usuários que possibilitam o comércio das ditas drogas etc. E embora isso não deixe de ser verdade, enxergamos algo que nos parece ainda mais apavorante e que Dostoievsky já vaticinara: "Se Deus não existe, então tudo é permitido". Mas o homem não resistiria à idéia de um mundo carente de Deus, seja ele qual for - e aí inluo até mesmo os ateus, pois basta terem um filho doente para que saiam entoando Ave Marias.
E que Deus seria esse, já que vivemos em um tempo em que as ideologias praticamente desapareceram, assim como ideais transformadores e valores éticos? Um Deus químico, naturalmente, quem sabe convertido em mágicas pílulas que teriam o poder de apaziguar corações dilacerados pela angústia e fornecer a ilusória sensação de felicidade. Deus, portanto, é realmente químico. Fernanda Torres está coberta de razão.
Quanto ao enredo da peça, este viaja por países e sensações, valoriza o humor (invariavelmente crítico) e a dramaticidade. E todas as ações - muitas delas precedidas da leitura de rubricas - conferem à montagem uma atmosfera delirante e propositadamente caótica. Mas neste quesito, cumpre ressaltar que o "caos" em questão é apenas aparente, já que a encenação é assinada pelo talentosíssimo Hamilton Vaz Pereira, que consegue o prodígio de simular "desordem" tendo a ordem a sustentá-la. Ou seja: a dinâmica cênica obedece a um planejamento mais do que detalhado, ainda que deixando espaço para eventuais momentos de improviso.
E como poderia ser de outra forma, se a montagem é protagonizada por dois de nossos mais talentosos intérpretes, Luiz Fernando Guimarães e Fernanda Torres? É impressionante a "química" entre eles, seja na televisão ou no teatro, e certamente se manteria a mesma caso resolvessem andar de pedalinho nas plácidas águas da Lagoa Rodrigo de Freitas. E os demais atores - Francisco Cuoco, o poeta e músico Jorge Mauter (estreando como ator) e Fransergio Araújo embarcam de cabeça, e com sucesso, nesta curiosa e mais do que oportuna jornada teatral, que, se por um lado, como já foi dito, viaja por muitos países, sem dúvida tem como porto de chegada os nossos corações, aposta na nossa capacidade de ainda refletir sobre a realidade na esperança de que consigamos transformá-la.
Na equipe técnica, Jorginho de Carvalho assina uma iluminação que reforça todos os climas emocionais em jogo, sendo impecáveis os figurinos de Felipe Veloso, a direção de arte de Gualter Pupo, a trilha sonora de Hamilton e Wallace Cardia, a participação deste último na bateria e na produção de efeitos sonoros e a direção musical de Pedro Luís.
DEUS É QUÍMICA - Texto de Fernanda Torres. Direção de Hamilton Vaz Pereira. Com Luiz Fernando Guimarãos, Fernanda Torres, Francisco Cuoco, Jorge Mautner e Fransergio Araújo. Teatro dos Quatro. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.
"Deus é química"
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E o pior é que é mesmo...
Lionel Fischer
Em um de seus mais impactantes poemas, Bertolt Brecht diz o seguinte: "De que vale, com a lama até o pescoço, manter limpas as unhas nas pontas dos dedos?" - a tradução é de alguém cujo nome me escapa, mas que assim mesmo parabenizo, pois não consigo entender como alguém domina o alemão. E naquela que talvez seja sua canção mais contundente, "Blowin in the win", lá pelas tantas Bob Dylan indaga: "How many times can a man turn his head, pretend that he just dosen't see?" ("Quantas vezes um homem pode virar a cabeça, fingindo que não viu?") - aqui a tradução é minha, pela qual faço questão de me desculpar, já que meu inglês é de boteco. Mas, enfim: o que possuem em comum o poema e a canção?
Absolutamente tudo. No primeiro caso, estamos diante da alienação, da negação de uma amarga realidade, da hipocrisia de simular que tudo continua bem em meio ao caos. No segundo, Dylan fala da indiferença, da falta de solidariedade, do salve-se quem puder, o que não deixa de também constituir um grave sintoma de alienação. E esta é, sem dúvida, a mais sinistra patologia da globalização, que prega justamente a indiferença, a falta de solidariedade, a hipocrisia e, como se tudo isso não bastasse, a imperiosa necessidade de já se ter um milhão de dólares na conta bancária no máximo aos 30 anos.
Mas como aqui o tema é teatro, o que tem a ver o poema, a canção e a peça de estréia - com acento agudo, pois estréia sem acento, para mim, não passa de ensaio geral - da atriz Fernanda Torres? Absolutamente tudo. E esta é uma das razões que me levam a considerá-la de extrema importância no atual cenário dramatúrgico carioca. Em cartaz no Teatro dos Quatro, "Deus é química" foi escrita por Fernanda com a colaboração do conto "A química da ressurreição", de Jorge Mautner, e chega à cena com direção de Hamilton Vaz Pereira, estando o elenco constituído por Luiz Fernando Guimarães, Fernanda Torres, Francisco Cuoco, Jorge Mautner e Fransergio Araújo, que dividem o palco com o coro formado por Cesar Miranda, João Lucas Romero, Lucas Oradovschi e Vicente Coelho, com Saulo Segreto ficando responsável pela leitura das rubricas.
É bem possível que muitos sábios, que se julgam detentores do monopólio da verdade, façam graves ressalvas à dramaturgia em questão. Mas como conceituar dramaturgia me obrigaria a escrever um tratado de no mínimo 800 páginas, deixo de lado a possibilidade imediata de redigí-lo e me contento em afirmar que Fernanda Torres produziu, sim, um texto dramatúrgico, e da maior qualidade. Claro que fora dos padrões convencionais, mas nem por isso isento dos méritos que detalho em seguida.
Para início de conversa, vamos ao tema principal. Numa leitura apressada, pode-se ter a impressão de que a autora situa seu foco no universo das drogas e de todas as suas funestas conseqüências - degradação pessoal, aumento da violência, responsabilidade dos usuários que possibilitam o comércio das ditas drogas etc. E embora isso não deixe de ser verdade, enxergamos algo que nos parece ainda mais apavorante e que Dostoievsky já vaticinara: "Se Deus não existe, então tudo é permitido". Mas o homem não resistiria à idéia de um mundo carente de Deus, seja ele qual for - e aí inluo até mesmo os ateus, pois basta terem um filho doente para que saiam entoando Ave Marias.
E que Deus seria esse, já que vivemos em um tempo em que as ideologias praticamente desapareceram, assim como ideais transformadores e valores éticos? Um Deus químico, naturalmente, quem sabe convertido em mágicas pílulas que teriam o poder de apaziguar corações dilacerados pela angústia e fornecer a ilusória sensação de felicidade. Deus, portanto, é realmente químico. Fernanda Torres está coberta de razão.
Quanto ao enredo da peça, este viaja por países e sensações, valoriza o humor (invariavelmente crítico) e a dramaticidade. E todas as ações - muitas delas precedidas da leitura de rubricas - conferem à montagem uma atmosfera delirante e propositadamente caótica. Mas neste quesito, cumpre ressaltar que o "caos" em questão é apenas aparente, já que a encenação é assinada pelo talentosíssimo Hamilton Vaz Pereira, que consegue o prodígio de simular "desordem" tendo a ordem a sustentá-la. Ou seja: a dinâmica cênica obedece a um planejamento mais do que detalhado, ainda que deixando espaço para eventuais momentos de improviso.
E como poderia ser de outra forma, se a montagem é protagonizada por dois de nossos mais talentosos intérpretes, Luiz Fernando Guimarães e Fernanda Torres? É impressionante a "química" entre eles, seja na televisão ou no teatro, e certamente se manteria a mesma caso resolvessem andar de pedalinho nas plácidas águas da Lagoa Rodrigo de Freitas. E os demais atores - Francisco Cuoco, o poeta e músico Jorge Mauter (estreando como ator) e Fransergio Araújo embarcam de cabeça, e com sucesso, nesta curiosa e mais do que oportuna jornada teatral, que, se por um lado, como já foi dito, viaja por muitos países, sem dúvida tem como porto de chegada os nossos corações, aposta na nossa capacidade de ainda refletir sobre a realidade na esperança de que consigamos transformá-la.
Na equipe técnica, Jorginho de Carvalho assina uma iluminação que reforça todos os climas emocionais em jogo, sendo impecáveis os figurinos de Felipe Veloso, a direção de arte de Gualter Pupo, a trilha sonora de Hamilton e Wallace Cardia, a participação deste último na bateria e na produção de efeitos sonoros e a direção musical de Pedro Luís.
DEUS É QUÍMICA - Texto de Fernanda Torres. Direção de Hamilton Vaz Pereira. Com Luiz Fernando Guimarãos, Fernanda Torres, Francisco Cuoco, Jorge Mautner e Fransergio Araújo. Teatro dos Quatro. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.
sábado, 22 de agosto de 2009
Teatro/CRÍTICA
"O despertar da primavera - o musical"
.......................................................
Obra-prima em versão imperdível
Lionel Fischer
Certamente todos os profissionais dar artes cênicas e estudantes de teatro conhecem o texto "O despertar da primavera", de Wedekind. Mas é possível que muitos espectadores ainda não tenham tido o privilégio de entrar em contato com esta obra-prima e sobretudo pouco saibam a respeito do dramaturgo. Então, vamos rapidamente situá-lo.
Autor dramático alemão, Frank Wedekind (1864-1918) foi colaborador da revista satírica Simplizissimus, membro do famoso Kabarett, de Munique e ator de grande destaque. Começou sua carreira com dramas sobre os problemas da juventude e seu choque com a moral burguesa. Deste período constam O mundo jovem e O despertar da primavera, esta última uma de suas obras mais importantes, na qual a temática antiburguesa e o simbolismo expressionista se acentuaram em suas obras seguintes (O espírito da terra e a segunda parte de A caixa de Pandora), em que criou o protótipo da mulher fatal. Sua postura cínica de boêmio e moralista antiburguês, sua exaltação do erotismo e sua predileção por personagens marginais (aventureiros, criminosos, prostitutas etc.) impuseram ao dramaturgo constantes problemas com a censura.
Isto posto, voltemos ao essencial: passados 30 anos da estréia no Rio da peça, levada à cena por um jovem e talentoso grupo que ficou conhecido como O Pessoal do Despertar, dirigido por Paulo Reis, a maravilhosa obra de Wedekind volta ao cartaz. Só que, desta vez, na forma de um musical, estreado em 2006 nos Estados Unidos, no circuito OFF-Broadway e que, ainda no mesmo ano, chegou à Broadway e foi consagrado pelo público e pela crítica, recebendo oito prêmios Tony.
Contando com música de Ducan Sheik, texto e letras de Steven Sater, "O despertar da primavera - o musical" chega ao palco do Teatro Villa-Lobos com direção de Charles Möeller, versão das letras e supervisão musical de Claudio Botelho e elenco protagonizado por Malu Rodrigues (Wendla), Pierre Baitelli (Melchior), Rodrigo Pandolfo (Moritz) e Letícia Colin (Ilse), que dividem a cena com Débora Olivieri e Carlos Gregório - que interpretam todos os personagens adultos - e mais Alice Motta, André Loddi, Bruno Sigrist, Danilo Timm, Davi Guilherme, Eline Porto, Estrela Blanco, Felipe de Carolis, Julia Bernat, Laura Lobo, Lua Blanco, Mariah Viamonte, Pedro Sol e Thiago Marinho - estes últimos fazem os companheiros de colégio dos protagonistas.
Contendo personagens otimamente estruturados, diálogos impregnados de dramaticidade e lirismo, e uma narrativa que prende a atenção do espectador desde o início, "O despertar da primavera" é um texto que permanece atualíssmo, já que aborda temas que, infelizmente, nossa sociedade não foi capaz de banir, como alguns citados no impecável e abrangente release que nos foi enviado: o florescer da sexualidade, o incesto, o suicídio e a opressão, tanto no âmbito familar como no escolar e religioso.
E o texto é tão poderoso que, mesmo convertido em musical, conserva intacto seu fascínio e pertinência, cabendo registrar um dado curioso: se por um lado os autores mantiveram a atmosfera da época, por outro criaram músicas contemporâneas, com o objetivo, quem sabe, de através deste contraste reafirmar a atualidade das questões essencais trabalhadas por Wedekind. No entanto, aqui fazemos uma pequena ressalva: se por um lado a maioria das 19 canções estão em sintonia com o contexto, por outro algumas carecem de maior vigor dramático, contribuindo para minimizar um pouco o dilacerante e claustrofóbico universo em que se debatem os personagens. Mas este senão acaba sendo, em grande parte, compensado pela ótima direção musical de Marcelo Castro e pela paixão com que os atores interpretam as músicas, cujas letras, como de hábito, receberam impecáveis versões de Claudio Botelho.
Quanto ao espetáculo, este marca a 22ª incursão de Charles Möeller e Claudio Botelho no gênero musical. E o que ainda pode ser dito a respeito desta extraordinária parceria, que a cada nova empreitada se supera? Aqui, estamos novamente diante de uma montagem absolutamente irrepreensível, que consegue materializar na cena, de forma sensível e criativa, todos os conteúdos propostos pelo autor. E também fazemos absoluta questão de ressaltar o fato de que Möeller e Botelho tiveram a salutar ousadia - exceção feita a Débora Olivieri e Carlos Gregório, profissionais com vasta experiência - de trabalhar com jovens com idades entre 18 e 25 anos, portanto praticamente em início de carreira, deles extraindo atuações irretocáveis, tanto no que se refere aos protagonistas como a todos os demais. Só nos resta, então, desejar que os sempre caprichosos deuses do teatro abençoem esta mais do que oportuna empreitada e a façam permanecer em cartaz por muito tempo.
No complemento da ficha técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo o maravilhoso trabalho de todos os profissionais envolvidos nesta imperdível montagem - Alonso Barros (coreografia), Annmarie Milazzo (arranjos vocais), Rogério Falcão (cenário), Marcelo Pies (figurinos) e Paulo César Medeiros (iluminação).
O DESPERTAR DA PRIMAVERA - Texto de Frank Wedekind. Musical com texto e letras de Steven Sater, música de Duncan Sheik. Direção de Charles Möeller, versões das letras e supervisão musical de Claudio Botelho. Com Pierre Baitelli, Malu Rodrigues, Rodrigo Pandolgo, Letícia Colin e grande elenco. Teatro Villa-Lobos. Quinta e sexta, 21h. Sábado, 21h30. Domingo, 18h.
"O despertar da primavera - o musical"
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Obra-prima em versão imperdível
Lionel Fischer
Certamente todos os profissionais dar artes cênicas e estudantes de teatro conhecem o texto "O despertar da primavera", de Wedekind. Mas é possível que muitos espectadores ainda não tenham tido o privilégio de entrar em contato com esta obra-prima e sobretudo pouco saibam a respeito do dramaturgo. Então, vamos rapidamente situá-lo.
Autor dramático alemão, Frank Wedekind (1864-1918) foi colaborador da revista satírica Simplizissimus, membro do famoso Kabarett, de Munique e ator de grande destaque. Começou sua carreira com dramas sobre os problemas da juventude e seu choque com a moral burguesa. Deste período constam O mundo jovem e O despertar da primavera, esta última uma de suas obras mais importantes, na qual a temática antiburguesa e o simbolismo expressionista se acentuaram em suas obras seguintes (O espírito da terra e a segunda parte de A caixa de Pandora), em que criou o protótipo da mulher fatal. Sua postura cínica de boêmio e moralista antiburguês, sua exaltação do erotismo e sua predileção por personagens marginais (aventureiros, criminosos, prostitutas etc.) impuseram ao dramaturgo constantes problemas com a censura.
Isto posto, voltemos ao essencial: passados 30 anos da estréia no Rio da peça, levada à cena por um jovem e talentoso grupo que ficou conhecido como O Pessoal do Despertar, dirigido por Paulo Reis, a maravilhosa obra de Wedekind volta ao cartaz. Só que, desta vez, na forma de um musical, estreado em 2006 nos Estados Unidos, no circuito OFF-Broadway e que, ainda no mesmo ano, chegou à Broadway e foi consagrado pelo público e pela crítica, recebendo oito prêmios Tony.
Contando com música de Ducan Sheik, texto e letras de Steven Sater, "O despertar da primavera - o musical" chega ao palco do Teatro Villa-Lobos com direção de Charles Möeller, versão das letras e supervisão musical de Claudio Botelho e elenco protagonizado por Malu Rodrigues (Wendla), Pierre Baitelli (Melchior), Rodrigo Pandolfo (Moritz) e Letícia Colin (Ilse), que dividem a cena com Débora Olivieri e Carlos Gregório - que interpretam todos os personagens adultos - e mais Alice Motta, André Loddi, Bruno Sigrist, Danilo Timm, Davi Guilherme, Eline Porto, Estrela Blanco, Felipe de Carolis, Julia Bernat, Laura Lobo, Lua Blanco, Mariah Viamonte, Pedro Sol e Thiago Marinho - estes últimos fazem os companheiros de colégio dos protagonistas.
Contendo personagens otimamente estruturados, diálogos impregnados de dramaticidade e lirismo, e uma narrativa que prende a atenção do espectador desde o início, "O despertar da primavera" é um texto que permanece atualíssmo, já que aborda temas que, infelizmente, nossa sociedade não foi capaz de banir, como alguns citados no impecável e abrangente release que nos foi enviado: o florescer da sexualidade, o incesto, o suicídio e a opressão, tanto no âmbito familar como no escolar e religioso.
E o texto é tão poderoso que, mesmo convertido em musical, conserva intacto seu fascínio e pertinência, cabendo registrar um dado curioso: se por um lado os autores mantiveram a atmosfera da época, por outro criaram músicas contemporâneas, com o objetivo, quem sabe, de através deste contraste reafirmar a atualidade das questões essencais trabalhadas por Wedekind. No entanto, aqui fazemos uma pequena ressalva: se por um lado a maioria das 19 canções estão em sintonia com o contexto, por outro algumas carecem de maior vigor dramático, contribuindo para minimizar um pouco o dilacerante e claustrofóbico universo em que se debatem os personagens. Mas este senão acaba sendo, em grande parte, compensado pela ótima direção musical de Marcelo Castro e pela paixão com que os atores interpretam as músicas, cujas letras, como de hábito, receberam impecáveis versões de Claudio Botelho.
Quanto ao espetáculo, este marca a 22ª incursão de Charles Möeller e Claudio Botelho no gênero musical. E o que ainda pode ser dito a respeito desta extraordinária parceria, que a cada nova empreitada se supera? Aqui, estamos novamente diante de uma montagem absolutamente irrepreensível, que consegue materializar na cena, de forma sensível e criativa, todos os conteúdos propostos pelo autor. E também fazemos absoluta questão de ressaltar o fato de que Möeller e Botelho tiveram a salutar ousadia - exceção feita a Débora Olivieri e Carlos Gregório, profissionais com vasta experiência - de trabalhar com jovens com idades entre 18 e 25 anos, portanto praticamente em início de carreira, deles extraindo atuações irretocáveis, tanto no que se refere aos protagonistas como a todos os demais. Só nos resta, então, desejar que os sempre caprichosos deuses do teatro abençoem esta mais do que oportuna empreitada e a façam permanecer em cartaz por muito tempo.
No complemento da ficha técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo o maravilhoso trabalho de todos os profissionais envolvidos nesta imperdível montagem - Alonso Barros (coreografia), Annmarie Milazzo (arranjos vocais), Rogério Falcão (cenário), Marcelo Pies (figurinos) e Paulo César Medeiros (iluminação).
O DESPERTAR DA PRIMAVERA - Texto de Frank Wedekind. Musical com texto e letras de Steven Sater, música de Duncan Sheik. Direção de Charles Möeller, versões das letras e supervisão musical de Claudio Botelho. Com Pierre Baitelli, Malu Rodrigues, Rodrigo Pandolgo, Letícia Colin e grande elenco. Teatro Villa-Lobos. Quinta e sexta, 21h. Sábado, 21h30. Domingo, 18h.
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Um alento aos tímidos
Lionel Fischer
Embora já tenha dado cursos e promovido seminários em várias instituições, meu foco aqui se limita às aulas de Improvisação que dou no Tablado há 14 anos. E o objetivo principal deste breve artigo, como indica o título, é fazer com que os iniciantes que são - ou acreditam que são - excessivamente tímidos compreendam, por um lado, que timidez não é defeito, e muito menos um entrave para futuras realizações de altíssimo nível.
Como principal exemplo, posso citar o de Rubens Corrêa, um dos maiores atores que este país já teve. Em seus primeiros tempos de aprendizado com Maria Clara Machado - inicialmente no extindo Conservatório Nacional de Teatro e depois no Tablado -, Rubens era tão retraído e tímido que, segundo Maria Clara Machado me contou, mal se ouvia o que ele falava em cena. Rubens não tinha, efetivamente, uma voz privilegiada, mas em contrapartida teve a sapiência de perceber isso e estudou voz a vida inteira. A primeira vez que o vi em cena, para que se tenha uma idéia, foi interpretando o Marquês de Sade na peça "Marat Sade", de Peter Weiss, no Teatro João Caetano. Pois bem: me sentei na última fila do balcão superior e mesmo assim consegui escutar, com absoluta clareza, tudo que Rubens falava, mesmo quando optava pelo sussurro.
Mas citei Rubens Corrêa não tanto como exemplo de um profissional consciente de que precisava dominar inteiramente seus recursos expressivos, estando a voz aí incluída, naturalmente. Meu objetivo é falar sobre timidez, o que também me obriga a estabelecer um contraponto entre os alunos tímidos e os desinibidos - ou que se julgam desinibidos. Comecemos, então, por estes últimos.
Em uma turma de iniciantes, existem sempre aqueles mais descontraídos, que não perdem a menor oportunidade de subir ao palco e, uma vez nele instalados, falam o tempo todo, não escutam ninguém - e, portanto, não contracenam -, sempre tentam conduzir a improvisão segundo seus desejos e, graças a tais predicados, acreditam piamente que têm "facilidade para representar". E, efetivamente, alguns até a possuem, mas invariavelmente caem na seguinte cilada: por acreditarem que "facilidade" basta, não estudam, não prestam atenção no desempenho dos colegas e invariavelmente esperam que o professor elogie - sem reservas - sua notável desinibição.
É claro que ter "facilidade" para o que quer que seja é melhor do que não possuí-la. Mas isso não significa absolutamente nada, pois a "facilidade" se esgota em si mesma e muito rapidamente. E assim, e por algumas razões apresentadas no parágrafo anterior, tais alunos (ou alunas, evidentemente), são capazes de ficar 10 anos no Tablado e não avançar um metro - é claro que, depois desses 10 anos, estarão ainda mais desinibidos...mas apenas isso.
Em contrapartida, temos os tímidos, aqueles que sobem pouco no palco, que pouco opinam, que relutam por algum tempo - às vezes excessivo, não resta dúvida - em vencer a barreira que os impede de se expor publicamente aos olhares de uma "multidão" - sim, pois 40 olhares, para um tímido, é quase uma platéia de Fla-Flu. Mas sempre chega o momento em que os tímidos começam a encarar de frente a própria timidez e resolvem enfrentá-la. Então, se dispõem a subir no palco - inicialmente aterrorizados, sem dúvida - mas o fazem, que é o que interessa. É o primeiro e grandioso passo. E se pouco falam - quando o tema comporta palavras - ou praticamente ficam estáticos, quando as mesmas são vetadas, o fundamental é que, ao voltarem para seus lugares na platéia, constatam, com enorme surpresa, que não desmaiaram, não surtaram, não tiveram o desejo de falecer em cena - no máximo, podem ter desejado que a dita cena não se prolongasse muito.
E com o passar do tempo e a progressiva confiança no professor, na turma e, fundamentalmente em si mesmos, os tais tímidos começam a evoluir muito mais do que os simpáticos - às vezes, nem tanto - desinibidos, que no fundo talvez sejam mais inseguros do que aqueles que não se empenham em escamotear a própria insegurança e timidez. E é então que se verifica um curioso fenômeno: os desinibidos (normalmente possuidores de uma personalidade narcísica) se vêem obrigados a constatar, com profundo assombro e algum desconforto, que aquele carinha tão calado e retraído que parecia nada ter para oferecer de interessante como ator, já atingiu um patamar muito superior ao seu, seja nas improvisações ou cenas decoradas.
Nesse momento, os "desinibidos" só têm duas opções: admitir o óbvio - ou seja, que o retraimento incial de alguns nada tem a ver com talento - e então calçar as sandálias da humildade e passar a estudar, a se envolver realmente com colegas em cena e sobretudo renunciar à bizarra opinião que possuíam de que constituíam o centro do universo, ou então insistirem na mesma e lamentável postura, que, como já foi dito, não os conduzirá a lugar algum.
Como todos sabemos, tudo na vida é uma questão de escolhas. Às vezes acertamos, às vezes nos equivocamos. Faz parte do jogo. Mas ter a capacidade de reconhecer um engano é sinal de grandeza. Insistir nele, é mera idiotice e perda de tempo.
Asssim, se você é timido e retraído, não encare isso jamais como um entrave, desde que você se disponha, obedecendo ao seu tempo interior e aos seus limites, a superar a própria timidez e retraimento. E se você pertence ao grupo dos desinibidos, não se culpe por sua própria desibinição. Mas tenha com ela uma relação cautelosa, pois do contrário o seu talento - se de fato você o possui - jamais aflorará, se perderá em uma das muitas curvas dessa longa e sinuosa estrada que constitui a dificílima arte de representar.
Lionel Fischer
Embora já tenha dado cursos e promovido seminários em várias instituições, meu foco aqui se limita às aulas de Improvisação que dou no Tablado há 14 anos. E o objetivo principal deste breve artigo, como indica o título, é fazer com que os iniciantes que são - ou acreditam que são - excessivamente tímidos compreendam, por um lado, que timidez não é defeito, e muito menos um entrave para futuras realizações de altíssimo nível.
Como principal exemplo, posso citar o de Rubens Corrêa, um dos maiores atores que este país já teve. Em seus primeiros tempos de aprendizado com Maria Clara Machado - inicialmente no extindo Conservatório Nacional de Teatro e depois no Tablado -, Rubens era tão retraído e tímido que, segundo Maria Clara Machado me contou, mal se ouvia o que ele falava em cena. Rubens não tinha, efetivamente, uma voz privilegiada, mas em contrapartida teve a sapiência de perceber isso e estudou voz a vida inteira. A primeira vez que o vi em cena, para que se tenha uma idéia, foi interpretando o Marquês de Sade na peça "Marat Sade", de Peter Weiss, no Teatro João Caetano. Pois bem: me sentei na última fila do balcão superior e mesmo assim consegui escutar, com absoluta clareza, tudo que Rubens falava, mesmo quando optava pelo sussurro.
Mas citei Rubens Corrêa não tanto como exemplo de um profissional consciente de que precisava dominar inteiramente seus recursos expressivos, estando a voz aí incluída, naturalmente. Meu objetivo é falar sobre timidez, o que também me obriga a estabelecer um contraponto entre os alunos tímidos e os desinibidos - ou que se julgam desinibidos. Comecemos, então, por estes últimos.
Em uma turma de iniciantes, existem sempre aqueles mais descontraídos, que não perdem a menor oportunidade de subir ao palco e, uma vez nele instalados, falam o tempo todo, não escutam ninguém - e, portanto, não contracenam -, sempre tentam conduzir a improvisão segundo seus desejos e, graças a tais predicados, acreditam piamente que têm "facilidade para representar". E, efetivamente, alguns até a possuem, mas invariavelmente caem na seguinte cilada: por acreditarem que "facilidade" basta, não estudam, não prestam atenção no desempenho dos colegas e invariavelmente esperam que o professor elogie - sem reservas - sua notável desinibição.
É claro que ter "facilidade" para o que quer que seja é melhor do que não possuí-la. Mas isso não significa absolutamente nada, pois a "facilidade" se esgota em si mesma e muito rapidamente. E assim, e por algumas razões apresentadas no parágrafo anterior, tais alunos (ou alunas, evidentemente), são capazes de ficar 10 anos no Tablado e não avançar um metro - é claro que, depois desses 10 anos, estarão ainda mais desinibidos...mas apenas isso.
Em contrapartida, temos os tímidos, aqueles que sobem pouco no palco, que pouco opinam, que relutam por algum tempo - às vezes excessivo, não resta dúvida - em vencer a barreira que os impede de se expor publicamente aos olhares de uma "multidão" - sim, pois 40 olhares, para um tímido, é quase uma platéia de Fla-Flu. Mas sempre chega o momento em que os tímidos começam a encarar de frente a própria timidez e resolvem enfrentá-la. Então, se dispõem a subir no palco - inicialmente aterrorizados, sem dúvida - mas o fazem, que é o que interessa. É o primeiro e grandioso passo. E se pouco falam - quando o tema comporta palavras - ou praticamente ficam estáticos, quando as mesmas são vetadas, o fundamental é que, ao voltarem para seus lugares na platéia, constatam, com enorme surpresa, que não desmaiaram, não surtaram, não tiveram o desejo de falecer em cena - no máximo, podem ter desejado que a dita cena não se prolongasse muito.
E com o passar do tempo e a progressiva confiança no professor, na turma e, fundamentalmente em si mesmos, os tais tímidos começam a evoluir muito mais do que os simpáticos - às vezes, nem tanto - desinibidos, que no fundo talvez sejam mais inseguros do que aqueles que não se empenham em escamotear a própria insegurança e timidez. E é então que se verifica um curioso fenômeno: os desinibidos (normalmente possuidores de uma personalidade narcísica) se vêem obrigados a constatar, com profundo assombro e algum desconforto, que aquele carinha tão calado e retraído que parecia nada ter para oferecer de interessante como ator, já atingiu um patamar muito superior ao seu, seja nas improvisações ou cenas decoradas.
Nesse momento, os "desinibidos" só têm duas opções: admitir o óbvio - ou seja, que o retraimento incial de alguns nada tem a ver com talento - e então calçar as sandálias da humildade e passar a estudar, a se envolver realmente com colegas em cena e sobretudo renunciar à bizarra opinião que possuíam de que constituíam o centro do universo, ou então insistirem na mesma e lamentável postura, que, como já foi dito, não os conduzirá a lugar algum.
Como todos sabemos, tudo na vida é uma questão de escolhas. Às vezes acertamos, às vezes nos equivocamos. Faz parte do jogo. Mas ter a capacidade de reconhecer um engano é sinal de grandeza. Insistir nele, é mera idiotice e perda de tempo.
Asssim, se você é timido e retraído, não encare isso jamais como um entrave, desde que você se disponha, obedecendo ao seu tempo interior e aos seus limites, a superar a própria timidez e retraimento. E se você pertence ao grupo dos desinibidos, não se culpe por sua própria desibinição. Mas tenha com ela uma relação cautelosa, pois do contrário o seu talento - se de fato você o possui - jamais aflorará, se perderá em uma das muitas curvas dessa longa e sinuosa estrada que constitui a dificílima arte de representar.
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
Maurice Maeterlinck
Maurice Maeterlinck nasceu em 1862, na Bélgica, e é considerado um dos expoentes do dito teatro "simbolista" que surge, na virada do século, como uma reação contra o naturalismo na dramaturgia e, sobretudo, na cena. Esse teatro poético esté preocupado em desobstruir o palco que o naturalismo atulhou de detalhes com o intuito de criar, no espectador, a ilusão de estar diante de uma "fatia de vida", segundo a formulação de Zola.
O teatro simbolista é muitas vezes referido como um "teatro de atmosfera" devido à simplicidade da ação que repousa, em geral, sobre um sentimento que todos possam reconhecer como seu (o amor, a perplexidade diante da morte, por exemplo). Entretanto, isso não significa a "desencarnação" da ação e dos personagens. Pelo contrário, Maeterlinck escreveu vários de seus dramas, inclusive Interior, para marionetes, como uma forma de chamar a atenção para a necessidade de tornar expressivo o corpo, como um todo, subtraindo o teatro à declamação, ainda dominante àquela época.
Maeterlinck não opôs atmosfera a ação, nem corpo a poesia, ele compreendeu que era preciso interpretar como ação também a quietude e a reflexão e que a poesia não se faz à custa da vida, mas que, pelo contrário, o que há na poesia é vida.
Para que essa ação reflexiva e essa poesia encarnada aconteçam cenicamente é preciso que toda a encenação esteja imbuída do sentimento que sustenta a peça e que se explicitará em seus elementos - no tom e no motivo gestual que cada ator tomará como base para as variações de seu trabalho, nos elementos cênicos que estabelecerão entre si uma relação que é, ao mesmo tempo, concreta e alusiva.
Maeterlinck foi encenado pelos dois mais importantes teatros simbolistas franceses: O Théâtre d'Art montou A intrusa em 1891, e o Théâtre de 'Oeuvre, Pelléas e Mélisande, em 1893.
A obra de Materlinck foi de fundamental importância para Stanislavsky que, preocupado em pesquisar as possibilidades de interpretação dos "estados d'alma" a partir de novas bases, encarrega Meyerhold de dirigir o Teatro Studio, organizado para este fim. Meyerhold preparou, então, em 1905, a encenação de A morte de Tintagiles, que, entretanto, nunca chegou a estrear, mas que lhe serviu de motivo para uma reflexão sobre a necessidade de compor, de forma harmônica, uma cena em que a simplicidade do texto aflorasse de uma dicção clara, sem trêmolos, nem vozes lacrimejantes.
O transporte místico que o texto de Maeterlinck propõe deveria manifestar-se através de emoções vindas da forma, pois, para Meyerhold, o ponto de partida do trabalho do ator não é uma "explosão de temperamento" que depois buscaria uma forma, mas a pesquisa da forma através da qual essa espiritualização do mundo poderia manifestar-se.
O próprio Stanislavsky foi o primeiro encenador a montar O pássaro azul, em 1908 e, para melhor conhecer os desejos de Maeterlinck a respeito da realização da peça, viajou ao seu encontro em Saint-Vendrille, na Normandia, passando alguns dias na antiga abadia onde morava o poeta e que, com seus subterrâneos e bosques, serviria perfeitamente de cenário para Pélleas e Mélisande.
Stanislavsky adotou, para a encenação, uma ambientaçlão "ingênua" que evoca os esquemáticos desenhos infantis e desenvolveu, na interpretação, o que ele chamou de "técnica interior do ator" e que lhe propiciaria penetrar na "essência do personagem", preocupação que o acompanhava já há alguns anos, desde seu encontro com a obra de Tchecov.
Muitos outros encenadores montaram Maeterlinck. Max Reinhardt (Pélleas e Mélisande). Claude Régy apresentou Interior, em 1985, no Théâtre National de Strasbourg. A única apresentação realizada pelo Teato Efêmero de Marionetes, que Tadeuz Kantor fundou quando ainda estudava Belas Artes em Cracóvia, no final dos anos 30, foi a encenação de A morte de Tintagiles, sobre a qual Kantor voltou recentemente a trabalhar, desta vez com atores e objetos.
Maeterlinck não escreveu apenas peças, publicou poemas, romances, contos e curiosos livros de divulgação científica (como A vida das abelhas e A linguagem das flores), e traduziu para o francês Macbeth, de Shakespeare.
Sua influência se faz sentir na obra de muitos de seus contemporâneos. Rilke refere-se a ele em vários de seus escritos como o criador de um teatro "ainda por vir", e no qual o que realmente importa não é o diálogo aparentemente essencial que se oferece a uma primeira e ingênua leitura, mas a realidade transcendente que desponta, com simplicidade, por trás desse diálogo, como o motivo que o sustenta.
A princesa branca, de Rilke, que evoca a longa espera de uma mulher que se guardou para o seu amado que virá acostar à praia diante do palácio se ela acenar no momento acertado, apresenta muitas afinidades com as peças da primeira fase de Maeterlinck (A princesa Maleine, A Intrusa, Interior, Pélleas e Mélisande).
Por abrir espaço em sua obra para as forças do inconsciente, o sonho e o mistério da existência, Maeterlinck é apontado como precursor dos surrealistas e dos autores do dito Teatro do Absurdo. No prefácio a Doze canções, de Maeterlinck, publicado em 1923, Antonin Artaud situa o trabalho do autor em relação a alguns momentos da trajetória teatral do Oriente:
Maeterlinck cria, no mundo espiritual, um equivalente dos pupazzi que a Comédia Italiana cria no mundo plástico: Maeterlinck alarga a galeria dos pupazzi místicos. Acrescenta novas figuras a essas encantadoras criações. Seu teatro é todo um mundo onde os personagens tradicionais do teatro reaparecem, evocados a partir do seu interior. A fatalidade inconsciente do drama antigo torna-se, em Maeterlinck, a razão de ser da ação. Os personagens são marionetes agitadas pelo destino.
O misticismo de Maeterlinck faz com que ele perceba, por trás das aparências cotidianas, às quais não damos nunca atenção, forças misteriosas que dispõem de nosso destino e cujos desígnios é inútil perscrutar. A fim de tudo, resta-nos aguçar a sensibilidade para o que Maeterlinck chama de "o trágico cotidiano" e que não se manifesta quando estamos envolvidos em grandes aventuras, mas quando, cessada toda a ação, voltamo-nos sobre nós mesmos.
PRINCIPAIS OBRAS DE MAETERLINCK
A princesa Maleine (1889)
A intrusa ((1890)
Os cegos (1890)
As sete princesas (1891)
Pélleas e Mélisande (1892), convertida em ópera por Debussy em 1902, serviu de tema também a um poema sinfônico d Arnold Schoenberg, criado em 1903.
Alladine e Palomides, Interior e A morte de Tintagiles, todos de 1894 e todos para marionetes.
Aglavaine e Sélysette (1896)
Ariane e Barba Azul (1901)
Irmã Beatriz (1901)
Monna Vianna (1902), curiosa incursão de Materlinck pelo naturalismo.
Joyzelle (1903)
O passaro azul (1908)
O burgomestre de Stilmonde (1918)
* Maurice Poydore-Marie-Bernard Maeterlinck morreu a 26 de maio de 1949, em Nice, na França.
_______________________________
O presente artigo,extraído de Journal du Théâtre National de Strasbourg, nº 9, septembre 1985, p. 42, consta da revista Cadernos de Teato nº 119/1988, edição já esgotada.
Maurice Maeterlinck nasceu em 1862, na Bélgica, e é considerado um dos expoentes do dito teatro "simbolista" que surge, na virada do século, como uma reação contra o naturalismo na dramaturgia e, sobretudo, na cena. Esse teatro poético esté preocupado em desobstruir o palco que o naturalismo atulhou de detalhes com o intuito de criar, no espectador, a ilusão de estar diante de uma "fatia de vida", segundo a formulação de Zola.
O teatro simbolista é muitas vezes referido como um "teatro de atmosfera" devido à simplicidade da ação que repousa, em geral, sobre um sentimento que todos possam reconhecer como seu (o amor, a perplexidade diante da morte, por exemplo). Entretanto, isso não significa a "desencarnação" da ação e dos personagens. Pelo contrário, Maeterlinck escreveu vários de seus dramas, inclusive Interior, para marionetes, como uma forma de chamar a atenção para a necessidade de tornar expressivo o corpo, como um todo, subtraindo o teatro à declamação, ainda dominante àquela época.
Maeterlinck não opôs atmosfera a ação, nem corpo a poesia, ele compreendeu que era preciso interpretar como ação também a quietude e a reflexão e que a poesia não se faz à custa da vida, mas que, pelo contrário, o que há na poesia é vida.
Para que essa ação reflexiva e essa poesia encarnada aconteçam cenicamente é preciso que toda a encenação esteja imbuída do sentimento que sustenta a peça e que se explicitará em seus elementos - no tom e no motivo gestual que cada ator tomará como base para as variações de seu trabalho, nos elementos cênicos que estabelecerão entre si uma relação que é, ao mesmo tempo, concreta e alusiva.
Maeterlinck foi encenado pelos dois mais importantes teatros simbolistas franceses: O Théâtre d'Art montou A intrusa em 1891, e o Théâtre de 'Oeuvre, Pelléas e Mélisande, em 1893.
A obra de Materlinck foi de fundamental importância para Stanislavsky que, preocupado em pesquisar as possibilidades de interpretação dos "estados d'alma" a partir de novas bases, encarrega Meyerhold de dirigir o Teatro Studio, organizado para este fim. Meyerhold preparou, então, em 1905, a encenação de A morte de Tintagiles, que, entretanto, nunca chegou a estrear, mas que lhe serviu de motivo para uma reflexão sobre a necessidade de compor, de forma harmônica, uma cena em que a simplicidade do texto aflorasse de uma dicção clara, sem trêmolos, nem vozes lacrimejantes.
O transporte místico que o texto de Maeterlinck propõe deveria manifestar-se através de emoções vindas da forma, pois, para Meyerhold, o ponto de partida do trabalho do ator não é uma "explosão de temperamento" que depois buscaria uma forma, mas a pesquisa da forma através da qual essa espiritualização do mundo poderia manifestar-se.
O próprio Stanislavsky foi o primeiro encenador a montar O pássaro azul, em 1908 e, para melhor conhecer os desejos de Maeterlinck a respeito da realização da peça, viajou ao seu encontro em Saint-Vendrille, na Normandia, passando alguns dias na antiga abadia onde morava o poeta e que, com seus subterrâneos e bosques, serviria perfeitamente de cenário para Pélleas e Mélisande.
Stanislavsky adotou, para a encenação, uma ambientaçlão "ingênua" que evoca os esquemáticos desenhos infantis e desenvolveu, na interpretação, o que ele chamou de "técnica interior do ator" e que lhe propiciaria penetrar na "essência do personagem", preocupação que o acompanhava já há alguns anos, desde seu encontro com a obra de Tchecov.
Muitos outros encenadores montaram Maeterlinck. Max Reinhardt (Pélleas e Mélisande). Claude Régy apresentou Interior, em 1985, no Théâtre National de Strasbourg. A única apresentação realizada pelo Teato Efêmero de Marionetes, que Tadeuz Kantor fundou quando ainda estudava Belas Artes em Cracóvia, no final dos anos 30, foi a encenação de A morte de Tintagiles, sobre a qual Kantor voltou recentemente a trabalhar, desta vez com atores e objetos.
Maeterlinck não escreveu apenas peças, publicou poemas, romances, contos e curiosos livros de divulgação científica (como A vida das abelhas e A linguagem das flores), e traduziu para o francês Macbeth, de Shakespeare.
Sua influência se faz sentir na obra de muitos de seus contemporâneos. Rilke refere-se a ele em vários de seus escritos como o criador de um teatro "ainda por vir", e no qual o que realmente importa não é o diálogo aparentemente essencial que se oferece a uma primeira e ingênua leitura, mas a realidade transcendente que desponta, com simplicidade, por trás desse diálogo, como o motivo que o sustenta.
A princesa branca, de Rilke, que evoca a longa espera de uma mulher que se guardou para o seu amado que virá acostar à praia diante do palácio se ela acenar no momento acertado, apresenta muitas afinidades com as peças da primeira fase de Maeterlinck (A princesa Maleine, A Intrusa, Interior, Pélleas e Mélisande).
Por abrir espaço em sua obra para as forças do inconsciente, o sonho e o mistério da existência, Maeterlinck é apontado como precursor dos surrealistas e dos autores do dito Teatro do Absurdo. No prefácio a Doze canções, de Maeterlinck, publicado em 1923, Antonin Artaud situa o trabalho do autor em relação a alguns momentos da trajetória teatral do Oriente:
Maeterlinck cria, no mundo espiritual, um equivalente dos pupazzi que a Comédia Italiana cria no mundo plástico: Maeterlinck alarga a galeria dos pupazzi místicos. Acrescenta novas figuras a essas encantadoras criações. Seu teatro é todo um mundo onde os personagens tradicionais do teatro reaparecem, evocados a partir do seu interior. A fatalidade inconsciente do drama antigo torna-se, em Maeterlinck, a razão de ser da ação. Os personagens são marionetes agitadas pelo destino.
O misticismo de Maeterlinck faz com que ele perceba, por trás das aparências cotidianas, às quais não damos nunca atenção, forças misteriosas que dispõem de nosso destino e cujos desígnios é inútil perscrutar. A fim de tudo, resta-nos aguçar a sensibilidade para o que Maeterlinck chama de "o trágico cotidiano" e que não se manifesta quando estamos envolvidos em grandes aventuras, mas quando, cessada toda a ação, voltamo-nos sobre nós mesmos.
PRINCIPAIS OBRAS DE MAETERLINCK
A princesa Maleine (1889)
A intrusa ((1890)
Os cegos (1890)
As sete princesas (1891)
Pélleas e Mélisande (1892), convertida em ópera por Debussy em 1902, serviu de tema também a um poema sinfônico d Arnold Schoenberg, criado em 1903.
Alladine e Palomides, Interior e A morte de Tintagiles, todos de 1894 e todos para marionetes.
Aglavaine e Sélysette (1896)
Ariane e Barba Azul (1901)
Irmã Beatriz (1901)
Monna Vianna (1902), curiosa incursão de Materlinck pelo naturalismo.
Joyzelle (1903)
O passaro azul (1908)
O burgomestre de Stilmonde (1918)
* Maurice Poydore-Marie-Bernard Maeterlinck morreu a 26 de maio de 1949, em Nice, na França.
_______________________________
O presente artigo,extraído de Journal du Théâtre National de Strasbourg, nº 9, septembre 1985, p. 42, consta da revista Cadernos de Teato nº 119/1988, edição já esgotada.
Como utilizar roupas de época
James Penrod
Uma das tarefas mais difíceis para muitos artistas principiantes e até para artistas com tarimba é saber usar uma roupa de época com naturalidade e projetar a imagem do personagem, do ator e da roupa como um todo integrado ao contexto da peça. Antes da era do cinema não se podia realmente saber exatamente como as pessoas de certas épocas se vestiam e se movimentavam. Podemos estudar retratos da época e objetos de cena, ler livros de etiqueta que influenciaram um estilo e a maneira de ser de uma época. Podemos estudar as danças, a literatura, a maneira de se vestir, os utensílios e os móveis de uma época. Podemos realmente estudar uma cultura para se ter uma visão dessa época, mas é muuito difícil, apesar desta análise, reconstituir com exatidão seu modo real de "mover-se". Mas uma coisa é certa: a constância na natureza básica do homem é uma das pistas para se saber como os homens agiam em certa época.
Isto porque o modo de vida do homem pode se ter transformado radicalmente através dos séculos, mas o homem, como ser humano, com os seus desejos, instintos e apetite quase não mudou. Maneirismos podem sugerir uma determinada época, mas eles não bastam, per se, e precisam ser integrados num todo confiável. Uma postura convencional marca a cultura de nossa época e nos ajuda a nos definirmos como indivíduos, mas não basta simplesmente fazer uma pesquisa sobre os maneirismos mais usados numa época e depois usá-los num espetáculo.
Apesar dos personagens estarem usando roupas, eles são seres humanos que reagem física e psicologicamente à realidade e à sociedade que representam. O ator deve integrar no seu trabalho toda essa maneira de ser do personagem, para que ele possa ser aceito pela platéia como sendo natural.
Você, portanto, precisa saber em que tipo de mundo seu personagem vive, e como isso afeta seu sentido de vida e maneira de ser. O que é que prevalece: uma visão puritana, hedonística, teocrática, revolucionária ou outra coisa qualquer? Era o governo teocrático, monárquico, feudal, comercial, industrial ou militar? Quem são os líderes dessa sociedade e quem são os operários? Qual a política que prevalece para com os países e idéias estrangeiras?
Além dessas perguntas você deverá se questionar sobre a maneira como essas pessoas se locomoveriam, que tipo de trabalho faziam, qual a alimentação, que roupa, de que raça são, que religião seguem etc. Estas perguntas devem proporcionar um conhecimento mais profundo do sentido da vida do seu personagem e como isto afeta sua maneira de atuar e a maneira física de se movimentar.
Logo no início dos ensaios você deveria ter uma idéia do tipo de roupa que vai usar e como isto vai influenciar a sua maneira de se movimentar. Se souber desde o início as limitações que a roupa vai lhe trazer, você vai poder, mais tarde, movimentar-se sem dificuldade dentro dela e evitará maiores aborecimentos. É querer bancar o idiota pensar que, ao vestir uma roupa diferente do que está acostumado e usá-la pela primeira vez num ensaio de roupas ou na noite de estréia, você vai sair de repente se movimentando como o personagem que está representando.
Na época de estréia, os maneirismos, os movimentos, as limitações das roupas já deveriam estar tão incorporados pelo ator, isto é, integrados ao seu corpo e na sua mente, que você já deveria agir dentro deles sem sequer pensar nesses aspectos. Sabemos que é difícil ensaiar com as roupas que serão usadas durante o espetáculo, mas você deveria já no início dos ensaios usar roupas, incluindo os sapatos, parecidas com aquelas que vai uar, e exercitar-se bastante com elas.
PESQUISA DE FIGURINO
Ao se preparar para atuar numa peça de época, pesquise nos livros sobre a evolução das roupas, nas revistas de moda, em pinturas, nos museus e exposições, detalhes de atitude e de postura e de como eram usadas as roupas. Faça a você mesmo as seguintes perguntas:
1. Que tipo de roupa está sendo usada e com que objetivo? Que espécie de silhueta esta roupa dá ao corpo?
2. A roupa segue o contorno do corpo ou será que ela o altera em alguma parte?A roupa é apertada, solta ou vaporosa?
3. Ela talvez seja apertada em cima e vaporosa na parte de baixo (ou ao contrário). Que tipos de movimentos você teria de modificar para compensar esses detalhes?
4. Que tipo de tecido é usado e como ele influencia o movimento? Ele é leve e vaporoso como chifon? Ele adere ao corpo como a seda? É pesado e áspero como certos tipos de lã? Que tipo de manga e gola essa roupa possui e como influencia os movimentos?
5. Qual era o tipo de penteado usado na época? Ele afetará sua maneira de se locomover?
6. Usava-se chapéu? Como é que os chapéus modificavam a postura?
7. A pessoa que você está observando está segurando alguma coisa? Em caso afirmativo, como a pessoa segura o objeto que tem em mãos?
8. A pessoa está usando jóia, faca, espada ou qualquer outro adereço? Em caso afirmativo, de que maneira está usando esses adereços?
9. Como essa pessoa posiciona a cabeça,o tronco, os braços e as pernas? Você identifica algum gesto expressivo nessa postura?
10. Como a pessoa usa as mãos?
11. Que humor e que atitude a postura sugere?
12. Se existe algm móvel na sala, como é este móvel e como é que as pessoas se reúnem em volta dele?
13. Você identifica algum gesto especial de acordo com a roupa? Por exemplo: em certas épocas as senhoras levantavam a ponta dos vestidos para mostrar a ponta do sapatos.
14. Qual é o ambiente do quadro? A cor e a luz sugerem alguma coisa sobre a época e as pessoas?
Para começar, exercite movimentos estáticos e depois tente fazê-los em movimentos corridos. Enquanto estiver se exercitando, imagine-se com as roupas da época. Tente atuar e movimentar-se da forma como você acha que seu personagem deveria fazer, lembrando sempre as limitações que a roupa, os preconceitos da época (e a situação dramática) lhe impõem.
FIGURINOS: OUTRAS CONSIDERAÇÕES
Além de saber exatamente como a roupa influencia sua maneira de se movimentar, um conhecimento mais profundo das funções da roupa nas várias épocas da história lhe ajudarão a escolher a movimentação certa. Apesar da variedade de aparências através da história, não têm havido realmente muitas modificações na maneira pela qual o homem se veste. De um modo geral, a parte principal da roupa que cai sobre o corpo é presa no ombro ou na cintura (estilo moderno) ou a roupa envolve o corpo de várias maneiras e é presa em um ou ambos os ombros, ou na cintura (por exemplo, os gregos).
Os antropólogos, levando em conta as exceções, chegaram a um consenso de que a roupa do homem, além de ser usada para aquecer, atende também a uma das seguintes necessidades culturais:
1. O homem decora seu corpo com ornamentos e pinturas para controlar o meio ambiente: para expulsar maus espíritos, para assegurar fertilidade, para ter uma boa caça etc. O efeito estético está sempre intimamente relacionado a aspirações religiosas e práticas.
2. Ornamentos são usados para demonstrar status social ou político.
3. As roupas foram desenhadas para distinguir os sexos e para dar ênfase às partes do corpo consideradas desejadas, atrativas ou eróticas.
O homem nas várias épocas da história decorou o seu corpo com objetos usados na cabeça, pescoço, braço, cintura, perna, dedos da mão e até dos pés. As mulheres várias vezes expuseram ou esconderam o busto, apertaram a cintura, se apertaram em coletes, se esconderam debaixo de saias e panos volumosos e deformaram seus corpos de várias maneiras para estarem de acordo com a idéia predominante de beleza da época. O homem, mantendo seu papel agressivo, usou sempre as roupas que lhe deram maior mobilidade. O status e o nível social são sempre indicados pela maneira de se vestir, pela moda, pelo tecido e até, às vezes, pela cor.
Numa peça de teatro, deve-se estudar a roupa que se vai usar de acordo com sua função, sempre se lembrando das diferentes classificações descritas acima. Se certos detalhes da roupa estão ricamente adornados e se chamam muita atenção é porque foram consideradas áreas importantes para serem mostradas durante a atuação. Por exemplo: se você usar um adorno de cabeça, uma jóia nos dedos, sapatos bonitos ou mangas interessantes e bem cortadas, você deveria sempre se movimentar e gesticular o corpo de maneira que esses detalhes apareçam.
Se o status está em questão, você terá que ver como usar a roupa para passar esse status ao público. A roupa foi desenhada para mostrar ou esconder certas partes do corpo? O busto das mulheres, por exemplo, muitas vezes foi mostrado ou escondido, mas nos dois casos a intenção foi a de chamar a atenção para ele. O tipo de roupa usado de acordo com o clima vai também influenciar seu movimento. Uma roupa mais leve vai fazer com que seus movimentos sejam mais livres, enquanto que uma roupa mais pesada faz com que os movimentos sejam mais tolhidos. As roupas de teatro podem também sugerir, através da cor ou do tipo, o estado psicológico ou humor do personagem que a está usando. Por exemplo: algumas vezes o preto sugere luto, o branco, pureza; o vermelho, paixão e cores berrantes, a alegria.
_______________________________
O presente artigo, aqui resumido, consta da revista Cadernos de Teatro nº 145/1996, edição já esgotada. Foi extraído de Moviment for the performing artist, Mayfield Pub. Co, 1974. Tradução e adpatação de Viroca Fernandes.
James Penrod
Uma das tarefas mais difíceis para muitos artistas principiantes e até para artistas com tarimba é saber usar uma roupa de época com naturalidade e projetar a imagem do personagem, do ator e da roupa como um todo integrado ao contexto da peça. Antes da era do cinema não se podia realmente saber exatamente como as pessoas de certas épocas se vestiam e se movimentavam. Podemos estudar retratos da época e objetos de cena, ler livros de etiqueta que influenciaram um estilo e a maneira de ser de uma época. Podemos estudar as danças, a literatura, a maneira de se vestir, os utensílios e os móveis de uma época. Podemos realmente estudar uma cultura para se ter uma visão dessa época, mas é muuito difícil, apesar desta análise, reconstituir com exatidão seu modo real de "mover-se". Mas uma coisa é certa: a constância na natureza básica do homem é uma das pistas para se saber como os homens agiam em certa época.
Isto porque o modo de vida do homem pode se ter transformado radicalmente através dos séculos, mas o homem, como ser humano, com os seus desejos, instintos e apetite quase não mudou. Maneirismos podem sugerir uma determinada época, mas eles não bastam, per se, e precisam ser integrados num todo confiável. Uma postura convencional marca a cultura de nossa época e nos ajuda a nos definirmos como indivíduos, mas não basta simplesmente fazer uma pesquisa sobre os maneirismos mais usados numa época e depois usá-los num espetáculo.
Apesar dos personagens estarem usando roupas, eles são seres humanos que reagem física e psicologicamente à realidade e à sociedade que representam. O ator deve integrar no seu trabalho toda essa maneira de ser do personagem, para que ele possa ser aceito pela platéia como sendo natural.
Você, portanto, precisa saber em que tipo de mundo seu personagem vive, e como isso afeta seu sentido de vida e maneira de ser. O que é que prevalece: uma visão puritana, hedonística, teocrática, revolucionária ou outra coisa qualquer? Era o governo teocrático, monárquico, feudal, comercial, industrial ou militar? Quem são os líderes dessa sociedade e quem são os operários? Qual a política que prevalece para com os países e idéias estrangeiras?
Além dessas perguntas você deverá se questionar sobre a maneira como essas pessoas se locomoveriam, que tipo de trabalho faziam, qual a alimentação, que roupa, de que raça são, que religião seguem etc. Estas perguntas devem proporcionar um conhecimento mais profundo do sentido da vida do seu personagem e como isto afeta sua maneira de atuar e a maneira física de se movimentar.
Logo no início dos ensaios você deveria ter uma idéia do tipo de roupa que vai usar e como isto vai influenciar a sua maneira de se movimentar. Se souber desde o início as limitações que a roupa vai lhe trazer, você vai poder, mais tarde, movimentar-se sem dificuldade dentro dela e evitará maiores aborecimentos. É querer bancar o idiota pensar que, ao vestir uma roupa diferente do que está acostumado e usá-la pela primeira vez num ensaio de roupas ou na noite de estréia, você vai sair de repente se movimentando como o personagem que está representando.
Na época de estréia, os maneirismos, os movimentos, as limitações das roupas já deveriam estar tão incorporados pelo ator, isto é, integrados ao seu corpo e na sua mente, que você já deveria agir dentro deles sem sequer pensar nesses aspectos. Sabemos que é difícil ensaiar com as roupas que serão usadas durante o espetáculo, mas você deveria já no início dos ensaios usar roupas, incluindo os sapatos, parecidas com aquelas que vai uar, e exercitar-se bastante com elas.
PESQUISA DE FIGURINO
Ao se preparar para atuar numa peça de época, pesquise nos livros sobre a evolução das roupas, nas revistas de moda, em pinturas, nos museus e exposições, detalhes de atitude e de postura e de como eram usadas as roupas. Faça a você mesmo as seguintes perguntas:
1. Que tipo de roupa está sendo usada e com que objetivo? Que espécie de silhueta esta roupa dá ao corpo?
2. A roupa segue o contorno do corpo ou será que ela o altera em alguma parte?A roupa é apertada, solta ou vaporosa?
3. Ela talvez seja apertada em cima e vaporosa na parte de baixo (ou ao contrário). Que tipos de movimentos você teria de modificar para compensar esses detalhes?
4. Que tipo de tecido é usado e como ele influencia o movimento? Ele é leve e vaporoso como chifon? Ele adere ao corpo como a seda? É pesado e áspero como certos tipos de lã? Que tipo de manga e gola essa roupa possui e como influencia os movimentos?
5. Qual era o tipo de penteado usado na época? Ele afetará sua maneira de se locomover?
6. Usava-se chapéu? Como é que os chapéus modificavam a postura?
7. A pessoa que você está observando está segurando alguma coisa? Em caso afirmativo, como a pessoa segura o objeto que tem em mãos?
8. A pessoa está usando jóia, faca, espada ou qualquer outro adereço? Em caso afirmativo, de que maneira está usando esses adereços?
9. Como essa pessoa posiciona a cabeça,o tronco, os braços e as pernas? Você identifica algum gesto expressivo nessa postura?
10. Como a pessoa usa as mãos?
11. Que humor e que atitude a postura sugere?
12. Se existe algm móvel na sala, como é este móvel e como é que as pessoas se reúnem em volta dele?
13. Você identifica algum gesto especial de acordo com a roupa? Por exemplo: em certas épocas as senhoras levantavam a ponta dos vestidos para mostrar a ponta do sapatos.
14. Qual é o ambiente do quadro? A cor e a luz sugerem alguma coisa sobre a época e as pessoas?
Para começar, exercite movimentos estáticos e depois tente fazê-los em movimentos corridos. Enquanto estiver se exercitando, imagine-se com as roupas da época. Tente atuar e movimentar-se da forma como você acha que seu personagem deveria fazer, lembrando sempre as limitações que a roupa, os preconceitos da época (e a situação dramática) lhe impõem.
FIGURINOS: OUTRAS CONSIDERAÇÕES
Além de saber exatamente como a roupa influencia sua maneira de se movimentar, um conhecimento mais profundo das funções da roupa nas várias épocas da história lhe ajudarão a escolher a movimentação certa. Apesar da variedade de aparências através da história, não têm havido realmente muitas modificações na maneira pela qual o homem se veste. De um modo geral, a parte principal da roupa que cai sobre o corpo é presa no ombro ou na cintura (estilo moderno) ou a roupa envolve o corpo de várias maneiras e é presa em um ou ambos os ombros, ou na cintura (por exemplo, os gregos).
Os antropólogos, levando em conta as exceções, chegaram a um consenso de que a roupa do homem, além de ser usada para aquecer, atende também a uma das seguintes necessidades culturais:
1. O homem decora seu corpo com ornamentos e pinturas para controlar o meio ambiente: para expulsar maus espíritos, para assegurar fertilidade, para ter uma boa caça etc. O efeito estético está sempre intimamente relacionado a aspirações religiosas e práticas.
2. Ornamentos são usados para demonstrar status social ou político.
3. As roupas foram desenhadas para distinguir os sexos e para dar ênfase às partes do corpo consideradas desejadas, atrativas ou eróticas.
O homem nas várias épocas da história decorou o seu corpo com objetos usados na cabeça, pescoço, braço, cintura, perna, dedos da mão e até dos pés. As mulheres várias vezes expuseram ou esconderam o busto, apertaram a cintura, se apertaram em coletes, se esconderam debaixo de saias e panos volumosos e deformaram seus corpos de várias maneiras para estarem de acordo com a idéia predominante de beleza da época. O homem, mantendo seu papel agressivo, usou sempre as roupas que lhe deram maior mobilidade. O status e o nível social são sempre indicados pela maneira de se vestir, pela moda, pelo tecido e até, às vezes, pela cor.
Numa peça de teatro, deve-se estudar a roupa que se vai usar de acordo com sua função, sempre se lembrando das diferentes classificações descritas acima. Se certos detalhes da roupa estão ricamente adornados e se chamam muita atenção é porque foram consideradas áreas importantes para serem mostradas durante a atuação. Por exemplo: se você usar um adorno de cabeça, uma jóia nos dedos, sapatos bonitos ou mangas interessantes e bem cortadas, você deveria sempre se movimentar e gesticular o corpo de maneira que esses detalhes apareçam.
Se o status está em questão, você terá que ver como usar a roupa para passar esse status ao público. A roupa foi desenhada para mostrar ou esconder certas partes do corpo? O busto das mulheres, por exemplo, muitas vezes foi mostrado ou escondido, mas nos dois casos a intenção foi a de chamar a atenção para ele. O tipo de roupa usado de acordo com o clima vai também influenciar seu movimento. Uma roupa mais leve vai fazer com que seus movimentos sejam mais livres, enquanto que uma roupa mais pesada faz com que os movimentos sejam mais tolhidos. As roupas de teatro podem também sugerir, através da cor ou do tipo, o estado psicológico ou humor do personagem que a está usando. Por exemplo: algumas vezes o preto sugere luto, o branco, pureza; o vermelho, paixão e cores berrantes, a alegria.
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O presente artigo, aqui resumido, consta da revista Cadernos de Teatro nº 145/1996, edição já esgotada. Foi extraído de Moviment for the performing artist, Mayfield Pub. Co, 1974. Tradução e adpatação de Viroca Fernandes.
terça-feira, 18 de agosto de 2009
Singela provinha
Lionel Fischer
Para os leitores habituais da revista Cadernos de Teatro, do Tablado, que infelizmente não foi editada nem no ano passado nem neste, por falta de patrocínio, a coluna Múltipla Escolha não é novidade - e tampouco para os amigos que gentilmente estão acompanhando este blog, já que todas a edições da referida coluna estão aqui publicadas. Mas vamos fingir que não estão. Então, a proposta é a seguinte: virão a seguir 25 perguntas, abrangendo múltiplos campos do teatro. Cada pergunta terá cinco alternativas de resposta. Vamos ver quantas vocês acertam? - sem colar, evidentemente...
* * *
1. Embora não se possa precisar o momento e as circunstâncias exatas que marcaram o nascimento do teatro, consta que ele se deu em Atenas, a mais importante cidade-Estado da Grécia, no século VI A.C. Como terá sido?
a) O tirano Sólon reuniu convidados e dramatizou um de seus poemas
b) Guerreiros alcoolizados improvisaram um jogral para festejar uma conquista
c) Numa carroça que simulava um altar, Téspis disse: "Eu sou Dionísio"
d) O teatro não surgiu em Atenas e sim na Turquia
e) Nenhuma das respostas anteriores
2. A comédia tem sua origem na parte mais alegre do ditirambo. O que era isto?
a) Evento precursor dos futuros programas de calouros
b) Cântico improvisado das primitivas procissões dionisíacas
c) Cantoria com que as prostitutas pretendiam atrair clientes
d) Coro nupcial para festejar bodas ao ar livre
e) Nenhuma das respostas anteriores
3. Embora a maior parte de sua obra se dirija ao público infantil, Maria Clara Machado também escreveu textos para adultos. Um deles é protagonizado por um casal idoso, envolvido numa atividade desconcertante. Você consegue identificar este texto?
a) Os embrulhos
b) As interferências
c) Tribobó-City
d) Um tango argentino
e) O boi e o burro no caminho de Belém
4. Em seu texto À margem da vida, Tennesee Williams impôs à narrativa uma estrutura não convencional. Em que consistia ela?
a) A trama se passava sempre num tempo futuro
b) Todas as cenas eram baseadas no Teatro Nô
c) Várias passagens não continham texto algum
d) O personagem Tom narrava e vivia a história
e) Nennhuma das respostas anteriores
5. Uma das maiores atrizes nacionais de todos os tempos, Cacilda Becker cunhou uma frase que se tornou célebre. Ela estaria relacionada abaixo?
a) O teatro é o reino da sensibilidade
b) Não nos peçam para dar a única mercadoria que temos para vender
c) Encenar dramalhões é conspurcar a arte
d) Nelson Rodrigues é maior que Shakespeare
e) Entrei no teatro pensando em fugir de mim mesma
6. Ele ficou conhecido como o "Molière italiano". Escreveu, dentre outras, as peças Arlequim, servidor de dois amos e Mirandolina. Quem seria?
a) Carlo Goldoni
b) Maximo Cavaliere
c) Domenico Scarlatti
d) Antonio Sachi
e) Nenhuma das respostas anteriores
7. Um dos mais importantes dramaturgos brasileiros, Dias Gomes escreveu uma peça que, transformada em filme, ganharia a Palma de Ouro do Festival de Cannes. Qual seria?
a) A invasão
b) A revolução dos beatos
c) O pagador de promessas
d) O Bem-Amado
e) Nenhuma das respostas anteriores
8. Na opinião de Sábato Magaldi, O rei da vela, de Oswald de Andrade, inaugura uma nova dramaturgia no país. Algumas razões estariam relacionadas abaixo?
a) O texto foi concebido segundo os princípios do Modernismo
b) O texto propõe uma visão desmistificadora do país
c) A caricatura feroz impede qualquer sentimento piegas
d) A paródia substitui a ficção construtiva
e) Todas as respostas estão corretas
9. Um dos fundadores do Tablado está na relação abaixo e foi dele a direção de O moço bom e obediente, primeiro espetáculo exibido no teatrinho do Patronato da Gávea. Você saberia identificá-lo?
a) Aníbal Machado
b) Martim Gonçalves
c) Jorge Leão Teixeira
d) João Sérgio Marinho Nunes
e) Oswaldo Neiva
10. Ao longo do século XIX, os espetáculos teatrais dividiam-se em três partes. Você saberia identificá-las?
a) Tragédia ou ópera/ balé/ farsa
b) Tragédia/ ópera/ balé
c) Tragédia/ pantomima/ balé
d) Ópera/ concerto de câmera/ tragédia
e) Só um ítem está correto
11. No século XVIII, sob a influência da política do despotismo esclarecido do Marquês de Pombal, são construídos teatros na Bahia, Rio de Janeiro, Vila Rica, Recife, São Paulo e Porto Alegre. Com lotação em torno de 300 lugares, esses teatros ficaram conhecidos como:
a) Casa de Ópera
b) Teatro Real
c) Espaço Lírico
d) Sala Imperial
e) Casa das Artes
12. Em 1827, insatisfeitos com o predomínio dos espetáculos que apenas objetivavam o riso, Álvaro e Eugênia Machado fundam o Teatro de Brinquedo. Com que finalidade?
a) Fazer o espectador se emocionar
b) Gerar uma catarse coletiva
c) Provocar um sentimento de indignação
d) Mesclar o pensamento ao riso
e) Nenhua das respostas anteriores
13. Em seus textos, Molière busca os efeitos valendo-se de vários artifícios. Você conseguiria identificar algum na relação que se segue?
a) Contrastes
b) Simetrias
c) Repetições
d) Suspense
e) Todas as respostas estão corretas
14. Nascido em 22 de abril de 1564, em Stratford-upon-Avon, Shakespeare correu sério risco de vida ainda no berço. Você conhece a causa?
a) Problemas respiratórios
b) A mãe de Shakespeare não podia amamentá-lo
c) A cidade foi tomada pela peste
d) A casa onde morava pegou fogo
e) Nenhuma das respostas anteriores
15. Alguns estudiosos acreditam que o mais chocante assassinato, dentre todos existentes nas peças de Shakespeare, ocorre em Romeu e Julieta. Ele envolve personagens abaixo relacionados?
a) Teobaldo e Mercúcio
b) Romeu e a Ama
c) Frei Lorenço e Julieta
d) Escalo e Paris
d) Nenhuma das respostas anteriores
16. Uma das mais significativas contribuições de Bertolt Brecht como teórico foi a criação de um método conhecido como Distanciamento. Algumas de suas características estão aqui relacionadas?
a) Imparcialidade científica
b) Renúncia à identificação
c) Renúncia à empatia
d) Renúncia à ilusão
e) Todas as respostas estão corretas
17. Em sua primeira peça, A paródia, Arthur Adamov fez uma tentativa de dialogar com a neurose, de tornar concretos certos estados psicológicos. Na segunda, A invasão, enveredou por um caminho completamente diverso, tentando retratar...
a) Personagens reais em situações reais
b) A angústia física decorrente da solidão
c) A insuportável ausência de Deus
d) Embates amorosos de um casal paranóico
e) Nenhuma das respostas anteriores
18. Existem muitas formas de se definir o Teatro do Absurdo, muitos modos de encarar o gênero. Algo relativo a ele se encontra abaixo relacionado?
a) Tentativa de chocar o espectador, assustando-o
b) Humor desenfreado e isento de lógica
c) Sensação de que certezas inabaláveis desapareceram
d) Textos fragmentados com estrutura cinematográfica
e) Nenhuma das respostas anteriores
19. No século XVIII, durante o período colonial, os palcos norte-americanos eram dominados por:
a) Peças inglesas
b) Pantomimas
c) Óperas-balada
d) Operetas
e) Nennhuma das respostas anteriores
20. Nos anos 70, Stephen Sondheim introduziu com muito sucesso o chamado "musical conceito". Em que consistia a novidade?
a) Shows construídos em torno de uma idéia
b) Valorização da história
c) Barateamento das produções
d) Só atores politizados eram admitidos
e) Todas as respostas estão erradas
21. Considerado o expoente máximo do teatro naturalista e tido como o pai do teatro moderno, o norueguês Henrik Ibsen (1828-1906) escreveu textos memoráveis. E é de sua autoria um drama duplo, com um total de 10 atos. Ele se encontra na lista abaixo?
a) Romersholm/ Hedda Gabler
b) Um inimigo do povo / O construtor
c) O pato selvagem/ Peer Gynt
d) Imperador/ Galileu
E) Nenhuma das respostas anteriores
22. FARSA
a) Gênero com muitas pretensões intelectuais
b) Humor centrado em atividades físicas e efeitos visuais
c) Ausência total de violência e ritmo acelerado
d) Casamento, leis e negócios jamais são abordados
e) Duas respostas estão corretas
23. PANTOMIMA
a) Originalmente, um entretenimento etrusco
b) Gênero criado em Roma
c) A narração era cantada pelo coro
d) A ação ocorria sob a forma de danças
e) Três ítens estão corretos
24. Nas procissões dionisíacas se transportava o falo. Qual era a sua simbologia?
a) Felicidade conjugal
b) Procriação
c) Virilidade
d) Coragem
e) O ítem B está correto
25. Em sua estrutura definitiva, a comédia se firmou cerca de cem anos depois da tragédia, no século V. A.C. E em sua evolução tiveram grande importância os filiacos. Você sabe quem ou o que eram os filiacos?
a) Instrumentos de sopro
b) Tambores gigantescos
c) Eunucos muito afinados
d) Atores ambulantes
e) Nenhuma das respostas anteriores
Lionel Fischer
Para os leitores habituais da revista Cadernos de Teatro, do Tablado, que infelizmente não foi editada nem no ano passado nem neste, por falta de patrocínio, a coluna Múltipla Escolha não é novidade - e tampouco para os amigos que gentilmente estão acompanhando este blog, já que todas a edições da referida coluna estão aqui publicadas. Mas vamos fingir que não estão. Então, a proposta é a seguinte: virão a seguir 25 perguntas, abrangendo múltiplos campos do teatro. Cada pergunta terá cinco alternativas de resposta. Vamos ver quantas vocês acertam? - sem colar, evidentemente...
* * *
1. Embora não se possa precisar o momento e as circunstâncias exatas que marcaram o nascimento do teatro, consta que ele se deu em Atenas, a mais importante cidade-Estado da Grécia, no século VI A.C. Como terá sido?
a) O tirano Sólon reuniu convidados e dramatizou um de seus poemas
b) Guerreiros alcoolizados improvisaram um jogral para festejar uma conquista
c) Numa carroça que simulava um altar, Téspis disse: "Eu sou Dionísio"
d) O teatro não surgiu em Atenas e sim na Turquia
e) Nenhuma das respostas anteriores
2. A comédia tem sua origem na parte mais alegre do ditirambo. O que era isto?
a) Evento precursor dos futuros programas de calouros
b) Cântico improvisado das primitivas procissões dionisíacas
c) Cantoria com que as prostitutas pretendiam atrair clientes
d) Coro nupcial para festejar bodas ao ar livre
e) Nenhuma das respostas anteriores
3. Embora a maior parte de sua obra se dirija ao público infantil, Maria Clara Machado também escreveu textos para adultos. Um deles é protagonizado por um casal idoso, envolvido numa atividade desconcertante. Você consegue identificar este texto?
a) Os embrulhos
b) As interferências
c) Tribobó-City
d) Um tango argentino
e) O boi e o burro no caminho de Belém
4. Em seu texto À margem da vida, Tennesee Williams impôs à narrativa uma estrutura não convencional. Em que consistia ela?
a) A trama se passava sempre num tempo futuro
b) Todas as cenas eram baseadas no Teatro Nô
c) Várias passagens não continham texto algum
d) O personagem Tom narrava e vivia a história
e) Nennhuma das respostas anteriores
5. Uma das maiores atrizes nacionais de todos os tempos, Cacilda Becker cunhou uma frase que se tornou célebre. Ela estaria relacionada abaixo?
a) O teatro é o reino da sensibilidade
b) Não nos peçam para dar a única mercadoria que temos para vender
c) Encenar dramalhões é conspurcar a arte
d) Nelson Rodrigues é maior que Shakespeare
e) Entrei no teatro pensando em fugir de mim mesma
6. Ele ficou conhecido como o "Molière italiano". Escreveu, dentre outras, as peças Arlequim, servidor de dois amos e Mirandolina. Quem seria?
a) Carlo Goldoni
b) Maximo Cavaliere
c) Domenico Scarlatti
d) Antonio Sachi
e) Nenhuma das respostas anteriores
7. Um dos mais importantes dramaturgos brasileiros, Dias Gomes escreveu uma peça que, transformada em filme, ganharia a Palma de Ouro do Festival de Cannes. Qual seria?
a) A invasão
b) A revolução dos beatos
c) O pagador de promessas
d) O Bem-Amado
e) Nenhuma das respostas anteriores
8. Na opinião de Sábato Magaldi, O rei da vela, de Oswald de Andrade, inaugura uma nova dramaturgia no país. Algumas razões estariam relacionadas abaixo?
a) O texto foi concebido segundo os princípios do Modernismo
b) O texto propõe uma visão desmistificadora do país
c) A caricatura feroz impede qualquer sentimento piegas
d) A paródia substitui a ficção construtiva
e) Todas as respostas estão corretas
9. Um dos fundadores do Tablado está na relação abaixo e foi dele a direção de O moço bom e obediente, primeiro espetáculo exibido no teatrinho do Patronato da Gávea. Você saberia identificá-lo?
a) Aníbal Machado
b) Martim Gonçalves
c) Jorge Leão Teixeira
d) João Sérgio Marinho Nunes
e) Oswaldo Neiva
10. Ao longo do século XIX, os espetáculos teatrais dividiam-se em três partes. Você saberia identificá-las?
a) Tragédia ou ópera/ balé/ farsa
b) Tragédia/ ópera/ balé
c) Tragédia/ pantomima/ balé
d) Ópera/ concerto de câmera/ tragédia
e) Só um ítem está correto
11. No século XVIII, sob a influência da política do despotismo esclarecido do Marquês de Pombal, são construídos teatros na Bahia, Rio de Janeiro, Vila Rica, Recife, São Paulo e Porto Alegre. Com lotação em torno de 300 lugares, esses teatros ficaram conhecidos como:
a) Casa de Ópera
b) Teatro Real
c) Espaço Lírico
d) Sala Imperial
e) Casa das Artes
12. Em 1827, insatisfeitos com o predomínio dos espetáculos que apenas objetivavam o riso, Álvaro e Eugênia Machado fundam o Teatro de Brinquedo. Com que finalidade?
a) Fazer o espectador se emocionar
b) Gerar uma catarse coletiva
c) Provocar um sentimento de indignação
d) Mesclar o pensamento ao riso
e) Nenhua das respostas anteriores
13. Em seus textos, Molière busca os efeitos valendo-se de vários artifícios. Você conseguiria identificar algum na relação que se segue?
a) Contrastes
b) Simetrias
c) Repetições
d) Suspense
e) Todas as respostas estão corretas
14. Nascido em 22 de abril de 1564, em Stratford-upon-Avon, Shakespeare correu sério risco de vida ainda no berço. Você conhece a causa?
a) Problemas respiratórios
b) A mãe de Shakespeare não podia amamentá-lo
c) A cidade foi tomada pela peste
d) A casa onde morava pegou fogo
e) Nenhuma das respostas anteriores
15. Alguns estudiosos acreditam que o mais chocante assassinato, dentre todos existentes nas peças de Shakespeare, ocorre em Romeu e Julieta. Ele envolve personagens abaixo relacionados?
a) Teobaldo e Mercúcio
b) Romeu e a Ama
c) Frei Lorenço e Julieta
d) Escalo e Paris
d) Nenhuma das respostas anteriores
16. Uma das mais significativas contribuições de Bertolt Brecht como teórico foi a criação de um método conhecido como Distanciamento. Algumas de suas características estão aqui relacionadas?
a) Imparcialidade científica
b) Renúncia à identificação
c) Renúncia à empatia
d) Renúncia à ilusão
e) Todas as respostas estão corretas
17. Em sua primeira peça, A paródia, Arthur Adamov fez uma tentativa de dialogar com a neurose, de tornar concretos certos estados psicológicos. Na segunda, A invasão, enveredou por um caminho completamente diverso, tentando retratar...
a) Personagens reais em situações reais
b) A angústia física decorrente da solidão
c) A insuportável ausência de Deus
d) Embates amorosos de um casal paranóico
e) Nenhuma das respostas anteriores
18. Existem muitas formas de se definir o Teatro do Absurdo, muitos modos de encarar o gênero. Algo relativo a ele se encontra abaixo relacionado?
a) Tentativa de chocar o espectador, assustando-o
b) Humor desenfreado e isento de lógica
c) Sensação de que certezas inabaláveis desapareceram
d) Textos fragmentados com estrutura cinematográfica
e) Nenhuma das respostas anteriores
19. No século XVIII, durante o período colonial, os palcos norte-americanos eram dominados por:
a) Peças inglesas
b) Pantomimas
c) Óperas-balada
d) Operetas
e) Nennhuma das respostas anteriores
20. Nos anos 70, Stephen Sondheim introduziu com muito sucesso o chamado "musical conceito". Em que consistia a novidade?
a) Shows construídos em torno de uma idéia
b) Valorização da história
c) Barateamento das produções
d) Só atores politizados eram admitidos
e) Todas as respostas estão erradas
21. Considerado o expoente máximo do teatro naturalista e tido como o pai do teatro moderno, o norueguês Henrik Ibsen (1828-1906) escreveu textos memoráveis. E é de sua autoria um drama duplo, com um total de 10 atos. Ele se encontra na lista abaixo?
a) Romersholm/ Hedda Gabler
b) Um inimigo do povo / O construtor
c) O pato selvagem/ Peer Gynt
d) Imperador/ Galileu
E) Nenhuma das respostas anteriores
22. FARSA
a) Gênero com muitas pretensões intelectuais
b) Humor centrado em atividades físicas e efeitos visuais
c) Ausência total de violência e ritmo acelerado
d) Casamento, leis e negócios jamais são abordados
e) Duas respostas estão corretas
23. PANTOMIMA
a) Originalmente, um entretenimento etrusco
b) Gênero criado em Roma
c) A narração era cantada pelo coro
d) A ação ocorria sob a forma de danças
e) Três ítens estão corretos
24. Nas procissões dionisíacas se transportava o falo. Qual era a sua simbologia?
a) Felicidade conjugal
b) Procriação
c) Virilidade
d) Coragem
e) O ítem B está correto
25. Em sua estrutura definitiva, a comédia se firmou cerca de cem anos depois da tragédia, no século V. A.C. E em sua evolução tiveram grande importância os filiacos. Você sabe quem ou o que eram os filiacos?
a) Instrumentos de sopro
b) Tambores gigantescos
c) Eunucos muito afinados
d) Atores ambulantes
e) Nenhuma das respostas anteriores
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
A moratória
O ensaio que se segue, aqui um pouco reduzido, é de autoria de Décio de Almeida Prado - um dos maiores críticos teatrais da história do teatro brasileiro - e constitui o prefácio da edição do texto, em 1959, pela Livraria AGIR Editora/Rio de Janeiro. A moratória foi apresentada pela primeira vez no dia 06 de maio de 1955, no Teatro Maria Della Costa, em São Paulo, com a seguinte equipe:
Direção e cenografia - Gianni Ratto
Assistente de direção - Fernando Tôrres
Figurinos - Luciana Petrucelli
ELENCO:
Joaquim - Elísio de Albuquerque
Helena - Moná Delacy
Lucília - Fernanda Montenegro
Marcelo - Mílton Morais
Olímpio - Sérgio Britto
Elvira - Wanda Kosmos
* * *
A moratória relaciona-se com um determinado Brasil. Uma zona de São Paulo, povoada por famílias do sul de Minas, que por lá se instalaram, em sucessivas migrações, a partir do início do século XIX. As terras não tinham dono e foram apossadas em grandes, imensas extensões. Com a dificuldade de transporte, a riqueza era menos produção, dinheiro, luxo, do que um certo desafogo e largueza de viver. Ao fazendeiro cabia principalmente ser econômico e manter um olho meio atento sobre a propriedade, para evitar abusos maiores.
O traballho era concebido como uma atividade física, cansativa mas excitante, sem obedecer, contudo, a disciplinas rígidas, a planos e horários pré-estabelecidos, a demoradas operações financeiras. O divertimento masculino por excelência, nesta região tênuemente povoada, era a caça, tornada possível pela criação dos dois animais considerados nobres - o cachorro e o cavalo - e praticada através de gerações, com fervor já próximo ao fanatismo. A sabedoria era a dos avós - os antigos - de preferência à dos pais, mito de uma idade de ouro familiar a que Jorge Andrade procurou dar existência e credibilidade artística em Pedreira das almas.
A moratória evoca o fim, frequentemente melancólico, desse processo social: a divisão e perda das fazendas, com a ascensão de novas classes, facilitada por dois violentos choques: a crise do café e a revolução de 30 (ambos, não é preciso acrescentar, extremamente benéficos à democratização do País). Não compreenderá nada do alcance da peça quem não pressentir, por detrás dos indivíduos e dos episódios particulares que ela narra, a agonia de uma sociedade em vias de transição - aquela dolorosa passagem do Brasil dos fazendeiros para o Brasil urbano tão bem descrita por Gilberto Freire.
A sensibilidade de Jorge Andrade pertence a um tipo muito comum, embora pouco estudado, na moderna literatura brasileira, aparendo, sob outras formas, em autores tão diversos como José Lins do Rego e Carlos Drummond de Andrade: a sensibilidade do filho do fazendeiro, do homem que se conserva sentimentalmente preso, pela memória, a um passado patriarcalista que sabe já não ter qualquer significação atual.
A moratória, entretanto, não desce a pormenores, não faz obra descritiva, nem se importa com o pitoresco. Os seus valores sociais ela por assim dizer os assume, percebendo-os por dentro, exprimindo-os não nesta ou aquela frase que se possa citar fora do contexto, mas na própria maneira de ser de cada personagem. Quim é Quim como Lucília é Lucília, mas sendo apenas eles mesmos, com todas as peculiaridades e maneirismos pessoais, são também, sem o saber - e quase diríamos sem o desejar expressa e conscientemente o autor - padrões exemplares de sua classe social.
Jorge Andrade a bem dizer não observou este drama: intuiu-o, sentiu-o na própria pele, testemunha ou protagonista que foi, na infância, de tantas e tantas histórias semelhantes a esta. O admirável, a este respeito, é que não haja na peça nenhum ressentimento. Jorge Andrade ama o velho Quim - sobre isso não há a menor dúvida. Mas o impulso que o levou a descrevê-lo foi o de entender em que medida o seu castigo é justo, não o de pôr a culpa nos outros. A falha - como mandava a tragédia clássica - está dentro, não fora dos personagens.
Qualidades e defeitos de toda uma classe são retratados com igual comoção e igual lucidez: lá estão o sentimento exaltado da dignidade individual, a honestidade e confiança nos negócios com os outros, a solidariedade familiar, mas, igualmente, os preconceitos e o orgulho da casta, a teimosia baseada no hábito incontestado do mando, e, sobretudo, a incapacidade de educar os filhos, de compreender e aceitar as novas condições de existência.
As mulheres, mais realistas, afeitas ao trabalho caseiro que virá afinal salvá-las economicamente, ainda resistem: entre mãe e filha, de Helena a Lucília, não haverá mais, talvez, do que um acréscimo de amargura, de dureza em relação aos outros e a si mesma. Para os homens, todavia, a mudança revela-se fatal. Sempre restará neles, fortíssimo, o sentimento de uma inconcebível diminuição - não só no sentido da degradação social, mas, inclusive, no de vida limitada, apagada, rasteira, medíocre, sem a liberdade de movimentos, a ampla expansão da personalidade permitida pelos horizontes dilatados das fazendas.
Bem sei que este gênero de apreciação não agrada a certa crítica moderna, que tende a não considerar no artista senão o "homo aestheticus" - o grande inocente, aquele que nada vê, nada ouve e nada sabe fora da pura fruição dos valores estéticos, também estes puros e desencarnados. Pessoalmente, não acredito que tirar o escritor de sua condição terrestre, de homem entre homens, convenha à natureza da literatura, pelo menos no romance e no teatro, artes mescladas de reflexão, certamente muito menos formais que a pintura e a música. Mas como, por outro lado, não ignoro que só com idéias não se constroem obras de arte, quero assinalar certos aspectos mais propriamente teatrais de A moratória.
Observemos, para começar, que a linguagem da peça nos engana na sua pretensa simplicidade: parece ser mera transcrição quando é, em verdade, o produto de um feliz esforço de seleção e despojamento. É um estilo, em suma, um diálogo de teatro, sem nada ceder, todavia, aos cacoetes, às imprecisões e repetições da fala mole e desfibrada de todos os dias.
Não menos admirável, tecnicamente, é a solução dada ao problema do tempo, problema central na dramaturgia européia desde que há dois mil anos Sófoclhes demonstrou, com o Rei Édipo, que só se pode escrever uma obra-prima inteiramente voltada para os acontecimentos do passado e nutrida por eles. É provável, conforme observaram alguns críticos, que A moratória deva alguma coisa, neste sentido,à Morte do caixeiro-viajante - mas apenas como inspiração, ponto de partida, não quanto às soluções alcançadas.
Arthur Miller vale-se da memória, da reminiscência involuntária, como de um trampolim encarregado de trazer de volta à cena fragmentos do passado, banhados de subjetivismo. A moratória, ao contrário, contrói-se objetivamente sobre dois planos - o passado e o presente - um pouco como esses romances de Aldous Huxley que apresentam os acontecimentos fora de sua verdadeira ordem cronológica. Somente os espectadores têm acesso simultâneo, ou quase simultâneo, aos dois planos, expediente que permite ao autor indicar os seus comentários, aproximando fatos separados no tempo, sublinhando os pontos sobre os quais deseja chamar a atenção.
Os temas - tanto os mais ou menos impessoais, a chuva, o café, as orações, a costura, quanto as reações psicológicas de cada personagem - como que se chamam e se respondem de plano para plano, atraindo-se ou repelindo-se, dando o ritmo interno, dramático e não simplesmente expositivo, que preside ao desenvolvimento e organização da obra. Às vezes, uma situação prepara, explica ou reforça outra semelhante, que aparecerá em plano diverso: é assim que a expulsão de Olímpio segue-se à de Marcelo, episódios ambos reveladores do gênio arrebatado de Quim.
Outras vezes dá-se o contrário: o confronto entre passado e presente, pela força de contraste, age como recurso de ironia dramática. Nós, espectadores, suspensos magicamente no tempo, tendo a visão global dos acontecimentos, confrangemo-nos com esperanças e otimismos que sabemos destinados ao malogro, ou sorrimos melancolicamente perante certas afirmações cuja gravidade os próprios protagonistas, no momento, estão longe de poder avaliar.
Veja-se a despedida da fazenda. Jorge Andrade só tardiamente a coloca ante nossos olhos, quando já tivemos tempo de perceber em profundidade o que aquelas terras herdadas do pai e do avô significam, do ponto de vista humano, para Quim. Preparados como estamos, Jorge Andrade pode-se dar ao luxo de não manifestar a presença concreta da fazenda, a relação íntima e amorosa estabelecida entre o homem e as coisas, senão por intermédio de minúsculos incidentes que perpassam pela conversa dos dois velhos, o balaústre que se está estragando, os vidros da bandeira da porta que é preciso trocar, as formigas que tornaram a sair, pequenos sinais que nos falam sutilmente da ameaça de morte que paira sobre aquela casa em vias de ser abandonada.
Não há lances eloquentes, despedidas melodramáticas. Não é necessário. O impacto nos vem, em grande parte, da revelação que o autor deixara cair pouco antes, no final do segundo ato: também o processo de recuperação judicial da fazenda seria perdido. Essa contrafeita e tímida despedida, em suma, é a definitiva. Quim ainda pode agarrar-se à ilusão da volta; nós, como espectadores, não temos nem sequer o benefício da dúvida. Sabendo mais que as personagens, dir-se-ia qu sofremos em certos instantes mais do que elas (Thorton Wilder, em Nossa cidade, vale-se abundantemente dessa mesma espécie de emoção).
Toda A moratória é construída assim: cada plano descreve a sua curva própria, indo da esperança ao desespero ou vice-versa - até que sobrevenha a derrocada final. Mas o gráfico, a fisionomia última da peça, é constituída pela habilíssima superposição das duas curvas. A história contada em sequência cronológica não seria a mesma história.
O ensaio que se segue, aqui um pouco reduzido, é de autoria de Décio de Almeida Prado - um dos maiores críticos teatrais da história do teatro brasileiro - e constitui o prefácio da edição do texto, em 1959, pela Livraria AGIR Editora/Rio de Janeiro. A moratória foi apresentada pela primeira vez no dia 06 de maio de 1955, no Teatro Maria Della Costa, em São Paulo, com a seguinte equipe:
Direção e cenografia - Gianni Ratto
Assistente de direção - Fernando Tôrres
Figurinos - Luciana Petrucelli
ELENCO:
Joaquim - Elísio de Albuquerque
Helena - Moná Delacy
Lucília - Fernanda Montenegro
Marcelo - Mílton Morais
Olímpio - Sérgio Britto
Elvira - Wanda Kosmos
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A moratória relaciona-se com um determinado Brasil. Uma zona de São Paulo, povoada por famílias do sul de Minas, que por lá se instalaram, em sucessivas migrações, a partir do início do século XIX. As terras não tinham dono e foram apossadas em grandes, imensas extensões. Com a dificuldade de transporte, a riqueza era menos produção, dinheiro, luxo, do que um certo desafogo e largueza de viver. Ao fazendeiro cabia principalmente ser econômico e manter um olho meio atento sobre a propriedade, para evitar abusos maiores.
O traballho era concebido como uma atividade física, cansativa mas excitante, sem obedecer, contudo, a disciplinas rígidas, a planos e horários pré-estabelecidos, a demoradas operações financeiras. O divertimento masculino por excelência, nesta região tênuemente povoada, era a caça, tornada possível pela criação dos dois animais considerados nobres - o cachorro e o cavalo - e praticada através de gerações, com fervor já próximo ao fanatismo. A sabedoria era a dos avós - os antigos - de preferência à dos pais, mito de uma idade de ouro familiar a que Jorge Andrade procurou dar existência e credibilidade artística em Pedreira das almas.
A moratória evoca o fim, frequentemente melancólico, desse processo social: a divisão e perda das fazendas, com a ascensão de novas classes, facilitada por dois violentos choques: a crise do café e a revolução de 30 (ambos, não é preciso acrescentar, extremamente benéficos à democratização do País). Não compreenderá nada do alcance da peça quem não pressentir, por detrás dos indivíduos e dos episódios particulares que ela narra, a agonia de uma sociedade em vias de transição - aquela dolorosa passagem do Brasil dos fazendeiros para o Brasil urbano tão bem descrita por Gilberto Freire.
A sensibilidade de Jorge Andrade pertence a um tipo muito comum, embora pouco estudado, na moderna literatura brasileira, aparendo, sob outras formas, em autores tão diversos como José Lins do Rego e Carlos Drummond de Andrade: a sensibilidade do filho do fazendeiro, do homem que se conserva sentimentalmente preso, pela memória, a um passado patriarcalista que sabe já não ter qualquer significação atual.
A moratória, entretanto, não desce a pormenores, não faz obra descritiva, nem se importa com o pitoresco. Os seus valores sociais ela por assim dizer os assume, percebendo-os por dentro, exprimindo-os não nesta ou aquela frase que se possa citar fora do contexto, mas na própria maneira de ser de cada personagem. Quim é Quim como Lucília é Lucília, mas sendo apenas eles mesmos, com todas as peculiaridades e maneirismos pessoais, são também, sem o saber - e quase diríamos sem o desejar expressa e conscientemente o autor - padrões exemplares de sua classe social.
Jorge Andrade a bem dizer não observou este drama: intuiu-o, sentiu-o na própria pele, testemunha ou protagonista que foi, na infância, de tantas e tantas histórias semelhantes a esta. O admirável, a este respeito, é que não haja na peça nenhum ressentimento. Jorge Andrade ama o velho Quim - sobre isso não há a menor dúvida. Mas o impulso que o levou a descrevê-lo foi o de entender em que medida o seu castigo é justo, não o de pôr a culpa nos outros. A falha - como mandava a tragédia clássica - está dentro, não fora dos personagens.
Qualidades e defeitos de toda uma classe são retratados com igual comoção e igual lucidez: lá estão o sentimento exaltado da dignidade individual, a honestidade e confiança nos negócios com os outros, a solidariedade familiar, mas, igualmente, os preconceitos e o orgulho da casta, a teimosia baseada no hábito incontestado do mando, e, sobretudo, a incapacidade de educar os filhos, de compreender e aceitar as novas condições de existência.
As mulheres, mais realistas, afeitas ao trabalho caseiro que virá afinal salvá-las economicamente, ainda resistem: entre mãe e filha, de Helena a Lucília, não haverá mais, talvez, do que um acréscimo de amargura, de dureza em relação aos outros e a si mesma. Para os homens, todavia, a mudança revela-se fatal. Sempre restará neles, fortíssimo, o sentimento de uma inconcebível diminuição - não só no sentido da degradação social, mas, inclusive, no de vida limitada, apagada, rasteira, medíocre, sem a liberdade de movimentos, a ampla expansão da personalidade permitida pelos horizontes dilatados das fazendas.
Bem sei que este gênero de apreciação não agrada a certa crítica moderna, que tende a não considerar no artista senão o "homo aestheticus" - o grande inocente, aquele que nada vê, nada ouve e nada sabe fora da pura fruição dos valores estéticos, também estes puros e desencarnados. Pessoalmente, não acredito que tirar o escritor de sua condição terrestre, de homem entre homens, convenha à natureza da literatura, pelo menos no romance e no teatro, artes mescladas de reflexão, certamente muito menos formais que a pintura e a música. Mas como, por outro lado, não ignoro que só com idéias não se constroem obras de arte, quero assinalar certos aspectos mais propriamente teatrais de A moratória.
Observemos, para começar, que a linguagem da peça nos engana na sua pretensa simplicidade: parece ser mera transcrição quando é, em verdade, o produto de um feliz esforço de seleção e despojamento. É um estilo, em suma, um diálogo de teatro, sem nada ceder, todavia, aos cacoetes, às imprecisões e repetições da fala mole e desfibrada de todos os dias.
Não menos admirável, tecnicamente, é a solução dada ao problema do tempo, problema central na dramaturgia européia desde que há dois mil anos Sófoclhes demonstrou, com o Rei Édipo, que só se pode escrever uma obra-prima inteiramente voltada para os acontecimentos do passado e nutrida por eles. É provável, conforme observaram alguns críticos, que A moratória deva alguma coisa, neste sentido,à Morte do caixeiro-viajante - mas apenas como inspiração, ponto de partida, não quanto às soluções alcançadas.
Arthur Miller vale-se da memória, da reminiscência involuntária, como de um trampolim encarregado de trazer de volta à cena fragmentos do passado, banhados de subjetivismo. A moratória, ao contrário, contrói-se objetivamente sobre dois planos - o passado e o presente - um pouco como esses romances de Aldous Huxley que apresentam os acontecimentos fora de sua verdadeira ordem cronológica. Somente os espectadores têm acesso simultâneo, ou quase simultâneo, aos dois planos, expediente que permite ao autor indicar os seus comentários, aproximando fatos separados no tempo, sublinhando os pontos sobre os quais deseja chamar a atenção.
Os temas - tanto os mais ou menos impessoais, a chuva, o café, as orações, a costura, quanto as reações psicológicas de cada personagem - como que se chamam e se respondem de plano para plano, atraindo-se ou repelindo-se, dando o ritmo interno, dramático e não simplesmente expositivo, que preside ao desenvolvimento e organização da obra. Às vezes, uma situação prepara, explica ou reforça outra semelhante, que aparecerá em plano diverso: é assim que a expulsão de Olímpio segue-se à de Marcelo, episódios ambos reveladores do gênio arrebatado de Quim.
Outras vezes dá-se o contrário: o confronto entre passado e presente, pela força de contraste, age como recurso de ironia dramática. Nós, espectadores, suspensos magicamente no tempo, tendo a visão global dos acontecimentos, confrangemo-nos com esperanças e otimismos que sabemos destinados ao malogro, ou sorrimos melancolicamente perante certas afirmações cuja gravidade os próprios protagonistas, no momento, estão longe de poder avaliar.
Veja-se a despedida da fazenda. Jorge Andrade só tardiamente a coloca ante nossos olhos, quando já tivemos tempo de perceber em profundidade o que aquelas terras herdadas do pai e do avô significam, do ponto de vista humano, para Quim. Preparados como estamos, Jorge Andrade pode-se dar ao luxo de não manifestar a presença concreta da fazenda, a relação íntima e amorosa estabelecida entre o homem e as coisas, senão por intermédio de minúsculos incidentes que perpassam pela conversa dos dois velhos, o balaústre que se está estragando, os vidros da bandeira da porta que é preciso trocar, as formigas que tornaram a sair, pequenos sinais que nos falam sutilmente da ameaça de morte que paira sobre aquela casa em vias de ser abandonada.
Não há lances eloquentes, despedidas melodramáticas. Não é necessário. O impacto nos vem, em grande parte, da revelação que o autor deixara cair pouco antes, no final do segundo ato: também o processo de recuperação judicial da fazenda seria perdido. Essa contrafeita e tímida despedida, em suma, é a definitiva. Quim ainda pode agarrar-se à ilusão da volta; nós, como espectadores, não temos nem sequer o benefício da dúvida. Sabendo mais que as personagens, dir-se-ia qu sofremos em certos instantes mais do que elas (Thorton Wilder, em Nossa cidade, vale-se abundantemente dessa mesma espécie de emoção).
Toda A moratória é construída assim: cada plano descreve a sua curva própria, indo da esperança ao desespero ou vice-versa - até que sobrevenha a derrocada final. Mas o gráfico, a fisionomia última da peça, é constituída pela habilíssima superposição das duas curvas. A história contada em sequência cronológica não seria a mesma história.
Teatro/CRÍTICA
"Torpedos"
........................................................
Comovente libelo contra a alienação
Lionel Fischer
Se encararmos a globalização de forma bem suscinta, seus dogmas mais sinistros podem ser resumidos aos seguintes: seja o mais egoísta possível, esqueça que existe a palavra "solidariedade" e, de preferência, aos 30 anos já tenha um milhão de dólares em sua conta bancária. Tais premissas, desde que seguidas à risca, dificultam enormemente a comunicação entre as pessoas, praticamente inviabilizam afetos e conduzem à solidão. Assim sendo, a vida perderia seu sentido, desde que a encaremos como uma trajetória em que encontros - de todas as naturezas - são essenciais.
E o presente espetáculo se apóia basicamente nisto: numa desesperada tentativa dos personagens de encontrar algo de mais sólido que justifique sua passagem por este nosso singular planeta. De autoria de Alice Steinbruck, "Torpedos" está em cartaz no Centro Cultural Solar de Botafogo. A autora também dirige o espetáculo e divide a cena com Amaury Lorenzo, Felipe Leopardo e Marcela Coelho.
Composto de seis histórias curtas, o texto aborda com humor, sensibilidade e muitas vezes com grande carga dramática o conturbado universo dos vários personagens, que, embora inseridos em contextos diferentes, exibem parecidos anseios, desejos, carências e perplexidades. Trata-se, sem dúvida, de uma excelente peça, enxuta e objetiva, que prende totalmente a atenção da platéia por seus conteúdos e também pela forma como são materializados.
Alice Steinbruck impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico, encontrando soluções diversificadas, criativas, surpreendentes e não raro de grande ousadia. E todos os atores exibem virtudes não muito comuns em intérpretes ainda bem jovens: excelente domínio vocal e corporal, ótima contracena e notável capacidade de entrega. Sem dúvida, estamos diante de um espetáculo que merece ser prestigiado de forma incondicional pelo público carioca e que esperamos que venha a cumprir longa e merecida temporada.
Na equipe técnica, todos os profissionais envolvidos contribuem de forma decisiva para o êxito da presente montagem - Alice Steinbruck (cenário), Orlando Schaider (iluminação), Guilherme Maravilhas (colaboração musical) e Luciana Cardoso (figurinos).
TORPEDOS - Texto e direção de Alice Steinbruck. Com Alice Steinbruck, Amaury Lorenzo, Felipe Leopardo e Marcela Coelho. Centro Cultural Solar de Botafogo. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.
"Torpedos"
........................................................
Comovente libelo contra a alienação
Lionel Fischer
Se encararmos a globalização de forma bem suscinta, seus dogmas mais sinistros podem ser resumidos aos seguintes: seja o mais egoísta possível, esqueça que existe a palavra "solidariedade" e, de preferência, aos 30 anos já tenha um milhão de dólares em sua conta bancária. Tais premissas, desde que seguidas à risca, dificultam enormemente a comunicação entre as pessoas, praticamente inviabilizam afetos e conduzem à solidão. Assim sendo, a vida perderia seu sentido, desde que a encaremos como uma trajetória em que encontros - de todas as naturezas - são essenciais.
E o presente espetáculo se apóia basicamente nisto: numa desesperada tentativa dos personagens de encontrar algo de mais sólido que justifique sua passagem por este nosso singular planeta. De autoria de Alice Steinbruck, "Torpedos" está em cartaz no Centro Cultural Solar de Botafogo. A autora também dirige o espetáculo e divide a cena com Amaury Lorenzo, Felipe Leopardo e Marcela Coelho.
Composto de seis histórias curtas, o texto aborda com humor, sensibilidade e muitas vezes com grande carga dramática o conturbado universo dos vários personagens, que, embora inseridos em contextos diferentes, exibem parecidos anseios, desejos, carências e perplexidades. Trata-se, sem dúvida, de uma excelente peça, enxuta e objetiva, que prende totalmente a atenção da platéia por seus conteúdos e também pela forma como são materializados.
Alice Steinbruck impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico, encontrando soluções diversificadas, criativas, surpreendentes e não raro de grande ousadia. E todos os atores exibem virtudes não muito comuns em intérpretes ainda bem jovens: excelente domínio vocal e corporal, ótima contracena e notável capacidade de entrega. Sem dúvida, estamos diante de um espetáculo que merece ser prestigiado de forma incondicional pelo público carioca e que esperamos que venha a cumprir longa e merecida temporada.
Na equipe técnica, todos os profissionais envolvidos contribuem de forma decisiva para o êxito da presente montagem - Alice Steinbruck (cenário), Orlando Schaider (iluminação), Guilherme Maravilhas (colaboração musical) e Luciana Cardoso (figurinos).
TORPEDOS - Texto e direção de Alice Steinbruck. Com Alice Steinbruck, Amaury Lorenzo, Felipe Leopardo e Marcela Coelho. Centro Cultural Solar de Botafogo. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.
Teatro/CRÍTICA
"Aquela mulher"
...........................................
Bela versão de ótimo texto
Lionel Fischer
Marília Gabriela é uma mulher. Mas antes que alguém atribua conotações acacianas a esta assertiva, gostaria de ponderar que Marília Gabriela não é "apenas uma mulher", mas uma mulher extremamente bem-sucedida em sua principal atividade - jornalista, entrevistadora, dona de um programa televisivo etc. - e que, segundo alguns, estaria cometendo, de uns anos para cá, uma espécie de heresia: o desejo de tornar-se atriz. Trata-se, naturalmente, de um sintoma claríssimo de nossa velha conhecida: a inveja. É como se dissessem: "Mas será que não basta ela já ser quem é no universo jornalístico/televisivo? Será que tem ambições de também brilhar em outro segmento que sempre lhe foi estranho?".
Como jamais troquei uma palavra ou seguer um olhar com Marília Gabriela - o que muito lamento - não posso, evidentemente, responder por ela. Mas posso, sim, elogiar sua coragem de dar prosseguimento a uma atividade paralela - repleta de riscos - quando poderia perfeitamente contentar-se com o status que já adquiriu há muito tempo. Assim, é com grande admiração que a revejo no palco, desta vez protagonizando o monólogo "Aquela mulher", do angolano José Eduardo Agualusa. Em cartaz no Teatro do Leblon - Sala Marília Pêra, o espetáculo leva a ssinatura do ator Antônio Fagundes, que estréia como diretor - insisto em colocar acento agudo em estréia, pois, para mim, estréia sem acento é ensaio geral.
Tendo como enredo a espera de uma mulher que aguarda a confirmação de que novamente dirigirá o destino da nação mais poderosa do mundo, o texto de Agualusa, ainda que faça referência a Hillary Clinton e seu marido, aborda vários temas da maior pertinência, como o poder - e, mais especificamente, o poder exercido por uma uma mulher -, o amor, a solidão, a hipocrisia, uma vasta gama de contradições e fragilidades etc. Em última instância, o ótimo texto nos fala sobre o complexo, comovente e eventualmente hilariante ato de viver.
Marília Gabriela interpreta a Senhora H. E a Senhora H. é uma mulher de forte personalidade, como Marília. Tal sintonia já é suficiente para os invejosos de plantão argumentarem: "Mas então, qual seria a dificuldade de fazer tal personagem, já que ambas possuem a mesma essência?". E aqui, e novamente não desejando parecer acaciano, ouso afirmar que uma pessoa "forte" tem que conter, necessariamente, aspectos frágeis, pois do contrário não passaria de um ser monolítico, contrariando descadaramente a dialética da vida, que pressupõe a permanente alternância (ou embate) entre os opostos - no caso, tais embates se dariam nas entranhas da pessoa em questão, mesmo que ela tente ou até consiga camuflá-los em nome da preservação de sua imagem pública.
Isto posto, cumpre registrar a grande evolução de Marília Gabriela como atriz, evolução esta que se torna cada vez mais evidente a cada novo espetáculo que faz. E aqui não poderia ser de outra forma, já que dirigida por um dos maiores atores que este país possui: Antônio Fagundes. Aproveitando seu enorme talento e vastíssima experiência, Fagundes extrai da atriz um desempenho superior a todos os anteriores, já que Marília consegue trabalhar muito bem as pausas, impor à sua poderosa voz surpreendentes nuances e realizar um expressivo trabalho corporal, afora se entregar com total paixão à tarefa de materializar uma personalidade tão complexa. E isto também só se torna possível porque Fagundes, sabiamente, renunciou a desnecessárias firulas formais e criou uma dinâmica cênica austera, seca, que faz emergir, com humor e sensibilidade, os múltiplos aspectos de uma mulher tão poderosa e ao mesmo tempo tão romântica. Sob todos os aspectos, estamos diante de uma parceria que deu certo e que, portanto, desejamos que venha a se repetir.
Na equipe técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo o exemplar trabalho de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada - Theodoro Cochrane (cenário e figurinos), André Abujamra (trilha sonora), Márcio Aurélio (iluminação) e Clarisse Abujamra (preparação corporal).
AQUELA MULHER - Texto de José Eduardo Agualusa. Direção de Antônio Fagundes. Com Marília Gabriela. Teatro do Leblon. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.
"Aquela mulher"
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Bela versão de ótimo texto
Lionel Fischer
Marília Gabriela é uma mulher. Mas antes que alguém atribua conotações acacianas a esta assertiva, gostaria de ponderar que Marília Gabriela não é "apenas uma mulher", mas uma mulher extremamente bem-sucedida em sua principal atividade - jornalista, entrevistadora, dona de um programa televisivo etc. - e que, segundo alguns, estaria cometendo, de uns anos para cá, uma espécie de heresia: o desejo de tornar-se atriz. Trata-se, naturalmente, de um sintoma claríssimo de nossa velha conhecida: a inveja. É como se dissessem: "Mas será que não basta ela já ser quem é no universo jornalístico/televisivo? Será que tem ambições de também brilhar em outro segmento que sempre lhe foi estranho?".
Como jamais troquei uma palavra ou seguer um olhar com Marília Gabriela - o que muito lamento - não posso, evidentemente, responder por ela. Mas posso, sim, elogiar sua coragem de dar prosseguimento a uma atividade paralela - repleta de riscos - quando poderia perfeitamente contentar-se com o status que já adquiriu há muito tempo. Assim, é com grande admiração que a revejo no palco, desta vez protagonizando o monólogo "Aquela mulher", do angolano José Eduardo Agualusa. Em cartaz no Teatro do Leblon - Sala Marília Pêra, o espetáculo leva a ssinatura do ator Antônio Fagundes, que estréia como diretor - insisto em colocar acento agudo em estréia, pois, para mim, estréia sem acento é ensaio geral.
Tendo como enredo a espera de uma mulher que aguarda a confirmação de que novamente dirigirá o destino da nação mais poderosa do mundo, o texto de Agualusa, ainda que faça referência a Hillary Clinton e seu marido, aborda vários temas da maior pertinência, como o poder - e, mais especificamente, o poder exercido por uma uma mulher -, o amor, a solidão, a hipocrisia, uma vasta gama de contradições e fragilidades etc. Em última instância, o ótimo texto nos fala sobre o complexo, comovente e eventualmente hilariante ato de viver.
Marília Gabriela interpreta a Senhora H. E a Senhora H. é uma mulher de forte personalidade, como Marília. Tal sintonia já é suficiente para os invejosos de plantão argumentarem: "Mas então, qual seria a dificuldade de fazer tal personagem, já que ambas possuem a mesma essência?". E aqui, e novamente não desejando parecer acaciano, ouso afirmar que uma pessoa "forte" tem que conter, necessariamente, aspectos frágeis, pois do contrário não passaria de um ser monolítico, contrariando descadaramente a dialética da vida, que pressupõe a permanente alternância (ou embate) entre os opostos - no caso, tais embates se dariam nas entranhas da pessoa em questão, mesmo que ela tente ou até consiga camuflá-los em nome da preservação de sua imagem pública.
Isto posto, cumpre registrar a grande evolução de Marília Gabriela como atriz, evolução esta que se torna cada vez mais evidente a cada novo espetáculo que faz. E aqui não poderia ser de outra forma, já que dirigida por um dos maiores atores que este país possui: Antônio Fagundes. Aproveitando seu enorme talento e vastíssima experiência, Fagundes extrai da atriz um desempenho superior a todos os anteriores, já que Marília consegue trabalhar muito bem as pausas, impor à sua poderosa voz surpreendentes nuances e realizar um expressivo trabalho corporal, afora se entregar com total paixão à tarefa de materializar uma personalidade tão complexa. E isto também só se torna possível porque Fagundes, sabiamente, renunciou a desnecessárias firulas formais e criou uma dinâmica cênica austera, seca, que faz emergir, com humor e sensibilidade, os múltiplos aspectos de uma mulher tão poderosa e ao mesmo tempo tão romântica. Sob todos os aspectos, estamos diante de uma parceria que deu certo e que, portanto, desejamos que venha a se repetir.
Na equipe técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo o exemplar trabalho de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada - Theodoro Cochrane (cenário e figurinos), André Abujamra (trilha sonora), Márcio Aurélio (iluminação) e Clarisse Abujamra (preparação corporal).
AQUELA MULHER - Texto de José Eduardo Agualusa. Direção de Antônio Fagundes. Com Marília Gabriela. Teatro do Leblon. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.