Que saudade, amigo...
Hoje acordei com uma saudade quase física daquele que foi o grande amigo de minha vida - quando o conheci, tinha 21 anos; ele, dezoito. Já prestei aqui, neste blog, um breve tributo a esta pessoa maravilhosa que nos deixou recentemente: Bernardo Jablonski. Portanto, não voltarei a fazê-lo, ao menos de forma semelhante.
Assim, decidi colocar aqui um breve trecho do livro de humor sobre o teatro que escrevemos juntos e lançamos em 2004 (Editora Caravansarai): "O Teatro por Dentro ou por Dentro do Teatro - tudo que você sempre quis saber sobre o teatro e nunca lhe ocorreu" - nunca é demais ressaltar que a publicação contou com uma pertinente e divertida orelha escrita por Domingos Oliveira.
Então, transcrevo aqui o prólogo que dá início à publicação e a seguir uma das questões levantadas - 50, no total.
Advertência
Antes que o leitor inicie séria e atentamente a leitura do que se segue - e este livro só cumprirá sua finalidade se for lido séria e atentamente - os autores gostariam de esclarecer não as motivações que os levaram a produzir o presente volume, mas seu formato final. Por serem amigos de longa data e tendo sempre cultivado o hábito de refletirem juntos sobre o teatro, chegou o momento em que julgaram conveniente partilhar suas reflexões com o maior número possível de seres humanos.
No entanto, e para constrangimento de ambos, já no início dos trabalhos começaram a divergir. E foram divergindo tanto, e a tal ponto, que, antes de cortarem relações para sempre, mas ainda desejando que o presente livro chegasse até o público, concluíram que ele só poderia ser finalizado se, a cada questão levantada, duas alternativas fossem apresentadas, ao contrário do que haviam previsto - como até então concordavam em praticamente tudo, imaginaram que bastaria uma resposta, que sintetizaria o pensamento da dupla.
Portanto, cada pergunta terá como resposta um SIM e um NÃO. Mas o leitor jamais ficará sabendo a quem atribuir o SIM e o NÃO, pois nem quanto a isto Bernardo Jablonski e Lionel Fischer chegaram a um acordo. De fato, uma lástima, já que o teatro, sendo a arte do encontro, curiosamente separou dois amantes desta sublime atividade, cuja amizade perecia fadada a se perpetuar através dos tempos.
* * *
Questão 16
Poeta, autor, diretor e teórico, o alemão Bertolt Brecht ingressou na imortalidade não apenas em função das obras-primas que escreveu, mas também - e, quem sabe, sobretudo - por sua famosa teoria, conhecida como "distanciamento brechtiano". Pois bem: como ninguém jamais chegou a um acordo sobre o que isto significa, seria lícito supor que, em última instância, o que Brecht desejava mesmo era que a platéia se sentasse o mais longe possível do palco?
SIM - De acordo com os principais biógrafos do gênio alemão, Brecht nutria verdadeira ojeriza no que concerne à proximidade física, tanto em nível pessoal como artístico - não são poucos, por sinal, os que sustentam que até quando se relacionava sexualmente, sempre sob implacável coação, Brecht o fazia a uma certa distância, beneficiado pelo colossal membro que possuía. A mera hipótese de ter sua pele roçada por uma outra o colocava em estado de pânico total, sendo também avesso a cheiros - estes, segundo seus biógrafos, produziam reações alérgicas no artista, tanto internas (asma histérica) quanto externas (brotoejas coçativas).
Assim sendo, e levando-se em conta que considerava seus atores como projeções de si mesmo, nada mais natural que Brecht estendesse a eles as precauções que adotava para salvaguardar sua integridade, o que o levou a afastar cada vez mais a platéia da cena, só interrompendo tal processo quando alguém o advertiu que muitos espectadores já estavam tendo que se valer de lunetas para apreciar as obras-primas que materializava com metódica constância.
NÃO - Na realidade, tal pergunta não mereceria sequer resposta, tamanha a sua carga de leviandade e ignorância. Em todo caso, e em respeito ao eventual despreparo teórico do leitor, cumpre registar o que se segue.
O "distanciamento brechtiano" se deve, em primeiro lugar, à consciência que Brecht possuía da grande emotividade do povo alemão, que, em sua opinião, já derramara lágrimas em excesso com a perda da Primeira Guerra Mundial. Em segunda instância, havia a tentativa de não deixar a platéia se envolver "burguesa e acriticamente" com o que estava sendo dito no palco, o que atrapalharia o processo de conscientização que levaria à revolução socialista!
Brecht, um sonhador, considerava como platéia ideal a formada por camponeses esclarecidos e conscientes, que assistiriam às suas peças com comentários irônicos, jocosos e altamente cônscio-revolucionários. Mais tarde, os roteiristas do programa de TV "Muppet Show" se aproveitaram desta dica colocando dois velhinhos ranzinzas e engraçados que sacaneavam o próprio programa - isso sim é que é distanciamento!
Agora, esta história de membro colossal...sei não...só pode ser um guloso desvario de meu colega de escrita. Até onde se sabe, colossal é apenas a rica obra deixada por mestre Brecht. Mas como a comunidade gay costuma andar muito bem informada...pode ser, né?
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quarta-feira, 30 de novembro de 2011
Contato
Como não sei responder aos comentários postados neste blog - tarefa que qualquer criança de três anos (com sono) faria sem o menor problema -, aí segue meu e-mail:
lionelfischer54@hotmail.com
Beijos,
Eu
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Beijos,
Eu
segunda-feira, 28 de novembro de 2011
Teatro/CRÍTICA
"Aquela outra"
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Curioso encontro de mulheres
Lionel Fischer
"Dália é uma dona-de-casa exemplar, devotada aos três filhos e ao marido. Júlia é uma executiva bem sucedida, tentando equilibrar a vida profissional e familiar - ela é mãe de uma filha ainda pequena. Dália e Júlia não se conhecem: a primeira vive em 1959 e a segunda em 2011. Num palco dividido, acompanhamos simultaneamente a vida dessas mulheres. A primeira sonha com um futuro em que poderá dispor de autonomia afetiva e financeira; a segunda almeja o contrário: tempo para os os filhos, o amor e a vida em família".
Extraído do ótimo release que me foi enviado pelos assessores de imprensa João Pontes e Stella Stephany, o trecho acima sintetiza o enredo de "Aquela outra", de autoria de Lícia Manzo. Em cartaz na Sala Tônia Carrero do Teatro do Leblon, a peça chega à cena com direção de Clarice Niskier e elenco formado por Tânia Costa (Dália) e Cristina Flores (Júlia).
A estrutura narrativa proposta pela autora é bastante interessante. Inicialmente, as personagens se relacionam diretamente com a plateia, ignorando-se mutuamente. Mas ainda assim seus pensamentos e confissões se mesclam a todo momento, como se as questões que levantam, ainda que aparentemente díspares, no fundo fossem as mesmas - e mesmo que não fossem as mesmas, curiosamente se encaixam em contextos tão diversos.
A partir de um certo ponto, as personagens passam a se relacionar diretamente. Tal recurso, ainda que em princípio válido do ponto de vista dramatúrgico, no presente caso me soou um tanto forçado. Realmente não consegui entender as razões que levaram a autora a lançar mão deste expediente, já que até então estava achando, como já dito, muito interessante a estrutura narrativa que adotara.
Ou seja: o fato de as duas personagens se encontrarem nada acrescenta ao que já sabíamos - o que Dália almeja Júlia o possui, e vice-versa. Pelo contrário: este encontro, ainda que não deixe de ser saboroso, contribui para minimizar o clima onírico obtido até então. Mas trata-se apenas de uma opinião e, como tal, sujeita a todos os enganos.
Ressalva feita, cumpre registrar a pertinência das questões levantadas por Lícia Manzo e sua capacidade de estruturar de forma irretocável as personalidades em questão. Estas, por sinal, interpretadas de forma irrepreensível por Tânia Costa e Cristina Flores que, além de excelentes atrizes, contaram com a direção de Clarice Niskier, uma das melhores intérpretes deste país.
Atenta ao fato de que um texto desta natureza dispensa maiores arroubos e inócuas mirabolâncias formais, Clarice Niskier criou uma dinâmica cênica simples e eficiente, priorizando o que fato importa: a performance das atrizes e as relações que estabelecem. E tanto Tânia Costa como Cristina Flores extraem o máximo das ótimas personagens, convencendo tanto nas passagens em que fazem confissões à plateia como naquelas em que contracenam.
Com relação à equipe técnica, Luis Martins assina impecável cenografia, o mesmo aplicando-se aos figurinos de Kika Lopes, à criação musical de Marcelo Alonso Neves e à sutil e delicada iluminação de Jorginho de Carvalho.
AQUELA OUTRA - Texto de Lícia Manzo. Direção de Clarice Niskier. Com Tânia Costa e Cristina Flores. Teatro do Leblon. Quinta a sábado, 21h30. Domingo, 20h.
"Aquela outra"
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Curioso encontro de mulheres
Lionel Fischer
"Dália é uma dona-de-casa exemplar, devotada aos três filhos e ao marido. Júlia é uma executiva bem sucedida, tentando equilibrar a vida profissional e familiar - ela é mãe de uma filha ainda pequena. Dália e Júlia não se conhecem: a primeira vive em 1959 e a segunda em 2011. Num palco dividido, acompanhamos simultaneamente a vida dessas mulheres. A primeira sonha com um futuro em que poderá dispor de autonomia afetiva e financeira; a segunda almeja o contrário: tempo para os os filhos, o amor e a vida em família".
Extraído do ótimo release que me foi enviado pelos assessores de imprensa João Pontes e Stella Stephany, o trecho acima sintetiza o enredo de "Aquela outra", de autoria de Lícia Manzo. Em cartaz na Sala Tônia Carrero do Teatro do Leblon, a peça chega à cena com direção de Clarice Niskier e elenco formado por Tânia Costa (Dália) e Cristina Flores (Júlia).
A estrutura narrativa proposta pela autora é bastante interessante. Inicialmente, as personagens se relacionam diretamente com a plateia, ignorando-se mutuamente. Mas ainda assim seus pensamentos e confissões se mesclam a todo momento, como se as questões que levantam, ainda que aparentemente díspares, no fundo fossem as mesmas - e mesmo que não fossem as mesmas, curiosamente se encaixam em contextos tão diversos.
A partir de um certo ponto, as personagens passam a se relacionar diretamente. Tal recurso, ainda que em princípio válido do ponto de vista dramatúrgico, no presente caso me soou um tanto forçado. Realmente não consegui entender as razões que levaram a autora a lançar mão deste expediente, já que até então estava achando, como já dito, muito interessante a estrutura narrativa que adotara.
Ou seja: o fato de as duas personagens se encontrarem nada acrescenta ao que já sabíamos - o que Dália almeja Júlia o possui, e vice-versa. Pelo contrário: este encontro, ainda que não deixe de ser saboroso, contribui para minimizar o clima onírico obtido até então. Mas trata-se apenas de uma opinião e, como tal, sujeita a todos os enganos.
Ressalva feita, cumpre registrar a pertinência das questões levantadas por Lícia Manzo e sua capacidade de estruturar de forma irretocável as personalidades em questão. Estas, por sinal, interpretadas de forma irrepreensível por Tânia Costa e Cristina Flores que, além de excelentes atrizes, contaram com a direção de Clarice Niskier, uma das melhores intérpretes deste país.
Atenta ao fato de que um texto desta natureza dispensa maiores arroubos e inócuas mirabolâncias formais, Clarice Niskier criou uma dinâmica cênica simples e eficiente, priorizando o que fato importa: a performance das atrizes e as relações que estabelecem. E tanto Tânia Costa como Cristina Flores extraem o máximo das ótimas personagens, convencendo tanto nas passagens em que fazem confissões à plateia como naquelas em que contracenam.
Com relação à equipe técnica, Luis Martins assina impecável cenografia, o mesmo aplicando-se aos figurinos de Kika Lopes, à criação musical de Marcelo Alonso Neves e à sutil e delicada iluminação de Jorginho de Carvalho.
AQUELA OUTRA - Texto de Lícia Manzo. Direção de Clarice Niskier. Com Tânia Costa e Cristina Flores. Teatro do Leblon. Quinta a sábado, 21h30. Domingo, 20h.
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
Teatro/CRÍTICA
"Mão na luva"
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Montagem imperdível na Lapa
Lionel Fischer
"Silvia é uma artista plástica frustrada. Lúcio Paulo é jornalista. Eles estão prestes a encerrar uma relação de nove anos. Nesta conversa derradeira, a ação é fragmentada em flashbacks, o homem e a mulher viajam entre o passado e o presente, tentando encontrar uma razão específica para o término da união. Neste momento também são feitas revelações. Traições veladas são descobertas. Mágoas expostas, feridas abertas".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo de "Mão na luva", de Oduvaldo Vianna Filho (Vianinha), peça escrita em 1966 e que já recebeu inúmeras versões. A atual leva a assinatura de Rubens Camelo e está em cartaz no Atelier 52 - o espaço foi cedido pelo artista plástico Daniel Senise e fica na Rua Silvio Romero nº 52, na Lapa. Marta Paret e Isaac Bernat dão vida aos dois únicos personagens.
Embora tenha como pano de fundo uma série de questões políticas inerentes à época, o principal foco do texto é realmente a desesperada tentativa de um casal de encontrar uma razão concreta para o iminente rompimento. Como já dito, traições são reveladas, fazendo aflorar inevitáveis ressentimentos. No entanto, o que me parece mais relevante no texto é que o autor não condena ou absolve seus personagens, mas procura detectar o que estaria na essência das tais traições, desprezando o que poderia haver de superficial nas mesmas.
Tal postura o leva a empreender uma pertinente reflexão sobre algo que julgo fundamental: nossa costumeira teimosia em querer que o outro atenda às nossas expectativas, correndo assim o risco de perder a pessoa amada por idealizá-la, fazendo dela alvo de nossas projeções. No entanto, chega sempre o momento em que o real da vida se sobrepõe a todas as máscaras inventadas, e as faces descobertas geram profundo e injustificado espanto.
Felizmente, no presente caso, o brilhante Vianinha teve a sabedoria de perceber que é perfeitamente possível conviver com divergências, fragilidades, frustrações etc., desde que as mesmas sejam reveladas em toda a sua amplitude e complexidade. Quando isto é feito, e havendo amor, naturalmente, qualquer casal pode reiniciar sua trajetória. E certamente numa relação muito mais fortalecida, posto que despida de todas as máscaras.
Quanto ao espetáculo, Rubens Camelo impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico - suas marcas traduzem sempre os principais conteúdos em jogo, tanto aquelas em que o casal recorda momentos felizes como nas que o embate assume proporções de extrema violência. Afora isto, o diretor conseguiu extrair atuações absolutamente irretocáveis dos intérpretes, que exibem aqui as melhores performances de suas carreiras.
Um dos mais brilhantes atores deste país, Isaac Bernat ainda não ocupa o lugar de destaque que há muito merece. Ótima voz, excelente preparo corporal, incontestável inteligência cênica, Bernat confere ao personagem toda a sua carga de paixão, desespero e humanidade. Sem dúvida, um dos mais significativos desemprenhos da atual temporada.
Quanto à Marta Paret, antes de tudo cabe ressaltar seu lado guerreiro. Num momento em que está cada vez mais difícil se conseguir patrocínios e pautas em teatros, Marta levou recentemente à cena "Navalha na carne" num quarto do Hotel Paris, na Praça Tiradentes, local destinado à prostituição. E agora produz uma montagem num atelier na Lapa - espaço charmosíssimo, diga-se de passagem, mas ainda assim alternativo. Ou seja: ao invés de ficar se lamuriando pelos cantos como uma viúva machadiana, Marta vai à luta, num trabalho de resistência que merece todos os aplausos.
No que se refere à sua atuação, a mesma está no mesmo nível da de Isaac Bernat. Como este, Marta se entrega visceralmente à tarefa de materializar uma mulher que, esmagada pela inteligência e brilho do marido, busca compensar sua aparente desimportância entregando-se aos mais próximos amigos de Lúcio Paulo. Sua interpretação, como a de Isaac, também se insere entre as melhores do ano.
Na equipe técnica, Jorge De Tharso responde por impecável direção de arte, valendo-se de poucos e funcionais elementos. O mesmo se aplica à iluminação de Paulo Denizot, que acompanha e reforça os múltiplos climas emocionais deste maravilhoso texto.
MÃO NA LUVA - Texto de Oduvaldo Viana Filho. Direção de Rubens Cabelo. Com Marta Paret e Isaac Bernat. Attelier 52. Quinta às 21h. Sexta, 19h.
"Mão na luva"
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Montagem imperdível na Lapa
Lionel Fischer
"Silvia é uma artista plástica frustrada. Lúcio Paulo é jornalista. Eles estão prestes a encerrar uma relação de nove anos. Nesta conversa derradeira, a ação é fragmentada em flashbacks, o homem e a mulher viajam entre o passado e o presente, tentando encontrar uma razão específica para o término da união. Neste momento também são feitas revelações. Traições veladas são descobertas. Mágoas expostas, feridas abertas".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo de "Mão na luva", de Oduvaldo Vianna Filho (Vianinha), peça escrita em 1966 e que já recebeu inúmeras versões. A atual leva a assinatura de Rubens Camelo e está em cartaz no Atelier 52 - o espaço foi cedido pelo artista plástico Daniel Senise e fica na Rua Silvio Romero nº 52, na Lapa. Marta Paret e Isaac Bernat dão vida aos dois únicos personagens.
Embora tenha como pano de fundo uma série de questões políticas inerentes à época, o principal foco do texto é realmente a desesperada tentativa de um casal de encontrar uma razão concreta para o iminente rompimento. Como já dito, traições são reveladas, fazendo aflorar inevitáveis ressentimentos. No entanto, o que me parece mais relevante no texto é que o autor não condena ou absolve seus personagens, mas procura detectar o que estaria na essência das tais traições, desprezando o que poderia haver de superficial nas mesmas.
Tal postura o leva a empreender uma pertinente reflexão sobre algo que julgo fundamental: nossa costumeira teimosia em querer que o outro atenda às nossas expectativas, correndo assim o risco de perder a pessoa amada por idealizá-la, fazendo dela alvo de nossas projeções. No entanto, chega sempre o momento em que o real da vida se sobrepõe a todas as máscaras inventadas, e as faces descobertas geram profundo e injustificado espanto.
Felizmente, no presente caso, o brilhante Vianinha teve a sabedoria de perceber que é perfeitamente possível conviver com divergências, fragilidades, frustrações etc., desde que as mesmas sejam reveladas em toda a sua amplitude e complexidade. Quando isto é feito, e havendo amor, naturalmente, qualquer casal pode reiniciar sua trajetória. E certamente numa relação muito mais fortalecida, posto que despida de todas as máscaras.
Quanto ao espetáculo, Rubens Camelo impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico - suas marcas traduzem sempre os principais conteúdos em jogo, tanto aquelas em que o casal recorda momentos felizes como nas que o embate assume proporções de extrema violência. Afora isto, o diretor conseguiu extrair atuações absolutamente irretocáveis dos intérpretes, que exibem aqui as melhores performances de suas carreiras.
Um dos mais brilhantes atores deste país, Isaac Bernat ainda não ocupa o lugar de destaque que há muito merece. Ótima voz, excelente preparo corporal, incontestável inteligência cênica, Bernat confere ao personagem toda a sua carga de paixão, desespero e humanidade. Sem dúvida, um dos mais significativos desemprenhos da atual temporada.
Quanto à Marta Paret, antes de tudo cabe ressaltar seu lado guerreiro. Num momento em que está cada vez mais difícil se conseguir patrocínios e pautas em teatros, Marta levou recentemente à cena "Navalha na carne" num quarto do Hotel Paris, na Praça Tiradentes, local destinado à prostituição. E agora produz uma montagem num atelier na Lapa - espaço charmosíssimo, diga-se de passagem, mas ainda assim alternativo. Ou seja: ao invés de ficar se lamuriando pelos cantos como uma viúva machadiana, Marta vai à luta, num trabalho de resistência que merece todos os aplausos.
No que se refere à sua atuação, a mesma está no mesmo nível da de Isaac Bernat. Como este, Marta se entrega visceralmente à tarefa de materializar uma mulher que, esmagada pela inteligência e brilho do marido, busca compensar sua aparente desimportância entregando-se aos mais próximos amigos de Lúcio Paulo. Sua interpretação, como a de Isaac, também se insere entre as melhores do ano.
Na equipe técnica, Jorge De Tharso responde por impecável direção de arte, valendo-se de poucos e funcionais elementos. O mesmo se aplica à iluminação de Paulo Denizot, que acompanha e reforça os múltiplos climas emocionais deste maravilhoso texto.
MÃO NA LUVA - Texto de Oduvaldo Viana Filho. Direção de Rubens Cabelo. Com Marta Paret e Isaac Bernat. Attelier 52. Quinta às 21h. Sexta, 19h.
terça-feira, 22 de novembro de 2011
Prêmio FITA 2011
Em cerimônia realizada ontem no Hotel Sheraton, foram conhecidos os ganhadores da 8ª edição do Prêmio FITA (Festa Internacional de Teatro de Angras dos Reis), evento que tem curadoria de João Carlos Rabello e teve como jurados Sérgio Fonta, Ana Kutner, Daniele Ávila, João Coelho e eu. A Festa, apresentada por Marcos Veras e Julia Rabello, também premiou um espetáculo escolhido por um júri popular e outro dedicado ao teatro infantil, sendo este escolhido por um júri mirim e entregue por Giovana Rabello, filha do curador e de Cristina Rabello.
Menções Especiais do Júri:
Joseph Chasilew - visagismo de Outside
Marisa Bentivegna - iluminação de Música para cortar os pulsos
Melhor Figurino : Flávio Graff (Outside)
Melhor Cenário : Nello Marrese (Cyrano de Bergerac)
Revelação: Eduardo Bakr (autor de As quatro faces do amor)
Melhor Ator Coadjuvante : Jorge Caetano (Outside)
Melhor Atriz Coadjuvante: Thaís Tedesco (A agonia do rei)
Melhor Ator - Rodrigo Pandolfo (R & J de Shajespeare)
Melhor Atriz : Françoise Fourton (Chopin & Sand)
Melhor Autor : Pedro Kosovski (Outside)
Melhor Diretor : Rafael Gomes (Música para cortar os pulsos)
Melhor Espetáculo : Música para cortar os pulsos
Prêmio Especial/Conjunto da Obra : Ednei Giovenazzi
Júri popular : Chopin & Sand
Melhor Espetáculo Infantil : Joaquim e as estrelas
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Em cerimônia realizada ontem no Hotel Sheraton, foram conhecidos os ganhadores da 8ª edição do Prêmio FITA (Festa Internacional de Teatro de Angras dos Reis), evento que tem curadoria de João Carlos Rabello e teve como jurados Sérgio Fonta, Ana Kutner, Daniele Ávila, João Coelho e eu. A Festa, apresentada por Marcos Veras e Julia Rabello, também premiou um espetáculo escolhido por um júri popular e outro dedicado ao teatro infantil, sendo este escolhido por um júri mirim e entregue por Giovana Rabello, filha do curador e de Cristina Rabello.
Menções Especiais do Júri:
Joseph Chasilew - visagismo de Outside
Marisa Bentivegna - iluminação de Música para cortar os pulsos
Melhor Figurino : Flávio Graff (Outside)
Melhor Cenário : Nello Marrese (Cyrano de Bergerac)
Revelação: Eduardo Bakr (autor de As quatro faces do amor)
Melhor Ator Coadjuvante : Jorge Caetano (Outside)
Melhor Atriz Coadjuvante: Thaís Tedesco (A agonia do rei)
Melhor Ator - Rodrigo Pandolfo (R & J de Shajespeare)
Melhor Atriz : Françoise Fourton (Chopin & Sand)
Melhor Autor : Pedro Kosovski (Outside)
Melhor Diretor : Rafael Gomes (Música para cortar os pulsos)
Melhor Espetáculo : Música para cortar os pulsos
Prêmio Especial/Conjunto da Obra : Ednei Giovenazzi
Júri popular : Chopin & Sand
Melhor Espetáculo Infantil : Joaquim e as estrelas
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Teatro/CRÍTICA
"Estamira - beira do mundo"
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Comoção profunda no Porão
Lionel Fischer
Maior encenador vivo, o inglês Peter Brook define o teatro como "A arte do encontro". Ou seja: se não se estabelece um forte elo entre quem faz e quem assiste, o fenômeno teatral inexiste. E aqui estamos diante de um encontro que, sem nenhuma hesitação, afirmo que nenhum espectador jamais esquecerá - as razões detalharei mais adiante.
Inspirado no filme "Estamira", de Marcos Prado, "Estamira - beira do mundo" chega à cena (Porão da Laura Alvim) com direção e dramaturgia assinadas por Beatriz Sayad, e atuação, dramaturgia e idealização do projeto a cargo de Dani Barros.
Bertolt Brecht costumava dizer: "Ha pessoas que lutam durante um ano e são importantes; outras lutam durante 10 anos e são muito importantes; mas há aquelas que lutam durante uma vida inteira: essas são as pessoas imprescindíveis". E Dani Barros, sob todos os aspectos, é uma pessoa imprescindível.
Conheci Dani Barros quando ela tinhas uns nove anos de idade - desde então é amiga íntima de minha filha mais velha, a atriz Rita Fischer. E esse precoce conhecimento, ao longo do tempo, só fez ratificar minha certeza de que estava diante de uma pessoa que jamais se deixaria abater pelos reveses da vida - no caso de Dani Barros, tais reveses foram muitos, em especial o fato de ter um pai desconhecido (até recentemente) e uma mãe portadora de doença mental.
No entanto, cumpre ressaltar que, embora acossada por um distúrbio incurável e que terminaria levando-a a cometer suicídio, Maria Helena Coelho Barros jamais deixou de transmitir à filha preciosos ensinamentos, dentre eles jamais deixar de ser forte e, sobretudo, jamais deixar de ser ela mesma. Neste sentido, foi plenamente bem-sucedida, muito mais, por sinal, do que muitas mães supostamente sensatas e equilibradas. Em nome do teatro, portanto, agradeço a Maria Helena sua determinante contribuição para que Dani Barros se tornasse a incansável guerreira que sempre foi, é e continuará sendo. Isto posto, vamos ao espetáculo.
É óbvio que a catadora de lixo Estamira Gomes de Souza ganhou notoriedade graças ao maravilhoso filme de Marcos Prado. E este nos mostra uma mulher de espantosa sabedoria, capaz de empreender notáveis reflexões sobre múltiplos temas e, acima de tudo, um ser humano que encarou a vida de frente, sem jamais se colocar numa postura de vítima, muito pelo contrário: extraía sua sobrevivência do lixo e nem por isso se considerava uma pessoa inferior. Dizem que era louca. Talvez o fosse. Mas será que nós, os supostamente sãos, encaramos a vida com a mesma garra e dignidade? Será que somos capazes de refletir sobre a vida com a mesma lucidez? Particularmente, acredito que não.
Estamira vivia do lixo. Dani Barros, desde a primeira infância, adorava catar caquinhos, daí seu apelido: Maria Caquinho. Como já dito, Estamira era considerada louca. A mãe de Dani Barros, também. Assim, nada mais emocionante e corajoso do que juntar, no mesmo espetáculo, a trajetória dessas três mulheres, o que resulta numa das mais impactantes montagens que já assisti.
Mesclando ficção e realidade, o deslumbrante texto escrito por Beatriz Sayad e Dani Barros possui, dentre seus muitos méritos, o de exibir uma narrativa impregnada de dor e humanidade, mas também capaz de nos fazer rir em determinadas passagens. Ainda assim, o que prevalece é uma dilacerante tentativa de conscientizar o público sobre a questão da loucura, propondo uma mais do que pertinente reflexão sobre o tema. Daí resulta um impacto que, ao menos na sessão que assisti, levou todos os espectadores presentes a um estado de profunda emoção.
Esta, sem dúvida, também se deve à direção e à atuação. A primeira exibe soluções criativas e imprevistas, cabendo ressaltar as passagens em que, impulsionados por dois ventiladores, dezenas de sacos de lixo alçam voo, vagando pelo espaço como pássaros encantados que, ao menos circunstancialmente, conseguem transcender a suposta miséria de que estariam constituídos.
Mas o céu é amplo e generoso, e acolhe com a mesma ternura tanto as garças como os urubús. Bom seria que, metáforas à parte, conseguíssemos abrigar, em nossos corações, todas as diferenças. E que um dia cheguemos a compreender que, na condição de homens, contemos tudo que é inerente ao humano. Aí, talvez, consigamos ser menos intolerantes e mais fraternos uns com os outros. Desejo utópico? Talvez. Mas são as utopias que fazem girar a roda da vida. Ou estarei completamente equivocado?
Quanto à interpretação, Dani Barros ratifica, mais uma vez, sua condição de melhor atriz de sua geração. Extraordinária comediante, Dani é também capaz de convencer plenamente em contextos dramáticos, como no presente caso. Exibindo presença, carisma, impecável trabalho vocal e corporal e, mais do que tudo, impressionante capacidade de entrega, a atriz promove, como dito no parágrafo inicial, um encontro que o público jamais esquecerá. Assim, nada mais me resta a não ser implorar aos sempre caprichosos deuses do teatro que continuem abençoando a trajetória desta atriz imprescindível. E, no que me diz respeito, gostaria de agradecer a Dani Barros o privilégio de tê-la visto mais uma vez em cena.
Com relação à equipe técnica, considero absolutamente irretocáveis as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta montagem que, sob todos os pontos de vista, se insere entre as melhores da atual temporada - Tomás Ribas (iluminação), Aurora dos Campos (cenografia, em colaboração com Beatriz Sayad e Dani Barros), Juliana Nicolay (figurino), Fabiano Krieger e Lucas Marcier (direção musical), Georgette Fadel (preparação de ator), Luciana Oliveira (preparação vocal), Marina Considera (canto) e Cristiana Wenzen (condicionamento corporal).
ESTAMIRA: BEIRA DO MUNDO - Direção e dramaturgia de Beatriz Sayad. Atuação, dramaturgia e idealização de Dani Barros. Porão da Laura Alvim. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.
"Estamira - beira do mundo"
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Comoção profunda no Porão
Lionel Fischer
Maior encenador vivo, o inglês Peter Brook define o teatro como "A arte do encontro". Ou seja: se não se estabelece um forte elo entre quem faz e quem assiste, o fenômeno teatral inexiste. E aqui estamos diante de um encontro que, sem nenhuma hesitação, afirmo que nenhum espectador jamais esquecerá - as razões detalharei mais adiante.
Inspirado no filme "Estamira", de Marcos Prado, "Estamira - beira do mundo" chega à cena (Porão da Laura Alvim) com direção e dramaturgia assinadas por Beatriz Sayad, e atuação, dramaturgia e idealização do projeto a cargo de Dani Barros.
Bertolt Brecht costumava dizer: "Ha pessoas que lutam durante um ano e são importantes; outras lutam durante 10 anos e são muito importantes; mas há aquelas que lutam durante uma vida inteira: essas são as pessoas imprescindíveis". E Dani Barros, sob todos os aspectos, é uma pessoa imprescindível.
Conheci Dani Barros quando ela tinhas uns nove anos de idade - desde então é amiga íntima de minha filha mais velha, a atriz Rita Fischer. E esse precoce conhecimento, ao longo do tempo, só fez ratificar minha certeza de que estava diante de uma pessoa que jamais se deixaria abater pelos reveses da vida - no caso de Dani Barros, tais reveses foram muitos, em especial o fato de ter um pai desconhecido (até recentemente) e uma mãe portadora de doença mental.
No entanto, cumpre ressaltar que, embora acossada por um distúrbio incurável e que terminaria levando-a a cometer suicídio, Maria Helena Coelho Barros jamais deixou de transmitir à filha preciosos ensinamentos, dentre eles jamais deixar de ser forte e, sobretudo, jamais deixar de ser ela mesma. Neste sentido, foi plenamente bem-sucedida, muito mais, por sinal, do que muitas mães supostamente sensatas e equilibradas. Em nome do teatro, portanto, agradeço a Maria Helena sua determinante contribuição para que Dani Barros se tornasse a incansável guerreira que sempre foi, é e continuará sendo. Isto posto, vamos ao espetáculo.
É óbvio que a catadora de lixo Estamira Gomes de Souza ganhou notoriedade graças ao maravilhoso filme de Marcos Prado. E este nos mostra uma mulher de espantosa sabedoria, capaz de empreender notáveis reflexões sobre múltiplos temas e, acima de tudo, um ser humano que encarou a vida de frente, sem jamais se colocar numa postura de vítima, muito pelo contrário: extraía sua sobrevivência do lixo e nem por isso se considerava uma pessoa inferior. Dizem que era louca. Talvez o fosse. Mas será que nós, os supostamente sãos, encaramos a vida com a mesma garra e dignidade? Será que somos capazes de refletir sobre a vida com a mesma lucidez? Particularmente, acredito que não.
Estamira vivia do lixo. Dani Barros, desde a primeira infância, adorava catar caquinhos, daí seu apelido: Maria Caquinho. Como já dito, Estamira era considerada louca. A mãe de Dani Barros, também. Assim, nada mais emocionante e corajoso do que juntar, no mesmo espetáculo, a trajetória dessas três mulheres, o que resulta numa das mais impactantes montagens que já assisti.
Mesclando ficção e realidade, o deslumbrante texto escrito por Beatriz Sayad e Dani Barros possui, dentre seus muitos méritos, o de exibir uma narrativa impregnada de dor e humanidade, mas também capaz de nos fazer rir em determinadas passagens. Ainda assim, o que prevalece é uma dilacerante tentativa de conscientizar o público sobre a questão da loucura, propondo uma mais do que pertinente reflexão sobre o tema. Daí resulta um impacto que, ao menos na sessão que assisti, levou todos os espectadores presentes a um estado de profunda emoção.
Esta, sem dúvida, também se deve à direção e à atuação. A primeira exibe soluções criativas e imprevistas, cabendo ressaltar as passagens em que, impulsionados por dois ventiladores, dezenas de sacos de lixo alçam voo, vagando pelo espaço como pássaros encantados que, ao menos circunstancialmente, conseguem transcender a suposta miséria de que estariam constituídos.
Mas o céu é amplo e generoso, e acolhe com a mesma ternura tanto as garças como os urubús. Bom seria que, metáforas à parte, conseguíssemos abrigar, em nossos corações, todas as diferenças. E que um dia cheguemos a compreender que, na condição de homens, contemos tudo que é inerente ao humano. Aí, talvez, consigamos ser menos intolerantes e mais fraternos uns com os outros. Desejo utópico? Talvez. Mas são as utopias que fazem girar a roda da vida. Ou estarei completamente equivocado?
Quanto à interpretação, Dani Barros ratifica, mais uma vez, sua condição de melhor atriz de sua geração. Extraordinária comediante, Dani é também capaz de convencer plenamente em contextos dramáticos, como no presente caso. Exibindo presença, carisma, impecável trabalho vocal e corporal e, mais do que tudo, impressionante capacidade de entrega, a atriz promove, como dito no parágrafo inicial, um encontro que o público jamais esquecerá. Assim, nada mais me resta a não ser implorar aos sempre caprichosos deuses do teatro que continuem abençoando a trajetória desta atriz imprescindível. E, no que me diz respeito, gostaria de agradecer a Dani Barros o privilégio de tê-la visto mais uma vez em cena.
Com relação à equipe técnica, considero absolutamente irretocáveis as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta montagem que, sob todos os pontos de vista, se insere entre as melhores da atual temporada - Tomás Ribas (iluminação), Aurora dos Campos (cenografia, em colaboração com Beatriz Sayad e Dani Barros), Juliana Nicolay (figurino), Fabiano Krieger e Lucas Marcier (direção musical), Georgette Fadel (preparação de ator), Luciana Oliveira (preparação vocal), Marina Considera (canto) e Cristiana Wenzen (condicionamento corporal).
ESTAMIRA: BEIRA DO MUNDO - Direção e dramaturgia de Beatriz Sayad. Atuação, dramaturgia e idealização de Dani Barros. Porão da Laura Alvim. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.
Teatro/CRÍTICA
"Obituário ideal"
.......................................................
Em busca de perdidas emoções
Lionel Fischer
"Um jovem casal, anestesiado pela banalização da violência, não consegue mais entrar em contato com seus sentimentos. Por isso passa a ir a enterros de desconhecidos para chorar. Através do choro, os dois conseguem entrar em contato com suas emoções perdidas, e começam a se redescobrir como casal. Mas, querendo mergulhar cada vez mais nesta descoberta, o casal sai em busca do 'choro grave' - o choro supostamente mais dolorido. Assim, procuram enterros cada vez mais chocantes para se emocionar. E se perguntam: até onde podem ir na tentativa de viver uma sensação de plenitude? Qual seria o obituário ideal?"
Extraído do release que me foi enviado, o fragmento acima sintetiza o enredo de "Obituário ideal", de autoria de Rodrigo Nogueira. Em cartaz no Espaço Sesc, a montagem tem direção assinada por Nogueira e Thiare Maia (com orientação de Bel Garcia e João Fonseca), estando o elenco formado por Rodrigo Nogueira e Maria Maya.
Como se vê, estamos diante de um tema de grande relevância e atualidade, posto que, supostamente incapazes de fazer frente à violência generalizada, tendemos a banalizá-a, tornando-nos cada vez mais anestesiados. Trata-se, naturalmente, de uma postura cômoda e alienada, já que todos somos responsáveis tanto pelo que fazemos como por tudo aquilo que deixamos de fazer - ao nos calarmos diante de múltiplas atrocidades, estamos contribuindo para que elas se perpetuem. Ou não?
Assim, o presente texto nos coloca diante de um casal alienado. Mas como o autor não pretendeu escrever um texto sobre a alienação contemporânea, vou me ater ao que objetivou: um casal que procura resgatar sua relação isenta de emoções através da desgraça alheia. É uma idéia curiosa e original, e me permito apenas a ressalva de achar que, em algum momento, mesmo que através de uma breve cena, pudéssemos saber as razões que levaram o casal ao estado em que se encontra.
Seja como for, "Obituário ideal" é muito bem escrito, impregnado de um humor ácido e contundente, diálogos fluentes e situações impactantes e inesperadas. E sua transposição cênica está em perfeita sintonia com seus principais conteúdos, cabendo ressaltar a originalidade das marcações e o esmerado trabalho no tocante aos tempos rítmicos.
Com relação ao elenco, Rodrigo Nogueira exibe presença, carisma e escolhas que evidenciam sua inteligência cênica. O mesmo se aplica a Maria Maya, possuidora de ótima voz, grande domínio corporal e, não custa nada enfatizar, uma beleza sempre e cada vez mais impregnada de mistérios. E ambos constróem uma contracena plena de entendimento e cumplicidade, deixando claro o enorme prazer que sentem com a presente parceria.
Na equipe técnica, são corretos os trabalhos de todos os envolvidos nesta oportuna empreitada teatral - Aurora dos Campos (cenário), Gabriela Campos (figurinos), Renato Machado (iluminação), Rodrigo Marçal (trilha sonora), Breno Guimarães (preparação corporal) e Juliano Gomes (vídeos).
OBITUÁRIO IDEAL - Texto de Rodrigo Nogueira. Direção de Nogueira e Thiare Maia. Com Maria Maya e Rodrigo Nogueira. Espaço Sesc. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.
"Obituário ideal"
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Em busca de perdidas emoções
Lionel Fischer
"Um jovem casal, anestesiado pela banalização da violência, não consegue mais entrar em contato com seus sentimentos. Por isso passa a ir a enterros de desconhecidos para chorar. Através do choro, os dois conseguem entrar em contato com suas emoções perdidas, e começam a se redescobrir como casal. Mas, querendo mergulhar cada vez mais nesta descoberta, o casal sai em busca do 'choro grave' - o choro supostamente mais dolorido. Assim, procuram enterros cada vez mais chocantes para se emocionar. E se perguntam: até onde podem ir na tentativa de viver uma sensação de plenitude? Qual seria o obituário ideal?"
Extraído do release que me foi enviado, o fragmento acima sintetiza o enredo de "Obituário ideal", de autoria de Rodrigo Nogueira. Em cartaz no Espaço Sesc, a montagem tem direção assinada por Nogueira e Thiare Maia (com orientação de Bel Garcia e João Fonseca), estando o elenco formado por Rodrigo Nogueira e Maria Maya.
Como se vê, estamos diante de um tema de grande relevância e atualidade, posto que, supostamente incapazes de fazer frente à violência generalizada, tendemos a banalizá-a, tornando-nos cada vez mais anestesiados. Trata-se, naturalmente, de uma postura cômoda e alienada, já que todos somos responsáveis tanto pelo que fazemos como por tudo aquilo que deixamos de fazer - ao nos calarmos diante de múltiplas atrocidades, estamos contribuindo para que elas se perpetuem. Ou não?
Assim, o presente texto nos coloca diante de um casal alienado. Mas como o autor não pretendeu escrever um texto sobre a alienação contemporânea, vou me ater ao que objetivou: um casal que procura resgatar sua relação isenta de emoções através da desgraça alheia. É uma idéia curiosa e original, e me permito apenas a ressalva de achar que, em algum momento, mesmo que através de uma breve cena, pudéssemos saber as razões que levaram o casal ao estado em que se encontra.
Seja como for, "Obituário ideal" é muito bem escrito, impregnado de um humor ácido e contundente, diálogos fluentes e situações impactantes e inesperadas. E sua transposição cênica está em perfeita sintonia com seus principais conteúdos, cabendo ressaltar a originalidade das marcações e o esmerado trabalho no tocante aos tempos rítmicos.
Com relação ao elenco, Rodrigo Nogueira exibe presença, carisma e escolhas que evidenciam sua inteligência cênica. O mesmo se aplica a Maria Maya, possuidora de ótima voz, grande domínio corporal e, não custa nada enfatizar, uma beleza sempre e cada vez mais impregnada de mistérios. E ambos constróem uma contracena plena de entendimento e cumplicidade, deixando claro o enorme prazer que sentem com a presente parceria.
Na equipe técnica, são corretos os trabalhos de todos os envolvidos nesta oportuna empreitada teatral - Aurora dos Campos (cenário), Gabriela Campos (figurinos), Renato Machado (iluminação), Rodrigo Marçal (trilha sonora), Breno Guimarães (preparação corporal) e Juliano Gomes (vídeos).
OBITUÁRIO IDEAL - Texto de Rodrigo Nogueira. Direção de Nogueira e Thiare Maia. Com Maria Maya e Rodrigo Nogueira. Espaço Sesc. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.
sábado, 12 de novembro de 2011
Jon Korkes no Brasil
Jon Korkes, coordenador do Stella Adler Studio of Acting, em Nova York, vem ao Rio para promover workshops de estudo de cena e construção de personagem de 21 de novembro a 16 de dezembro no Espaço Move, novo local destinado a cursos recém-inaugurado na Barra da Tijuca. É a primeira vez que Jon Korkes, ator e diretor norte-americano, vem ao Brasil para compartilhar seus mais de 40 anos de carreira. Jon trabalhou com uma coleção extraordinária de autores e diretores, entre eles Alan Arkin (Pequena Miss Sunshine), Mike Nichols (Closer- Perto Demais), Austin Pendleton (Uma Mente Brilhante), Buck Henry (Um Sonho Sem Limites), David Rabe (A Firma) e Tom Fontana (Serie-OZ). O workshop tem como objetivo ampliar a capacidade de percepção do ator em relação à cena e viabilizar a construção da personagem de forma objetiva e realista. Todas as turmas terão tradutor. As vagas são limitadas e somente para atores. Inscrições pelo telefone (21) 2484-0555 ou no site www.espacomove.com.br
SOBRE O DIRETOR:
Jon Korkes teve a sorte de trabalhar com uma extraordinária coleção de escritores e diretores como: Jules Feiffer, Alan Arkin, Mike Nichols, Buck Henry, Billy Wilder, Herb Gardner, Mark Rydell, David Rabe, David Milch, Tom Fontana e Austin Pendleton.
Começou sua carreira Off-Broadway em Little Murders Feiffer, dirigido por Mr. Arkin, que o dirigiu na versão do filme um ano depois. Em 1971, Walter Kerr citou-o como um dos atores mais promissores da temporada da Broadway, por seu trabalho em Unlikely Heroes de Philip Roth.
Sua formação foi feita por grandes nomes da história da atuação como: Joan Darling, Peggy Feurie, Jack Poggi e ainda na American Academy of Dramatic Arts (AADA). Hoje em dia coordena dentro da Stella Adler Studio of Acting em Nova Iorque todos os níveis de Estudo de Cena Contemporânea e também ensina no HB Studios, para profissionais.
Outros créditos incluem: (Broadway) Conversations With My Father, The Penny Wars, (Off-Broadway) The Carpenters, A family Man, Goose and Tomtom, Jazz Poets at the Grotto, (Yale Rep) Exact Change, Rum and Coke, ( Longwharf) Not Quite Jerusalem, (East Carolina) Our Country’s Good.
Principais Filmes:
· Catch 22
· Cinderella Liberty
· The Front Page
· Between the Lines
· The Day Of The Dolphin
· Riding in Cars With Boys
Seriados:
* Oz
* The Jury
* Law and Order
* Big Apple
* The Beat
* Homicide
* Larry Sanders
* The Storyteller
* The Word
“Jon Korkes é um dos melhores atores que eu já trabalhei. Ele tem uma inteligência brilhante e excepcional versatilidade” Alan Arkin (ator e diretor, ganhador do Oscar por “Pequena Miss sunshine”, publicado no New yok Times).
Sobre o Espaço Move:
Trabalhar o potencial, desenvolver a vocação para as artes, aprimorar e revelar um talento e até mesmo oferecer uma forma de terapia são algumas das inúmeras possibilidades que o Espaço Move chega para oferecer às pessoas de todas as idades: dos três anos à terceira idade. As aulas ministradas no Espaço Move contam com um time de professores de alto gabarito, passando por profissionais que atuam em grupos como Nós do Morro, Tablado, CUFA, Escola Parque, Coachs e diretores renomados. Os cursos são divididos por faixa etária: as crianças de três a oito anos, por exemplo, têm o reforço da equipe do Tabladinho, que faz uma parceria com o Espaço Move para trazer para a região o consolidado trabalho que desenvolvem há 50 anos na unidade da Lagoa. O Espaço também oferece cursos dedicados às demais faixas-etárias: crianças de 9 a 11 anos, adolescentes de 12 a 14 anos, grupos para jovens entre 15 e 17 anos e turmas para o público acima de 18 anos, tendo inclusive aulas exclusivas para a terceira idade.
Endereço: Avenida Armando Lombardi, 949, Loja C, Barra da Tijuca, Tel: 2484-0555
· Leandro Gomes · Tel: 55 21 2178 2101 · Cel: 55 21 9628 7718 |
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
Entre quatro paredes
Eric Bentley
Esta peça apresenta uma situação forte. Três pessoas, mortas recentemente, estão no inferno. Apesar de não terem se conhecido nesta vida, são condenadas a passar a eternidade juntas num quarto. Cada uma delas tenta descobrir uma forma de felicidade com uma das duas outras; mas não existe qualquer esquema no qual as três possam ser felizes. Até mesmo a que fica de fora da felicidade dupla encontrável no sexo pode arruinar a felicidades das outras duas por sua eterna presença. No final, as três percebem que a idéia de colocar três pessoas completamente diferentes num quarto, apesar de aparentemente inócua e feita ao acaso - além de que nem o sono, nem as lágrimas poderiam jamais quebrar a tensão - resultava sendo um inferno tão terrível quanto cadeias eternas e o fogo incessante.
Naturalmente, não existe nada em tudo isto que nos surpreenda. As peças Outward Bound, britânica, e Hotel Universe, americana, de longa data vinham agradando platéias convencionais com sua habilidosa mistura de teatro de boulevard e pretensa interpretação do outro mundo. Escritores de peças de boulevard como H. R. Lenormand e J. B. Priestley, impressionavam as platéias de teatro com a proposição de que o tempo não existe. E não só pelo assunto que a peça de Sartre terá conotação com elas. Sua técnica não apresenta segredos para aqueles que já admiravam Ibsen e Strindberg.
É uma peça altamente concentrada de um ato só, transmitindo emoção crescente; até mesmo alguns de seus aspectos sobrenaturais podem parecer strindberguianos. Já sua carpintaria teatral poderia mais apropriadamente ser denominada ibseniana, pois consiste preincipalmente em não deixar a platéia tomar conhecimento dos fatos cedo demais.
Em outras palavras, para caracterizar mais positivamente esta apreciação, consiste em fazer com que as descobertas explodam como bombas-relógio cuidadosamente ajustadas para determinados momentos da ação. Trata-se de uma bem-construída peça de sala-de-estar, que revela seus segredos com toda a finesse e o aplomb que as platéias parisienses - mais freqüentadoras dos boulevards que do Vieux Colombier - esperavam há muito tempo.
O diálogo é estruturado em prosa urbana esmeradamente polida na melhor tradição naturalista francesa. A história apresenta várias cenas picantes que se pode costumeiramente associar a peças e novelas francesas, bem como a filmes franceses, bons ou maus. Adultério, infanticídio, lesbianismo, acidente de tráfego, suicídio duplo na cama, recusa de lutar pela França, morte diante de um pelotão de fuzilamento - o que mais poderia desejar um diretor de cinema francês? O cenário, para envolver todas essas idéias, é uma sala-de-estar do Segundo Império; e é muito agradável de se perceber que as unidades dramáticas são escrupulosamente observadas mesmo no inferno.
Depois de reunir todos os elementos de uma peça ruim e profundamente convencional, Sartre consegue fazer uma boa peça com eles. Ele usa a literatura de consumo como material bruto para a sua arte. Se Entre Quatro Paredes é uma peça de sala-de-estar, isso é a candente ironia do inferno. O cenário do Segundo Império, que enfeitou as peças de Sardou, de Dumas e de Augier é transferido para as profundas, ou mais terrível ainda, são essas regiões infernais que se transferem para ele. Evidentemente o dramaturgo tinha intenções muito sérias.
Sim: Entre Quatro Paredes é uma peça moralista. É uma peça de caráter, de acordo com a definição de Aristóteles: "Caráter é o que revela uma intenção moral, mostrando o que um homem pode fazer e evitar". Mostra o tipo de coisa que três pessoas escolheram e evitaram para merecer a danação eterna. E mostra o tipo de coisas que escolhem e evitam mesmo no inferno. O que é o inferno? É ser uma pessoa mal-acabada e viver eternamente aprisionada com outras pessoas mal-acabadas. Quando um personagem de Sartre observa que não existe um carrasco na colônia penal eterna, outro responde: "Fizeram isso para economizar em pessoal, eis tudo. São os fregueses que se servem, como nas cafeterias...Cada um de nós é o carrasco dos outros dois".
Sartre resolve seu problema triangular com grande habilidade. A ação apressa, diminiu, vira, torce para outro lado, à medida que cada um dos personagens esteja em evidência. Ajunta-se a B contra C, depois B abandona C para ficar contra A, depois...as possibilidades psicológicas e histriônicas dessa fórmula são exploradas ao extremo. Naturalmente, se Sartre desse a mesma importância para A, B e C, a peça perderia sua concentração e uma atenção vivamente dirigida, que é obviamente o que procura.
Portanto, ele coloca o homem no meio; duas mulheres ficam na periferia. Um antigo padrão parisiense. Mas Sartre possui intenções modernas. Suas três pessoas são três espelhos de uma ação; estão ali para dar forma, variedade e significado para o que poderia facilmente ser outra peça boêmia. Falando a respeito do quarto modernismo dos anos 20, Fergussom escreve: "Vemos agora alguns dos perigos da nova linha. Vamos precisar, é o que me parece, ficar contra o virtuosismo teatral de Cocteau, e a moldura teológica abstrata de Eliot, e a imagem popular luxuriante de Lorca, e colocar em seu lugar a concepção clássica de uma Ação de Henry James, vista redondamente, vista de muitos ângulos". Sartre, neste casao, tenta satisfazer os desejos do senhor Fergusson.
Os três personagens de Entre Quatro Paredes são: Garcin, um jornalista pacifista que morreu quando tentava fugir do serviço militar; Inês, uma funcionária lésbica dos correios, que seduzira a mulher de seu primo, Florence, e, quando o primo morreu num desastre de bonde, induziu Florence a cometer suicídio; e Estelle, uma nascisista mulher de sociedade que se casara por dinheiro, teve uma filha de relação adúltera, matara a criança e com isso levara o amante a suicidar-se.
Dos três, aparentemente, Garcin parece o menos culpado; ele bancara o herói durante toda a sua vida e continua durante algum tempo a querer fazer a mesma coisa no inferno; mas existem alguns fatos, inicialmente escondidos até mesmo de nós, que continuam a atormentá-lo. O moralista e herói tratava sua mulher muito mal. Mandava que ela lhe trouxesse o café na cama, quando ali se refestelava com sua amante mulata. Seu heroísmo é dúbio. Ele não enfrentara o castigo que lhe fora imposto e tentara fugir para o México. Quando quer se defender com a pergunta: "Poderia alguém julgar uma vida inteira somente por uma ação?" Inês força a aparição de algumas duras verdades diante dele:
GARCIN - Poderia alguém julgar uma vida inteira somente por uma ação?
INÊS - Por que não? Você sonhou durante 30 anos que tinha coragem; e se permitiu milhares de coisas porque aos heróis tudo é permitido. Como era conveniente! E então, na hora do perigo, quando descobriram tudo...você pegou o trem para o México.
GARCIN - Eu não sonhei com o heroísmo. Eu o escolhi. Somos o que desejamos ser.
INÊS - Prove então. Prove que não foi um sonho. Os fatos também decidem o que se desejou.
GARCIN - Eu morri cedo demais. Não tive tempo para executar meus atos.
INÊS - Sempre se morre cedo demais - ou tarde demais. Mesmo assim, uma vida é encerrada; o tiro é disparado, e temos que acertar nossas contas. Você é a sua vida e nada mais.
Quase que eu afirmava que esta passagem é o clímax tanto do enredo quanto da discussão. Mas não é verdade. É o clímax da discussão mas não do enredo. Trata-se de um clímax aparente que proporciona - de uma forma altamente dramática - um clímax ainda maior, depois do qual existe uma queda súbita e a peça termina com uma calma apavorante.
A ação é a seguinte: depois que as palavras de Inês lhe tiraram algumas ilusões, Garcin decide finalmente satisfazer os desejos de Estelle de dormir com um homem, embora isto tenha que ser feito diante do olhar de Inês. Ele se atira sobre ela. Mas Inês persegue o casal com os olhos e a língua, gritando: "Covarde! Covarde!", e Garcin agora sabe que teve medo de ser soldado. Afasta-se de Estelle e conclui: "O inferno são os outros". Enfurecida, Estelle golpeia Inês com o cortador de papel. Tudo em vão. "Isso já foi feito, você não compreende?" Inês grita, "e nós ficaremos juntos para sempre". Um riso histérico sacode os três. Depois, um silêncio repentino. Todos percebem a situação instantaneamente. "Muito bem, continuemos", diz Garcin.
Essa é a fábula quase gótica de Sartre. É um melodrama, naturalmente. Mesmo que a casa assombrada seja chamada de inferno, mesmo que o criado kafkiano seja um demônio, mesmo que a campainha não toque nos momentos cruciais (ou a porta se abra magicamente ou não abra) e tudo isto seja interpretado com pompas alegóricas, não precisamos ser totalmente solenes em nossa aceitação da peça. Não mais do que no caso de Strindberg - cuja estrutura, em um longo ato e imagens morais, seja invocada aqui por Sartre - seria um insulto interpretar as intenções do autor excentricamente.
A pergunta: estaria ele falando seriamente? é bastante ambígua. Todas as obras de arte são sérias. Sartre escreveu uma peça com idéias sobre as quais ele é perfeitamente honesto e, como essas idéias estão cuidadosamente integradas com a ação, somos obrigados a tomá-las "seriamente". Mesmo assim, sem pretgender fazer uma distorção, eu chamaria Entre Quatro paredes de melodrama filosófico.
Certamente não é uma tragédia - não existe a dignidade trágica, não existe um protagonista trágico, não existe nada trágico - a menos que se queira discursar oracularmente sobre a tragédia da vida humana como um todo. Não é uma comédia - não existem risos nem aceitação nesse ataque inqualificável e quase demoníaco sobre a natureza humana. Se Strindberg misturou as formas da comédia e da tragédia, aqui não existe qualquer indicação de que Sartre esteja tentando juntar essas formas novamente.
Entre Quatro Paredes, como tantos outros ótimos trabalhos pós Strindberg, pertence a um novo gênero intermediário. E se esta designação é vaga demais, ofereço a descrição de "melodrama filosófico" para caracterizar esta combinação do histrionismo com o pensamento sério, esta última experiência do drama antinaturalista francês, esta última análise da escrutinidade do olho interno.
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Trecho extraído do livro O dramaturgo como pensador, Editora Civilização Brasileira, tradução de Ana Zelma Campos.
Eric Bentley
Esta peça apresenta uma situação forte. Três pessoas, mortas recentemente, estão no inferno. Apesar de não terem se conhecido nesta vida, são condenadas a passar a eternidade juntas num quarto. Cada uma delas tenta descobrir uma forma de felicidade com uma das duas outras; mas não existe qualquer esquema no qual as três possam ser felizes. Até mesmo a que fica de fora da felicidade dupla encontrável no sexo pode arruinar a felicidades das outras duas por sua eterna presença. No final, as três percebem que a idéia de colocar três pessoas completamente diferentes num quarto, apesar de aparentemente inócua e feita ao acaso - além de que nem o sono, nem as lágrimas poderiam jamais quebrar a tensão - resultava sendo um inferno tão terrível quanto cadeias eternas e o fogo incessante.
Naturalmente, não existe nada em tudo isto que nos surpreenda. As peças Outward Bound, britânica, e Hotel Universe, americana, de longa data vinham agradando platéias convencionais com sua habilidosa mistura de teatro de boulevard e pretensa interpretação do outro mundo. Escritores de peças de boulevard como H. R. Lenormand e J. B. Priestley, impressionavam as platéias de teatro com a proposição de que o tempo não existe. E não só pelo assunto que a peça de Sartre terá conotação com elas. Sua técnica não apresenta segredos para aqueles que já admiravam Ibsen e Strindberg.
É uma peça altamente concentrada de um ato só, transmitindo emoção crescente; até mesmo alguns de seus aspectos sobrenaturais podem parecer strindberguianos. Já sua carpintaria teatral poderia mais apropriadamente ser denominada ibseniana, pois consiste preincipalmente em não deixar a platéia tomar conhecimento dos fatos cedo demais.
Em outras palavras, para caracterizar mais positivamente esta apreciação, consiste em fazer com que as descobertas explodam como bombas-relógio cuidadosamente ajustadas para determinados momentos da ação. Trata-se de uma bem-construída peça de sala-de-estar, que revela seus segredos com toda a finesse e o aplomb que as platéias parisienses - mais freqüentadoras dos boulevards que do Vieux Colombier - esperavam há muito tempo.
O diálogo é estruturado em prosa urbana esmeradamente polida na melhor tradição naturalista francesa. A história apresenta várias cenas picantes que se pode costumeiramente associar a peças e novelas francesas, bem como a filmes franceses, bons ou maus. Adultério, infanticídio, lesbianismo, acidente de tráfego, suicídio duplo na cama, recusa de lutar pela França, morte diante de um pelotão de fuzilamento - o que mais poderia desejar um diretor de cinema francês? O cenário, para envolver todas essas idéias, é uma sala-de-estar do Segundo Império; e é muito agradável de se perceber que as unidades dramáticas são escrupulosamente observadas mesmo no inferno.
Depois de reunir todos os elementos de uma peça ruim e profundamente convencional, Sartre consegue fazer uma boa peça com eles. Ele usa a literatura de consumo como material bruto para a sua arte. Se Entre Quatro Paredes é uma peça de sala-de-estar, isso é a candente ironia do inferno. O cenário do Segundo Império, que enfeitou as peças de Sardou, de Dumas e de Augier é transferido para as profundas, ou mais terrível ainda, são essas regiões infernais que se transferem para ele. Evidentemente o dramaturgo tinha intenções muito sérias.
Sim: Entre Quatro Paredes é uma peça moralista. É uma peça de caráter, de acordo com a definição de Aristóteles: "Caráter é o que revela uma intenção moral, mostrando o que um homem pode fazer e evitar". Mostra o tipo de coisa que três pessoas escolheram e evitaram para merecer a danação eterna. E mostra o tipo de coisas que escolhem e evitam mesmo no inferno. O que é o inferno? É ser uma pessoa mal-acabada e viver eternamente aprisionada com outras pessoas mal-acabadas. Quando um personagem de Sartre observa que não existe um carrasco na colônia penal eterna, outro responde: "Fizeram isso para economizar em pessoal, eis tudo. São os fregueses que se servem, como nas cafeterias...Cada um de nós é o carrasco dos outros dois".
Sartre resolve seu problema triangular com grande habilidade. A ação apressa, diminiu, vira, torce para outro lado, à medida que cada um dos personagens esteja em evidência. Ajunta-se a B contra C, depois B abandona C para ficar contra A, depois...as possibilidades psicológicas e histriônicas dessa fórmula são exploradas ao extremo. Naturalmente, se Sartre desse a mesma importância para A, B e C, a peça perderia sua concentração e uma atenção vivamente dirigida, que é obviamente o que procura.
Portanto, ele coloca o homem no meio; duas mulheres ficam na periferia. Um antigo padrão parisiense. Mas Sartre possui intenções modernas. Suas três pessoas são três espelhos de uma ação; estão ali para dar forma, variedade e significado para o que poderia facilmente ser outra peça boêmia. Falando a respeito do quarto modernismo dos anos 20, Fergussom escreve: "Vemos agora alguns dos perigos da nova linha. Vamos precisar, é o que me parece, ficar contra o virtuosismo teatral de Cocteau, e a moldura teológica abstrata de Eliot, e a imagem popular luxuriante de Lorca, e colocar em seu lugar a concepção clássica de uma Ação de Henry James, vista redondamente, vista de muitos ângulos". Sartre, neste casao, tenta satisfazer os desejos do senhor Fergusson.
Os três personagens de Entre Quatro Paredes são: Garcin, um jornalista pacifista que morreu quando tentava fugir do serviço militar; Inês, uma funcionária lésbica dos correios, que seduzira a mulher de seu primo, Florence, e, quando o primo morreu num desastre de bonde, induziu Florence a cometer suicídio; e Estelle, uma nascisista mulher de sociedade que se casara por dinheiro, teve uma filha de relação adúltera, matara a criança e com isso levara o amante a suicidar-se.
Dos três, aparentemente, Garcin parece o menos culpado; ele bancara o herói durante toda a sua vida e continua durante algum tempo a querer fazer a mesma coisa no inferno; mas existem alguns fatos, inicialmente escondidos até mesmo de nós, que continuam a atormentá-lo. O moralista e herói tratava sua mulher muito mal. Mandava que ela lhe trouxesse o café na cama, quando ali se refestelava com sua amante mulata. Seu heroísmo é dúbio. Ele não enfrentara o castigo que lhe fora imposto e tentara fugir para o México. Quando quer se defender com a pergunta: "Poderia alguém julgar uma vida inteira somente por uma ação?" Inês força a aparição de algumas duras verdades diante dele:
GARCIN - Poderia alguém julgar uma vida inteira somente por uma ação?
INÊS - Por que não? Você sonhou durante 30 anos que tinha coragem; e se permitiu milhares de coisas porque aos heróis tudo é permitido. Como era conveniente! E então, na hora do perigo, quando descobriram tudo...você pegou o trem para o México.
GARCIN - Eu não sonhei com o heroísmo. Eu o escolhi. Somos o que desejamos ser.
INÊS - Prove então. Prove que não foi um sonho. Os fatos também decidem o que se desejou.
GARCIN - Eu morri cedo demais. Não tive tempo para executar meus atos.
INÊS - Sempre se morre cedo demais - ou tarde demais. Mesmo assim, uma vida é encerrada; o tiro é disparado, e temos que acertar nossas contas. Você é a sua vida e nada mais.
Quase que eu afirmava que esta passagem é o clímax tanto do enredo quanto da discussão. Mas não é verdade. É o clímax da discussão mas não do enredo. Trata-se de um clímax aparente que proporciona - de uma forma altamente dramática - um clímax ainda maior, depois do qual existe uma queda súbita e a peça termina com uma calma apavorante.
A ação é a seguinte: depois que as palavras de Inês lhe tiraram algumas ilusões, Garcin decide finalmente satisfazer os desejos de Estelle de dormir com um homem, embora isto tenha que ser feito diante do olhar de Inês. Ele se atira sobre ela. Mas Inês persegue o casal com os olhos e a língua, gritando: "Covarde! Covarde!", e Garcin agora sabe que teve medo de ser soldado. Afasta-se de Estelle e conclui: "O inferno são os outros". Enfurecida, Estelle golpeia Inês com o cortador de papel. Tudo em vão. "Isso já foi feito, você não compreende?" Inês grita, "e nós ficaremos juntos para sempre". Um riso histérico sacode os três. Depois, um silêncio repentino. Todos percebem a situação instantaneamente. "Muito bem, continuemos", diz Garcin.
Essa é a fábula quase gótica de Sartre. É um melodrama, naturalmente. Mesmo que a casa assombrada seja chamada de inferno, mesmo que o criado kafkiano seja um demônio, mesmo que a campainha não toque nos momentos cruciais (ou a porta se abra magicamente ou não abra) e tudo isto seja interpretado com pompas alegóricas, não precisamos ser totalmente solenes em nossa aceitação da peça. Não mais do que no caso de Strindberg - cuja estrutura, em um longo ato e imagens morais, seja invocada aqui por Sartre - seria um insulto interpretar as intenções do autor excentricamente.
A pergunta: estaria ele falando seriamente? é bastante ambígua. Todas as obras de arte são sérias. Sartre escreveu uma peça com idéias sobre as quais ele é perfeitamente honesto e, como essas idéias estão cuidadosamente integradas com a ação, somos obrigados a tomá-las "seriamente". Mesmo assim, sem pretgender fazer uma distorção, eu chamaria Entre Quatro paredes de melodrama filosófico.
Certamente não é uma tragédia - não existe a dignidade trágica, não existe um protagonista trágico, não existe nada trágico - a menos que se queira discursar oracularmente sobre a tragédia da vida humana como um todo. Não é uma comédia - não existem risos nem aceitação nesse ataque inqualificável e quase demoníaco sobre a natureza humana. Se Strindberg misturou as formas da comédia e da tragédia, aqui não existe qualquer indicação de que Sartre esteja tentando juntar essas formas novamente.
Entre Quatro Paredes, como tantos outros ótimos trabalhos pós Strindberg, pertence a um novo gênero intermediário. E se esta designação é vaga demais, ofereço a descrição de "melodrama filosófico" para caracterizar esta combinação do histrionismo com o pensamento sério, esta última experiência do drama antinaturalista francês, esta última análise da escrutinidade do olho interno.
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Trecho extraído do livro O dramaturgo como pensador, Editora Civilização Brasileira, tradução de Ana Zelma Campos.
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
um curso de
DOMINGOS OLIVEIRA
A ARTE DE REPRESENTAR
curso intensivo
prático e teórico
um final de semana
19 E 20 DE NOVEMBRO
das 10h às 14h
DOIS ENCONTROS INESQUECÍVEIS COM DOMINGOS OLIVEIRA
NO TEATRO DOS 4
SHOPPING DA GÁVEA
TEORIA E FILOSOFIA DO TEATRO / CINEMA / TV DE DOMINGOS
EXERCÍCIOS COM OS ALUNOS, BASEADOS EM CENAS DE SEUS FILMES E OUTROS
O que você vai fazer neste fim de semana?
Informações: teatroilustre@gmail.com
Teatro/CRÍTICA
"Mulheres sonharam cavalos"
...............................................................
Contundente metáfora de um país
Lionel Fischer
"Seis personagens atuam em um pequeno ambiente - a sala de um apartamento - deixando entrever um recorte de suas vidas, onde surgem mais fios soltos do que explicações e respostas. As peças deste tabuleiro, no qual todos se converterão em perdedores, são três mulheres casadas com três irmãos. O que desencadeia o conflito é o encerramento de um negócio familiar, a cargo de um dos irmãos. Com a intenção de transmitir esse fato ao resto da família, um almoço foi marcado. Como resultado, revelações devastadoras acabam desestruturando completamente a família, chegando-se a um inesperado final".
Extraído do ótimo release que me foi enviado pela assessora de imprensa Daniella Cavalcanti, o trecho acima sintetiza o enredo de "Mulheres sonharam cavalos", do argentino Daniel Veronese, em cartaz no Teatro Poeirinha. Ivan Sugahara assina a direção, estando o elenco formado por Analu Prestes, Elisa Pinheiro, Letícia Isnard, Isaac Bernat, José Karini e Saulo Rodrigues.
Como explicitado no parágrafo inicial, estamos diante de uma família em inexorável processo de desagregação. Mas também podemos encarar o texto como uma metáfora de um país - no caso, a Argentina - esfacelado pela brutal ditadura militar. A expressiva cenografia de Flávio Graff (no programa este profissional é nomeado diretor de arte, mas suponho ser de sua autoria o cenário) nos mostra um ambiente decadente e claustrofóbico, um pequeno apartamento de um prédio desabitado, o que pode sugerir a grande quantidade de argentinos que deixaram o país em busca de um recomeço para suas vidas. E há também a clara alusão à famigerada prática dos militares de adotar os filhos recém nascidos de terroristas mortos, que passavam a criar como se fossem seus prórpios filhos.
Mas seja qual for a leitura que cada espectador decida fazer, o que realmente importa ressaltar é qualidade do texto, sua original estrutura narrativa, a contundência dos diálogos e a capacidade de Daniel Veronese de criar personagens magnificamente estruturados, ainda que sem entrar em maiores detalhes a respeito da psicologia de cada um. Ou seja: é como se o autor apresentasse ao público uns poucos fragmentos, deixando à sua fantasia a tarefa de preencher propositais lacunas.
Com relação ao espetáculo, Ivan Sugahara exibe aqui um de seus melhores trabalhos de direção. Impondo à cena uma dinâmica em total sintonia com os principais conteúdos propostos pelo autor e valendo-se de marcas cuja expressividade transcende o realismo, o encenador também possui o mérito suplementar de haver extraído excelentes atuações de todo o elenco.
Sob todos os aspectos, os profissionais que estão em cena ratificam nossa crença de que este país pode carecer de tudo, menos de grandes intérpretes. Todos demonstram notável capacidade de entrega, inteligência cênica e uma mais do que evidente comprensão do contexto em que seus personagens estão inseridos. Assim, só nos resta parabenizar, com total entusiasmo, Analu Prestes, Elisa Pinheiro, Letícia Isnard, Isaac Bernat, José Karini e Saulo Rodrigues.
No complemento da ficha técnica, considero irrepreensíveis as colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Letícia Isnard (tradução), Paula Maracajá (preparação corporal), Rose Gonçalves (preparação vocal), Paulo César Medeiros (iluminação) e Ivan Sugahara (trilha sonora).
MULHERES SONHARAM CAVALOS - Texto de Daniel Veronese. Direção de Ivan Sugahara. Com Analu Prestes, Elisa Pinheiro, Letícia Isnard, Isaac Bernat, José Karini e Saulo Rodrigues. Teatro Poeirinha. Sexta e sábado, 21h30. Domingo, 20h.
"Mulheres sonharam cavalos"
...............................................................
Contundente metáfora de um país
Lionel Fischer
"Seis personagens atuam em um pequeno ambiente - a sala de um apartamento - deixando entrever um recorte de suas vidas, onde surgem mais fios soltos do que explicações e respostas. As peças deste tabuleiro, no qual todos se converterão em perdedores, são três mulheres casadas com três irmãos. O que desencadeia o conflito é o encerramento de um negócio familiar, a cargo de um dos irmãos. Com a intenção de transmitir esse fato ao resto da família, um almoço foi marcado. Como resultado, revelações devastadoras acabam desestruturando completamente a família, chegando-se a um inesperado final".
Extraído do ótimo release que me foi enviado pela assessora de imprensa Daniella Cavalcanti, o trecho acima sintetiza o enredo de "Mulheres sonharam cavalos", do argentino Daniel Veronese, em cartaz no Teatro Poeirinha. Ivan Sugahara assina a direção, estando o elenco formado por Analu Prestes, Elisa Pinheiro, Letícia Isnard, Isaac Bernat, José Karini e Saulo Rodrigues.
Como explicitado no parágrafo inicial, estamos diante de uma família em inexorável processo de desagregação. Mas também podemos encarar o texto como uma metáfora de um país - no caso, a Argentina - esfacelado pela brutal ditadura militar. A expressiva cenografia de Flávio Graff (no programa este profissional é nomeado diretor de arte, mas suponho ser de sua autoria o cenário) nos mostra um ambiente decadente e claustrofóbico, um pequeno apartamento de um prédio desabitado, o que pode sugerir a grande quantidade de argentinos que deixaram o país em busca de um recomeço para suas vidas. E há também a clara alusão à famigerada prática dos militares de adotar os filhos recém nascidos de terroristas mortos, que passavam a criar como se fossem seus prórpios filhos.
Mas seja qual for a leitura que cada espectador decida fazer, o que realmente importa ressaltar é qualidade do texto, sua original estrutura narrativa, a contundência dos diálogos e a capacidade de Daniel Veronese de criar personagens magnificamente estruturados, ainda que sem entrar em maiores detalhes a respeito da psicologia de cada um. Ou seja: é como se o autor apresentasse ao público uns poucos fragmentos, deixando à sua fantasia a tarefa de preencher propositais lacunas.
Com relação ao espetáculo, Ivan Sugahara exibe aqui um de seus melhores trabalhos de direção. Impondo à cena uma dinâmica em total sintonia com os principais conteúdos propostos pelo autor e valendo-se de marcas cuja expressividade transcende o realismo, o encenador também possui o mérito suplementar de haver extraído excelentes atuações de todo o elenco.
Sob todos os aspectos, os profissionais que estão em cena ratificam nossa crença de que este país pode carecer de tudo, menos de grandes intérpretes. Todos demonstram notável capacidade de entrega, inteligência cênica e uma mais do que evidente comprensão do contexto em que seus personagens estão inseridos. Assim, só nos resta parabenizar, com total entusiasmo, Analu Prestes, Elisa Pinheiro, Letícia Isnard, Isaac Bernat, José Karini e Saulo Rodrigues.
No complemento da ficha técnica, considero irrepreensíveis as colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Letícia Isnard (tradução), Paula Maracajá (preparação corporal), Rose Gonçalves (preparação vocal), Paulo César Medeiros (iluminação) e Ivan Sugahara (trilha sonora).
MULHERES SONHARAM CAVALOS - Texto de Daniel Veronese. Direção de Ivan Sugahara. Com Analu Prestes, Elisa Pinheiro, Letícia Isnard, Isaac Bernat, José Karini e Saulo Rodrigues. Teatro Poeirinha. Sexta e sábado, 21h30. Domingo, 20h.
sexta-feira, 4 de novembro de 2011
Parte superior do formulário
I ENCONTRO QUESTÃO DE CRÍTICA REUNIRÁ A CLASSE TEATRAL, JORNALISTAS E CRÍTICOS NO GALPÃO GAMBOA, EM NOVEMBRO
A programação é gratuita e os encontros serão transmitidos ao vivo pela internet
Visando ampliar as discussões sobre o cenário teatral, o que já vem acontecendo online e offline, a Revista Questão de Crítica promoverá o I Encontro Questão de Crítica, no Galpão Gamboa, a partir do dia 12 de novembro. A entrada é gratuita.
O objetivo do I Encontro Questão de Crítica é despertar a atenção da classe artística e do público, “agora que a Internet aparece como suporte alternativo para essa atividade”, explica Daniele Avila. “Consideramos que a crítica é parte importante da dinâmica de produção teatral da cidade, mas não tem sido foco de ações concretas no que diz respeito a novas mídias e à formação de novos profissionais”, conclui. O evento será transmitido pela Internet via live streaming, de modo que possa ser assistido de qualquer lugar do Brasil e do mundo.
O encontro reunirá profissionais e estudantes de teatro para discutir a crítica teatral. A palestra de abertura, com Fátima Saadi, homenageará o crítico Yan Michalski. Outros temas serão discutidos ao longo da semana, em debates com artistas, críticos e pesquisadores das Artes Cênicas.
Além de promover o debate, o Encontro tem um caráter formativo com oficinas para estudantes de teatro, com o objetivo fomentar o interesse por exercer a atividade da crítica, oferecendo informação, técnica e, principalmente, estímulo. A expectativa dos curadores é desenvolver futuros críticos e novas vozes. “Mais ainda, de uma pluralidade de vozes para a cena cultural carioca”,
Os interessados em experimentar a escrita de crítica e se profissionalizar nessa área já podem se inscrever através do e-mail contato@questaodecritica.com.br. A oficina será realizada em dois módulos, para que os participantes tenham oportunidade de amadurecer e aprender ao longo destes meses. O primeiro módulo será ministrado por Luciana Romagnolli, curitibana residente em Belo Horizonte, e o segundo por Valmir Santos (SP).
PROGRAMAÇÃO
Transmissão ao vivo pela internet – http://justin.tv/encontro_qdc
12 de novembro
14h: Palestra de abertura – Homenagem a Yan Michalski com Fátima Saadi
16h: Debate: Crítica e curadoria. Com Sidnei Cruz, Micheline Torres e curadores convidados da Plataforma Rio.
Mediação: Christianne Jatahy
14 de novembro
19h: Debate: Crítica jornalística - história e atualidade. Com Ana Bernstein, Christine Junqueira e Daniel Schenker. Mediação: Marina Vianna
15 de novembro
19h: Debate: O papel da Universidade no pensamento crítico. Com Alessandra Vanucci, Vitor Lemos e Antonio Guedes. Mediação: Moacir Chaves
16 de novembro
19h: Debate: A relação da crítica com a interdisciplinaridade nas artes cênicas.
Com Tania Alice, José Luiz Rinaldi e Felipe Ribeiro. Mediação: Jefferson Miranda
17 de novembro
19h: Debate: Reflexão e produção de conteúdo sobre a arte na Internet. Com Luciana Romagnolli, Cezar Migliorin e Adiana Schneider. Mediação: Michelle Nicié
OFICINA DE CRÍTICA DE TEATRO
Informações sobre horários e procedimentos de inscrição pelo e-mail contato@questaodecritica.com.br. Os interessados devem enviar breve currículo para seleção.
1º Módulo
De 14 a 17 de novembro das 15h às 18h
Ministrado por Luciana Romagnolli
Nesse primeiro módulo, propõe-se a reflexão e o debate sobre a crítica teatral contemporânea como base para o exercício prático da produção crítica textual. Tópicos abordados: O que é crítica? A função da crítica. A crítica no contexto da indústria cultural. Diálogos com a obra, diálogos com o espectador. Breve história da crítica teatral no Brasil. Modelos de análise de espetáculo. A crítica da crítica: análise comparada da produção brasileira atual. Prática de produção de textos críticos.
2º Módulo – Valmir Santos
FICHA TÉCNICA
COORDENAÇÃO GERAL Daniele Ávila
CURADORIA Revista Questão de Crítica: Daniele Ávila, Dinah Cesare e Humberto
Giancristofaro
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO Humberto Giancristofaro
PROGRAMAÇÃO VISUAL CriaReal: Denize Barros e Marcelo Gava
REALIZAÇÃO Revista Questão de Crítica e Instituto Galpão Gamboa
SERVIÇO
I ENCONTRO QUESTÃO DE CRÍTICA
Dias 12, 14, 15, 16 e 17 de novembro.
Local: Galpão Gamboa
Endereço: Rua da Gamboa, 279, Zona Portuária.
Capacidade: 80 pessoas
Entrada Gratuita.
Informações: contato@questaodecritica.com.br
Outras informações:
Astrolábio Comunicação - (21) 3065-1698
Bianca Senna - bianca@astrolabiocom.net
Sabrina Schemberg – Sabrina@astrolabiocom.net