Galpão Gamboa dá início à Mostra Cena Carioca
Novo projeto artístico começa em maio e recebe espetáculos dos dramaturgos brasileiros Rodrigo Nogueira, Jô Bilac, Pedro Brício e Julia Spadaccini
A partir do próximo sábado, dia 4 maio, o Galpão Gamboa dá início ao novo projeto artístico Mostra Cena Carioca. A proposta nasceu com o objetivo de levar ao palco de um espaço democrático espetáculos de novos e talentosos dramaturgos brasileiros, que vêm se destacando no cenário atual. Até o fim de junho, serão apresentadas oito montagens, com três apresentações por semana, dos autores Rodrigo Nogueira, Jô Bilac, Pedro Brício e Julia Spadaccini.
Cada autor terá dois espetáculos encenados no espaço. A peça que abre a programação é "tempo. Depois", do diretor, ator e dramaturgo Rodrigo Nogueira, com apresentações nos dias 4, 5 e 6 de maio. Na sequência, o público poderá conferir "O teatro é uma mulher", dias 11, 12 e 13.
No fim de semana seguinte, será a vez do dramaturgo Jô Bilac, com "Limpe todo o sangue antes que manche o carpete", nos dias 18, 19 e 20; e, em seguida, "Rebú", dias 25, 26 e 27.
Em junho, o Galpão recebe o espetáculo "Breu", do ator, dramaturgo e diretor Pedro Brício, nos dias 1, 2 e 3. Depois será apresentado "Comédia Russa", também de Pedro, nos dias 8, 9 e 10.
Fechando a mostra, a dramaturga Julia Spadaccini leva para o palco os espetáculos "Quebra ossos", nos dias 15, 16 e 17; e "Aos domingos", nos dias 22, 23 e 24/06.
A curadoria fica a cargo do ator e diretor Cesar Augusto, um dos fundadores da Cia dos Atores e diretor do TEMPO_FESTIVAL das Artes. A direção de produção é de Fernando Libonati, realizador de mais de 20 espetáculos e sócio da produtora Pequena Central, ao lado de Marco Nanini.
Todas as apresentações terão ingressos a preços populares: R$ 20 (inteira); 10 (meia-entrada) e R$ 5 (para moradores da Zona Portuária). A ideia é dar oportunidade para o público de regiões da cidade que nem sempre tem um acesso facilitado a eventos culturais.
Sobre os autores
Rodrigo Nogueira
Formado em Jornalismo pela UFRJ e Teatro pela CAL, já trabalhou na Globo News e no jornal O Globo, escreveu dez peças, atuou em 17 produções de teatro e três longas-metragens como ator. Recebeu o prêmio APTR de melhor autor por "Ponto de fuga", peça na qual ele também dirige, além de ter sido indicado ao prêmio Shell e APTR como melhor autor. É autor de "Play", peça indicada aos prêmios Shell e APTR 2010. Escreveu "Entropia" (destaque de O Globo como melhor texto de 2008 e indicado a melhor autor no Prêmio APTR 2009). Em 2007, escreveu "tempo. Depois", dirigida por Alessandra Colasanti.
Jô Bilac
A primeira peça profissional, "Bruxarias urbanas", estreou em 2006. Em 2007 escreveu "Desesperadas", comédia com a atriz Cristina Pereira, com prêmio de "Melhor atriz" para Lidiane Ribeiro no Festival de Comédia Laura Alvin. No mesmo ano, estreou "2 p/viagem", com Mateus Solano e Miguel Thiré; e "Cachorro!", com a Cia Teatro Independente (formada por Vinícius Arneiro, Carolina Pismel, Paulo Verlings e Julia Marini). Em 2008 estreou o texto "Limpe todo sangue antes que manche o carpete". Em 2010 foi indicado para o Prêmio Shell de Teatro e da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Venceu o Prêmio Shell de Teatro do Rio de Janeiro na categoria de melhor autor, com a peça "Savana glacial", em 2010. Em 2011, estreou sua primeira montagem paulista, sendo sua primeira remontagem, com o texto "Limpe todo o sangue antes que manche o carpete" como primeiro trabalho da Cia dos Inquietos.
Pedro Bricio
Formado pela Universidade Federal Fluminense (Cinema) e mestrado em Teatro (Uni-Rio). Seus principais trabalhos como autor/diretor são "A incrível confeitaria do Sr. Pellica" (prêmio Shell "Melhor autor" 2005), "Cine-Teatro Limite" (prêmio Contigo! "Melhor autor" 2008, indicado Prêmio Shell), "Me salve, musical!" (prêmio Qualidade Brasil "Melhor espetáculo-comédia" 2011, indicado Prêmio Shell); "Trabalhos de amores quase perdidos (indicado prêmio Quem melhor diretor 2011). Escreveu ainda os espetáculos "Breu", prêmio Questão de Crítica "Melhor espetáculo" 2012, "Comédia Russa" (indicado prêmio Shell/APTR) e "O menino que vendia palavras" (prêmio APCA melhor texto adaptado). Como diretor, encenou textos de Edward Albee, Samuel Beckett, Rafael Spregelburd, Patrícia Melo. Como ator trabalhou em espetáculos dirigidos por Christine Jatahy, Nehle Franke, Enrique Diaz, Maurício Paroni de Castro, Ana Kfouri Bia Lessa, entre outros.
Julia Spadaccini
Formada em Artes Cênicas e Psicologia e pós-graduada em Arteterapia, Julia Spadaccini é autora de mais de 15 textos teatrais. Entre eles: "Não vamos falar sobre isso agora", "O mesmo sol", "Um dia qualquer", "Aos domingos" e "Quebra-ossos", pelo qual obteve indicação ao 25º Prêmio Shell de Teatro, na categoria "Autor". Trabalhou como roteirista contratada das produtoras Conspiração Filmes e Jodaf Mixer, onde colaborou na criação dos programas "Quase anônimos" e "Básico", ambos para o canal de TV a cabo Multishow, e "Aprender a empreender", do Canal Futura. Foi roteirista do seriado "Oscar Freire 279" (Multishow) e do longa-metragem "Qualquer gato vira-lata" e do curta premiado no Festival do Rio "Simpatia do limão".
Sobre o Galpão Gamboa:
O Galpão é um espaço para a experiência da liberdade cultural, das trocas afetivas que a convivência social proporciona. O projeto reúne cultura, esporte e saúde atestando seu compromisso com o bem-viver e a responsabilidade social oferecendo aos frequentadores, o que lhes é de direito e preciso para se tornarem cidadãos. O Teatro do Galpão Gamboa foi inaugurado em agosto de 2010, com o espetáculo "Pterodátilos", de Nick Silver, com direção e adaptação de Felipe Hirsch e Marco Nanini e Mariana Lima no elenco.
SERVIÇO - GALPÃO GAMBOA
Datas: de 4 de maio a 24 de junho (sábados, domingos e segundas)
Endereço: Rua da Gamboa, 279 - Centro - RJ
Telefone: (21) 2516-5929
Capacidade: 80 lugares
Ingressos: R$20 (inteira) / R$10 (meia) para estudantes e idosos/ R$5 para moradores dos bairros da Zona Portuária apresentando comprovante de residência.
Vendas de Ingressos:
- No Galpão: Terça a quinta: das 14h às 19h (Nos dias de espetáculo a bilheteria funciona das 14h até a abertura da sala ou até esgotarem os ingressos
- Na Pequena Central (Rua Conde de Irajá, n° 98 - Botafogo): Terça a quinta: das 10h às 16h
Programação:
"tempo. Depois", de Rodrigo Nogueira
Dias: 4, 5 e 6/05
Duração: 60 minutos
Classificação etária: 12 anos
"O teatro é uma mulher", de Rodrigo Nogueira
Dias: 11, 12 e 13/05
Duração: 60 minutos
Classificação etária: 14 anos
"Limpe todo o sangue antes que manche o carpete", de Jô Bilac
Dias: 18, 19 e 20/05
Duração: 65 minutos
Classificação etária: 16 anos
"Rebú", de Jô Bilac
Dias: 25, 26 e 27/05
Duração: 75 minutos
Classificação etária: 14 anos
"Breu", de Pedro Brício
Dias: 1, 2 e 3/06
Duração: 90 minutos
Classificação etária: 12 anos
"Comédia russa", de Pedro Brício
Dias: 8, 9 e 10/06
Duração: 90 minutos
Classificação etária: 12 anos
"Quebra ossos", de Julia Spadaccini
Dias: 15, 16 e 17/06
Duração: 70 minutos
Classificação etária: 12 anos
"Aos domingos", de Julia Spadaccini
Dias: 22, 23 e 24/06
Duração: 70 minutos
Classificação etária: 12 anos
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terça-feira, 30 de abril de 2013
segunda-feira, 29 de abril de 2013
Teatro/CRÍTICA
"Pequenas tragédias"
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Embates no Porão da Laura
Lionel Fischer
Por muitos considerado o maior poeta russo, além de fundador da moderna literatura russa, Alexander Pushkin (1799-1837) também escreveu para o teatro, ainda que em escala bem menor. No presente caso, "Pequenas tragédias" reúne quatro textos breves do autor: "Mozart e Salieri", "O convidado de pedra", "Cena do Fausto" e "Conversa entre o livreiro e o poeta". Em cartaz no Porão da Laura Alvim, o espetáculo conta com direção de Fabiano de Freitas e traz no elenco Renato Carrera e Ana Carbatti.
Em "Mozart e Salieri", assistimos ao embate entre o gênio desregrado e o Mestre Capela da corte austríaca. Inconformado, este último trama a morte de Mozart - versão jamais comprovada. "O convidado de pedra" tem como foco a relação de Don Juan com a bela viúva do homem que matara em duelo. "Cena do Fausto" gira em torno do encontro entre o renomado sábio e Mefistófeles, demônio por ele invocado". E em "Conversa entre o livreiro e o poeta", o conflito se dá entre um homem que só visa lucros e um artista que prioriza seu processo criativo.
Embora exibam escrita impecável, não me parece que os textos possibilitem grande teatralidade, posto que muito mais atrelados a embates verbais do que em ações deles decorrentes. Ainda assim, o diretor Fabiano de Freitas, ao menos em algumas passagens, consegue driblar tal entrave e impor à cena uma dinâmica que converte o verbo em fenômeno teatral.
Com relação ao elenco, Ana Carbatti e Renato Carrera exibem atuações seguras e convincentes, desdobrando-se nos vários personagens com a mesma eficiência e capacidade de entrega. Ainda assim, acredito que em alguns momentos os atores poderiam valer-se de um tom de voz menos potente, já que o espaço é pequeno e a plateia fica muito próxima.
Na equipe técnica, a tradução de Sean Mcintyre (em geral excelente) em dados momentos introduz expressões contemporâneas, por razões que não compreendi. Carlos Alberto Nunes responde por uma cenografia pouco expressiva, o mesmo ocorrendo com os figurinos de Daniele Geammal. Sueli Guerra (direção de movimento) e Renato Machado (iluminação) assinam trabalhos corretos, sendo excelente a direção musical de Roberto Bahal - achei particularmente bem encaixada a introdução da Fantasia em Ré menor, de Mozart.
PEQUENAS TRAGÉDIAS - Textos de Pushkin. Direção de Fabiano de Freitas. Com Ana Carbatti e Renato Carrera. Porão da Laura Alvim. Sexta a domingo, 20h.
"Pequenas tragédias"
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Embates no Porão da Laura
Lionel Fischer
Por muitos considerado o maior poeta russo, além de fundador da moderna literatura russa, Alexander Pushkin (1799-1837) também escreveu para o teatro, ainda que em escala bem menor. No presente caso, "Pequenas tragédias" reúne quatro textos breves do autor: "Mozart e Salieri", "O convidado de pedra", "Cena do Fausto" e "Conversa entre o livreiro e o poeta". Em cartaz no Porão da Laura Alvim, o espetáculo conta com direção de Fabiano de Freitas e traz no elenco Renato Carrera e Ana Carbatti.
Em "Mozart e Salieri", assistimos ao embate entre o gênio desregrado e o Mestre Capela da corte austríaca. Inconformado, este último trama a morte de Mozart - versão jamais comprovada. "O convidado de pedra" tem como foco a relação de Don Juan com a bela viúva do homem que matara em duelo. "Cena do Fausto" gira em torno do encontro entre o renomado sábio e Mefistófeles, demônio por ele invocado". E em "Conversa entre o livreiro e o poeta", o conflito se dá entre um homem que só visa lucros e um artista que prioriza seu processo criativo.
Embora exibam escrita impecável, não me parece que os textos possibilitem grande teatralidade, posto que muito mais atrelados a embates verbais do que em ações deles decorrentes. Ainda assim, o diretor Fabiano de Freitas, ao menos em algumas passagens, consegue driblar tal entrave e impor à cena uma dinâmica que converte o verbo em fenômeno teatral.
Com relação ao elenco, Ana Carbatti e Renato Carrera exibem atuações seguras e convincentes, desdobrando-se nos vários personagens com a mesma eficiência e capacidade de entrega. Ainda assim, acredito que em alguns momentos os atores poderiam valer-se de um tom de voz menos potente, já que o espaço é pequeno e a plateia fica muito próxima.
Na equipe técnica, a tradução de Sean Mcintyre (em geral excelente) em dados momentos introduz expressões contemporâneas, por razões que não compreendi. Carlos Alberto Nunes responde por uma cenografia pouco expressiva, o mesmo ocorrendo com os figurinos de Daniele Geammal. Sueli Guerra (direção de movimento) e Renato Machado (iluminação) assinam trabalhos corretos, sendo excelente a direção musical de Roberto Bahal - achei particularmente bem encaixada a introdução da Fantasia em Ré menor, de Mozart.
PEQUENAS TRAGÉDIAS - Textos de Pushkin. Direção de Fabiano de Freitas. Com Ana Carbatti e Renato Carrera. Porão da Laura Alvim. Sexta a domingo, 20h.
Teatro/CRÍTICA
"O tempo e os Conways"
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Obra-prima em sóbria e digna versão
Lionel Fischer
Escritor e dramaturgo inglês, J.B Priestley (1894-1984) deixou uma obra vasta e diversificada, e no campo teatral uma de suas peças mais renomadas e encenadas é "O tempo e os Conways", em parte por sua original estrutura narrativa, e também pelos temas que aborda, dentre os quais talvez o mais relevante seja o que fazemos efetivamente por nossa própria felicidade, delicada tarefa sempre supervisionada pela implacável passagem do tempo.
Em cartaz no Sesc Casa da Gávea, a montagem chega à cena com direção de Vera Fajardo e elenco formado por Camila Moreira (Hazel), Igor Vogas (Alan), Johnny Massaro (Robin), Julia Fajardo (Kay), Marcéu Pierrotti (Ernest Beevers), Maria Ana Caixe (Joan Helford), Mariela Figueiredo (Madge), Pedro Logän (Gerald Thorton), Thaís Müller (Carol) e Stella Maria Rodrigues (Srª Conway).
Por tratar-se de uma obra muito conhecida, não vejo necessidade de resumir seu enredo - e acho que também não o faria pensando nos que desconhecem a peça, que então se veriam privados dos muitos impactos resultantes das reviravoltas da trama, como já dito de extraordinária originalidade. Mas posso, evidentemente, adiantar que se trata de acurada análise de uma série de medos, frustrações e promessas de felicidade que jamais se concretizam.
Contendo ótimos personagens, diálogos fluentes e reflexões mais do que pertinentes sobre todos os temas abordados, o texto recebeu sóbria e digna versão cênica de Vera Fajardo, que através de uma dinâmica cena desprovida de inócuas mirabolâncias formais consegue trazer à tona os principais conteúdos em jogo.
No tocante ao elenco, o grande trunfo da encenadora foi o de obter do conjunto uma inquestionável unidade interpretativa, extraindo de cada intérprete atuações condizentes com os papéis que interpretam. E aqui cabe registrar que, em função da estrutura da peça, os atores são obrigados a lidar com significativas reviravoltas no tempo, e todos se saem muito bem nesta tarefa, sem apelar para qualquer tipo de caricatura.
Com relação à equipe técnica, Paulo César Medeiros ilumina a cena com delicadeza e expressividade, cabendo ainda registrar a ótima ambientação cênica criada pela cenógrafa Mirella Maniacci, os impecáveis figurinos de Paula Accioli, a irrepreensível tradução de Renato Icarahy, a precisa direção de movimento de Duda Maia e a expressiva trilha sonora de Vera Fajardo e Kaleba Villela, este último também responsável pela preparação vocal do elenco e pela execução ao piano de algumas canções, sendo que em várias exibe sua belíssima voz.
O TEMPO E OS CONWAYS - Texto de J.B Priestley. Direção de Vera Fajardo. Com Stella Maria Rodrigues, Camila Moreira, Julia Fajardo e grande elenco. Teatro Sesc Casa da Gávea. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.
"O tempo e os Conways"
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Obra-prima em sóbria e digna versão
Lionel Fischer
Escritor e dramaturgo inglês, J.B Priestley (1894-1984) deixou uma obra vasta e diversificada, e no campo teatral uma de suas peças mais renomadas e encenadas é "O tempo e os Conways", em parte por sua original estrutura narrativa, e também pelos temas que aborda, dentre os quais talvez o mais relevante seja o que fazemos efetivamente por nossa própria felicidade, delicada tarefa sempre supervisionada pela implacável passagem do tempo.
Em cartaz no Sesc Casa da Gávea, a montagem chega à cena com direção de Vera Fajardo e elenco formado por Camila Moreira (Hazel), Igor Vogas (Alan), Johnny Massaro (Robin), Julia Fajardo (Kay), Marcéu Pierrotti (Ernest Beevers), Maria Ana Caixe (Joan Helford), Mariela Figueiredo (Madge), Pedro Logän (Gerald Thorton), Thaís Müller (Carol) e Stella Maria Rodrigues (Srª Conway).
Por tratar-se de uma obra muito conhecida, não vejo necessidade de resumir seu enredo - e acho que também não o faria pensando nos que desconhecem a peça, que então se veriam privados dos muitos impactos resultantes das reviravoltas da trama, como já dito de extraordinária originalidade. Mas posso, evidentemente, adiantar que se trata de acurada análise de uma série de medos, frustrações e promessas de felicidade que jamais se concretizam.
Contendo ótimos personagens, diálogos fluentes e reflexões mais do que pertinentes sobre todos os temas abordados, o texto recebeu sóbria e digna versão cênica de Vera Fajardo, que através de uma dinâmica cena desprovida de inócuas mirabolâncias formais consegue trazer à tona os principais conteúdos em jogo.
No tocante ao elenco, o grande trunfo da encenadora foi o de obter do conjunto uma inquestionável unidade interpretativa, extraindo de cada intérprete atuações condizentes com os papéis que interpretam. E aqui cabe registrar que, em função da estrutura da peça, os atores são obrigados a lidar com significativas reviravoltas no tempo, e todos se saem muito bem nesta tarefa, sem apelar para qualquer tipo de caricatura.
Com relação à equipe técnica, Paulo César Medeiros ilumina a cena com delicadeza e expressividade, cabendo ainda registrar a ótima ambientação cênica criada pela cenógrafa Mirella Maniacci, os impecáveis figurinos de Paula Accioli, a irrepreensível tradução de Renato Icarahy, a precisa direção de movimento de Duda Maia e a expressiva trilha sonora de Vera Fajardo e Kaleba Villela, este último também responsável pela preparação vocal do elenco e pela execução ao piano de algumas canções, sendo que em várias exibe sua belíssima voz.
O TEMPO E OS CONWAYS - Texto de J.B Priestley. Direção de Vera Fajardo. Com Stella Maria Rodrigues, Camila Moreira, Julia Fajardo e grande elenco. Teatro Sesc Casa da Gávea. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.
sexta-feira, 26 de abril de 2013
GORDON CRAIG
Edward Gordon Craig, contemporáneo de Adolphe Appia, elabora sus ideas sobre el arte del teatro tras una etapa de aprendizaje escénico en que conoce directamente la interpretación y la puesta en escena. Durante más de cincuenta años, la obra creadora de Craig va dilatándose, aumentando en riqueza, en descubrimientos, aislándose hasta ser finalmente casi tan sólo un pensamiento en la mente de su autor. Craig, apasionado del movimiento, piensa en un espacio escénico en movimiento mediante el uso de grandes planchas (screens) que cambian y combinan sus posiciones y reflejan de modos bien distintos la luz que se proyecta. Craig es ante todo un creador de ambientes, un evocador; los objetos se desmaterializan para convertirse en sucedáneos de una idea: en símbolos. En este espacio en movimiento, el actor es un elemento plástico más, con capacidad de movimiento propio, pero limitado al gran movimiento que el "ordenador" dispone al conjunto de elementos del espectáculo. De ahí la idea que Graig mantuvo sobre la función del actor, concibiéndolo como una supermarioneta.
Su obra se apoya en bases fuertemente idealistas, a partir de las cuales desarrolla sus principios de renovación formal del arte del teatro. Esa base idealista es incoherente, no por su origen, sino por la acumulación de contradicciones menores que paso a paso se van descubriendo en el transcurso de su obra. Esta incoherencia se refleja en la ambigüedad de muchas de sus posturas y choca con la rigurosa conducta investigadora que presidió sus trabajos de búsqueda sobre el espacio y la escenografía. Sus Models son algo más que un pasatiempo, son el laboratorio teatral, la aplicación de las técnicas de la ciencia experimental en el arte del teatro.
A pesar de esta rigurosa metodología, la base idealista en la que Craig se apoyaba, dominó tanto su obra creadora que impidió que los resultados finales proporcionaran los elementos de una semántica escénica legible y útil. Esta separación entre el soñador y el investigador consecuente, la resume Bablet de este modo:
Craig no es un racionalista. Sus principios no son el resultado de una reflexión sistemática que habría conducido a una teoría. Es un intuitivo y visionario guiado por el ideal que él entrevé, un buscador sobre los medios y la forma de llevarlo a cabo. De ahí le viene este "profetismo" que lo emparenta a Rushkin, una especie de "envoltura lírica" en la mayor parte de sus escritos, de ahí también esa "mística" que es una de las características de su obra. La palabra puede parecer peligrosa, pero Craig hace una concepción cuasi-religiosa del teatro, se siente responsable de una "Misión" y se comprende mejor desde este momento porqué rehúsa tan a menudo participar en la vida oficial, porqué rechaza ciertas ofertas tentadoras: piensa en un porvenir cargado de misterios y de revelaciones, trabaja para un teatro que no es todavía de este tiempo y que se sitúa sin duda más allá del teatro, o al menos del que comúnmente imaginamos; lo que no le impide intentar concretar sus ideas. Hay que separar en su obra la parte onírica y la de la búsqueda experimental, la parte de la utopía y la del descubrimiento.
En sus comienzos, como ya hiciera Appia, parte de su radical oposición al naturalismo, a quien considera origen de casi todos los males que aquejan al teatro: "La tendencia a imitar la naturaleza nada tiene que ver con el arte; cuando se introduce en el terreno del arte es tan perjudicial, como puede serlo la convención cuando la encontramos en la vida cotidiana. Hay que comprender bien que son dos cosas distintas y que cada una debe quedar en su sitio. No podemos esperar en deshacernos de un golpe de la tendencia a ser "naturales" en la escena, a pintar decorados "naturales", a hablar con un tono "natural"; el mejor modo que tenemos de luchar contra ello es estudiar las otras artes".
A partir de ahí, rechaza la escena pictórica para conservar en su lugar la "escena arquitectónica" y construir desde este principio una unidad estilística depurada, a que los elementos del espectáculo se imbriquen unos con otros hasta formar una totalidad que influya en bloque sobre el espectador, que produzca el impacto de su totalidad. Es en cierto modo el planteamiento inverso del que años después hará Bertolt Brecht cuando ataca esta delicuescencia culinaria de los elementos del espectáculo en un todo, y aboga por su independencia y clara separación. Esta unidad estilística de la totalidad simbólica, de base idealista, podríamos oponerla a la unidad estilística de la singularidad discontinua, de base materialista.
¿Cuál es el valor de Craig? Fundamentalmente el de haber convertido el escenario en un laboratorio de experiencias, el no limitarse a una conducta más o menos garantizada por el uso y buscar siempre nuevas soluciones. Y después, el de la simplificación. Veamos como Jacques Rouche, seguidor incondicional de Craig, es informado por uno de sus colaboradores sobre la experiencia que acaba de presenciar en los talleres de la "Arena Goldoni":
"El decorado se simplifica de tal modo, que son, sobre todo, las variaciones de luz, quebrándose sobre volúmenes diferentes, las que constituyen la elocuencia del decorado". En suma, parece que quiere llegar con sus simplificaciones planas a una fluctuación musical del decorado, a meterlo en el tiempo para unirlo al drama. Hasta el presente los decorados hechos por pintores o sus sucedáneos, eran andrajos inmóviles que colgaban en torno a una acción en movimiento. Desea que su decorado, moviéndose como una nota, proyecte los momentos del drama como la música sigue y exalta todos los movimientos, que progrese como el drama. Es lo que he creído comprender en lo que me ha enseñado.
La dilatada obra de Craig ha influido enormemente en el teatro posterior, pero lo ha hecho en su superficie, en el estilo general de una puesta en escena, en la forma y modo de fundir la escenografía con los trajes y la luz. De este modo, las ideas de Craig iban a influir directamente en las primeras manifestaciones expresionistas, como antes lo había hecho en el naciente teatro irlandés (sobre todo en Yeats) o en el director de la Opera de Paris, Jacques Rouche. Enid Rose puede afirmar que "en cada país de Europa, algunos hombres han hecho realidad las ideas emitidas por Gordon Craig: no sólo Reinhardt y Jessner en A1emania, y Stanislavski en Rusia, sino Gemier y Copeau en Francia, Lidberg en Suecia, Schanche en Noruega, Johannes Poulsen en Dinamarca../."
Pero sin que esa superficialidad desaparezca, pues nadie o casi nadie ha podido penetrar hasta el fondo del pensamiento teatral de Craig, al que ni siquiera él mismo, en su Hamlet del teatro de Arte de Moscú, consiguió dar las dimensiones deseadas. En los años que siguen a la Gran Guerra, en todos los países, al calor de las ideas de Craig y de Appia, numerosos teóricos y prácticos del teatro se ocupan del espacio escénico, de la identidad sala-escena y, por tanto, de la relación espectador-espectáculo.
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Fragmento do texto publicado pela Cia. NexoTeatro. Peço perdão aos parceiros do blog pela preguiça que me deu de traduzir. Mas acho que dá para entender sem maiores esforços.
Edward Gordon Craig, contemporáneo de Adolphe Appia, elabora sus ideas sobre el arte del teatro tras una etapa de aprendizaje escénico en que conoce directamente la interpretación y la puesta en escena. Durante más de cincuenta años, la obra creadora de Craig va dilatándose, aumentando en riqueza, en descubrimientos, aislándose hasta ser finalmente casi tan sólo un pensamiento en la mente de su autor. Craig, apasionado del movimiento, piensa en un espacio escénico en movimiento mediante el uso de grandes planchas (screens) que cambian y combinan sus posiciones y reflejan de modos bien distintos la luz que se proyecta. Craig es ante todo un creador de ambientes, un evocador; los objetos se desmaterializan para convertirse en sucedáneos de una idea: en símbolos. En este espacio en movimiento, el actor es un elemento plástico más, con capacidad de movimiento propio, pero limitado al gran movimiento que el "ordenador" dispone al conjunto de elementos del espectáculo. De ahí la idea que Graig mantuvo sobre la función del actor, concibiéndolo como una supermarioneta.
Su obra se apoya en bases fuertemente idealistas, a partir de las cuales desarrolla sus principios de renovación formal del arte del teatro. Esa base idealista es incoherente, no por su origen, sino por la acumulación de contradicciones menores que paso a paso se van descubriendo en el transcurso de su obra. Esta incoherencia se refleja en la ambigüedad de muchas de sus posturas y choca con la rigurosa conducta investigadora que presidió sus trabajos de búsqueda sobre el espacio y la escenografía. Sus Models son algo más que un pasatiempo, son el laboratorio teatral, la aplicación de las técnicas de la ciencia experimental en el arte del teatro.
A pesar de esta rigurosa metodología, la base idealista en la que Craig se apoyaba, dominó tanto su obra creadora que impidió que los resultados finales proporcionaran los elementos de una semántica escénica legible y útil. Esta separación entre el soñador y el investigador consecuente, la resume Bablet de este modo:
Craig no es un racionalista. Sus principios no son el resultado de una reflexión sistemática que habría conducido a una teoría. Es un intuitivo y visionario guiado por el ideal que él entrevé, un buscador sobre los medios y la forma de llevarlo a cabo. De ahí le viene este "profetismo" que lo emparenta a Rushkin, una especie de "envoltura lírica" en la mayor parte de sus escritos, de ahí también esa "mística" que es una de las características de su obra. La palabra puede parecer peligrosa, pero Craig hace una concepción cuasi-religiosa del teatro, se siente responsable de una "Misión" y se comprende mejor desde este momento porqué rehúsa tan a menudo participar en la vida oficial, porqué rechaza ciertas ofertas tentadoras: piensa en un porvenir cargado de misterios y de revelaciones, trabaja para un teatro que no es todavía de este tiempo y que se sitúa sin duda más allá del teatro, o al menos del que comúnmente imaginamos; lo que no le impide intentar concretar sus ideas. Hay que separar en su obra la parte onírica y la de la búsqueda experimental, la parte de la utopía y la del descubrimiento.
En sus comienzos, como ya hiciera Appia, parte de su radical oposición al naturalismo, a quien considera origen de casi todos los males que aquejan al teatro: "La tendencia a imitar la naturaleza nada tiene que ver con el arte; cuando se introduce en el terreno del arte es tan perjudicial, como puede serlo la convención cuando la encontramos en la vida cotidiana. Hay que comprender bien que son dos cosas distintas y que cada una debe quedar en su sitio. No podemos esperar en deshacernos de un golpe de la tendencia a ser "naturales" en la escena, a pintar decorados "naturales", a hablar con un tono "natural"; el mejor modo que tenemos de luchar contra ello es estudiar las otras artes".
A partir de ahí, rechaza la escena pictórica para conservar en su lugar la "escena arquitectónica" y construir desde este principio una unidad estilística depurada, a que los elementos del espectáculo se imbriquen unos con otros hasta formar una totalidad que influya en bloque sobre el espectador, que produzca el impacto de su totalidad. Es en cierto modo el planteamiento inverso del que años después hará Bertolt Brecht cuando ataca esta delicuescencia culinaria de los elementos del espectáculo en un todo, y aboga por su independencia y clara separación. Esta unidad estilística de la totalidad simbólica, de base idealista, podríamos oponerla a la unidad estilística de la singularidad discontinua, de base materialista.
¿Cuál es el valor de Craig? Fundamentalmente el de haber convertido el escenario en un laboratorio de experiencias, el no limitarse a una conducta más o menos garantizada por el uso y buscar siempre nuevas soluciones. Y después, el de la simplificación. Veamos como Jacques Rouche, seguidor incondicional de Craig, es informado por uno de sus colaboradores sobre la experiencia que acaba de presenciar en los talleres de la "Arena Goldoni":
"El decorado se simplifica de tal modo, que son, sobre todo, las variaciones de luz, quebrándose sobre volúmenes diferentes, las que constituyen la elocuencia del decorado". En suma, parece que quiere llegar con sus simplificaciones planas a una fluctuación musical del decorado, a meterlo en el tiempo para unirlo al drama. Hasta el presente los decorados hechos por pintores o sus sucedáneos, eran andrajos inmóviles que colgaban en torno a una acción en movimiento. Desea que su decorado, moviéndose como una nota, proyecte los momentos del drama como la música sigue y exalta todos los movimientos, que progrese como el drama. Es lo que he creído comprender en lo que me ha enseñado.
La dilatada obra de Craig ha influido enormemente en el teatro posterior, pero lo ha hecho en su superficie, en el estilo general de una puesta en escena, en la forma y modo de fundir la escenografía con los trajes y la luz. De este modo, las ideas de Craig iban a influir directamente en las primeras manifestaciones expresionistas, como antes lo había hecho en el naciente teatro irlandés (sobre todo en Yeats) o en el director de la Opera de Paris, Jacques Rouche. Enid Rose puede afirmar que "en cada país de Europa, algunos hombres han hecho realidad las ideas emitidas por Gordon Craig: no sólo Reinhardt y Jessner en A1emania, y Stanislavski en Rusia, sino Gemier y Copeau en Francia, Lidberg en Suecia, Schanche en Noruega, Johannes Poulsen en Dinamarca../."
Pero sin que esa superficialidad desaparezca, pues nadie o casi nadie ha podido penetrar hasta el fondo del pensamiento teatral de Craig, al que ni siquiera él mismo, en su Hamlet del teatro de Arte de Moscú, consiguió dar las dimensiones deseadas. En los años que siguen a la Gran Guerra, en todos los países, al calor de las ideas de Craig y de Appia, numerosos teóricos y prácticos del teatro se ocupan del espacio escénico, de la identidad sala-escena y, por tanto, de la relación espectador-espectáculo.
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Fragmento do texto publicado pela Cia. NexoTeatro. Peço perdão aos parceiros do blog pela preguiça que me deu de traduzir. Mas acho que dá para entender sem maiores esforços.
quinta-feira, 25 de abril de 2013
ENC: O TABLADO - Curso com Roberto Machado - PINTURA E LITERATURA EM PROUST
secretaria tablado (secretariatablado@globo.com)
EM MAIO
VAGAS LIMITADAS!
INVESTIMENTO: R$ 200,00
DIAS: 04/05; 11/05; 18/05; 25/05
INSCRIÇÕES NA SECRETARIA DO TEATRO O TABLADO
DE SEGUNDA À SEXTA, DAS 14:00H ÀS 20H.
AV. LINEU DE PAULA MACHADO, 795 - LAGOA
E-MAIL: SECRETARIATABLADO@GLOBO.COM
INFORMAÇÕES: 2294-7847 / 2239-0229
Renata Amaral
21.2239-0229/2294-7847/8860-0229
www.otablado.com.br
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"Não vemos Brecht como algo sagrado"
Jutta Ferbers fala do legado do dramaturgo alemão e de polêmicas sobre o diretor Claus Peymann. A dramaturgista Jutta Ferbers trabalha há 12 anos na companhia alemã e tem um papel fundamental no Berliner Ensemble, a célebre companhia fundada em 1949 por Bertolt Brecht: cabe a ela editar e tomar outras decisões sobre a adaptação de textos de grandes autores encenados pelo grupo. Companhia fundada por Brecht é destaque no 19º Porto Alegre Em Cena.
Nesta entrevista, ela comenta como a companhia lida com o legado do dramaturgo alemão, lembra de polêmicas sobre o diretor Claus Peymann — que vem a Porto Alegre — e conta como foi apresentar Mãe Coragem no Irã.
Zero Hora — É a primeira vez do Berliner Ensemble em Porto Alegre. Por que vocês escolheram apresentar Mãe Coragem?
Jutta Ferbers — Acho que é uma das nossas melhores peças. Na Alemanha, por anos, ninguém encenou Brecht. Não tem como dar errado encená-lo em qualquer lugar do mundo porque ele é um autor muito, muito bom.
ZH — Houve uma montagem histórica do Berliner Ensemble em 1954, na França. Qual o impacto que ela deixou?
Jutta — Foi talvez a primeira vez que o Berliner Ensemble foi valorizado depois da II Guerra. Por causa do enorme sucesso em Paris, em casa (na Alemanha) admitiram: "É uma boa companhia". Então, o Berliner ficou cada vez mais famoso em sua casa.
ZH — Aquela montagem foi modelo para a atual?
Jutta — É outro tempo e outro diretor. Não somos um museu, de forma alguma. Fazemos um trabalho muito contemporâneo de teatro. Trabalhamos com diferentes diretores, como Robert Wilson, Claus Peymann, Peter Stein. Não há um modelo para Mãe Coragem ou para qualquer outra peça de Brecht. Você tem que trazê-la para nosso tempo. Além disso, ela não é ambientada em um tempo específico, então pode ser agora, poderia ser 10 anos depois ou antes, e em qualquer país.
ZH — Que características você destaca nesta montagem?
Jutta — É difícil de descrever. São os atores, o cenário... E fizemos muitos cortes no texto. Mas é o caminho para sermos sinceros, diretos e para que todos a entendam. O discurso de Brecht é artístico, não é como estamos falando agora. Fizemos várias apresentações em Berlim, em Paris e também em Teerã, no Irã. Foi interessante como as pessoas de lá lidaram com essa história.
ZH — Como foi a experiência?
Jutta — É uma das coisas que nunca quero esquecer. Estivemos duas vezes no Irã. Durante o governo de Ahmadinejad, apresentamos Mãe Coragem (em 2008). Alguns anos antes, levamos Ricardo II (de Shakespeare), no período de Khatami, que era um presidente mais moderno. Na última vez, com Ahmadinejad, as pessoas nos disseram: "A situação está piorando".
ZH — Alguma reação em particular chamou sua atenção?
Jutta — Sim, grandes reações. Lá, uma mulher e um homem não podem se tocar sem luvas. É proibido. Tampouco é permitido que uma mulher cante no palco. Em Mãe Coragem, fizemos essas duas coisas. As pessoas se levantaram ao final e houve um enorme sentimento entre a plateia e os atores. Depois de cada apresentação, alguns homens nos diziam: "Nunca mais! É proibido!". Mas, na apresentação seguinte, fazíamos a mesma coisa. Tivemos medo de que não nos deixassem sair do país. Ao final das sessões, mulheres vieram falar conosco com lágrimas nos olhos. Então, talvez tenhamos feito uma pequena parte em prol das pessoas que querem outros tempos.
ZH — Brecht morreu em 1956. Como o Berliner Ensemble atualiza suas lições?
Jutta — Não as entendemos como lições. Ele não foi um professor; foi um diretor. Gostava das pessoas rindo. E foi um homem muito contemporâneo. É um autor importante, e é por isso que o encenamos, mas não o vemos como algo sagrado. Todos pensam que o Berliner Ensemble tem que lidar com o "grande Brecht". Sabemos o que ele queria dizer, essa é a questão principal. Mas há essa teoria sobre o teatro épico que, às vezes, você tem que esquecer. Essa teoria foi escrita em um tempo específico, para um tipo de teatro específico. A única questão é fazer teatro para as pessoas abrirem os olhos e ouvidos. E bocas (risos).
ZH — Em 1956, ano em que Brecht morreu, um jornal britânico chamou o Berliner Ensemble de "o teatro mais controverso da Europa". Vocês se veem desta forma hoje?
Jutta — Para ser sincera, acho que não. Mas na Alemanha há grandes discussões sobre Claus Peymann. Ele não é apenas um diretor; é engajado politicamente, diz o que pensa e é muito direto. Muitas pessoas dizem: "Você tem que ser mais diplomático, tem que ser mais legal com o governo". Mas ele não quer. Como líder teatral, Claus Peymann é uma das pessoas mais controversas, mas ele já era antes (de entrar no Berliner Ensemble). Estivemos na Áustria por 13 difíceis anos, em Viena. Quando Peymann encenou lá suas primeiras peças de Thomas Bernhard (escritor e dramaturgo austríaco, 1931 – 1989), ninguém conhecia Bernhard. A peça Heldenplatz gerou uma grande discussão porque dizia que os austríacos tinham sido nazistas, que não foram apenas forçados pelos alemães. Peymann lutou por autores como Bernhard, Peter Handke, Elfriede Jelinek, que agora são clássicos. Quando Bernhard morreu, tornou-se herói. Todos diziam: "Sempre fui amigo dele". Mas não é verdade.
ZH — O que é o teatro político hoje, na sua visão?
Jutta — Olhar nos olhos, nos corações e nas mentes das pessoas e deixar claro que o mainstream não é o caminho que devemos seguir. Temos que abrir os olhos das pessoas que estão à direita e à esquerda. Você pode ser bem suave, mas tem que usar a cabeça.
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Jutta Ferbers fala do legado do dramaturgo alemão e de polêmicas sobre o diretor Claus Peymann. A dramaturgista Jutta Ferbers trabalha há 12 anos na companhia alemã e tem um papel fundamental no Berliner Ensemble, a célebre companhia fundada em 1949 por Bertolt Brecht: cabe a ela editar e tomar outras decisões sobre a adaptação de textos de grandes autores encenados pelo grupo. Companhia fundada por Brecht é destaque no 19º Porto Alegre Em Cena.
Nesta entrevista, ela comenta como a companhia lida com o legado do dramaturgo alemão, lembra de polêmicas sobre o diretor Claus Peymann — que vem a Porto Alegre — e conta como foi apresentar Mãe Coragem no Irã.
Zero Hora — É a primeira vez do Berliner Ensemble em Porto Alegre. Por que vocês escolheram apresentar Mãe Coragem?
Jutta Ferbers — Acho que é uma das nossas melhores peças. Na Alemanha, por anos, ninguém encenou Brecht. Não tem como dar errado encená-lo em qualquer lugar do mundo porque ele é um autor muito, muito bom.
ZH — Houve uma montagem histórica do Berliner Ensemble em 1954, na França. Qual o impacto que ela deixou?
Jutta — Foi talvez a primeira vez que o Berliner Ensemble foi valorizado depois da II Guerra. Por causa do enorme sucesso em Paris, em casa (na Alemanha) admitiram: "É uma boa companhia". Então, o Berliner ficou cada vez mais famoso em sua casa.
ZH — Aquela montagem foi modelo para a atual?
Jutta — É outro tempo e outro diretor. Não somos um museu, de forma alguma. Fazemos um trabalho muito contemporâneo de teatro. Trabalhamos com diferentes diretores, como Robert Wilson, Claus Peymann, Peter Stein. Não há um modelo para Mãe Coragem ou para qualquer outra peça de Brecht. Você tem que trazê-la para nosso tempo. Além disso, ela não é ambientada em um tempo específico, então pode ser agora, poderia ser 10 anos depois ou antes, e em qualquer país.
ZH — Que características você destaca nesta montagem?
Jutta — É difícil de descrever. São os atores, o cenário... E fizemos muitos cortes no texto. Mas é o caminho para sermos sinceros, diretos e para que todos a entendam. O discurso de Brecht é artístico, não é como estamos falando agora. Fizemos várias apresentações em Berlim, em Paris e também em Teerã, no Irã. Foi interessante como as pessoas de lá lidaram com essa história.
ZH — Como foi a experiência?
Jutta — É uma das coisas que nunca quero esquecer. Estivemos duas vezes no Irã. Durante o governo de Ahmadinejad, apresentamos Mãe Coragem (em 2008). Alguns anos antes, levamos Ricardo II (de Shakespeare), no período de Khatami, que era um presidente mais moderno. Na última vez, com Ahmadinejad, as pessoas nos disseram: "A situação está piorando".
ZH — Alguma reação em particular chamou sua atenção?
Jutta — Sim, grandes reações. Lá, uma mulher e um homem não podem se tocar sem luvas. É proibido. Tampouco é permitido que uma mulher cante no palco. Em Mãe Coragem, fizemos essas duas coisas. As pessoas se levantaram ao final e houve um enorme sentimento entre a plateia e os atores. Depois de cada apresentação, alguns homens nos diziam: "Nunca mais! É proibido!". Mas, na apresentação seguinte, fazíamos a mesma coisa. Tivemos medo de que não nos deixassem sair do país. Ao final das sessões, mulheres vieram falar conosco com lágrimas nos olhos. Então, talvez tenhamos feito uma pequena parte em prol das pessoas que querem outros tempos.
ZH — Brecht morreu em 1956. Como o Berliner Ensemble atualiza suas lições?
Jutta — Não as entendemos como lições. Ele não foi um professor; foi um diretor. Gostava das pessoas rindo. E foi um homem muito contemporâneo. É um autor importante, e é por isso que o encenamos, mas não o vemos como algo sagrado. Todos pensam que o Berliner Ensemble tem que lidar com o "grande Brecht". Sabemos o que ele queria dizer, essa é a questão principal. Mas há essa teoria sobre o teatro épico que, às vezes, você tem que esquecer. Essa teoria foi escrita em um tempo específico, para um tipo de teatro específico. A única questão é fazer teatro para as pessoas abrirem os olhos e ouvidos. E bocas (risos).
ZH — Em 1956, ano em que Brecht morreu, um jornal britânico chamou o Berliner Ensemble de "o teatro mais controverso da Europa". Vocês se veem desta forma hoje?
Jutta — Para ser sincera, acho que não. Mas na Alemanha há grandes discussões sobre Claus Peymann. Ele não é apenas um diretor; é engajado politicamente, diz o que pensa e é muito direto. Muitas pessoas dizem: "Você tem que ser mais diplomático, tem que ser mais legal com o governo". Mas ele não quer. Como líder teatral, Claus Peymann é uma das pessoas mais controversas, mas ele já era antes (de entrar no Berliner Ensemble). Estivemos na Áustria por 13 difíceis anos, em Viena. Quando Peymann encenou lá suas primeiras peças de Thomas Bernhard (escritor e dramaturgo austríaco, 1931 – 1989), ninguém conhecia Bernhard. A peça Heldenplatz gerou uma grande discussão porque dizia que os austríacos tinham sido nazistas, que não foram apenas forçados pelos alemães. Peymann lutou por autores como Bernhard, Peter Handke, Elfriede Jelinek, que agora são clássicos. Quando Bernhard morreu, tornou-se herói. Todos diziam: "Sempre fui amigo dele". Mas não é verdade.
ZH — O que é o teatro político hoje, na sua visão?
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SEMINÁRIO
A revista eletrônica Questão de Crítica promove, em parceria com o Sesc e com patrocínio do FATE, Seminário “História da Crítica: A Crítica de Teatro no Brasil Moderno e Contemporâneo”, de 10 de maio a 26 de julho, no Espaço Sesc.
Outras informações no material a seguir.
A entrada é franca e é necessário enviar o currículo para contato@questaodecritica.com.br.
Atenciosamente,
Bianca Senna
SEMINÁRIO “HISTÓRIA DA CRÍTICA: A CRÍTICA DE TEATRO NO BRASIL MODERNO E CONTEMPORÂNEO”
10 de maio a 26 de julho de 2013
Sextas-feiras, das 10h às 13h.
Espaço Sesc – Sala de Oficinas
Voltado para estudantes, artistas de teatro em geral e futuros críticos.
Em parceria com o Sesc e com patrocínio do FATE, o Seminário encerra a programação do 2º Encontro Questão de Crítica – um desdobramento das atividades da revista eletrônica Questão de Crítica (www.questaodecritica.com.br), que desde 2008 publica, em edições mensais, críticas de peças, estudos sobre teatro e crítica, traduções de textos teóricos, conversas com artistas e textos sobre espetáculos em processo de criação.
O recorte proposto pretende fazer um estudo sobre a escrita da crítica de teatro e as diretrizes do pensamento crítico na história do teatro brasileiro, com foco no eixo Rio-São Paulo, tanto no âmbito do que é considerado moderno, quanto na contemporaneidade. O seminário será dividido em duas partes. Nas primeiras seis semanas, o foco será direcionado para a crítica no teatro moderno. Serão lidos textos críticos e teóricos de Décio de Almeida Prado e Yan Michalski, bem como estudos sobre eles. Na segunda parte, a partir da sétima semana, a ênfase estará no momento contemporâneo. Os principais textos estudados serão de Silvia Fernandes e José da Costa. Entrelaçando os recortes, serão discutidos textos sobre a função da crítica e a relação da produção de conteúdo sobre teatro com o público leitor/espectador.
Orientação do seminário:
Daniele Avila Small é pesquisadora, tradutora e crítica de teatro. Mestra em História Social da Cultura pela PUC-Rio, fez a graduação em Teoria do Teatro na UNIRIO. É uma das fundadoras, e atual Presidente, da Projéteis – Cooperativa Carioca de Empreendedores Culturais.
Dinah Cesare é teórica do teatro, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da EBA – UFRJ, dentro da Área de Teoria e Experimentações em Arte, na Linha de Pesquisa Poéticas Interdisciplinares, e mestra em Artes Cênicas pela UNIRIO.
Inscrições: contato@questaodecritica.com.br
Espaço Sesc. R. Domingos Ferreira, 160. Copacabana. Informações: (21) 2547-0156
FICHA TÉCNICA
Idealização e curadoria: Daniele Avila Small, Dinah Cesare e Humberto Giancristofaro
Coordenação geral: Daniele Avila Small
Produção Executiva: Dâmaris Grün
Ministrantes das oficinas: Luciana Romagnolli e Valmir Santos
Programação visual: Denize Barros e Marcelo Gava – Criareal
Administração: Igor Mello – Bramel Produções
Patrocínio: FATE, Prefeitura do Rio de Janeiro
Parceria: Sesc
Realização: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura e Questão de Crítica
ASTROLÁBIO COMUNICAÇÃO
(55 21) 3065-1698
Bianca Senna – bianca@astrolabiocom.com.br
Sabrina Schemberg – sabrina@astrolabiocom.com.br
www.astrolabiocom.com.br
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SOLOS CULTURAIS lança livro com pesquisa sobre hábitos culturais em cinco favelas cariocas
No próximo dia 27 o Solos Culturais, projeto realizado pelo Observatório de Favelas em parceria com a Secretaria de Estado de Cultura e Petrobras, publica livro com lançamento e formatura dos cem jovens solistas na Biblioteca Parque de Manguinhos, às 17h. A publicação traz além da memória de todo o processo, uma pesquisa realizada com 2.000 jovens com idade entre 15 e 29 anos sobre os hábitos culturais nas cinco favelas onde o projeto atuou: Manguinhos, Complexo da Penha, Rocinha, Complexo do Alemão e Cidade de Deus.
A pesquisa, realizada pelos solistas, procurou verificar como os jovens residentes destas cinco favelas estão inseridos nas práticas culturais que acontecem no seu território e na cidade, além de investigar os diversos modos de acesso a bens simbólicos. Os dados produzidos foram organizados e divididos por categorias, entre elas estão: o uso do tempo livre, os hábitos culturais externos e domiciliares como o acesso a internet, por exemplo.
Durante o lançamento do livro os solistas receberão os certificados de formação em produção cultural e pesquisa emitidos pela UFRJ. O Solos Culturais efetivou durante o ano de 2012, metodologias de mobilização social e buscou produzir conhecimentos e experiências sobre as favelas cariocas, além de realizar intervenções culturais nos cinco territórios e em outras partes da cidade.
Serviço:
Data: 27/04/2013, sábado
Horário: 17h
Local: Biblioteca Parque de Manguinhos
Avenida Dom Helder Câmara,
1184 – Benfica
www.solosculturais.org.br
Rosilene Miliotti
(21) 8234-5871
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No próximo dia 27 o Solos Culturais, projeto realizado pelo Observatório de Favelas em parceria com a Secretaria de Estado de Cultura e Petrobras, publica livro com lançamento e formatura dos cem jovens solistas na Biblioteca Parque de Manguinhos, às 17h. A publicação traz além da memória de todo o processo, uma pesquisa realizada com 2.000 jovens com idade entre 15 e 29 anos sobre os hábitos culturais nas cinco favelas onde o projeto atuou: Manguinhos, Complexo da Penha, Rocinha, Complexo do Alemão e Cidade de Deus.
A pesquisa, realizada pelos solistas, procurou verificar como os jovens residentes destas cinco favelas estão inseridos nas práticas culturais que acontecem no seu território e na cidade, além de investigar os diversos modos de acesso a bens simbólicos. Os dados produzidos foram organizados e divididos por categorias, entre elas estão: o uso do tempo livre, os hábitos culturais externos e domiciliares como o acesso a internet, por exemplo.
Durante o lançamento do livro os solistas receberão os certificados de formação em produção cultural e pesquisa emitidos pela UFRJ. O Solos Culturais efetivou durante o ano de 2012, metodologias de mobilização social e buscou produzir conhecimentos e experiências sobre as favelas cariocas, além de realizar intervenções culturais nos cinco territórios e em outras partes da cidade.
Serviço:
Data: 27/04/2013, sábado
Horário: 17h
Local: Biblioteca Parque de Manguinhos
Avenida Dom Helder Câmara,
1184 – Benfica
www.solosculturais.org.br
Rosilene Miliotti
(21) 8234-5871
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quarta-feira, 24 de abril de 2013
Últimos dias para se inscrever ao Prêmio OFF FLIP de Literatura
Estão abertas até 2 de maio de 2013 as inscrições para a oitava edição do Prêmio OFF FLIP de Literatura. Criado em 2006 como parte da programação literária da OFF FLIP, o Prêmio oferecerá aos vencedores R$ 16 mil no total, além de estadia em Paraty, ingressos para mesas de debate da FLIP, passeio de escuna pela baía de Paraty e cota de livros do Selo Off Flip e da editora Escrita Fina.
Podem participar poetas e contistas de qualquer nacionalidade residentes no Brasil, bem como brasileiros que residem no exterior e autores de países lusófonos (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste).
Os textos serão avaliados por escritores de expressão no cenário literário brasileiro e os 30 finalistas serão publicados em coletânea pelo Selo Off Flip. O sarau de premiação acontecerá no Centro Cultural SESC Paraty entre 3 e 7 de julho, paralelamente à Festa Literária Internacional de Paraty.
O regulamento pode ser lido no site do Prêmio: www.premio-offflip.net
Assessoria de Imprensa:
Marilia van Boekel Cheola
(24) 9901-9221
mariliavbch@yahoo.com.br
Nanda Dias
(21) 9764-0655
nandadias15@uol.com.br
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Estão abertas até 2 de maio de 2013 as inscrições para a oitava edição do Prêmio OFF FLIP de Literatura. Criado em 2006 como parte da programação literária da OFF FLIP, o Prêmio oferecerá aos vencedores R$ 16 mil no total, além de estadia em Paraty, ingressos para mesas de debate da FLIP, passeio de escuna pela baía de Paraty e cota de livros do Selo Off Flip e da editora Escrita Fina.
Podem participar poetas e contistas de qualquer nacionalidade residentes no Brasil, bem como brasileiros que residem no exterior e autores de países lusófonos (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste).
Os textos serão avaliados por escritores de expressão no cenário literário brasileiro e os 30 finalistas serão publicados em coletânea pelo Selo Off Flip. O sarau de premiação acontecerá no Centro Cultural SESC Paraty entre 3 e 7 de julho, paralelamente à Festa Literária Internacional de Paraty.
O regulamento pode ser lido no site do Prêmio: www.premio-offflip.net
Assessoria de Imprensa:
Marilia van Boekel Cheola
(24) 9901-9221
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Nanda Dias
(21) 9764-0655
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A Cara e a Coragem do Teatro
Aderbal Freire-Filho
Amiga, amigo,
Aí pelo fim dos anos 80, o Domingos Oliveira inventou um Clube de Diretores de Teatro. Fizemos umas reuniões, no apê do Domingos, no circo do Paulo Reis, no play-ground da casa da Priscila, vieram diretores de todas as gerações, veio o Flávio Rangel, o João Bethencourt. Durou pouco. Falo aqui do João e lembro de outra associação que ele animou, a acet, de produtores, que viveu um bom tempo. João, um mestre, sabia da importância de estarmos juntos. Ele morreu num domingo, na quinta-feira tinha estado comigo, em outro clube a que pertenceu a vida toda. Lembro desse dia: o João falava fervorosamente, entusiasmado, de énthus, inspirado pelos deuses.
É ainda outra associação a que mais tem feito pelo teatro carioca nos últimos anos, a associação dos produtores, aptr, criou um prêmio, lidera os movimentos que nos interessam, como o movimento contra o fechamento dos teatros…
Antes dessas todas, o Vianna, o João (outro), o Viriato, o Gastão e sobretudo a Francisca, fundaram uma associação que mudou o teatro do Brasil, que deu uma cara (e uma coragem) ao teatro do Brasil. Eu entrei nessa associação em 1971, cheguei lá estavam o Nelson, o Carlos, o Manuel, a Rachel, o Dias… O Carlos me disse, uns anos depois, numa sala de lá: "ah, foi você quem colocou o Nelson no meu poema". Eu tinha adaptado para teatro um famoso poema dele e citei o Nelson.
Como naqueles jogos de juntar corpo e cabeça, dou aqui uns complementos (nomes ou sobrenomes) para você distribuir por essa turma: Tojeiro, Oduvaldo, Gonzaga, do Rio, Correia, Drummond, Rodrigues, Gomes, Queiroz, Bandeira…
Estou lá até hoje, embora nos últimos anos muita gente tenha saído. Muitos tiveram suas razões para sair, não discuto. Mas garanto: ninguém foi para outra associação, para outro clube, porque não existe nenhuma associação igual. Quem passou seus direitos para uma empresa, passou seus direitos para uma empresa, onde não vai encontrar nenhum companheiro para discutir, conversar, trocar idéias, fazer planos, defender o teatro, publicar peças, continuar a história. É outra coisa. Estão tão isolados como os que cuidam sozinho das suas vidas profissionais.
Está foda ver o que tenho visto, viver o que tenho vivido, perder o que tenho perdido, lutar o que tenho lutado, quase sozinho nessa associação. Não sou herói, quixote, porra nenhuma. Vou ser herói daqui a um, dois meses, quando me atirar do abismo e mandar tudo à merda. Quando tiver coragem de, sabendo do que sei, deixar morrer a associação. Aí sim, herói. Ou covarde, a diferença é pouca.
Com cada pessoa que falo do meu clube, da minha associação, fico impressionado de ver como ninguém sabe quase nada dela. Ela é difamada, incompreendida, deformada, distorcida, desconhecida, é campeã do ouvi dizer que.
Pois quero só contar o que sei: o que essa associação – a Sociedade Brasileira dos Autores de Teatro – fez, o que ainda faz, para que serve, que futuro brilhante teria, porque querem que acabe, que interesses existem por trás da campanha contra ela e, sobretudo, o que ela é, essa associação tão antiga, tão bela e tão desconhecida.
Vou fazer isso no Teatro Ipanema, hoje, quarta-feira, às 20h. Queria que você estivesse lá. Pelo amor dos deuses e dos diabos, venha!
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Aderbal Freire-Filho
Amiga, amigo,
Aí pelo fim dos anos 80, o Domingos Oliveira inventou um Clube de Diretores de Teatro. Fizemos umas reuniões, no apê do Domingos, no circo do Paulo Reis, no play-ground da casa da Priscila, vieram diretores de todas as gerações, veio o Flávio Rangel, o João Bethencourt. Durou pouco. Falo aqui do João e lembro de outra associação que ele animou, a acet, de produtores, que viveu um bom tempo. João, um mestre, sabia da importância de estarmos juntos. Ele morreu num domingo, na quinta-feira tinha estado comigo, em outro clube a que pertenceu a vida toda. Lembro desse dia: o João falava fervorosamente, entusiasmado, de énthus, inspirado pelos deuses.
É ainda outra associação a que mais tem feito pelo teatro carioca nos últimos anos, a associação dos produtores, aptr, criou um prêmio, lidera os movimentos que nos interessam, como o movimento contra o fechamento dos teatros…
Antes dessas todas, o Vianna, o João (outro), o Viriato, o Gastão e sobretudo a Francisca, fundaram uma associação que mudou o teatro do Brasil, que deu uma cara (e uma coragem) ao teatro do Brasil. Eu entrei nessa associação em 1971, cheguei lá estavam o Nelson, o Carlos, o Manuel, a Rachel, o Dias… O Carlos me disse, uns anos depois, numa sala de lá: "ah, foi você quem colocou o Nelson no meu poema". Eu tinha adaptado para teatro um famoso poema dele e citei o Nelson.
Como naqueles jogos de juntar corpo e cabeça, dou aqui uns complementos (nomes ou sobrenomes) para você distribuir por essa turma: Tojeiro, Oduvaldo, Gonzaga, do Rio, Correia, Drummond, Rodrigues, Gomes, Queiroz, Bandeira…
Estou lá até hoje, embora nos últimos anos muita gente tenha saído. Muitos tiveram suas razões para sair, não discuto. Mas garanto: ninguém foi para outra associação, para outro clube, porque não existe nenhuma associação igual. Quem passou seus direitos para uma empresa, passou seus direitos para uma empresa, onde não vai encontrar nenhum companheiro para discutir, conversar, trocar idéias, fazer planos, defender o teatro, publicar peças, continuar a história. É outra coisa. Estão tão isolados como os que cuidam sozinho das suas vidas profissionais.
Está foda ver o que tenho visto, viver o que tenho vivido, perder o que tenho perdido, lutar o que tenho lutado, quase sozinho nessa associação. Não sou herói, quixote, porra nenhuma. Vou ser herói daqui a um, dois meses, quando me atirar do abismo e mandar tudo à merda. Quando tiver coragem de, sabendo do que sei, deixar morrer a associação. Aí sim, herói. Ou covarde, a diferença é pouca.
Com cada pessoa que falo do meu clube, da minha associação, fico impressionado de ver como ninguém sabe quase nada dela. Ela é difamada, incompreendida, deformada, distorcida, desconhecida, é campeã do ouvi dizer que.
Pois quero só contar o que sei: o que essa associação – a Sociedade Brasileira dos Autores de Teatro – fez, o que ainda faz, para que serve, que futuro brilhante teria, porque querem que acabe, que interesses existem por trás da campanha contra ela e, sobretudo, o que ela é, essa associação tão antiga, tão bela e tão desconhecida.
Vou fazer isso no Teatro Ipanema, hoje, quarta-feira, às 20h. Queria que você estivesse lá. Pelo amor dos deuses e dos diabos, venha!
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sábado, 20 de abril de 2013
Teatro/CRÍTICA
"Horses Hotel"
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O inferno não é o outro
Lionel Fischer
Em seu breve romance "Noites brancas", Dostoiévski escreveu uma frase que me marcou para sempre: "Era uma dessas noites que só nos acontecem quando somos jovens". Depois de lê-la, e ao longo de minha vida, sempre me perguntei o que será que só nos acontece quando somos jovens, jamais chegando a uma conclusão definitiva. No entanto, ao assistir "Horses Hotel", vislumbrei uma possibilidade de resposta: certas coisas só podem nos acontecer na juventude desde que determinadas por circunstâncias muito especiais.
No presente caso, três personagens dividem um pequeno quarto num hotel decadente. E ainda que exibindo personalidades diferentes, todos têm uma forte ligação com a arte e encaram a vida com uma mescla de ambição e desespero. Talvez não saibam exatamente o que fazer, mas têm absoluta certeza do que não querem. E o partilhar dessas indecisões, somada à disponibilidade de viver intensamente múltiplas experiências - dentre outras, afetivas e sexuais - contribui para criar um contexto em que o inferno não é o outro, pois o que muita vezes os difere é também o que os aproxima e estimula.
De autoria de Alex Cassal, "Horses Hotel" acaba de estrear no Oi Futuro Flamengo. Projeto idealizado por Ana Kutner, a peça chega à cena com direção de Alex Cassal e Clara Kutner, estando o elenco formado por Ana Kutner, Renato Linhares, Emanuel Aragão e Roberto Souza, este último atuando basicamente como guitarrista.
A ação se passa no fim da década de 70 e início dos anos 80. Músicas inspiradas no punk rock são tocadas, poemas são ditos, histórias passadas reveladas, com eventuais momentos de relação direta com a plateia. Um triângulo amoroso se estabelece, feito de delicadeza, tesão e cumplicidade, totalmente isento de qualquer resquício de vulgaridade. Um sentimento de pureza e integridade está presente em todas as situações vividas ou evocadas, por mais chocantes que possam se afigurar em um primeiro momento. E talvez por terem a coragem de viver tão intensamente os próprios impulsos nos sentimos totalmente cúmplices dos personagens, que demonstram que a pior coisa que pode nos acontecer é passar pela vida em branca nuvem e em plácido repouso adormecer.
Quanto ao espetáculo, Alex Cassal e Clara Kutner impõem à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Sendo este não linear, fragmentado, com idas e voltas no tempo etc., a direção consegue transmitir todos os conteúdos em jogo valendo-se de marcações tão surpreendentes quanto criativas, algumas visando claramente trazer o público para o espetáculo e outras objetivando transformá-lo numa espécie de voyeur. Sem a menor dúvida, "Horses Hotel" é um dos melhores espetáculos da atual temporada, o mesmo aplicando-se ao texto, constituído de ótimos personagens, diálogos impregnados de humor, poesia e temas da mais alta pertinência.
No elenco, Ana Kutner exibe a melhor atuação de sua carreira, conseguindo materializar de forma brilhante todos os aspectos da personalidade conturbada, terna, sonhadora e feroz da personagem que interpreta, cabendo ainda registrar que, mesmo não sendo uma cantora no sentido óbvio do termo, quando canta o faz muito bem. E o mesmo brilho se faz presente nas maravilhosas performances de Renato Linhares e Emanuel Aragão, que também conseguem extrair o máximo potencial dos complexos personagens que encarnam, ressaltando que cantam muito bem e tocam guitarra e bateria com eficiência. No papel do guitarrista/baterista, Roberto Souza se ajusta completamente ao trio de atores, certamente pelo fato de ser também um ator.
Na equipe técnica, considero absolutamente irretocáveis as contribuições de todos os profissionais envolvidos, essenciais para o êxito deste espetáculo imperdível - Amora Pêra e Paula Leal (direção musical). Alice Ripoll (direção de movimento), Antônio Medeiros (figurinos), Guga Feijó (cenografia), Renato Machado (iluminação) e Raul Taborda (projeto gráfico).
HORSES HOTEL - Texto de Alex Cassal. Direção de Cassal e Clara Kutner. Com Ana Kutner, Renato Linhares, Emanuel Aragão e Roberto Souza. Oi Futuro Flamengo. Quinta a domingo, 20h.
"Horses Hotel"
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O inferno não é o outro
Lionel Fischer
Em seu breve romance "Noites brancas", Dostoiévski escreveu uma frase que me marcou para sempre: "Era uma dessas noites que só nos acontecem quando somos jovens". Depois de lê-la, e ao longo de minha vida, sempre me perguntei o que será que só nos acontece quando somos jovens, jamais chegando a uma conclusão definitiva. No entanto, ao assistir "Horses Hotel", vislumbrei uma possibilidade de resposta: certas coisas só podem nos acontecer na juventude desde que determinadas por circunstâncias muito especiais.
No presente caso, três personagens dividem um pequeno quarto num hotel decadente. E ainda que exibindo personalidades diferentes, todos têm uma forte ligação com a arte e encaram a vida com uma mescla de ambição e desespero. Talvez não saibam exatamente o que fazer, mas têm absoluta certeza do que não querem. E o partilhar dessas indecisões, somada à disponibilidade de viver intensamente múltiplas experiências - dentre outras, afetivas e sexuais - contribui para criar um contexto em que o inferno não é o outro, pois o que muita vezes os difere é também o que os aproxima e estimula.
De autoria de Alex Cassal, "Horses Hotel" acaba de estrear no Oi Futuro Flamengo. Projeto idealizado por Ana Kutner, a peça chega à cena com direção de Alex Cassal e Clara Kutner, estando o elenco formado por Ana Kutner, Renato Linhares, Emanuel Aragão e Roberto Souza, este último atuando basicamente como guitarrista.
A ação se passa no fim da década de 70 e início dos anos 80. Músicas inspiradas no punk rock são tocadas, poemas são ditos, histórias passadas reveladas, com eventuais momentos de relação direta com a plateia. Um triângulo amoroso se estabelece, feito de delicadeza, tesão e cumplicidade, totalmente isento de qualquer resquício de vulgaridade. Um sentimento de pureza e integridade está presente em todas as situações vividas ou evocadas, por mais chocantes que possam se afigurar em um primeiro momento. E talvez por terem a coragem de viver tão intensamente os próprios impulsos nos sentimos totalmente cúmplices dos personagens, que demonstram que a pior coisa que pode nos acontecer é passar pela vida em branca nuvem e em plácido repouso adormecer.
Quanto ao espetáculo, Alex Cassal e Clara Kutner impõem à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Sendo este não linear, fragmentado, com idas e voltas no tempo etc., a direção consegue transmitir todos os conteúdos em jogo valendo-se de marcações tão surpreendentes quanto criativas, algumas visando claramente trazer o público para o espetáculo e outras objetivando transformá-lo numa espécie de voyeur. Sem a menor dúvida, "Horses Hotel" é um dos melhores espetáculos da atual temporada, o mesmo aplicando-se ao texto, constituído de ótimos personagens, diálogos impregnados de humor, poesia e temas da mais alta pertinência.
No elenco, Ana Kutner exibe a melhor atuação de sua carreira, conseguindo materializar de forma brilhante todos os aspectos da personalidade conturbada, terna, sonhadora e feroz da personagem que interpreta, cabendo ainda registrar que, mesmo não sendo uma cantora no sentido óbvio do termo, quando canta o faz muito bem. E o mesmo brilho se faz presente nas maravilhosas performances de Renato Linhares e Emanuel Aragão, que também conseguem extrair o máximo potencial dos complexos personagens que encarnam, ressaltando que cantam muito bem e tocam guitarra e bateria com eficiência. No papel do guitarrista/baterista, Roberto Souza se ajusta completamente ao trio de atores, certamente pelo fato de ser também um ator.
Na equipe técnica, considero absolutamente irretocáveis as contribuições de todos os profissionais envolvidos, essenciais para o êxito deste espetáculo imperdível - Amora Pêra e Paula Leal (direção musical). Alice Ripoll (direção de movimento), Antônio Medeiros (figurinos), Guga Feijó (cenografia), Renato Machado (iluminação) e Raul Taborda (projeto gráfico).
HORSES HOTEL - Texto de Alex Cassal. Direção de Cassal e Clara Kutner. Com Ana Kutner, Renato Linhares, Emanuel Aragão e Roberto Souza. Oi Futuro Flamengo. Quinta a domingo, 20h.
sexta-feira, 19 de abril de 2013
Teatro/CRÍTICA
"Uma História Oficial"
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Questionando a História
Lionel Fischer
"A trama tem início quando uma menina é vendida pela mãe - que eternamente grávida, vende seus filhos para sobreviver - para um vendedor de bíblias, que descobre na capacidade dela em provocar orgasmos titânicos, uma lucrativa fonte de renda. A jovem se apaixona pelo escravo do comerciante que, uma vez em liberdade, se dispõe, ao lado dela, a mudar a história daquele povoado".
O trecho acima, extraído do release que me foi enviado, sintetiza o enredo de "Uma História Oficial", espetáculo de estreia da Cortejo Cia. de Teatro, companhia mineiro-fluminense, criada em 2010, formada por profissionais de Três Rios e Juiz de Fora. Com texto assinado por Rodrigo Portella e Tairone Vale, a montagem chega à cena (Casa de Cultura Laura Alvim) com direção de Rodrigo Portella e elenco formado por Marcos Bavuso (Negro), Lívia Gomes (Mulher Grávida), Bruna Portella (Menina) e Tairone Vale (Vendedor de Bíblias).
Como se sabe, uma das funções de qualquer escola é a transmissão de conhecimento. Mas isto se dá, via de regra, em função dos interesses daqueles que detêm o poder. Ou seja: a História Oficial só muito raramente corresponde aos fatos reais, deturpados com singular freqüência em nome da preservação da ideologia dominante. E me parece ser este o principal tema do presente espetáculo: a dicotomia entre fatos históricos e sua posterior manipulação.
Contendo bons personagens, diálogos fluentes e uma ação que prende a atenção da plateia desde o início, "Uma História Oficial" recebeu segura e criativa versão cênica de Rodrigo Portella. Tudo transcorre durante um ensaio, digamos, bastante adiantado, pontuado por breves sugestões dos atores, mas sem que isso interrompa o fluxo da ação. E esta ganha permanente vida e colorido à medida que a cenografia é alterada em função das exigências da trama. Tal dinâmica, executada de forma precisa, é um dos grandes trunfos deste espetáculo sério e mais do que oportuno.
Com relação ao elenco, todos os intérpretes exibem presença e segurança, e conseguem valorizar de forma sensível os personagens que interpretam. A mesma eficiência se faz presente no trabalho de toda a equipe técnica - Lucas Soares (concepção de som e trilha original), Babi Crivellari (figurino e caracterização), Marco Marinho (direção de movimento), Túlio Cássio e João Luis Cesário (preparação corporal) e Leandro Rocha (orientação vocal). Cabe também destacar a partipação dos músicos (que não estão em cena): Rafael Castro (acordeon), Anderson "Fofão" Guimarães (percussão), Marco Aurélio de Oliveira (trompete) e Lucas Soares (violões e guitarra).
UMA HISTÓRIA OFICIAL - Texto de Rodrigo Portella e Tairone Vale. Direção de Rodrigo Portella. Com a Cortejo Cia. de Teatro. Casa de Cultura Laura Alvim. Terças e quartas, 20h30.
"Uma História Oficial"
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Questionando a História
Lionel Fischer
"A trama tem início quando uma menina é vendida pela mãe - que eternamente grávida, vende seus filhos para sobreviver - para um vendedor de bíblias, que descobre na capacidade dela em provocar orgasmos titânicos, uma lucrativa fonte de renda. A jovem se apaixona pelo escravo do comerciante que, uma vez em liberdade, se dispõe, ao lado dela, a mudar a história daquele povoado".
O trecho acima, extraído do release que me foi enviado, sintetiza o enredo de "Uma História Oficial", espetáculo de estreia da Cortejo Cia. de Teatro, companhia mineiro-fluminense, criada em 2010, formada por profissionais de Três Rios e Juiz de Fora. Com texto assinado por Rodrigo Portella e Tairone Vale, a montagem chega à cena (Casa de Cultura Laura Alvim) com direção de Rodrigo Portella e elenco formado por Marcos Bavuso (Negro), Lívia Gomes (Mulher Grávida), Bruna Portella (Menina) e Tairone Vale (Vendedor de Bíblias).
Como se sabe, uma das funções de qualquer escola é a transmissão de conhecimento. Mas isto se dá, via de regra, em função dos interesses daqueles que detêm o poder. Ou seja: a História Oficial só muito raramente corresponde aos fatos reais, deturpados com singular freqüência em nome da preservação da ideologia dominante. E me parece ser este o principal tema do presente espetáculo: a dicotomia entre fatos históricos e sua posterior manipulação.
Contendo bons personagens, diálogos fluentes e uma ação que prende a atenção da plateia desde o início, "Uma História Oficial" recebeu segura e criativa versão cênica de Rodrigo Portella. Tudo transcorre durante um ensaio, digamos, bastante adiantado, pontuado por breves sugestões dos atores, mas sem que isso interrompa o fluxo da ação. E esta ganha permanente vida e colorido à medida que a cenografia é alterada em função das exigências da trama. Tal dinâmica, executada de forma precisa, é um dos grandes trunfos deste espetáculo sério e mais do que oportuno.
Com relação ao elenco, todos os intérpretes exibem presença e segurança, e conseguem valorizar de forma sensível os personagens que interpretam. A mesma eficiência se faz presente no trabalho de toda a equipe técnica - Lucas Soares (concepção de som e trilha original), Babi Crivellari (figurino e caracterização), Marco Marinho (direção de movimento), Túlio Cássio e João Luis Cesário (preparação corporal) e Leandro Rocha (orientação vocal). Cabe também destacar a partipação dos músicos (que não estão em cena): Rafael Castro (acordeon), Anderson "Fofão" Guimarães (percussão), Marco Aurélio de Oliveira (trompete) e Lucas Soares (violões e guitarra).
UMA HISTÓRIA OFICIAL - Texto de Rodrigo Portella e Tairone Vale. Direção de Rodrigo Portella. Com a Cortejo Cia. de Teatro. Casa de Cultura Laura Alvim. Terças e quartas, 20h30.
quinta-feira, 18 de abril de 2013
Um roteiro para ler Dostoiévski
por Pablo Gonzales
Tive a ideia de elaborar este roteiro ao constatar o seguinte fenômeno: muitas pessoas que se lançam na obra de Dostoiévski escolhem, como primeira leitura, Crime e Castigo ou Os Irmãos Karamázov, por serem os livros mais comentados do autor, e uma grande parte destes leitores, talvez a maioria, abandona o livro, sobretudo os que começam por Os Irmãos Karamázov. Além disso, há o problema das traduções. Embora Dostoiévski já tenha encantado milhares de leitores brasileiros no século passado, somente de uns anos para cá, com as traduções feitas diretamente do russo, estamos tendo acesso a textos mais fiéis ao verdadeiro Dostoiévski. De modo geral, a linguagem de Dostoiévski não é difícil; pelo contrário, é acessível e proporciona uma leitura rápida, mas há elementos que podem causar uma falsa impressão de densidade, como, por exemplo, os nomes russos, com os seus patronímicos, as variações e as numerosas consoantes, os diálogos quilométricos (com frequência os personagens de Dostoiévski falam “como se estivessem lendo um livro”), as digressões, os devaneios, os circunlóquios e os excessos (esses excessos são importantes do ponto de vista estilístico).
É claro que começar pelos grandes romances não é nada de tão absurdo assim. Eu mesmo comecei por Crime e Castigo, no inverno de 1999, mas essa primeira experiência não foi muito boa. Por falta de orientação, adquiri um exemplar da Editora Ediouro, com tradução de Carlos Heitor Cony. Eu gosto muito do Cony, já li muitos de seus romances e já assisti a uma palestra sua, que me pareceu ótima, e sempre recomendo fortemente os seus livros, mas a sua tradução de Crime e Castigo deve ser evitada, já que é indireta (é uma tradução de uma tradução para o francês) e, o pior de tudo, o texto não é integral. Seguir a ordem cronológica também me parece desaconselhável, já que, nesse caso, começaríamos com uma série de textos menos expressivos e demoraríamos muito para chegar a Os Irmãos Karamazov.
O roteiro a seguir está dirigido a pessoas que estão iniciando a sua caminhada pela obra de Dostoiévski, mas os leitores experientes estão convidados a analisar, criticar, aprovar ou desaprovar, acrescentar informações, comentar e dar os seus próprios conselhos aos principiantes.
1. Noites Brancas (1848) – Escolhi Noites Brancas como ponto de partida para o nosso roteiro por três razões. Primeiro: trata-se de um romance breve (muitos o classificam como novela ou conto longo), que pode ser lido facilmente em um único dia. Segundo: o protagonista e narrador da história, cujo nome não é mencionado em nenhum momento, tem características que reaparecerão em personagens importantes dos grandes romances, como o príncipe Michkin (O Idiota) e Dmítri Karamazov (Os Irmãos Karamazov), servindo, dessa maneira, como uma pequena amostra do herói dostoievskiano. Terceiro: logo nas primeiras páginas do livro, enquanto faz observações angustiantes sobre a sua vida, o narrador caminha sem rumo pelas ruas de São Petersburgo. Podemos ver o Rio Nievá, a Avenida Nievski, e não existe melhor maneira de se entrar no universo de Dostoievski do que vagando por essa cidade tão recorrente em sua obra. Noites Brancas é uma história de amor. O enredo é simples e repleto de suspense. Depois de perambular durante três dias, o protagonista conhece uma jovem e imediatamente se apaixona. Ela aceita se encontrar outras vezes com a condição de que ele lhe permita contar a sua trágica história. Edição brasileira recomendada: Noites Brancas, Editora 34, tradução de Nivaldo dos Santos - 96 páginas.
2. Um Jogador (1867) – Como segundo passo, optei por este intrigante romance, que também foi traduzido como O Jogador, por proporcionar uma leitura rápida e leve e pertencer a uma etapa importante da vida e da produção literária do autor. O livro é considerado altamente autobiográfico, já que Dostoiévski tinha o vício do jogo e perdeu muito dinheiro nos cassinos europeus. Assim como em Noites Brancas, a narrativa está na primeira pessoa, mas desta vez o protagonista tem nome, Aleksiéi Ivânovitch, e é bem mais complexo. A história transcorre numa cidade fictícia da Alemanha, Roletemburgo (uma alusão à roleta dos cassinos) e os personagens têm diversas nacionalidades (russa, inglesa, alemã, francesa, polonesa...). Edição brasileira recomendada: Um Jogador, Editora 34, tradução de Boris Schnaiderman - 232 páginas.
3. Depois de ler Noites Brancas e Um Jogador, certamente já estaremos prontos para embarcar em Crime e Castigo, o primeiro grande romance do nosso roteiro, mas, apenas para ir intercalando romances com novelas, sugiro a leitura de duas pequenas pérolas da última fase do escritor. São elas: A Dócil (1876) e O Sonho de Um Homem Ridículo (1877), que foram reunidas pela Editora 34 no livro Duas Narrativas Fantásticas. Na primeira, encontramos um comerciante bem-sucedido que tenta entender o suicídio da jovem esposa. Na segunda, é o narrador quem está a ponto de acabar com a própria vida, mas ele adormece na poltrona, diante do revolver, e tem um sonho fantástico e redentor, que o conduz a um mundo perfeito, habitado por criaturas belas e bondosas (o tema da utopia é recorrente em Dostoiévski). Edição brasileira recomendada: Duas Narrativas Fantásticas, Editora 34, tradução de Vadim Nikitin - 128 páginas.
4. Crime e Castigo (1866) – Classificar um romance de Dostoiévski como policial é, sem dúvida, um erro, mas este livro tem vários elementos do gênero: um crime terrível e premeditado, a fuga, a investigação implacável, o suspense da primeira à última página. Utilizando a terceira pessoa, o autor nos coloca na mente de diversos personagens. O protagonista e executor do crime (e um dos personagens mais célebres de toda a literatura universal) é Raskólnikov, um jovem orgulhoso e perturbado. A heroína é Sônia, uma garota que, diante do alcoolismo do pai e da enfermidade da mãe, é obrigada a se prostituir para alimentar os irmãos pequenos. O detetive é o impiedoso Porfiri Pietróvitch (na verdade, trata-se de um juiz de instrução, mas é ele quem investiga o caso, promovendo interrogatórios que beiram a tortura psicológica). Raskólnikov nega o crime, mas, ao mesmo tempo, sente uma necessidade de expiar a culpa; apaixona-se pela prostituta, delira, é ajudado por um amigo que se envolve com a sua irmã; Porfiri encontra um estranho artigo que Raskólnikov escreveu na faculdade, quando era estudante de Direito, e esse artigo se transforma numa pista para desvendar o crime. De acordo com o ensaísta Otto Maria Carpeaux, conhecer Dostoiévski é como conhecer o mar. Quem estiver seguindo este roteiro e começou com Noites Brancas e Um Jogador já terá visto esse mar, mas ler Crime e Castigo é como ser arrastado por uma onda desse mar numa terrível tempestade. A experiência é avassaladora. Nenhuma pessoa continua sendo a mesma depois de fechar este livro. Edição brasileira recomendada: Crime e Castigo, Editora 34, tradução de Paulo Bezerra - 568 páginas.
5. O Eterno Marido (1870) – Embora tenha a sua dose dramática, o Eterno Marido é um dos livros mais engraçados de Dostoiévski. Por essa razão, e também por ser curto, leve e, para alguns críticos, o texto mais bem acabado do escritor, coloquei-o depois de Crime e Castigo no nosso roteiro. O tema central é a infidelidade, não a infidelidade passional, mas uma infidelidade instintiva, intrínseca, automática. Vienltchâninov tem a impressão que está sendo seguido por um homem misterioso, que parece estar por toda São Petersburgo, eles travam conhecimento, o homem se revela o marido da sua ex-amante, que acaba de falecer. Vienltchâninov tem um sonho premonitório, surgem uma menina de paternidade duvidosa, uma carta escrita há vários anos pela finada e um segundo ex-amante da mesma. Em determinado ponto do livro, o protagonista afirma que algumas mulheres parecem ter nascido para serem infiéis, mas que, para esse tipo de mulher, existe um tipo de homem correspondente: o eterno marido. A trama está cheia de surpresas e o suspense é conduzido de modo magistral até o fim. Edição brasileira recomendada: O Eterno Marido, Editora 34, tradução de Boris Schnaiderman - 216 páginas.
6. Memórias do Subsolo (1864) – Nosso roteiro continua com outro livro fundamental de Dostoiévski. Trata-se de um texto obscuro, denso e perturbador. Se ler Crime e Castigo é conhecer as furiosas ondas do mar dostoievskiano, ler Memórias do Subsolo é afogar-se, chegar às profundezas desse mar e permanecer ali por minutos que parecem atemporais, na mais completa solidão. O livro está dividido em duas partes com estruturas narrativas diferentes. A primeira, que se chama “O Subsolo”, é um monólogo. Na segunda parte, “A propósito da neve molhada”, há um pequeno enredo, o homem subterrâneo abandona a escuridão, sai com os colegas do trabalho, pelos quais ele é desprezado, e se envolve com uma prostituta, mas o principal elemento continua sendo a voz, uma voz contundente, ressentida, paradoxal e sinistra, uma voz que causaria uma “alegria sem limites” a Nietzsche e revolucionaria toda a literatura, por inaugurar o uso de atmosferas alegóricas, na ficção, para tratar de temas filosóficos e sociais. Edição brasileira recomendada: Memórias do Subsolo, Editora 34, tradução de Boris Schnaiderman - 148 páginas.
7. O Idiota (1869) – Trinta anos antes que Freud publicasse a Interpretação dos Sonhos, Dostoiévski já demonstrava ser um profundo conhecedor da psique humana, fato que pode ser constatado em toda a sua obra e, especialmente, em O Idiota, o segundo grande romance do nosso roteiro. É o livro ideal para escapar da solidão e da angústia de Memórias do Subsolo, pela abundância de personagens, todos muito peculiares, e porque o protagonista, o príncipe Míchkin, nos encherá de esperanças. Ele é um homem simples e benevolente, que sabe perdoar, mas, por viver em uma sociedade corrompida, é visto como um idiota. Utilizando diálogos longos e outros recursos, como a transcrição de cartas e artigos (alterando o foco narrativo da terceira para a primeira pessoa), o autor nos conta uma série de episódios, alguns engraçadíssimos, que funcionam como histórias dentro da história, e um desses episódios tem grande importância, por ser autobiográfico: os suplícios de um condenado à morte. Devido à quantidade de personagens, é impossível resumir o enredo. As cenas finais deste livro são inesquecíveis. Edição brasileira recomendada: O Idiota, Editora 34, tradução de Paulo Bezerra - 682 páginas.
8. Gente Pobre (1846) – Depois de se deliciar com as incríveis aventuras do príncipe Míchkin, de O Idiota, que tal conhecer o primeiro livro de Dostoiévski? É o que sugiro como oitava leitura no nosso roteiro. A obra foi publicada quando o autor tinha apenas 24 anos. Normalmente, os escritores só alcançam o reconhecimento depois de publicar vários livros, mas esse não foi o caso de Dostoiévski. Gente Pobre foi recebido com grande entusiasmo pela crítica e pelo público. Trata-se de um romance epistolar, isto é, uma narrativa toda construída através de cartas: a correspondência entre Makar Diévuchkin e Varvara Alieksiêievna. Essa forma literária não representou nada de original ou inovador, pois já tinha sido amplamente utilizada no século XVIII (o exemplo mais célebre é Ligações Perigosas, do escritor francês Choderlos de Laclos), mas, em compensação, a sua maneira de abordar temas sociais foi considerada pioneira. Edição brasileira recomendada: Gente Pobre, Editora 34, tradução de Fátima Bianchi - 192 páginas.
9. O Crocodilo (1865) – Antes de mergulharmos nas mil páginas de Os Irmãos Karamazov, recomendo O Crocodilo, uma engraçadíssima novela de apenas 63 páginas, que ficou inacabada. Na edição da Editora 34, essa novela foi reunida com Notas de Inverno Sobre Impressões de Verão (1862), cuja leitura também gostaria de inserir neste ponto do roteiro, já que se trata de uma excelente oportunidade de conhecermos o Dostoiévski ensaísta. Edição brasileira recomendada: O Crocodilo/Notas de Inverno Sobre Impressões de Verão, Editora 34, tradução de Boris Schnaiderman - 168 páginas.
10. Os Irmãos Karamásov (1879) – Assim como Dom Quixote, Hamlet, Os Miseráveis, Em Busca do Tempo Perdido e Ulisses, Os Irmãos Karamázov é um dos principais monumentos da história da literatura universal. É neste romance que encontramos as frases mais conhecidas do autor, como: “Se não existe Deus, tudo é permitido”, “Para que se possa amar um homem, é preciso que ele se esconda”, “O demônio luta com Deus e o campo da batalha são os corações humanos” e “Todos somos culpados por tudo”. O pai Karamásov é um homem beberrão, irresponsável e cruel. Com a primeira esposa, teve Dmítri; com a segunda, Ivan e Aliócha. O quarto irmão é Smierdiákov, o bastardo. A ação principal se desenrola na vida adulta dos irmãos, que são muito diferentes entre si. Dmítri é passional, Ivan é racional, Aliócha é espiritual e Smierdiákov é obscuro. Dmítri disputa os amores da sedutora Grúchenhka com o pai, que, apesar da idade, vive na farra. Ao mesmo tempo, porém, Dmítri se envolve com Catierina, uma mulher respeitável. Aliócha é seminarista e procura desenvolver a sua espiritualidade com o ancião Zózima, um sujeito bondoso, místico e profético. Ivan, um niilista, é professor, leva uma vida intelectual, tem uma queda por Catierina e não se conforma que esta prefira o seu irmão Dmítri. Uma das passagens mais célebres do livro é a alegoria do Grande Inquisidor, que Ivan lê para Aliócha, e na qual Cristo retorna à Terra. Dmítri, que é militar, precisa desesperadamente de 3 mil rublos, pois pegou tal quantia emprestada com uma das mulheres para gastá-la com a outra. A morte do ancião Zózima causa um forte impacto em Aliócha, que, a partir disso, compreende a fraqueza humana. Ivan se aproxima de Smierdiákov, o bastardo, que trabalha na casa como cozinheiro, formando um curioso contraste. Acontece o parricídio: o pai Karamásov é assassinado por um dos filhos. Qual dos quatro cometeu o crime? Com a leitura deste livro, o último que Dostoiévski escreveu e que é, sob todos os aspectos, uma síntese de sua obra, teremos conhecido o ponto culminante de sua trajetória, mas, para que possamos nos considerar profundos conhecedores de Dostoiévski, ainda precisamos ler Recordações da Casa dos Mortos e Os Demônios. Edição brasileira recomendada: Os Irmãos Karamásov, Editora 34, tradução de Paulo Bezerra - 1040 páginas.
11. Recordações da Casa dos Mortos (1862) – Há quem diga que Recordações é uma excelente introdução para a obra madura de Dostoiévski. Essa afirmação tem fundamento, já que aqui encontraremos a gênese dos romances que ele escreveria depois. No entanto, Recordações aparece em uma etapa avançada do nosso roteiro porque acredito que a leitura deste livro se torna mais saborosa na medida em que estamos mais familiarizados com o autor. Ou seja, recomendo o caminho inverso: conhecer primeiro o resultado e depois a gênese. Em outras palavras, este livro pode ser lido como uma espécie de making of dos romances maduros de Dostoiévski. Aqui conheceremos, por exemplo, o jovem Ali, cuja pureza de caráter provocou uma forte impressão no escritor e lhe serviria de modelo para personagens como o príncipe Míchkin e Aliócha Karamásov. O livro não está no catálogo da Editora 34, mas a Editora Nova Alexandria lançou uma tradução direta do russo. A obra pode ser classificada como romance, já que o narrador é um personagem fictício, mas, em última análise, trata-se de um livro de memórias. Edição brasileira recomendada: Recordação da Casa dos Mortos, Editora Nova Alexandria, tradução de Nicolau S. Peticov - 324 páginas.
12. A Senhoria (1847) – Na verdade, depois de ler três ou quatro livros de Dostoiévski, já é possível apreciar qualquer texto do autor, de modo que, nesta parte final do roteiro, a ordem de leituras não tem muita importância. Deixei Os Demônios para o final com o objetivo de fechar o roteiro com um grande romance, mas, se o critério fosse dar prioridade aos livros essenciais, Os Demônios teria de vir antes. De todas as formas, para os que já leram os livros mais conhecidos do autor e estão lamentando o fato de já não terem muitas leituras inéditas (reler é sempre uma delícia) pela frente, A Senhoria é uma grata surpresa. Trata-se de um romance da primeira fase. Breve, experimental, com elementos de realismo fantástico, o livro aborda um estranho caso de amor entre Ordínov, um sonhador com "inclinação inconsciente para os estudos", e Katierina, uma moça que vive com um velho bruxo. Edição brasileira recomendada: A Senhoria, Editora 34, tradução de Fátima Bianchi - 142 páginas.
13. A Aldeia de Stiepântchikov e Seus Habitantes (1859) – Entre os anos 1849 e 1859, Dostoiévski foi preso, condenado à morte, teve a pena comutada depois de uma simulação do fuzilamento (ele chegou a ser amarrado a um poste com os olhos vendados, achando que morreria), passou 5 anos numa prisão na Sibéria e mais 4 cumprindo serviços forçados no exército. A Aldeia de Stiepântchikov foi um dos primeiros livros que ele escreveu e publicou depois dessa década tão sofrida e conturbada. O texto não tem a mesma força que os romances da maturidade, já que Dostoiévski, a esta altura, ainda não tinha passado pelo subsolo que ele mesmo inventaria, alguns anos depois, mas vale pelo personagem Fomá Fomich, um dos melhores personagens de toda a obra do escritor. Edição brasileira recomendada: A Aldeia de Stiepântchikov e Seus Habitantes, Editora Nova Alexandria, tradução de Nicolau S. Peticov – 320 páginas.
14. Os Demônios (1872) – Aqui Dostoiévski nos surpreende utilizando a terceira pessoa, mas não um narrador onisciente, e sim um narrador-personagem, que conhece a todos e é conhecido por todos, sem jamais interferir no desencadeamento dos fatos. Um recurso muito sofisticado que ele soube explorar de modo perfeito. A história trata de duas gerações. Na primeira temos Stiepan e Varvara, dois viúvos que vivem uma relação paradoxal. Ele é o preceptor do filho dela e também tem um filho, e são justamente esses filhos, Nicolai e Piotr, que aparecem como os protagonistas da segunda geração. Os Demônios é sem dúvida o livro mais político de Dostoiévski, que utilizou um episódio real, o assassinato de um estudante, como ponto de partida para o enredo. Embora as questões políticas sejam, em certa medida, anacrônicas, este romance jamais perderá a sua relevância, já que o autor, no melhor da sua forma, faz, como sempre, uma pintura das áreas mais recônditas da psique humana. Dostoiévski é atemporal. Ele escreveu sobre todos nós. Edição brasileira recomendada: Os Demônios, Editora 34, tradução de Paulo Bezerra - 704 páginas.
OS LIVROS QUE AINDA NÃO LI, TEXTOS SEM TRADUÇÃO
E CONTOS POUCO CONHECIDOS
Uma das minhas grandes alegrias é que ainda tenho alguns Dostoiévskis para ler. Não sei em que posição esses livros entrariam em meu roteiro, talvez eu seja obrigado a refazê-lo, futuramente. Alguns, como Humilhados e Ofendidos, O Adolescente, Nietotchka Niezvanova e o conto Bóbok já estão disponíveis em nosso idioma (os dois últimos já estão em minha estante), mas há textos como O Duplo e O Sonho do Tio que, pelo que sei, nunca foram traduzidos, a não ser, talvez, na Obra Completa de Fiódor Dostoiévski, da Editora Nova Aguilar, uma coleção de quatro volumes que custa aproximadamente R$ 600,00 e não tem tradução direta do russo. Em relação a O Adolescente, gostaria de manifestar a profunda decepção que tive no ano passado. Quando soube que a Editora Companhia das Letras lançaria uma tradução desse livro, fiquei extremamente feliz. Depois, no entanto, um pouco antes que o livro chegasse às livrarias, descobri que se tratava de uma adaptação, feita por Diego Rodrigues. Isso significa que o texto não é integral. Não comprei o livro. Prefiro continuar esperando (será que a Editora 34 vai nos salvar?). Uma adaptação talvez torne o livro mais vendável, mais atrativo para o público em geral, já que o deixa menos volumoso e consequentemente mais barato, mas é um desrespeito para com os verdadeiros apreciadores de Dostoiévski no Brasil. A última observação é que há muito tempo li uma novela chamada Uma História Lamentável, numa edição de bolso da Editora Paz e Terra, mas não a incluí no roteiro porque não me lembro absolutamente nada da história e perdi esse livro. Obrigado a todos por ler! Não deixem de fazer comentários e sintam-se à vontade para estabelecer contato, cadastrando-se como seguidores do blog ou através das redes sociais.
BIBLIOGRAFIA DE DOSTOIÉVSKI
1846 - Gente Pobre
1846 - O Duplo
1847 - A Senhoria
1848 - Noites Brancas
1849 - Nietotchka Niezvanova
1859 - O Sonho do Tio
1859 - A Aldeia de Stiepântchikov e Seus Habitantes
1861 - Humilhados e Ofendidos
1862 - Recordações da Casa dos Mortos
1862 - Uma História Lamentável
1863 - Notas de Inverno Sobre Impressões de Verão
1864 - Memórias do Subsolo
1865 - O Crocodilo
1866 - Crime e Castigo
1867 - O Jogador
1869 - O Idiota
1870 - O Eterno Marido
1872 - Os Demônios
1873 - Diário de Um Escritor
1873 - Bóbok
1875 - O Adolescente
1876 - O Mujique Marei
1876 - A Dócil
1877 - Sonho de um Homem Ridículo
1879 - Os Irmãos Karamasov
____________________________
por Pablo Gonzales
Tive a ideia de elaborar este roteiro ao constatar o seguinte fenômeno: muitas pessoas que se lançam na obra de Dostoiévski escolhem, como primeira leitura, Crime e Castigo ou Os Irmãos Karamázov, por serem os livros mais comentados do autor, e uma grande parte destes leitores, talvez a maioria, abandona o livro, sobretudo os que começam por Os Irmãos Karamázov. Além disso, há o problema das traduções. Embora Dostoiévski já tenha encantado milhares de leitores brasileiros no século passado, somente de uns anos para cá, com as traduções feitas diretamente do russo, estamos tendo acesso a textos mais fiéis ao verdadeiro Dostoiévski. De modo geral, a linguagem de Dostoiévski não é difícil; pelo contrário, é acessível e proporciona uma leitura rápida, mas há elementos que podem causar uma falsa impressão de densidade, como, por exemplo, os nomes russos, com os seus patronímicos, as variações e as numerosas consoantes, os diálogos quilométricos (com frequência os personagens de Dostoiévski falam “como se estivessem lendo um livro”), as digressões, os devaneios, os circunlóquios e os excessos (esses excessos são importantes do ponto de vista estilístico).
É claro que começar pelos grandes romances não é nada de tão absurdo assim. Eu mesmo comecei por Crime e Castigo, no inverno de 1999, mas essa primeira experiência não foi muito boa. Por falta de orientação, adquiri um exemplar da Editora Ediouro, com tradução de Carlos Heitor Cony. Eu gosto muito do Cony, já li muitos de seus romances e já assisti a uma palestra sua, que me pareceu ótima, e sempre recomendo fortemente os seus livros, mas a sua tradução de Crime e Castigo deve ser evitada, já que é indireta (é uma tradução de uma tradução para o francês) e, o pior de tudo, o texto não é integral. Seguir a ordem cronológica também me parece desaconselhável, já que, nesse caso, começaríamos com uma série de textos menos expressivos e demoraríamos muito para chegar a Os Irmãos Karamazov.
O roteiro a seguir está dirigido a pessoas que estão iniciando a sua caminhada pela obra de Dostoiévski, mas os leitores experientes estão convidados a analisar, criticar, aprovar ou desaprovar, acrescentar informações, comentar e dar os seus próprios conselhos aos principiantes.
1. Noites Brancas (1848) – Escolhi Noites Brancas como ponto de partida para o nosso roteiro por três razões. Primeiro: trata-se de um romance breve (muitos o classificam como novela ou conto longo), que pode ser lido facilmente em um único dia. Segundo: o protagonista e narrador da história, cujo nome não é mencionado em nenhum momento, tem características que reaparecerão em personagens importantes dos grandes romances, como o príncipe Michkin (O Idiota) e Dmítri Karamazov (Os Irmãos Karamazov), servindo, dessa maneira, como uma pequena amostra do herói dostoievskiano. Terceiro: logo nas primeiras páginas do livro, enquanto faz observações angustiantes sobre a sua vida, o narrador caminha sem rumo pelas ruas de São Petersburgo. Podemos ver o Rio Nievá, a Avenida Nievski, e não existe melhor maneira de se entrar no universo de Dostoievski do que vagando por essa cidade tão recorrente em sua obra. Noites Brancas é uma história de amor. O enredo é simples e repleto de suspense. Depois de perambular durante três dias, o protagonista conhece uma jovem e imediatamente se apaixona. Ela aceita se encontrar outras vezes com a condição de que ele lhe permita contar a sua trágica história. Edição brasileira recomendada: Noites Brancas, Editora 34, tradução de Nivaldo dos Santos - 96 páginas.
2. Um Jogador (1867) – Como segundo passo, optei por este intrigante romance, que também foi traduzido como O Jogador, por proporcionar uma leitura rápida e leve e pertencer a uma etapa importante da vida e da produção literária do autor. O livro é considerado altamente autobiográfico, já que Dostoiévski tinha o vício do jogo e perdeu muito dinheiro nos cassinos europeus. Assim como em Noites Brancas, a narrativa está na primeira pessoa, mas desta vez o protagonista tem nome, Aleksiéi Ivânovitch, e é bem mais complexo. A história transcorre numa cidade fictícia da Alemanha, Roletemburgo (uma alusão à roleta dos cassinos) e os personagens têm diversas nacionalidades (russa, inglesa, alemã, francesa, polonesa...). Edição brasileira recomendada: Um Jogador, Editora 34, tradução de Boris Schnaiderman - 232 páginas.
3. Depois de ler Noites Brancas e Um Jogador, certamente já estaremos prontos para embarcar em Crime e Castigo, o primeiro grande romance do nosso roteiro, mas, apenas para ir intercalando romances com novelas, sugiro a leitura de duas pequenas pérolas da última fase do escritor. São elas: A Dócil (1876) e O Sonho de Um Homem Ridículo (1877), que foram reunidas pela Editora 34 no livro Duas Narrativas Fantásticas. Na primeira, encontramos um comerciante bem-sucedido que tenta entender o suicídio da jovem esposa. Na segunda, é o narrador quem está a ponto de acabar com a própria vida, mas ele adormece na poltrona, diante do revolver, e tem um sonho fantástico e redentor, que o conduz a um mundo perfeito, habitado por criaturas belas e bondosas (o tema da utopia é recorrente em Dostoiévski). Edição brasileira recomendada: Duas Narrativas Fantásticas, Editora 34, tradução de Vadim Nikitin - 128 páginas.
4. Crime e Castigo (1866) – Classificar um romance de Dostoiévski como policial é, sem dúvida, um erro, mas este livro tem vários elementos do gênero: um crime terrível e premeditado, a fuga, a investigação implacável, o suspense da primeira à última página. Utilizando a terceira pessoa, o autor nos coloca na mente de diversos personagens. O protagonista e executor do crime (e um dos personagens mais célebres de toda a literatura universal) é Raskólnikov, um jovem orgulhoso e perturbado. A heroína é Sônia, uma garota que, diante do alcoolismo do pai e da enfermidade da mãe, é obrigada a se prostituir para alimentar os irmãos pequenos. O detetive é o impiedoso Porfiri Pietróvitch (na verdade, trata-se de um juiz de instrução, mas é ele quem investiga o caso, promovendo interrogatórios que beiram a tortura psicológica). Raskólnikov nega o crime, mas, ao mesmo tempo, sente uma necessidade de expiar a culpa; apaixona-se pela prostituta, delira, é ajudado por um amigo que se envolve com a sua irmã; Porfiri encontra um estranho artigo que Raskólnikov escreveu na faculdade, quando era estudante de Direito, e esse artigo se transforma numa pista para desvendar o crime. De acordo com o ensaísta Otto Maria Carpeaux, conhecer Dostoiévski é como conhecer o mar. Quem estiver seguindo este roteiro e começou com Noites Brancas e Um Jogador já terá visto esse mar, mas ler Crime e Castigo é como ser arrastado por uma onda desse mar numa terrível tempestade. A experiência é avassaladora. Nenhuma pessoa continua sendo a mesma depois de fechar este livro. Edição brasileira recomendada: Crime e Castigo, Editora 34, tradução de Paulo Bezerra - 568 páginas.
5. O Eterno Marido (1870) – Embora tenha a sua dose dramática, o Eterno Marido é um dos livros mais engraçados de Dostoiévski. Por essa razão, e também por ser curto, leve e, para alguns críticos, o texto mais bem acabado do escritor, coloquei-o depois de Crime e Castigo no nosso roteiro. O tema central é a infidelidade, não a infidelidade passional, mas uma infidelidade instintiva, intrínseca, automática. Vienltchâninov tem a impressão que está sendo seguido por um homem misterioso, que parece estar por toda São Petersburgo, eles travam conhecimento, o homem se revela o marido da sua ex-amante, que acaba de falecer. Vienltchâninov tem um sonho premonitório, surgem uma menina de paternidade duvidosa, uma carta escrita há vários anos pela finada e um segundo ex-amante da mesma. Em determinado ponto do livro, o protagonista afirma que algumas mulheres parecem ter nascido para serem infiéis, mas que, para esse tipo de mulher, existe um tipo de homem correspondente: o eterno marido. A trama está cheia de surpresas e o suspense é conduzido de modo magistral até o fim. Edição brasileira recomendada: O Eterno Marido, Editora 34, tradução de Boris Schnaiderman - 216 páginas.
6. Memórias do Subsolo (1864) – Nosso roteiro continua com outro livro fundamental de Dostoiévski. Trata-se de um texto obscuro, denso e perturbador. Se ler Crime e Castigo é conhecer as furiosas ondas do mar dostoievskiano, ler Memórias do Subsolo é afogar-se, chegar às profundezas desse mar e permanecer ali por minutos que parecem atemporais, na mais completa solidão. O livro está dividido em duas partes com estruturas narrativas diferentes. A primeira, que se chama “O Subsolo”, é um monólogo. Na segunda parte, “A propósito da neve molhada”, há um pequeno enredo, o homem subterrâneo abandona a escuridão, sai com os colegas do trabalho, pelos quais ele é desprezado, e se envolve com uma prostituta, mas o principal elemento continua sendo a voz, uma voz contundente, ressentida, paradoxal e sinistra, uma voz que causaria uma “alegria sem limites” a Nietzsche e revolucionaria toda a literatura, por inaugurar o uso de atmosferas alegóricas, na ficção, para tratar de temas filosóficos e sociais. Edição brasileira recomendada: Memórias do Subsolo, Editora 34, tradução de Boris Schnaiderman - 148 páginas.
7. O Idiota (1869) – Trinta anos antes que Freud publicasse a Interpretação dos Sonhos, Dostoiévski já demonstrava ser um profundo conhecedor da psique humana, fato que pode ser constatado em toda a sua obra e, especialmente, em O Idiota, o segundo grande romance do nosso roteiro. É o livro ideal para escapar da solidão e da angústia de Memórias do Subsolo, pela abundância de personagens, todos muito peculiares, e porque o protagonista, o príncipe Míchkin, nos encherá de esperanças. Ele é um homem simples e benevolente, que sabe perdoar, mas, por viver em uma sociedade corrompida, é visto como um idiota. Utilizando diálogos longos e outros recursos, como a transcrição de cartas e artigos (alterando o foco narrativo da terceira para a primeira pessoa), o autor nos conta uma série de episódios, alguns engraçadíssimos, que funcionam como histórias dentro da história, e um desses episódios tem grande importância, por ser autobiográfico: os suplícios de um condenado à morte. Devido à quantidade de personagens, é impossível resumir o enredo. As cenas finais deste livro são inesquecíveis. Edição brasileira recomendada: O Idiota, Editora 34, tradução de Paulo Bezerra - 682 páginas.
8. Gente Pobre (1846) – Depois de se deliciar com as incríveis aventuras do príncipe Míchkin, de O Idiota, que tal conhecer o primeiro livro de Dostoiévski? É o que sugiro como oitava leitura no nosso roteiro. A obra foi publicada quando o autor tinha apenas 24 anos. Normalmente, os escritores só alcançam o reconhecimento depois de publicar vários livros, mas esse não foi o caso de Dostoiévski. Gente Pobre foi recebido com grande entusiasmo pela crítica e pelo público. Trata-se de um romance epistolar, isto é, uma narrativa toda construída através de cartas: a correspondência entre Makar Diévuchkin e Varvara Alieksiêievna. Essa forma literária não representou nada de original ou inovador, pois já tinha sido amplamente utilizada no século XVIII (o exemplo mais célebre é Ligações Perigosas, do escritor francês Choderlos de Laclos), mas, em compensação, a sua maneira de abordar temas sociais foi considerada pioneira. Edição brasileira recomendada: Gente Pobre, Editora 34, tradução de Fátima Bianchi - 192 páginas.
9. O Crocodilo (1865) – Antes de mergulharmos nas mil páginas de Os Irmãos Karamazov, recomendo O Crocodilo, uma engraçadíssima novela de apenas 63 páginas, que ficou inacabada. Na edição da Editora 34, essa novela foi reunida com Notas de Inverno Sobre Impressões de Verão (1862), cuja leitura também gostaria de inserir neste ponto do roteiro, já que se trata de uma excelente oportunidade de conhecermos o Dostoiévski ensaísta. Edição brasileira recomendada: O Crocodilo/Notas de Inverno Sobre Impressões de Verão, Editora 34, tradução de Boris Schnaiderman - 168 páginas.
10. Os Irmãos Karamásov (1879) – Assim como Dom Quixote, Hamlet, Os Miseráveis, Em Busca do Tempo Perdido e Ulisses, Os Irmãos Karamázov é um dos principais monumentos da história da literatura universal. É neste romance que encontramos as frases mais conhecidas do autor, como: “Se não existe Deus, tudo é permitido”, “Para que se possa amar um homem, é preciso que ele se esconda”, “O demônio luta com Deus e o campo da batalha são os corações humanos” e “Todos somos culpados por tudo”. O pai Karamásov é um homem beberrão, irresponsável e cruel. Com a primeira esposa, teve Dmítri; com a segunda, Ivan e Aliócha. O quarto irmão é Smierdiákov, o bastardo. A ação principal se desenrola na vida adulta dos irmãos, que são muito diferentes entre si. Dmítri é passional, Ivan é racional, Aliócha é espiritual e Smierdiákov é obscuro. Dmítri disputa os amores da sedutora Grúchenhka com o pai, que, apesar da idade, vive na farra. Ao mesmo tempo, porém, Dmítri se envolve com Catierina, uma mulher respeitável. Aliócha é seminarista e procura desenvolver a sua espiritualidade com o ancião Zózima, um sujeito bondoso, místico e profético. Ivan, um niilista, é professor, leva uma vida intelectual, tem uma queda por Catierina e não se conforma que esta prefira o seu irmão Dmítri. Uma das passagens mais célebres do livro é a alegoria do Grande Inquisidor, que Ivan lê para Aliócha, e na qual Cristo retorna à Terra. Dmítri, que é militar, precisa desesperadamente de 3 mil rublos, pois pegou tal quantia emprestada com uma das mulheres para gastá-la com a outra. A morte do ancião Zózima causa um forte impacto em Aliócha, que, a partir disso, compreende a fraqueza humana. Ivan se aproxima de Smierdiákov, o bastardo, que trabalha na casa como cozinheiro, formando um curioso contraste. Acontece o parricídio: o pai Karamásov é assassinado por um dos filhos. Qual dos quatro cometeu o crime? Com a leitura deste livro, o último que Dostoiévski escreveu e que é, sob todos os aspectos, uma síntese de sua obra, teremos conhecido o ponto culminante de sua trajetória, mas, para que possamos nos considerar profundos conhecedores de Dostoiévski, ainda precisamos ler Recordações da Casa dos Mortos e Os Demônios. Edição brasileira recomendada: Os Irmãos Karamásov, Editora 34, tradução de Paulo Bezerra - 1040 páginas.
11. Recordações da Casa dos Mortos (1862) – Há quem diga que Recordações é uma excelente introdução para a obra madura de Dostoiévski. Essa afirmação tem fundamento, já que aqui encontraremos a gênese dos romances que ele escreveria depois. No entanto, Recordações aparece em uma etapa avançada do nosso roteiro porque acredito que a leitura deste livro se torna mais saborosa na medida em que estamos mais familiarizados com o autor. Ou seja, recomendo o caminho inverso: conhecer primeiro o resultado e depois a gênese. Em outras palavras, este livro pode ser lido como uma espécie de making of dos romances maduros de Dostoiévski. Aqui conheceremos, por exemplo, o jovem Ali, cuja pureza de caráter provocou uma forte impressão no escritor e lhe serviria de modelo para personagens como o príncipe Míchkin e Aliócha Karamásov. O livro não está no catálogo da Editora 34, mas a Editora Nova Alexandria lançou uma tradução direta do russo. A obra pode ser classificada como romance, já que o narrador é um personagem fictício, mas, em última análise, trata-se de um livro de memórias. Edição brasileira recomendada: Recordação da Casa dos Mortos, Editora Nova Alexandria, tradução de Nicolau S. Peticov - 324 páginas.
12. A Senhoria (1847) – Na verdade, depois de ler três ou quatro livros de Dostoiévski, já é possível apreciar qualquer texto do autor, de modo que, nesta parte final do roteiro, a ordem de leituras não tem muita importância. Deixei Os Demônios para o final com o objetivo de fechar o roteiro com um grande romance, mas, se o critério fosse dar prioridade aos livros essenciais, Os Demônios teria de vir antes. De todas as formas, para os que já leram os livros mais conhecidos do autor e estão lamentando o fato de já não terem muitas leituras inéditas (reler é sempre uma delícia) pela frente, A Senhoria é uma grata surpresa. Trata-se de um romance da primeira fase. Breve, experimental, com elementos de realismo fantástico, o livro aborda um estranho caso de amor entre Ordínov, um sonhador com "inclinação inconsciente para os estudos", e Katierina, uma moça que vive com um velho bruxo. Edição brasileira recomendada: A Senhoria, Editora 34, tradução de Fátima Bianchi - 142 páginas.
13. A Aldeia de Stiepântchikov e Seus Habitantes (1859) – Entre os anos 1849 e 1859, Dostoiévski foi preso, condenado à morte, teve a pena comutada depois de uma simulação do fuzilamento (ele chegou a ser amarrado a um poste com os olhos vendados, achando que morreria), passou 5 anos numa prisão na Sibéria e mais 4 cumprindo serviços forçados no exército. A Aldeia de Stiepântchikov foi um dos primeiros livros que ele escreveu e publicou depois dessa década tão sofrida e conturbada. O texto não tem a mesma força que os romances da maturidade, já que Dostoiévski, a esta altura, ainda não tinha passado pelo subsolo que ele mesmo inventaria, alguns anos depois, mas vale pelo personagem Fomá Fomich, um dos melhores personagens de toda a obra do escritor. Edição brasileira recomendada: A Aldeia de Stiepântchikov e Seus Habitantes, Editora Nova Alexandria, tradução de Nicolau S. Peticov – 320 páginas.
14. Os Demônios (1872) – Aqui Dostoiévski nos surpreende utilizando a terceira pessoa, mas não um narrador onisciente, e sim um narrador-personagem, que conhece a todos e é conhecido por todos, sem jamais interferir no desencadeamento dos fatos. Um recurso muito sofisticado que ele soube explorar de modo perfeito. A história trata de duas gerações. Na primeira temos Stiepan e Varvara, dois viúvos que vivem uma relação paradoxal. Ele é o preceptor do filho dela e também tem um filho, e são justamente esses filhos, Nicolai e Piotr, que aparecem como os protagonistas da segunda geração. Os Demônios é sem dúvida o livro mais político de Dostoiévski, que utilizou um episódio real, o assassinato de um estudante, como ponto de partida para o enredo. Embora as questões políticas sejam, em certa medida, anacrônicas, este romance jamais perderá a sua relevância, já que o autor, no melhor da sua forma, faz, como sempre, uma pintura das áreas mais recônditas da psique humana. Dostoiévski é atemporal. Ele escreveu sobre todos nós. Edição brasileira recomendada: Os Demônios, Editora 34, tradução de Paulo Bezerra - 704 páginas.
OS LIVROS QUE AINDA NÃO LI, TEXTOS SEM TRADUÇÃO
E CONTOS POUCO CONHECIDOS
Uma das minhas grandes alegrias é que ainda tenho alguns Dostoiévskis para ler. Não sei em que posição esses livros entrariam em meu roteiro, talvez eu seja obrigado a refazê-lo, futuramente. Alguns, como Humilhados e Ofendidos, O Adolescente, Nietotchka Niezvanova e o conto Bóbok já estão disponíveis em nosso idioma (os dois últimos já estão em minha estante), mas há textos como O Duplo e O Sonho do Tio que, pelo que sei, nunca foram traduzidos, a não ser, talvez, na Obra Completa de Fiódor Dostoiévski, da Editora Nova Aguilar, uma coleção de quatro volumes que custa aproximadamente R$ 600,00 e não tem tradução direta do russo. Em relação a O Adolescente, gostaria de manifestar a profunda decepção que tive no ano passado. Quando soube que a Editora Companhia das Letras lançaria uma tradução desse livro, fiquei extremamente feliz. Depois, no entanto, um pouco antes que o livro chegasse às livrarias, descobri que se tratava de uma adaptação, feita por Diego Rodrigues. Isso significa que o texto não é integral. Não comprei o livro. Prefiro continuar esperando (será que a Editora 34 vai nos salvar?). Uma adaptação talvez torne o livro mais vendável, mais atrativo para o público em geral, já que o deixa menos volumoso e consequentemente mais barato, mas é um desrespeito para com os verdadeiros apreciadores de Dostoiévski no Brasil. A última observação é que há muito tempo li uma novela chamada Uma História Lamentável, numa edição de bolso da Editora Paz e Terra, mas não a incluí no roteiro porque não me lembro absolutamente nada da história e perdi esse livro. Obrigado a todos por ler! Não deixem de fazer comentários e sintam-se à vontade para estabelecer contato, cadastrando-se como seguidores do blog ou através das redes sociais.
BIBLIOGRAFIA DE DOSTOIÉVSKI
1846 - Gente Pobre
1846 - O Duplo
1847 - A Senhoria
1848 - Noites Brancas
1849 - Nietotchka Niezvanova
1859 - O Sonho do Tio
1859 - A Aldeia de Stiepântchikov e Seus Habitantes
1861 - Humilhados e Ofendidos
1862 - Recordações da Casa dos Mortos
1862 - Uma História Lamentável
1863 - Notas de Inverno Sobre Impressões de Verão
1864 - Memórias do Subsolo
1865 - O Crocodilo
1866 - Crime e Castigo
1867 - O Jogador
1869 - O Idiota
1870 - O Eterno Marido
1872 - Os Demônios
1873 - Diário de Um Escritor
1873 - Bóbok
1875 - O Adolescente
1876 - O Mujique Marei
1876 - A Dócil
1877 - Sonho de um Homem Ridículo
1879 - Os Irmãos Karamasov
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Madame Bovary
por Ana Carolina Marques
Primeira obra de Gustave Flaubert (1821-80), Madame Bovary é publicada na França em 12 de abril de 1857. Na verdade, a história já havia sido publicada em série na revista literária La Revue de Paris durante dois meses e meio do ano anterior, mas a obra foi criticada por ofender a moral pública. O julgamento a fez mais conhecida e, depois que Flaubert foi absolvido, tornou-se bestseller a partir do volume único lançado.
A acusação é compreensível: justamente por estar inserido na corrente literária do realismo, Flaubert escancara a realidade do século XIX e desafia as convenções sociais, além de ironizar os romances sentimentais e folhetins, que considerava obsoletos. Emma Bovary, a protagonista, se vê encarcerada em um casamento infeliz com Charles, um médico de personalidade fraca, e em uma vida vazia e insípida do interior francês. A obscenidade vem quando Emma passa a manter casos amorosos com homens de “gostos mais refinados” e que alcançassem suas expectativas românticas.
O traço que fez da obra uma das mais clássicas da literatura não é a história, bem simples, mas os detalhes, uma vez que Flaubert era perfeccionista e sempre procurava “a palavra precisa” (“le mot juste”). Não é à toa que levou cinco anos para terminar o livro: uma vez escreveu que “Uma boa frase em prosa deve ser como um bom verso na poesia, imutável”.
E as críticas são implícitas. O amor é desiludido; a própria Emma, no começo, é uma jovem educada em conventos que sonha com o luxo dos romances que lia, mas que repetidamente considera sua vida enfadonha. Deixa de se relacionar com o charmoso Léon por medo e vergonha e se vangloria dessa ética. Mas com Rodolphe é diferente e a fantasia romântica floresce - até ser destruída com uma carta apologética entregue em uma cesta de pêssegos. E se envolve em mais um caso, até ser consumida por suas próprias inconsequências financeiras. Arsênico dá o tom melancólico para o fim da história e mesmo Charles não dá aquela reviravolta de finais felizes típicos.
“Leitores não podem gostar de Emma, mas ainda assim acompanham-na com a atenção que dariam para acidentes de carro. Como pode uma mulher cobiçosa e medíocre, incapaz de amar e (como não sente conexão por ninguém) terminantemente entediada com sua vida, nos fascinar enquanto sucumbe a um impulso venenoso atrás de outro?”, escreve Kathryn Harrison em resenha para New York Times.
A comparação com outra heroína trágica e adúltera da literatura, Anna Karenina, de Léon Tolstói, também é feita por Kathryn. Diferente de Anna, porém, “Emma nos força a confrontar a capacidade humana para nosso existencial, e assim insaciável, vazio. Fatalmente absorvida em si própria, insensível ao sofrimento dos outros, Emma não consegue ver além dos estereótipos românticos aos quais serve, eternamente desejando o que ela espera ser felicidade”.
Em um tempo de mulheres submissas, Flaubert mostra que o prazer sexual – por vezes obstinado, por vezes irresponsável - não é restrito a homens. Desmoraliza a burguesia e expõe sua banalidade. O próprio autor, ainda criança, declarou-se “enojado com a vida” e cheio de desprezo pelo mundo burguês. Não lamentou quando uma doença nervosa o fez desistir da faculdade de Direito em Paris e o forçou a viver com a mãe viúva perto de onde havia nascido, na vila de Rouen. A partir de então, vive de rendas e da escrita.
Madame Bovary foi praticamente a única obra do autor a alcançar o sucesso. Seu romance exótico Salambô (1862) foi criticado pelo excesso de detalhes arqueológicos, A educação sentimental (1869), não foi bem recebido pela crítica, e a peça política O candidato (1874) fracassou completamente. Somente quando já estava fraco de saúde e de bolso é que outro texto, Três contos (1877), chegou a ficar famoso. Sua reputação cresceu postumamente, reforçadas pela publicação do cômico e inacabado Bouvard e Pécuchet (1881) e pelos muitos volumes notáveis de sua correspondência.
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por Ana Carolina Marques
Primeira obra de Gustave Flaubert (1821-80), Madame Bovary é publicada na França em 12 de abril de 1857. Na verdade, a história já havia sido publicada em série na revista literária La Revue de Paris durante dois meses e meio do ano anterior, mas a obra foi criticada por ofender a moral pública. O julgamento a fez mais conhecida e, depois que Flaubert foi absolvido, tornou-se bestseller a partir do volume único lançado.
A acusação é compreensível: justamente por estar inserido na corrente literária do realismo, Flaubert escancara a realidade do século XIX e desafia as convenções sociais, além de ironizar os romances sentimentais e folhetins, que considerava obsoletos. Emma Bovary, a protagonista, se vê encarcerada em um casamento infeliz com Charles, um médico de personalidade fraca, e em uma vida vazia e insípida do interior francês. A obscenidade vem quando Emma passa a manter casos amorosos com homens de “gostos mais refinados” e que alcançassem suas expectativas românticas.
O traço que fez da obra uma das mais clássicas da literatura não é a história, bem simples, mas os detalhes, uma vez que Flaubert era perfeccionista e sempre procurava “a palavra precisa” (“le mot juste”). Não é à toa que levou cinco anos para terminar o livro: uma vez escreveu que “Uma boa frase em prosa deve ser como um bom verso na poesia, imutável”.
E as críticas são implícitas. O amor é desiludido; a própria Emma, no começo, é uma jovem educada em conventos que sonha com o luxo dos romances que lia, mas que repetidamente considera sua vida enfadonha. Deixa de se relacionar com o charmoso Léon por medo e vergonha e se vangloria dessa ética. Mas com Rodolphe é diferente e a fantasia romântica floresce - até ser destruída com uma carta apologética entregue em uma cesta de pêssegos. E se envolve em mais um caso, até ser consumida por suas próprias inconsequências financeiras. Arsênico dá o tom melancólico para o fim da história e mesmo Charles não dá aquela reviravolta de finais felizes típicos.
“Leitores não podem gostar de Emma, mas ainda assim acompanham-na com a atenção que dariam para acidentes de carro. Como pode uma mulher cobiçosa e medíocre, incapaz de amar e (como não sente conexão por ninguém) terminantemente entediada com sua vida, nos fascinar enquanto sucumbe a um impulso venenoso atrás de outro?”, escreve Kathryn Harrison em resenha para New York Times.
A comparação com outra heroína trágica e adúltera da literatura, Anna Karenina, de Léon Tolstói, também é feita por Kathryn. Diferente de Anna, porém, “Emma nos força a confrontar a capacidade humana para nosso existencial, e assim insaciável, vazio. Fatalmente absorvida em si própria, insensível ao sofrimento dos outros, Emma não consegue ver além dos estereótipos românticos aos quais serve, eternamente desejando o que ela espera ser felicidade”.
Em um tempo de mulheres submissas, Flaubert mostra que o prazer sexual – por vezes obstinado, por vezes irresponsável - não é restrito a homens. Desmoraliza a burguesia e expõe sua banalidade. O próprio autor, ainda criança, declarou-se “enojado com a vida” e cheio de desprezo pelo mundo burguês. Não lamentou quando uma doença nervosa o fez desistir da faculdade de Direito em Paris e o forçou a viver com a mãe viúva perto de onde havia nascido, na vila de Rouen. A partir de então, vive de rendas e da escrita.
Madame Bovary foi praticamente a única obra do autor a alcançar o sucesso. Seu romance exótico Salambô (1862) foi criticado pelo excesso de detalhes arqueológicos, A educação sentimental (1869), não foi bem recebido pela crítica, e a peça política O candidato (1874) fracassou completamente. Somente quando já estava fraco de saúde e de bolso é que outro texto, Três contos (1877), chegou a ficar famoso. Sua reputação cresceu postumamente, reforçadas pela publicação do cômico e inacabado Bouvard e Pécuchet (1881) e pelos muitos volumes notáveis de sua correspondência.
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