Teatro/CRÍTICA
"Depois da Terceira Onda"
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Oportuna reflexão sobre o Brasil atual
Lionel Fischer
Na primavera de 1967, em Palo Alto, Califórnia (EUA), o professor Ron Jones propôs à sua turma de ensino médio uma curiosa experiência. Durante uma semana, ao invés de apenas discutirem o tema Autocracia, professor e alunos tentariam recriar o ambiente nazi-fascista da Alemanha pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Inicialmente, os alunos foram induzidos a chamar Jones de Senhor Jones; mais adiante, aceitaram que as cadeiras fossem dispostas arbitrariamente; em seguida, não criaram objeção para o uso de uniformes e assim por diante. E pouco a pouco, para a surpresa de Jones, o rendimento escolar melhorou e todos (exceção feita a um único aluno) se mostraram perfeitamente adaptados a um regime em que alguém ditava ordens e todos obedeciam, com o coletivo se sobrepondo totalmente ao indivíduo.
Eis, em resumo, o contexto em que se dá "Depois da Terceira Onda", mais recente espetáculo da Abrupta Cia. de Teatro, em cartaz no Centro Cultural Justiça Federal. Inspirado no documentário "Lesson Plan - A História da Terceira Onda", no filme alemão "A Onda" e em depoimentos do professor Ron Jones, o espetáculo tem dramaturgia e direção assinadas por Jarbas Albuquerque, estando o elenco formado por Adriana Perin, Daniel Bouzas, Henrique Guimarães, Ignácio Aldunate, Lu Lopes, Maíra Kestenberg e Samuel Vieira.
Tratados já foram escritos pelos mais renomados estudiosos do comportamento humano sobre as razões que teriam levado o povo alemão a aderir fervorosamente à ideologia nazista. Dentre as mais recorrentes alegações estão a perda da Primeira Guerra Mundial, a suposta humilhação imposta pelos vencedores e a terrível recessão que tomou conta do país.
Tudo isso pode ser verdade, mas não creio que explique totalmente o fato de uma das nações mais cultas do mundo ter se transformado em uma celeiro de fanáticos, dispostos a apoiar incondicionalmente um regime que preconizava a supremacia da raça ariana sobre todas as demais e que, em função desta supremacia, poderia dar-se ao luxo de simplesmente exterminar quem bem entendesse, em especial as minorias - judeus, ciganos e homossexuais, dentre outras.
Assim sendo, o que de fato teria levado o povo alemão a uma tal barbárie? Obviamente que não sei a resposta, mas me atrevo a supor que uma das razões possa ser a mesma - guardadas as devidas proporções - que transformou os alunos em seres robotizados e totalmente dispostos a seguir as orientações de um líder: a necessidade de ordem. E por ordem entenda-se um contexto que, mesmo tornando obrigatória a anulação das individualidades, em contrapartida facultaria a segurança no grupo e a identificação coletiva, o que teoricamente eliminaria as angústias pessoais e qualquer possibilidade de solidão - trata-se, naturalmente, apenas de uma hipótese e, como tal, sujeita a todos os enganos. Mas voltemos à peça.
Qual seria a validade de se encenar hoje, no Brasil, um texto como "Depois da Terceira Onda"?. Estaríamos na iminência de viver novamente o horror de uma ditadura militar? Creio que não. No entanto, as condições são muito favoráveis para o surgimento de alguém que, honestamente ou movido por impulsos espúrios, apregoe a necessidade imperiosa de se dar início a algumas mudanças que todos desejamos, tais como o fim da corrupção, das balas perdidas, dos estupros, de um sistema educacional e de saúde totalmente deficientes e assim por diante.
Pois bem: e se essa pessoa surgir e nos convencer de que precisamos agir, independentemente das leis que nos regem? Hesitaremos ou partiremos para ações efetivas, certamente que amparados por pessoas que também já estão fartas e pensam como aquele que passou a nos liderar? O caos se instalaria? As instituições sofreriam profundo abalo? E aqueles que não concordassem, seriam respeitados? Ou simplesmente eliminados, posto que haveriam de constituir um entrave para a consumação de uma nova realidade?. E de que lado ficaríamos?
Em meu entendimento, o maior mérito do presente texto é o de nos alertar no tocante à possibilidade de aparecer em nosso país alguém que, não pedagogicamente, como o citado professor, mas a sério, nos convença de que precisamos nos reeducar, e que essa reeducação pressupõe a anulação de nossas individualidades e nossa total adesão a um sistema que, ainda que prescindindo de nosso pensamento próprio, em contrapartida haverá de nos proporcionar uma segurança em tudo semelhante à dos grandes cardumes e das grandes manadas.
Com relação ao espetáculo, Jarbas Albuquerque impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Valendo-se de marcas diversificadas e não raro muito expressivas, e de um ritmo sempre em consonância com as emoções em causa, o diretor exibe o mérito suplementar de haver extraído seguras e sensíveis atuações de todo o elenco, que sugere total compreensão de todos os conteúdos implícitos.
A mesma eficiência se faz presente nas colaborações de toda a equipe técnica - Paula Barbosa (direção de movimento), Gregório Rosenbusch e Mariana Meneguetti (cenografia), Henrique Guimarães (figurinos), Federico Puppi (trilha sonora original) e Elisa Tandeta (iluminação). Com relação à iluminação, na noite em que assisti o espetáculo ocorreram alguns problemas técnicos, logo solucionados. E ainda que não tenham sido totalmente solucionados, para mim ficou evidente a qualidade da luz. E, não custa nada lembrar, o grande encanto do teatro e o grande desafio do mesmo é que tudo sempre pode dar errado. Mas o fundamental, como de fato aconteceu, é assumir o erro e tentar remediá-lo, às claras e sem nenhum disfarce. Parabéns, portanto, ao grupo por sua honestidade.
DEPOIS DA TERCEIRA ONDA - Dramaturgia e direção de Jarbas Albuquerque. Com a Abrupta Cia. de Teatro. Centro Cultural Justiça Federal. Quartas e quintas, 19h.
sexta-feira, 28 de outubro de 2016
sábado, 15 de outubro de 2016
(UNIRIO/PROEXC – ESCOLA DE TEATRO) &
SOCIEDADE PSICANALÍTICA DO RIO DE JANEIRO (SPRJ)
Caríssimos,
O FÓRUM DE PSICANÁLISE E CINEMA apresenta, no dia 28 de outubro, às 18h, na Sala Vera Janacópulos da UNIRIO, um dos filmes mais impactantes da década: INCÊNDIOS (Incendies, 2010, 123 min.), dirigido e roteirizado pelo canadense Dennis Villeneuve, baseado na terceira parte da tretalogia do escritor, teatrólogo e ator Wajdi Mouawad, uma obra que deixa o público sem palavras para descrever a experiência de assisti-lo. O texto investiga o trauma e o tormento da guerra moderna no Oriente Médio, resgata e recupera tragédias e odisseias, incestos e revoltas em suas circunscrições trágicas inconfundíveis, cuja narrativa não tem espaço e nem tempo pré-fixados, indo tanto de um lugar a outro como de uma cultura a outra, em cenas que vão e voltam ao longo de 50 anos. Com um elenco de peso, no qual se destaca a atriz belga, Lubna Azabal, interpretando a mãe, Nawal Marwan, em torno da qual a tragédia edípica envolve todos os personagens.
O filme obteve reconhecimento internacional como, entre outros, a indicação oficial do Canadá para o Oscar 2011. Enfim, uma oportunidade imperdível de se assistir e comentar uma obra-prima. Contando, como sempre, com a divulgação aos amigos e interessados no viés cultural e psicanalítico, aguardamos todos vocês para mais um instigante debate.
Ana Lúcia de Castro e Neilton Silva.
SERVIÇO:
DATA: 28 DE OUTUBRO DE 2016.
HORÁRIO: FILME: 18h; ANÁLISE E DEBATE: 20 h às 22 h.
LOCAL: SALA VERA JANACÓPULOS – UNIRIO
ENDEREÇO: AV. PASTEUR, 296.
ANÁLISE CULTURAL: PROF. DRA. ANA LÚCIA DE CASTRO
ANÁLISE PSICANALÍTCA: DR. NEILTON SILVA
ENTRADA FRANCA - INFORMAÇÕES: forumpsicinema@gmail.com
NOTA: Quem se interessar em adquirir o livro: Fórum de Psicanálise e Cinema: 20 filmes analisados, de autoria de Ana Lúcia de Castro e Neilton Silva, ele se encontra à venda nos dias do FÓRUM.
HISTÓRICO: O FÓRUM DE PSICANÁLISE E CINEMA FOI CRIADO EM 1997, COMO UM PROJETO CIENTÍFICO DA ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA RIO 3, PELO ENTÃO PRESIDENTE, DR. WALDEMAR ZUSMAN, E PELO DIRETOR DO INSTITUTO, DR. NEILTON DIAS DA SILVA. DESDE 2004 PASSOU A CONTAR COM A PARTICIPAÇÃO DA MUSEÓLOGA E PROFESSORA DA UNIRIO, DRA ANA LÚCIA DE CASTRO, RESPONSÁVEL PELAS ANÁLISES CULTURAIS DOS FILMES. EM 2006, A APRIO 3, ATUAL SPRJ, CELEBROU PARCERIA COM A UNIRIO PARA SEDIAR O PROJETO MENSALMENTE, SEMPRE MUITO CONCORRIDO.
sexta-feira, 7 de outubro de 2016
Teatro/CRÍTICA
"Encerramento do amor"
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Dilacerada abordagem sobre as relações afetivas
Lionel Fischer
"Dois performers em cena. São atores que interpretam atores. Não há enredo, trama, arco dramático, antes ou depois do ato, o que há é o instante da cena, a intensidade do momento em que estes dois personagens travam um embate, um conflito incontornável que marca o fim de um projeto de relação criativa e amorosa idealizado por ambos".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza a circunstância cênica em que se dá "Encerramento do amor", primeira das duas peças de Pascal Rambert em cartaz na Sala Mezanino do Espaço Sesc. A outra, exibida em sequência - "O começo do A." - mostra o encontro dos dois personagens, quando iniciaram uma relação afetiva e de trabalho. Mas as considerações que se seguem dizem respeito apenas à primeira peça. Luiz Felipe Reis responde pela direção, adaptação e concepção sonora e visual dos dois textos, interpretados por Julia Lund e Otto Jr. Trata-se da mais nova empreitada da Polifônica Cia.
"Encerramento do amor" exibe uma curiosa estrutura. Os personagens não travam nenhum diálogo - no sentido convencional do termo. O homem fala durante 40 minutos, consumidos em dilaceradas considerações sobre o amor, a arte, a aparente impossibilidade de existir uma relação afetiva que atenda às burguesas expectativas de que dure para sempre, dentre outros temas.
Durante esses 40 minutos, a mulher apenas escuta e suas eventuais e discretas reações corporais são imediatamente questionadas pelo homem - "não chora", "levanta a cabeça", "endireita a coluna". A todos esses questionamentos a mulher obedece, sugerindo submissão e concordância.
No entanto, em seguida o jogo se inverte e é ela quem fala durante um tempo equivalente. E valendo-se igualmente de um discurso dilacerado, ainda que impregnado de amarga ironia, ela rebate todos os argumentos do homem e também questiona suas reações corporais - "não chora", "levanta a cabeça", "endireita a coluna". A todos esses questionamentos, o homem obedece, como ela fizera pouco antes.
Diante de um tal quadro, só me restam conjecturas. Se por um lado é evidente que se o autor quisesse criar uma cena convencional em que um casal discute seu relacionamento, certamente que ele o faria. E então os personagens se interromperiam, talvez chegassem até a se agredir fisicamente etc. No entanto, ele faz a opção de discursos isolados, em que um dos personagens fala e o outro apenas escuta. Por que será?
Não sei exatamente o que Pascal Rambert pretendeu. Mas imagino que, sendo ele francês, e portanto fascinado pela lógica, pela filosofia, pelo pensamento articulado, pela beleza e alcance poético da linguagem, dentre outras características, talvez tudo isso e mais alguma coisa o tenha feito optar por uma estrutura que não interferisse na apreensão de suas ideias a respeito dos temas abordados.
Ou seja: na ausência de presumíveis bate-bocas, tudo que um personagem diz é escutado pelo outro, e obviamente que pela plateia. Mas será que não estaríamos diante de uma opção por demais cerebral? Talvez sim. De qualquer forma, as questões levantadas pelo autor são tão pertinentes e sua escrita é tão bela que o espetáculo mantém o espectador - ou, ao menos, manteve a mim - em um estado de permanente tensão e expectativa.
Tais predicados, obviamente, também devem ser creditados ao diretor Luiz Felipe Reis. Não tanto pela dinâmica cênica, bastante simples e despojada, ainda que não isenta de expressividade, mas sobretudo por sua excelente atuação junto ao elenco. Otto Jr., como de hábito, entrega-se visceralmente ao personagem, extraindo de cada momento o seu máximo potencial - não por acaso o considero um dos melhores atores de sua geração. Quanto a Julia Lund, esta exibe aqui a melhor performance de sua carreira. Possuidora de bela voz, esmerado trabalho corporal e detentora de uma inteligência cênica que a leva sempre a optar por escolhas instigantes, a atriz nos brinda com uma das mais potentes atuações da atual temporada.
Na equipe técnica, parabenizo com o mesmo entusiasmo as excelentes contribuições de todos os profissionais envolvidos neta instigante e oportuna empreitada teatral - José Dias (cenografia), Tomás Ribas (iluminação), Antonio Guedes (figurino), Lu Brites (direção de movimento) e Marcus Vinicius Borja, responsável pela magnífica tradução.
ENCERRAMENTO DO AMOR - Texto de Pascal Rambert. Direção de Luiz Felipe Reis. Com Julia Lund e Otto Jr. Sala Mezanino do Espaço Sesc. Quinta a sábado, 20h. Domingo, 19h.
"Encerramento do amor"
..................................................................................................
Dilacerada abordagem sobre as relações afetivas
Lionel Fischer
"Dois performers em cena. São atores que interpretam atores. Não há enredo, trama, arco dramático, antes ou depois do ato, o que há é o instante da cena, a intensidade do momento em que estes dois personagens travam um embate, um conflito incontornável que marca o fim de um projeto de relação criativa e amorosa idealizado por ambos".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza a circunstância cênica em que se dá "Encerramento do amor", primeira das duas peças de Pascal Rambert em cartaz na Sala Mezanino do Espaço Sesc. A outra, exibida em sequência - "O começo do A." - mostra o encontro dos dois personagens, quando iniciaram uma relação afetiva e de trabalho. Mas as considerações que se seguem dizem respeito apenas à primeira peça. Luiz Felipe Reis responde pela direção, adaptação e concepção sonora e visual dos dois textos, interpretados por Julia Lund e Otto Jr. Trata-se da mais nova empreitada da Polifônica Cia.
"Encerramento do amor" exibe uma curiosa estrutura. Os personagens não travam nenhum diálogo - no sentido convencional do termo. O homem fala durante 40 minutos, consumidos em dilaceradas considerações sobre o amor, a arte, a aparente impossibilidade de existir uma relação afetiva que atenda às burguesas expectativas de que dure para sempre, dentre outros temas.
Durante esses 40 minutos, a mulher apenas escuta e suas eventuais e discretas reações corporais são imediatamente questionadas pelo homem - "não chora", "levanta a cabeça", "endireita a coluna". A todos esses questionamentos a mulher obedece, sugerindo submissão e concordância.
No entanto, em seguida o jogo se inverte e é ela quem fala durante um tempo equivalente. E valendo-se igualmente de um discurso dilacerado, ainda que impregnado de amarga ironia, ela rebate todos os argumentos do homem e também questiona suas reações corporais - "não chora", "levanta a cabeça", "endireita a coluna". A todos esses questionamentos, o homem obedece, como ela fizera pouco antes.
Diante de um tal quadro, só me restam conjecturas. Se por um lado é evidente que se o autor quisesse criar uma cena convencional em que um casal discute seu relacionamento, certamente que ele o faria. E então os personagens se interromperiam, talvez chegassem até a se agredir fisicamente etc. No entanto, ele faz a opção de discursos isolados, em que um dos personagens fala e o outro apenas escuta. Por que será?
Não sei exatamente o que Pascal Rambert pretendeu. Mas imagino que, sendo ele francês, e portanto fascinado pela lógica, pela filosofia, pelo pensamento articulado, pela beleza e alcance poético da linguagem, dentre outras características, talvez tudo isso e mais alguma coisa o tenha feito optar por uma estrutura que não interferisse na apreensão de suas ideias a respeito dos temas abordados.
Ou seja: na ausência de presumíveis bate-bocas, tudo que um personagem diz é escutado pelo outro, e obviamente que pela plateia. Mas será que não estaríamos diante de uma opção por demais cerebral? Talvez sim. De qualquer forma, as questões levantadas pelo autor são tão pertinentes e sua escrita é tão bela que o espetáculo mantém o espectador - ou, ao menos, manteve a mim - em um estado de permanente tensão e expectativa.
Tais predicados, obviamente, também devem ser creditados ao diretor Luiz Felipe Reis. Não tanto pela dinâmica cênica, bastante simples e despojada, ainda que não isenta de expressividade, mas sobretudo por sua excelente atuação junto ao elenco. Otto Jr., como de hábito, entrega-se visceralmente ao personagem, extraindo de cada momento o seu máximo potencial - não por acaso o considero um dos melhores atores de sua geração. Quanto a Julia Lund, esta exibe aqui a melhor performance de sua carreira. Possuidora de bela voz, esmerado trabalho corporal e detentora de uma inteligência cênica que a leva sempre a optar por escolhas instigantes, a atriz nos brinda com uma das mais potentes atuações da atual temporada.
Na equipe técnica, parabenizo com o mesmo entusiasmo as excelentes contribuições de todos os profissionais envolvidos neta instigante e oportuna empreitada teatral - José Dias (cenografia), Tomás Ribas (iluminação), Antonio Guedes (figurino), Lu Brites (direção de movimento) e Marcus Vinicius Borja, responsável pela magnífica tradução.
ENCERRAMENTO DO AMOR - Texto de Pascal Rambert. Direção de Luiz Felipe Reis. Com Julia Lund e Otto Jr. Sala Mezanino do Espaço Sesc. Quinta a sábado, 20h. Domingo, 19h.
terça-feira, 4 de outubro de 2016
Programação Teatro | Biblioteca Parque
Estadual
Outubro de 2016
Outubro de 2016
Outubro04 a 26.10 (terças e quartas) | 18h30 -
19h30 | Peça “Rio de Histórias” | Teatro Alcione Araújo
Atores da Cia. Teatro do Nada
improvisam cenas, histórias e diálogos que só no Rio de Janeiro seriam
possíveis. Classificação: 12 anos. Valor: R$ 20 (meia-entrada R$10).
Cadastrados com a carteirinha da BPE pagam meia.
06 a 29.10 (quintas, sextas e sábado) |
19h - 19h40 | Peça “Buscado” | Teatro Alcione Araújo
Um homem busca seu filho pelas ruas
de Nova York, Cidade do México e Tóquio, ao mesmo tempo em que também é buscado
pelo pai, um senhor de idade. Classificação: 14 anos. Valor: R$ 20
(meia-entrada R$10). Cadastrados com a carteirinha da BPE pagam meia.
Sextas e sábados de outubro | 16h - 17h
| Musical “Todo vagabundo tem seu dia de Glória” | Teatro Alcione Araújo
Musical infanto-juvenil sobre a
vontade de algumas pessoas em elevar o padrão de vida sem esforço, como o caso
do personagem Cristóvão Gerônimo, que passa de vagabundo a nobre da noite para
o dia. Classificação: livre. Valor: sextas, gratuito (distribuição de senhas às
15h); sábados, ingressos a R$ 20 (meia-entrada R$10). Cadastrados com a
carteirinha da BPE pagam meia.
07.10
| 19h - 20h | Musical “Cabaré concreto” | Auditório Darcy RibeiroMusical em homenagem aos 100 anos da
inauguração do Cabaret Voltaire em Zurich, onde o movimento dadaísta nasceu.
Classificação: 16 anos. Valor: R$ 40 (meia-entrada R$ 20). Cadastrados
com a carteirinha da BPE pagam meia.
20.10 | 15h-16h | Peça “O trânsito” | Auditório Darcy Ribeiro
Duas crianças saem de casa com os
pais, que são impedidos de andarem com seus carrinhos de bebê porque os carros
estão estacionados nas calçadas. Eles crescem, passam no vestibular, ganham um
carro e passam a cometer várias infrações enquanto dirigem. Classificação:
Livre. Valor: gratuito (distribuição de senhas às 14h).
Mais
informações: http://www.bibliotecasparque.rj.gov.br/event_categories/
segunda-feira, 3 de outubro de 2016
Teatro/CRÍTICA
"Nora"
........................................................................
Enriquecedora e pertinente reflexão
Lionel Fischer
"A apresentação tem como ponto de partida a personagem Nora de "Casa de Bonecas", peça do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen. Para compor a pesquisa cênica, a equipe do projeto foi às ruas do Rio de Janeiro para ouvir histórias reais de diferentes mulheres. Esse resultado é revelado no palco, numa pesquisa de linguagem de teatro documentário, onde a dramaturgia mistura ficção e fatos reais".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza a proposta de "Nora", em cartaz na Sede das Cias. Diana Herzog assina a direção e a dramaturgia, que reúne textos de Eleanor Marx, Israel Zangwill, Diana Herzog, Joana Lerner, Lilia Wodraschka, Priscila Assum, Natasha Melman e Renata Ravani. No elenco, Joana Lerner, Lilia Wodraschka, Priscila Assum, Natasha Melman e Renata Ravani.
Costuma-se dizer, e me parece incontestável, que o tempo passa muito rápido. Mas existem coisas que parece que não passam ou então que passam muito lentamente. Por exemplo: a crença de que a mulher nasceu para ser mãe e esposa. Isto nos leva à conclusão de que suas atribuições devem resumir-se a cuidar dos filhos, do marido e da casa. E e se além desses atributos cultivar um certo recato, aí estaríamos diante do máximo que se poderia esperar do sexo feminino.
Mas muitos dirão que as coisas não são mais como eram quando Ibsen escreveu "Casa de Bonecas", em 1879, provocando escândalo por fazer a protagonista abandonar marido e filhos para cuidar da própria vida, assim afrontando o papel meramente decorativo que lhe estava reservado em uma sociedade machista. Sim, muitas coisas mudaram. Mas mudaram até que ponto? Será que o pensamento masculino, se abordado em sua essência, terá evoluído a ponto de considerar que homens e mulheres efetivamente se equivalem e que, portanto, possuem os mesmos direitos e assim devem manter uma relação de absoluto respeito mútuo? Em minha opinião, não. E por que não? Bem, para dizer tudo que penso haveria de extrapolar os limites de uma crítica teatral. Mas vamos lá, ainda que resumidamente.
Em termos físicos, os homens são mais fortes do que as mulheres. Mas isso os autorizaria a bater nelas? É claro que não. Mas os homens batem, e parece que batem cada vez mais. Em termos intelectuais, os homens são superiores? É evidente que não. Mas então por que, via de regra, os salários dos homens são superiores ao das mulheres? Os homens se vestem como desejam, ou quando desejam circulam em trajes sumários, e isso parece absolutamente legítimo. No entanto, se uma mulher adota um procedimento análogo, passa a correr inúmeros riscos, sendo o mais brando o de ser difamada e o mais hediondo o de ser estuprada, cabendo ressaltar que pesquisas recentes revelam que uma porcentagem inacreditável de homens sustenta que "mulheres que se vestem de determinada maneira no fundo estão pedindo para serem estupradas".
Peço desculpas pela um tanto extensa digressão, quando havia prometido o contrário. Voltemos, pois, à peça. Aqui tudo gira em torno do que se conhece da personagem Nora, do que pouco se conhece sobre uma versão alternativa feita por Ibsen para o final do texto (que, graças aos sempre sábios deuses do teatro, não vingou), dos depoimentos de 24 mulheres pertencentes a variadas classes sociais e dos depoimentos das atrizes. E o resultado, em minha opinião, ultrapassa as mais generosas expectativas, posto que oferece ao público uma sensível, oportuna e mais do que pertinente reflexão sobre a realidade da mulher nos tempos atuais.
Com relação ao espetáculo, este está em perfeita sintonia com o material dramatúrgico. Diana Herzog impõe à cena uma dinâmica criativa e imprevista, repleta de soluções que valorizam ao extremo os múltiplos conteúdos emocionais em jogo. E cabe também salientar sua atuação junto ao elenco, já que todas as atrizes exibem performances de grande expressividade. E por isso a todas parabenizo com grande entusiasmo, e a todas agradeço pela inquietante e enriquecedora noite que me proporcionaram - quanto a Joana Lerner, está ainda mais linda, posto que grávida.
Na equipe técnica, Duda Maia responde por excelente direção de movimento, a mesma excelência presente na iluminação de Luiz André Alvim, na trilha sonora de Isadora Medella, e na cenografia e figurino de Elisa Faulhaber. E, por último: não me perdoaria se deixasse de mencionar as encantadoras xícaras e não menos encantadores pires que adornam uma mesa no início do espetáculo - quanto ao não menos encantador bolo de chocolate que nos é oferecido, declinei da oferta por estar de regime, fato que amaldiçoei em consternado silêncio...
NORA - Dramaturgia e direção de Diana Herzog. Com Joana Lerner, Lilia Wodraschka, Priscila Assum, Natasha Melman e Renata Ravani. Sede das Cias. Sexta a domingo, 20h.
"Nora"
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Enriquecedora e pertinente reflexão
Lionel Fischer
"A apresentação tem como ponto de partida a personagem Nora de "Casa de Bonecas", peça do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen. Para compor a pesquisa cênica, a equipe do projeto foi às ruas do Rio de Janeiro para ouvir histórias reais de diferentes mulheres. Esse resultado é revelado no palco, numa pesquisa de linguagem de teatro documentário, onde a dramaturgia mistura ficção e fatos reais".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza a proposta de "Nora", em cartaz na Sede das Cias. Diana Herzog assina a direção e a dramaturgia, que reúne textos de Eleanor Marx, Israel Zangwill, Diana Herzog, Joana Lerner, Lilia Wodraschka, Priscila Assum, Natasha Melman e Renata Ravani. No elenco, Joana Lerner, Lilia Wodraschka, Priscila Assum, Natasha Melman e Renata Ravani.
Costuma-se dizer, e me parece incontestável, que o tempo passa muito rápido. Mas existem coisas que parece que não passam ou então que passam muito lentamente. Por exemplo: a crença de que a mulher nasceu para ser mãe e esposa. Isto nos leva à conclusão de que suas atribuições devem resumir-se a cuidar dos filhos, do marido e da casa. E e se além desses atributos cultivar um certo recato, aí estaríamos diante do máximo que se poderia esperar do sexo feminino.
Mas muitos dirão que as coisas não são mais como eram quando Ibsen escreveu "Casa de Bonecas", em 1879, provocando escândalo por fazer a protagonista abandonar marido e filhos para cuidar da própria vida, assim afrontando o papel meramente decorativo que lhe estava reservado em uma sociedade machista. Sim, muitas coisas mudaram. Mas mudaram até que ponto? Será que o pensamento masculino, se abordado em sua essência, terá evoluído a ponto de considerar que homens e mulheres efetivamente se equivalem e que, portanto, possuem os mesmos direitos e assim devem manter uma relação de absoluto respeito mútuo? Em minha opinião, não. E por que não? Bem, para dizer tudo que penso haveria de extrapolar os limites de uma crítica teatral. Mas vamos lá, ainda que resumidamente.
Em termos físicos, os homens são mais fortes do que as mulheres. Mas isso os autorizaria a bater nelas? É claro que não. Mas os homens batem, e parece que batem cada vez mais. Em termos intelectuais, os homens são superiores? É evidente que não. Mas então por que, via de regra, os salários dos homens são superiores ao das mulheres? Os homens se vestem como desejam, ou quando desejam circulam em trajes sumários, e isso parece absolutamente legítimo. No entanto, se uma mulher adota um procedimento análogo, passa a correr inúmeros riscos, sendo o mais brando o de ser difamada e o mais hediondo o de ser estuprada, cabendo ressaltar que pesquisas recentes revelam que uma porcentagem inacreditável de homens sustenta que "mulheres que se vestem de determinada maneira no fundo estão pedindo para serem estupradas".
Peço desculpas pela um tanto extensa digressão, quando havia prometido o contrário. Voltemos, pois, à peça. Aqui tudo gira em torno do que se conhece da personagem Nora, do que pouco se conhece sobre uma versão alternativa feita por Ibsen para o final do texto (que, graças aos sempre sábios deuses do teatro, não vingou), dos depoimentos de 24 mulheres pertencentes a variadas classes sociais e dos depoimentos das atrizes. E o resultado, em minha opinião, ultrapassa as mais generosas expectativas, posto que oferece ao público uma sensível, oportuna e mais do que pertinente reflexão sobre a realidade da mulher nos tempos atuais.
Com relação ao espetáculo, este está em perfeita sintonia com o material dramatúrgico. Diana Herzog impõe à cena uma dinâmica criativa e imprevista, repleta de soluções que valorizam ao extremo os múltiplos conteúdos emocionais em jogo. E cabe também salientar sua atuação junto ao elenco, já que todas as atrizes exibem performances de grande expressividade. E por isso a todas parabenizo com grande entusiasmo, e a todas agradeço pela inquietante e enriquecedora noite que me proporcionaram - quanto a Joana Lerner, está ainda mais linda, posto que grávida.
Na equipe técnica, Duda Maia responde por excelente direção de movimento, a mesma excelência presente na iluminação de Luiz André Alvim, na trilha sonora de Isadora Medella, e na cenografia e figurino de Elisa Faulhaber. E, por último: não me perdoaria se deixasse de mencionar as encantadoras xícaras e não menos encantadores pires que adornam uma mesa no início do espetáculo - quanto ao não menos encantador bolo de chocolate que nos é oferecido, declinei da oferta por estar de regime, fato que amaldiçoei em consternado silêncio...
NORA - Dramaturgia e direção de Diana Herzog. Com Joana Lerner, Lilia Wodraschka, Priscila Assum, Natasha Melman e Renata Ravani. Sede das Cias. Sexta a domingo, 20h.