Teatro/CRÍTICA
"Love, Love, Love"
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Inesquecível e deslumbrante encontro
Lionel Fischer
"A ação começa em 1967, na noite da primeira transmissão ao vivo de TV via satélite, em que os Beatles cantaram Al you nedd is love. Sandra, bonita e sedutora, recém-ingressada na universidade, marcou um encontro com Henry. Mas ela se interessa por seu irmão, Kenneth, também de 19 anos e calouro universitário. Em 1990, eles estão em outra realidade - são da classe média, curiosamente negligentes com os dois filhos, em um casamento prestes a ruir. Mas o grande momento ocorre em 2011, em uma reunião de família, quando a filha do casal, Rose, que foi uma violinista promissora, agora com 37 anos e muito decepcionada, arremessa sobre eles e sua geração de paz e amor a responsabilidade pelo fracasso da geração dela".
Extraído do ótimo release que me foi enviado pela assessora de imprensa Silvana Cardoso, o trecho acima resume o enredo de "Love, love, love", de autoria do dramaturgo inglês Mike Barlett. Mais nova empreitada do Grupo 3 de Teatro, o texto chega à cena (Oi Futuro Flamengo) com direção de Eric Lenate e elenco formado por Débora Falabella, Yara de Novaes, Ary França, Rafael Primot e Mateus Monteiro.
Se alguma restrição pode ser feita ao texto de Barlett, esta se resume ao seu início, quando me parece que o autor consome um tempo excessivo para definir a personalidade dos irmãos e o contexto em que vivem. Afora isso, não hesito em afirmar que o jovem autor inglês (apenas 36 anos) já se insere entre os maiores de sua geração, e não apenas da Inglaterra.
Afora ter criado personagens maravilhosos, ótimos diálogos e uma ação que prende a atenção do espectador ao longo de toda a narrativa, o autor trabalha de forma irrepreensível dois temas principais: o quanto o tempo em que vivemos é capaz de nos modificar e a poderosa influência (para o bem ou para o mal) de uma geração sobre a seguinte.
No primeiro caso, se alguém não se enquadra nos padrões vigentes, mas ainda assim julga mais prudente não contestá-los, corre sério risco de perseguir uma felicidade ilusória, posto que contrária aos seus anseios mais profundos. No segundo, de certa maneira ocorre algo parecido: não podemos escapar da educação que recebemos, dos valores que nos foram transmitidos por nossos pais, educadores, etc. Mas aceitar tais valores, de forma incondicional, significa reproduzir um modelo, e como todos sabemos não há modelo que sobreviva às constantes mudanças sociais, políticas, econômicas e assim por diante.
Neste sentido, acredito que o autor propõe uma espécie de impasse: se o tempo presente tende a nos modificar, o tempo passado prioriza o inverso. Se por um lado não queremos pensar e agir necessariamente como nossos pais, como fazer para tirá-los de dentro de nós? E que preço temos que pagar por esta indispensável e salutar libertação? - se o que acabo de dizer não tenha passado pela cabeça do autor, em minha modesta defesa posso dizer que trata-se apenas de uma hipótese e, como tal, sujeita a todos os enganos.
Quanto ao espetáculo, Eric Lenate impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Em todos os segmentos, o encenador produz marcas criativas e imprevistas, potencializa ao máximo os embates entre personalidades tão díspares, evidencia notável domínio dos tempos rítmicos e, mérito supremo, consegue extrair do elenco atuações deslumbrantes.
Mateus Monteiro, ainda que em participação bem menor que a dos demais, materializa de forma irretocável o irmão careta e totalmente destituído de interesse. Rafael Primot está hilariante na pele do irmão descolado, mais adiante comovente quando encarna uma criança problemática e finalmente patético quando esta mesma criança se torna um adulto totalmente desajustado. Ary França, que nos dois últimos segmentos encarna o hilário irmão do início, aproveita ao máximo as transformações que ocorrem - na primeira delas, estamos diante de um homem cínico e debochado; na segunda, nos deparamos com um homem envelhecido que, mesmo que conservando um pouco do humor de sua juventude, exibe para com a filha uma dureza que se torna asquerosa pela forma plácida com que é materializada.
Com relação a Débora Falabella e Yara de Novaes, se optasse por adjetivos teria que recorrer a uma infinidade deles. Se, por outro lado, investisse em uma avaliação de natureza técnica - analisar suas vozes, expressividade corporal, carisma, presença cênica etc. - me sentiria ridículo, posto que tais predicados já são mais do que conhecidos e reconhecidos. Então, o que posso dizer a respeito dessas duas atrizes? Sem nenhuma relutância, acredito que ambas estão sempre rodeadas pelos caprichosos deuses do teatro, que talvez colaborem modestamente para que priorizem caminhos nunca antes percorridos, o que as impede de se tornarem parasitas de suas próprias conquistas. A ambas agradeço, de todo coração, mais este inesquecível encontro.
No tocante à equipe técnica, parabenizo com o mesmo entusiasmo as preciosas colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta imperdível empreitada teatral - Maria Angela Fontes Frederico (tradução), Gabriel Fontes Paiva (iluminação), L. P. Daniel (trilha sonora), André Cortez (cenografia) e Fabio Namatame (figurinos).
LOVE, LOVE, LOVE - Texto de Mike Barlett. Direção de Eric Lenate. Com Débora Falabella, Yara de Novaes, Ary França, Rafael Primot e Mateus Monteiro. Oi Futuro Flamengo. Quinta a domingo, 20h.
segunda-feira, 30 de janeiro de 2017
quarta-feira, 25 de janeiro de 2017
Prêmio Cesgranrio de Teatro / 2016
VENCEDORES
Figurino
Luiza Fardin ("Se eu fosse Iracema")
Cenografia
André Curti e Artur Luanda Ribeiro ("Gritos")
Iluminação
Artur Luanda Ribeiro e Hugo Mercier ("Gritos")
Ator
Marcos Caruso ("O escândalo Philippe Dussaert")
Ator em Teatro Musical
Alexandre Rosa Moreno ("A cuíca do Laurindo")
Especial
Wolf Maya - construção do Teatro Nathalia Timberg
Atriz
Debora Bloch ("Os realistas")
Atriz em Teatro Musical
Laila Garin ("Gota d'água - A seco")
Direção
Duda Maia - "Auê"
Direção Musical
Alfredo Del-Penho e Beto Lemos - "Auê"
Texto Nacional Inédito
Grace Passô - "Vaga carne"
Espetáculo
"Auê"
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VENCEDORES
Figurino
Luiza Fardin ("Se eu fosse Iracema")
Cenografia
André Curti e Artur Luanda Ribeiro ("Gritos")
Iluminação
Artur Luanda Ribeiro e Hugo Mercier ("Gritos")
Ator
Marcos Caruso ("O escândalo Philippe Dussaert")
Ator em Teatro Musical
Alexandre Rosa Moreno ("A cuíca do Laurindo")
Especial
Wolf Maya - construção do Teatro Nathalia Timberg
Atriz
Debora Bloch ("Os realistas")
Atriz em Teatro Musical
Laila Garin ("Gota d'água - A seco")
Direção
Duda Maia - "Auê"
Direção Musical
Alfredo Del-Penho e Beto Lemos - "Auê"
Texto Nacional Inédito
Grace Passô - "Vaga carne"
Espetáculo
"Auê"
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terça-feira, 24 de janeiro de 2017
Teatro/CRÍTICA
"O topo da montanha"
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Emocionado e oportuno tributo
Lionel Fischer
Ele foi preso e torturado diversas vezes e sua casa chegou a ser atacada com bombas. Em 1963, reuniu mais de 200 mil pessoas numa marcha em Washington pelo fim da segregação racial - nesta ocasião, proferiu seu discurso mais conhecido, "Eu tenho um sonho", e como resultado destas manifestações nasceram as leis dos Direitos Civis (1964) e dos Direitos de Voto (1965). Em 1964, recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Em 1967, aliou-se aos movimentos contra a Guerra do Vietnã. Em 1968, após realizar na Igreja de Mason (Memphis) um de seus mais belos sermões, deve ter desejado uma noite de merecido repouso no hotel onde se hospedara, pois no dia seguinte apoiaria uma greve de coletores de lixo. Mas tal apoio acabou não se consumando: na manhã seguinte, quando estava na sacada do hotel, um atirador tirou sua vida.
O trecho acima resume drasticamente a trajetória humana e política de Martin Luther King, assassinado no dia 3 de abril de 1968 quando tinha apenas 39 anos. E o presente espetáculo presta sensível, emocionado e oportuno tributo a um dos homens mais extraordinários do século 20. De autoria de Katori Hall, o texto está em cartaz no Teatro Sesc Ginástico, com direção assinada por Lázaro Ramos (codireção de Fernando Philbert) e elenco formado por Lázaro Ramos e Taís Araujo - a atriz Léa Garcia faz uma participação sonora na pele da mãe de Martin Luther King.
Com a ação ambientada no quarto do hotel, vemos Martin inicialmente aflito por estar sem cigarros e logo iniciando uma relação com uma camareira negra, em sua primeira noite de trabalho. Através da conversa entre ambos, quase sempre impulsionada pela camareira, a plateia entra em contato não apenas com questões fundamentais defendidas pelo líder religioso e notável pacifista, mas também com curiosos aspectos de sua personalidade, aí incluindo-se sua surpreendente (ainda que eventual) fragilidade. A partir de um dado momento, no entanto, o texto dá uma súbita e imprevista reviravolta, que me abstenho de mencionar pois isso privaria o espectador de uma grande surpresa.
Bem escrito, exibindo ótimos personagens e diálogos que mesclam, de forma sempre apropriada e convincente, passagens tensas e outras extremamente engraçadas, o texto recebeu sensível e segura versão cênica de Lázaro Ramos e de seu codiretor Fernando Philbert. Quanto ao elenco, Lázaro Ramos e Taís Araújo exibem aqui uma das melhores performances de suas brilhantes carreiras, contracenando de forma visceral e conseguindo valorizar aos máximo todas as emoções em causa - e por falar em emoção: em 27 anos de crítica teatral, jamais vi intérpretes se emocionarem tanto ao final de uma apresentação, fato que ganha especial relevância quando se sabe que o casal já está em cartaz com esta peça há mais de um ano.
Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta séria e oportuna empreitada teatral - Silvio Albuquerque (tradução), EdiMontecchi (preparação vocal), André Cortez (cenografia), Walmyr Ferreira (iluminação), Teresa Nabuco (figurinos), Wladimir Pinheiro (trilha sonora) e Rico e Renato Vilarouca (projeções).
O TOPO DA MONTANHA - Texto de Katori Hall. Direção de Lázaro Ramos (codireção de Fernando Philbert). Com Lázaro Ramos e Taís Araújo. Teatro Sesc Ginástico. Sexta e sábado, 19h; domingo, 18h.
"O topo da montanha"
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Emocionado e oportuno tributo
Lionel Fischer
Ele foi preso e torturado diversas vezes e sua casa chegou a ser atacada com bombas. Em 1963, reuniu mais de 200 mil pessoas numa marcha em Washington pelo fim da segregação racial - nesta ocasião, proferiu seu discurso mais conhecido, "Eu tenho um sonho", e como resultado destas manifestações nasceram as leis dos Direitos Civis (1964) e dos Direitos de Voto (1965). Em 1964, recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Em 1967, aliou-se aos movimentos contra a Guerra do Vietnã. Em 1968, após realizar na Igreja de Mason (Memphis) um de seus mais belos sermões, deve ter desejado uma noite de merecido repouso no hotel onde se hospedara, pois no dia seguinte apoiaria uma greve de coletores de lixo. Mas tal apoio acabou não se consumando: na manhã seguinte, quando estava na sacada do hotel, um atirador tirou sua vida.
O trecho acima resume drasticamente a trajetória humana e política de Martin Luther King, assassinado no dia 3 de abril de 1968 quando tinha apenas 39 anos. E o presente espetáculo presta sensível, emocionado e oportuno tributo a um dos homens mais extraordinários do século 20. De autoria de Katori Hall, o texto está em cartaz no Teatro Sesc Ginástico, com direção assinada por Lázaro Ramos (codireção de Fernando Philbert) e elenco formado por Lázaro Ramos e Taís Araujo - a atriz Léa Garcia faz uma participação sonora na pele da mãe de Martin Luther King.
Com a ação ambientada no quarto do hotel, vemos Martin inicialmente aflito por estar sem cigarros e logo iniciando uma relação com uma camareira negra, em sua primeira noite de trabalho. Através da conversa entre ambos, quase sempre impulsionada pela camareira, a plateia entra em contato não apenas com questões fundamentais defendidas pelo líder religioso e notável pacifista, mas também com curiosos aspectos de sua personalidade, aí incluindo-se sua surpreendente (ainda que eventual) fragilidade. A partir de um dado momento, no entanto, o texto dá uma súbita e imprevista reviravolta, que me abstenho de mencionar pois isso privaria o espectador de uma grande surpresa.
Bem escrito, exibindo ótimos personagens e diálogos que mesclam, de forma sempre apropriada e convincente, passagens tensas e outras extremamente engraçadas, o texto recebeu sensível e segura versão cênica de Lázaro Ramos e de seu codiretor Fernando Philbert. Quanto ao elenco, Lázaro Ramos e Taís Araújo exibem aqui uma das melhores performances de suas brilhantes carreiras, contracenando de forma visceral e conseguindo valorizar aos máximo todas as emoções em causa - e por falar em emoção: em 27 anos de crítica teatral, jamais vi intérpretes se emocionarem tanto ao final de uma apresentação, fato que ganha especial relevância quando se sabe que o casal já está em cartaz com esta peça há mais de um ano.
Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta séria e oportuna empreitada teatral - Silvio Albuquerque (tradução), EdiMontecchi (preparação vocal), André Cortez (cenografia), Walmyr Ferreira (iluminação), Teresa Nabuco (figurinos), Wladimir Pinheiro (trilha sonora) e Rico e Renato Vilarouca (projeções).
O TOPO DA MONTANHA - Texto de Katori Hall. Direção de Lázaro Ramos (codireção de Fernando Philbert). Com Lázaro Ramos e Taís Araújo. Teatro Sesc Ginástico. Sexta e sábado, 19h; domingo, 18h.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2017
Teatro/CRÍTICA
"Ocupação Rio diversidade"
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Imperdível empreitada teatral
Lionel Fischer
Não sei as razões que levaram Marcia Zanelatto, idealizadora deste projeto, a titulá-lo desta forma. Mas arrisco a seguinte suposição: o termo "ocupação" pressupõe o preenchimento de algo até então vazio e portanto não ocupado. E que espaço seria este? O de espetáculos e narrativas protagonizados por personagens não necessariamente heterossexuais. Quanto à diversidade, me parece evidente que se trata da sexual e de gênero - caso esteja enganado, peço que esta breve digressão seja esquecida e se possível perdoada.
Em cartaz no Teatro Sesi, "Ocupação Rio diversidade" é composta de quatro monólogos, todos com duração de 20 minutos: "Genderless - um corpo fora da lei" (autoria de Marcia Zanelatto, direção de Guilherme Leme Garcia e atuação de Larissa Bracher), "Como deixar de ser" (autoria de Daniela Pereira de Carvalho, direção de Renato Carrera e atuação de Kelzy Ecard), "A noite em claro" (autoria de Joaquim Vicente, direção de Cesar Augusto e atuação de Thadeu Matos) e "Flor carnívora" (autoria de Jô Bilac, direção e trilha sonora de Ivan Sugahara e atuação de Gabriela Carneiro da Cunha). O evento conta ainda com a participação da drag queen Magenta Dawning, que faz intervenções com textos de sua autoria.
"Genderless - um corpo fora da lei"
Em 2010, após travar ferrenha luta contra o Estado da Austrália, Norrie May-Welby se tornou a primeira pessoa do mundo a ser reconhecida como "sem gênero específico". A partir dessa história real, Marcia Zanelatto empreende oportunas e contundentes reflexões sobre gêneros, identidades sexuais e estruturas sociais. Valendo-se, como de hábito, de uma escrita cuja poética lucidez nos atinge tanto em nossa razão como em nossa alma, a autora encontrou dois excelentes parceiros em Guilherme Leme Garcia e Larissa Bracher. O encenador estrutura seu trabalho valendo-se apenas de uma cadeira e de um tablet, que a atriz manipula de forma a enfatizar os múltiplos conteúdos em causa - cabe ressaltar a expressividade desta opção minimalista. Quanto a Larissa Bracher, a atriz materializa aqui uma das melhores performances de sua carreira. Valorizando de forma notável tanto as palavras quanto os silêncios, Larissa também exibe um trabalho corporal de apaixonada riqueza de detalhes. Sob todos os pontos de vista, uma atuação absolutamente irrepreensível.
"Como deixar de ser"
Após perder a mãe há 87 dias, uma mulher de meia idade está confinada em uma espécie de "armário-sala", símbolo de sua prisão interna. Tal prisão, como logo fica claro, é sua condição homossexual jamais assumida. Ela desconta sua ira e sua frustração em um gato imaginário, na plateia e sobretudo em si mesma. Ao mesmo tempo, tece apaixonadas considerações sobre uma relação que poderia ter tido com uma colega professora. Essa alternância de estados e sentimentos é muito bem trabalhada por Daniela Pereira de Carvalho, autora que ratifica aqui seu mais do que reconhecido talento. Com relação à dinâmica cênica, Renato Carrera exibe o mérito principal de haver extraído ótima performance de Kelzy Ecard. Possuidora de excelente voz e forte presença cênica, a atriz extrai o máximo de sua amargurada e intempestiva personagem, além de encerrar sua participação cantando de forma belíssima uma canção cujo título agora me escapa.
"A noite em claro"
Baseado no bárbaro assassinato do diretor teatral Luiz Antonio Martinez Correa nos anos 1980, e também inspirado em um episódio real que quase chega ao mesmo e trágico desfecho, o autor Joaquim Vicente coloca em cena um garoto de programa que, ao mesmo tempo em que revive o assassinato do diretor, tece abjetas considerações que supõe capazes de legitimar o horror que perpetrou. Ainda que contundente, o texto peca por não nos oferecer nenhuma visão mais original sobre as questões abordadas, ou seja, o que Joaquim Vicente diz é mais ou menos o que todos diríamos a respeito do psicopata em questão e daquilo que ele fez. Com relação à dinâmica cênica, Cesar Augusto lança mão de um ipad, que o ator manipula, através do qual sombras ameaçadoras são projetadas em uma tela, assim como em dados momentos o intérprete é filmado. Sem dúvida, um conjunto brilhante de soluções, exploradas com vigor e sensibilidade por Thadeu Matos.
"A flor carnívora"
Como se sabe, nosso país evidencia algumas singularidades, dentre elas a obsessão de empresários e políticos de dar golpes, sempre objetivando o monopólio de todas as benesses. Mas será que o mesmo poderia ocorrer no universo vegetal? Para o autor Jô Bilac sim, e por isso criou uma circunstância cênica muito engraçada: revoltada com a pretensão da soja de dar um golpe monocultural, uma planta carnívora afirma o "hermafroditismo das plantas, sua indefinição de gênero, sua intersexualidade e sua revolta contra a colonização organizadora do homem". Impregnado de reflexões bem humoradas e pertinentes, o texto de Bilac recebeu irretocável direção de Ivan Sugahara, que materializa com o mesmo êxito as passagens que ocorrem no palco e outras fora dele, que não especifico para não privar o espectador de deliciosas surpresas. Quanto a Gabriela Carneiro da Cunha, a atriz se mostra totalmente à vontade em uma personagem que pressupõe uma intérprete possuidora de forte presença, humor e infinita graça.
Finalmente, Magenta Dawning é uma notável mestre de cerimônias. Sedutora, simpática, possuidora de ótima voz e grande expressividade corporal, a drag queen exibe os méritos suplementares de jamais enveredar para a caricatura, assim como o de ter escrito belas, sensíveis e oportunas palavras. A ela dedico minha mais sincera admiração e o desejo, igualmente sincero, de que jamais se afaste dos palcos.
Na equipe técnica, parabenizo com o mesmo entusiasmo as colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta imperdível empreitada teatral - Daniel de Jesus (cenário e design gráfico), Daniela Sanchez e Tiago Mantovani (iluminação), Marcio Mello (visagismo), Diogo Fujimura (vídeo) e Raquel Diniz (edição de vídeo).
OCUPAÇÃO RIO DIVERSIDADE - Idealização de Marcia Zanelatto. Textos de Marcia Zanelatto, Daniela Pereira de Carvalho, Joaquim Vicente e Jô Bilac. Direção a cargo de Guilherme Leme Garcia, Renato Carrera, Cesar Augusto e Ivan Sugahara. Com Larissa Bracher, Kelzi Ecard, Thadeu Matos e Gabriela Carneiro da Cunha. Teatro Sesi. Quinta e sexta, 19h30; sábado, 19h.
"Ocupação Rio diversidade"
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Imperdível empreitada teatral
Lionel Fischer
Não sei as razões que levaram Marcia Zanelatto, idealizadora deste projeto, a titulá-lo desta forma. Mas arrisco a seguinte suposição: o termo "ocupação" pressupõe o preenchimento de algo até então vazio e portanto não ocupado. E que espaço seria este? O de espetáculos e narrativas protagonizados por personagens não necessariamente heterossexuais. Quanto à diversidade, me parece evidente que se trata da sexual e de gênero - caso esteja enganado, peço que esta breve digressão seja esquecida e se possível perdoada.
Em cartaz no Teatro Sesi, "Ocupação Rio diversidade" é composta de quatro monólogos, todos com duração de 20 minutos: "Genderless - um corpo fora da lei" (autoria de Marcia Zanelatto, direção de Guilherme Leme Garcia e atuação de Larissa Bracher), "Como deixar de ser" (autoria de Daniela Pereira de Carvalho, direção de Renato Carrera e atuação de Kelzy Ecard), "A noite em claro" (autoria de Joaquim Vicente, direção de Cesar Augusto e atuação de Thadeu Matos) e "Flor carnívora" (autoria de Jô Bilac, direção e trilha sonora de Ivan Sugahara e atuação de Gabriela Carneiro da Cunha). O evento conta ainda com a participação da drag queen Magenta Dawning, que faz intervenções com textos de sua autoria.
"Genderless - um corpo fora da lei"
Em 2010, após travar ferrenha luta contra o Estado da Austrália, Norrie May-Welby se tornou a primeira pessoa do mundo a ser reconhecida como "sem gênero específico". A partir dessa história real, Marcia Zanelatto empreende oportunas e contundentes reflexões sobre gêneros, identidades sexuais e estruturas sociais. Valendo-se, como de hábito, de uma escrita cuja poética lucidez nos atinge tanto em nossa razão como em nossa alma, a autora encontrou dois excelentes parceiros em Guilherme Leme Garcia e Larissa Bracher. O encenador estrutura seu trabalho valendo-se apenas de uma cadeira e de um tablet, que a atriz manipula de forma a enfatizar os múltiplos conteúdos em causa - cabe ressaltar a expressividade desta opção minimalista. Quanto a Larissa Bracher, a atriz materializa aqui uma das melhores performances de sua carreira. Valorizando de forma notável tanto as palavras quanto os silêncios, Larissa também exibe um trabalho corporal de apaixonada riqueza de detalhes. Sob todos os pontos de vista, uma atuação absolutamente irrepreensível.
"Como deixar de ser"
Após perder a mãe há 87 dias, uma mulher de meia idade está confinada em uma espécie de "armário-sala", símbolo de sua prisão interna. Tal prisão, como logo fica claro, é sua condição homossexual jamais assumida. Ela desconta sua ira e sua frustração em um gato imaginário, na plateia e sobretudo em si mesma. Ao mesmo tempo, tece apaixonadas considerações sobre uma relação que poderia ter tido com uma colega professora. Essa alternância de estados e sentimentos é muito bem trabalhada por Daniela Pereira de Carvalho, autora que ratifica aqui seu mais do que reconhecido talento. Com relação à dinâmica cênica, Renato Carrera exibe o mérito principal de haver extraído ótima performance de Kelzy Ecard. Possuidora de excelente voz e forte presença cênica, a atriz extrai o máximo de sua amargurada e intempestiva personagem, além de encerrar sua participação cantando de forma belíssima uma canção cujo título agora me escapa.
"A noite em claro"
Baseado no bárbaro assassinato do diretor teatral Luiz Antonio Martinez Correa nos anos 1980, e também inspirado em um episódio real que quase chega ao mesmo e trágico desfecho, o autor Joaquim Vicente coloca em cena um garoto de programa que, ao mesmo tempo em que revive o assassinato do diretor, tece abjetas considerações que supõe capazes de legitimar o horror que perpetrou. Ainda que contundente, o texto peca por não nos oferecer nenhuma visão mais original sobre as questões abordadas, ou seja, o que Joaquim Vicente diz é mais ou menos o que todos diríamos a respeito do psicopata em questão e daquilo que ele fez. Com relação à dinâmica cênica, Cesar Augusto lança mão de um ipad, que o ator manipula, através do qual sombras ameaçadoras são projetadas em uma tela, assim como em dados momentos o intérprete é filmado. Sem dúvida, um conjunto brilhante de soluções, exploradas com vigor e sensibilidade por Thadeu Matos.
"A flor carnívora"
Como se sabe, nosso país evidencia algumas singularidades, dentre elas a obsessão de empresários e políticos de dar golpes, sempre objetivando o monopólio de todas as benesses. Mas será que o mesmo poderia ocorrer no universo vegetal? Para o autor Jô Bilac sim, e por isso criou uma circunstância cênica muito engraçada: revoltada com a pretensão da soja de dar um golpe monocultural, uma planta carnívora afirma o "hermafroditismo das plantas, sua indefinição de gênero, sua intersexualidade e sua revolta contra a colonização organizadora do homem". Impregnado de reflexões bem humoradas e pertinentes, o texto de Bilac recebeu irretocável direção de Ivan Sugahara, que materializa com o mesmo êxito as passagens que ocorrem no palco e outras fora dele, que não especifico para não privar o espectador de deliciosas surpresas. Quanto a Gabriela Carneiro da Cunha, a atriz se mostra totalmente à vontade em uma personagem que pressupõe uma intérprete possuidora de forte presença, humor e infinita graça.
Finalmente, Magenta Dawning é uma notável mestre de cerimônias. Sedutora, simpática, possuidora de ótima voz e grande expressividade corporal, a drag queen exibe os méritos suplementares de jamais enveredar para a caricatura, assim como o de ter escrito belas, sensíveis e oportunas palavras. A ela dedico minha mais sincera admiração e o desejo, igualmente sincero, de que jamais se afaste dos palcos.
Na equipe técnica, parabenizo com o mesmo entusiasmo as colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta imperdível empreitada teatral - Daniel de Jesus (cenário e design gráfico), Daniela Sanchez e Tiago Mantovani (iluminação), Marcio Mello (visagismo), Diogo Fujimura (vídeo) e Raquel Diniz (edição de vídeo).
OCUPAÇÃO RIO DIVERSIDADE - Idealização de Marcia Zanelatto. Textos de Marcia Zanelatto, Daniela Pereira de Carvalho, Joaquim Vicente e Jô Bilac. Direção a cargo de Guilherme Leme Garcia, Renato Carrera, Cesar Augusto e Ivan Sugahara. Com Larissa Bracher, Kelzi Ecard, Thadeu Matos e Gabriela Carneiro da Cunha. Teatro Sesi. Quinta e sexta, 19h30; sábado, 19h.
sexta-feira, 20 de janeiro de 2017
Prêmio APTR de Teatro/2016
INDICADOS
Autor
Claudia Mauro - A vida passou por aqui
Felipe Vidal - Cabeça (Um documentário cênico)
Fernando Marques - Se eu fosse Iracema
Grace Passô - Vaga carne
Direção
Aderbal Freire-Filho - A paz perpétua
Duda Maia - Auê
Artur Luanda Ribeiro e André Curti - Gritos
Márcio Abreu - Nós
Cenografia
Fernando Mello da Costa e Radiográfico - Céus
José Dias - Dorotéia
Marcio Medina - Galileu Galilei
André Cortez - O camareiro
Daniela Thomas e Camila Schmidt - Os realistas
Figurino
Kika Lopes - Auê
Carol Lobato - Cinderela
Lulu Areal - Dorotéia
Bedth Filipecki e Renaldo Machado - O camareiro
Luiza Fradin - Se eu fosse Iracema
Iluminação
Jorge Farjalla, Patrícia Ferraz e José Dias - Dorotéia
Artur Luanda Ribeiro e Hugo Mercier - Gritos
Maneco Quinderé - O como e o porquê
Beto Bruel - Os realistas
Ator Protagonista
Kiko Mascarenhas - O camareiro
Marcos Caruso - O escândalo Philippe Dussaert
Otto Jr - Amor em dois atos
Zécarlos Machado - Gata em teto de zinco quente
Ator Coadjuvante
Ary França - Galileu Galilei
Gustavo Damasceno - Os cadernos de Kindzu
Pedroca Monteiro - Sucesso
Stephane Brodt - Os cadernos de Kindzu
Atriz Protagonista
Cláudia Mauro - A vida passou por aqui
Debora Bloch - Os realistas
Julia Lund - Amor em dois atos
Laila Garin - Gota d'água (a seco)
Suzana Faini - O como e o porquê
Adassa Martins - Se eu fosse Iracema
Atriz Coadjuvante
Clara Carvalho - Anti-Nelson Rodrigues
Juliana Guimarães - Sucesso
Luciana Lopes - Os cadernos de Kindzu
Lydia Del Picchia - Nós
Espetáculo
A paz perpétua
Auê
Gritos
Nós
Música
Alfredo Del-Penho e Beto Lemos - Auê
Luciano Moreira e Felipe Vidal - Cabeça (um documentário cênico)
Nando Duarte - Gilberto Gil, aquele abraço - o musical
Stephane Brodt - Os cadernos de Kindzu
Beto Lemos e Marcelo H - Gritos
Especial
Wolf Maya - construção do Teatro Nathalia Timberg
Eduardo Rieche - lançamento do livro Yara Amaral, a Operária do Teatro
Flávio Marinho - lançamento do livro Teatro é o melhor programa
Rio Diversidade
César Augusto - multiplicidade de ações artísticas
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INDICADOS
Autor
Claudia Mauro - A vida passou por aqui
Felipe Vidal - Cabeça (Um documentário cênico)
Fernando Marques - Se eu fosse Iracema
Grace Passô - Vaga carne
Direção
Aderbal Freire-Filho - A paz perpétua
Duda Maia - Auê
Artur Luanda Ribeiro e André Curti - Gritos
Márcio Abreu - Nós
Cenografia
Fernando Mello da Costa e Radiográfico - Céus
José Dias - Dorotéia
Marcio Medina - Galileu Galilei
André Cortez - O camareiro
Daniela Thomas e Camila Schmidt - Os realistas
Figurino
Kika Lopes - Auê
Carol Lobato - Cinderela
Lulu Areal - Dorotéia
Bedth Filipecki e Renaldo Machado - O camareiro
Luiza Fradin - Se eu fosse Iracema
Iluminação
Jorge Farjalla, Patrícia Ferraz e José Dias - Dorotéia
Artur Luanda Ribeiro e Hugo Mercier - Gritos
Maneco Quinderé - O como e o porquê
Beto Bruel - Os realistas
Ator Protagonista
Kiko Mascarenhas - O camareiro
Marcos Caruso - O escândalo Philippe Dussaert
Otto Jr - Amor em dois atos
Zécarlos Machado - Gata em teto de zinco quente
Ator Coadjuvante
Ary França - Galileu Galilei
Gustavo Damasceno - Os cadernos de Kindzu
Pedroca Monteiro - Sucesso
Stephane Brodt - Os cadernos de Kindzu
Atriz Protagonista
Cláudia Mauro - A vida passou por aqui
Debora Bloch - Os realistas
Julia Lund - Amor em dois atos
Laila Garin - Gota d'água (a seco)
Suzana Faini - O como e o porquê
Adassa Martins - Se eu fosse Iracema
Atriz Coadjuvante
Clara Carvalho - Anti-Nelson Rodrigues
Juliana Guimarães - Sucesso
Luciana Lopes - Os cadernos de Kindzu
Lydia Del Picchia - Nós
Espetáculo
A paz perpétua
Auê
Gritos
Nós
Música
Alfredo Del-Penho e Beto Lemos - Auê
Luciano Moreira e Felipe Vidal - Cabeça (um documentário cênico)
Nando Duarte - Gilberto Gil, aquele abraço - o musical
Stephane Brodt - Os cadernos de Kindzu
Beto Lemos e Marcelo H - Gritos
Especial
Wolf Maya - construção do Teatro Nathalia Timberg
Eduardo Rieche - lançamento do livro Yara Amaral, a Operária do Teatro
Flávio Marinho - lançamento do livro Teatro é o melhor programa
Rio Diversidade
César Augusto - multiplicidade de ações artísticas
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terça-feira, 17 de janeiro de 2017
Teatro/CRÍTICA
"Mata teu pai"
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Poderoso libelo contra a discriminação e a intolerância
Lionel Fischer
Antes de entrar no mérito do presente espetáculo, e pensando nos leitores que desconhecem tanto o Mito de Medéia como a tragédia grega "Medéia", escrita por Eurípedes em 431 a.C., vou tentar contextualizar, da forma mais sucinta possível, a realidade da mulher na Grécia naquela época.
Ao nascer, uma menina era muito menos bem-vinda do que um menino. Não tinha acesso a nenhum tipo de educação mais refinada. Mais adiante, não escolhia o marido, função que cabia ao pai. No casamento, era pouco mais do que uma serva do marido. Caso o traísse, e o adultério fosse comprovado, o marido poderia até matá-la. Em contrapartida, o esposo poderia ter quantas amantes desejasse. Em função deste amargo contexto, a terrível discriminação contra as mulheres ganha impressionante dimensão em uma fala (aqui um pouco reduzida) de Medéia dirigindo-se ao Coro das Mulheres na tragédia de Eurípedes:
De todos os seres que respiram e pensam, nós outras, as mulheres, somos as mais miseráveis. Precisamos primeiro comprar muito caro um marido, para depois termos nele um senhor absoluto da nossa pessoa, segundo flagelo ainda pior que o primeiro. Para uma mulher abandonar o marido é escandaloso, repudiá-lo impossível. O homem, dono do lar, sai para distrair-se de seu tédio junto de algum amigo ou de pessoas de sua idade; mas nós, é preciso não termos olhos a não ser para eles.
Isto posto, convém também recordar que, além de sua condição de estrangeira, Medéia sacrificou tudo por Jasão, além de ter-lhe dado dois filhos. Portanto, ao descobrir que estava sendo traída e que certamente seria abandonada, empreende a terrível vingança assassinando as duas crianças, para que Jasão fosse vítima de uma dor inconcebível - para não exaurir o leitor com mais informações, me abstenho de expor a trajetória anterior de Medéia, pontuada por trágicos acontecimentos.
Encerrado o já não tão breve preâmbulo, vamos ao motivo desta análise. "Mata teu pai" é o sexto espetáculo da Cia OmondÉ, em cartaz no Espaço Cultural Sergio Porto. De autoria de Grace Passô, a peça chega à cena com direção de Inez Viana e interpretação a cargo de Debora Lamm, que divide o palco com 13 senhoras, moradoras da região da Gamboa, todas com mais de 65 anos e que formam um coro que, de acordo com o release que me foi enviado, representa uma espécie de inconsciente de Medéia.
A personagem, na atual versão, é uma imigrante que convive com outras imigrantes, advindas da Síria, Cuba, Israel, Haiti e uma paulista - Nelson Rodrigues costumava dizer que a pior forma de solidão é a companhia de um paulista. Com elas reparte suas angústias, de algumas obtendo apoio, de outras rejeição. E que angústias são essas? Basicamente tudo se resume à questão do não pertencimento ao lugar em que se vive, ao papel destinado às mulheres numa sociedade dominada pelos homens e à intolerância.
Em meio a reflexões impregnadas de lúcida ferocidade, a Medéia contemporânea criada por Grace Passô assume uma fortíssima dimensão atemporal, pois se as mulheres de agora já conquistaram um espaço muito mais relevante do que as do passado, ainda assim continuam sendo vítimas de uma infinidade de discriminações. E há que se levar em conta também que, no presente caso, tudo gira em torno de mulheres expatriadas, ou seja, que carregam o estigma, como já foi dito, do não pertencimento, da permanente sensação de viverem em uma sociedade que dificilmente as aceitará plenamente. Finalmente, o texto aborda a decisão desta Medéia contemporânea de cometer o mesmo e terrível ato da mitológica figura, fruto das mesmas circunstâncias - nessa passagem, o ótimo texto de Grace Passô adquire uma potência trágica realmente admirável.
Com relação ao espetáculo, Inez Viana aproveita ao máximo a excelente cenografia de Mina Quental, uma espécie de terra arrasada entulhada de lixo eletrônico - carregadores de celular, baterias, teclados de computador, monitores. Aqui me parece que a ideia da cenógrafa possa ter sido a de sugerir a inutilidade de tanta tecnologia, já que a essencial humanidade não existiria. Em meio a esses destroços, a solidão, a revolta e o desespero da protagonista ganham uma dimensão ainda mais trágica, circunstância que Debora Lamm explora de forma magnífica.
Possuidora de ótima voz, grande expressividade corporal, forte presença e uma inteligência cênica que a faz desprezar as soluções mais fáceis ou as mais óbvias, Debora Lamm exibe aqui a melhor performance de sua brilhante carreira, reafirmando uma vez mais tratar-se de uma das melhores atrizes de sua geração. Quanto ao coro das senhorinhas da Gamboa, todas executam com segurança as tarefas que lhes foram confiadas.
No complemento da ficha técnica, parabenizo com o mesmo entusiasmo as colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta imperdível empreitada teatral - Nadja Naira e Ana Luzia de Simoni (iluminação), Sol Azulay (figurino), Josef Chasilew (caracterização), Felipe Storino (direção musical), Marcia Rubin (direção de movimento) e Felipe Braga (programação visual).
MATA TEU PAI - Texto de Grace Passô. Direção de Inez Viana. Com Debora Lamm e senhorinhas da Gamboa. Espaço Cultural Sergio Porto. Sábado e segunda, 21h. Domingo, 20h.
"Mata teu pai"
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Poderoso libelo contra a discriminação e a intolerância
Lionel Fischer
Antes de entrar no mérito do presente espetáculo, e pensando nos leitores que desconhecem tanto o Mito de Medéia como a tragédia grega "Medéia", escrita por Eurípedes em 431 a.C., vou tentar contextualizar, da forma mais sucinta possível, a realidade da mulher na Grécia naquela época.
Ao nascer, uma menina era muito menos bem-vinda do que um menino. Não tinha acesso a nenhum tipo de educação mais refinada. Mais adiante, não escolhia o marido, função que cabia ao pai. No casamento, era pouco mais do que uma serva do marido. Caso o traísse, e o adultério fosse comprovado, o marido poderia até matá-la. Em contrapartida, o esposo poderia ter quantas amantes desejasse. Em função deste amargo contexto, a terrível discriminação contra as mulheres ganha impressionante dimensão em uma fala (aqui um pouco reduzida) de Medéia dirigindo-se ao Coro das Mulheres na tragédia de Eurípedes:
De todos os seres que respiram e pensam, nós outras, as mulheres, somos as mais miseráveis. Precisamos primeiro comprar muito caro um marido, para depois termos nele um senhor absoluto da nossa pessoa, segundo flagelo ainda pior que o primeiro. Para uma mulher abandonar o marido é escandaloso, repudiá-lo impossível. O homem, dono do lar, sai para distrair-se de seu tédio junto de algum amigo ou de pessoas de sua idade; mas nós, é preciso não termos olhos a não ser para eles.
Isto posto, convém também recordar que, além de sua condição de estrangeira, Medéia sacrificou tudo por Jasão, além de ter-lhe dado dois filhos. Portanto, ao descobrir que estava sendo traída e que certamente seria abandonada, empreende a terrível vingança assassinando as duas crianças, para que Jasão fosse vítima de uma dor inconcebível - para não exaurir o leitor com mais informações, me abstenho de expor a trajetória anterior de Medéia, pontuada por trágicos acontecimentos.
Encerrado o já não tão breve preâmbulo, vamos ao motivo desta análise. "Mata teu pai" é o sexto espetáculo da Cia OmondÉ, em cartaz no Espaço Cultural Sergio Porto. De autoria de Grace Passô, a peça chega à cena com direção de Inez Viana e interpretação a cargo de Debora Lamm, que divide o palco com 13 senhoras, moradoras da região da Gamboa, todas com mais de 65 anos e que formam um coro que, de acordo com o release que me foi enviado, representa uma espécie de inconsciente de Medéia.
A personagem, na atual versão, é uma imigrante que convive com outras imigrantes, advindas da Síria, Cuba, Israel, Haiti e uma paulista - Nelson Rodrigues costumava dizer que a pior forma de solidão é a companhia de um paulista. Com elas reparte suas angústias, de algumas obtendo apoio, de outras rejeição. E que angústias são essas? Basicamente tudo se resume à questão do não pertencimento ao lugar em que se vive, ao papel destinado às mulheres numa sociedade dominada pelos homens e à intolerância.
Em meio a reflexões impregnadas de lúcida ferocidade, a Medéia contemporânea criada por Grace Passô assume uma fortíssima dimensão atemporal, pois se as mulheres de agora já conquistaram um espaço muito mais relevante do que as do passado, ainda assim continuam sendo vítimas de uma infinidade de discriminações. E há que se levar em conta também que, no presente caso, tudo gira em torno de mulheres expatriadas, ou seja, que carregam o estigma, como já foi dito, do não pertencimento, da permanente sensação de viverem em uma sociedade que dificilmente as aceitará plenamente. Finalmente, o texto aborda a decisão desta Medéia contemporânea de cometer o mesmo e terrível ato da mitológica figura, fruto das mesmas circunstâncias - nessa passagem, o ótimo texto de Grace Passô adquire uma potência trágica realmente admirável.
Com relação ao espetáculo, Inez Viana aproveita ao máximo a excelente cenografia de Mina Quental, uma espécie de terra arrasada entulhada de lixo eletrônico - carregadores de celular, baterias, teclados de computador, monitores. Aqui me parece que a ideia da cenógrafa possa ter sido a de sugerir a inutilidade de tanta tecnologia, já que a essencial humanidade não existiria. Em meio a esses destroços, a solidão, a revolta e o desespero da protagonista ganham uma dimensão ainda mais trágica, circunstância que Debora Lamm explora de forma magnífica.
Possuidora de ótima voz, grande expressividade corporal, forte presença e uma inteligência cênica que a faz desprezar as soluções mais fáceis ou as mais óbvias, Debora Lamm exibe aqui a melhor performance de sua brilhante carreira, reafirmando uma vez mais tratar-se de uma das melhores atrizes de sua geração. Quanto ao coro das senhorinhas da Gamboa, todas executam com segurança as tarefas que lhes foram confiadas.
No complemento da ficha técnica, parabenizo com o mesmo entusiasmo as colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta imperdível empreitada teatral - Nadja Naira e Ana Luzia de Simoni (iluminação), Sol Azulay (figurino), Josef Chasilew (caracterização), Felipe Storino (direção musical), Marcia Rubin (direção de movimento) e Felipe Braga (programação visual).
MATA TEU PAI - Texto de Grace Passô. Direção de Inez Viana. Com Debora Lamm e senhorinhas da Gamboa. Espaço Cultural Sergio Porto. Sábado e segunda, 21h. Domingo, 20h.
sexta-feira, 13 de janeiro de 2017
Teatro/CRÍTICA
"O escândalo Philippe Dussaert"
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Inesquecível encontro com Marcos Caruso
Lionel Fischer
"Reconhecido por seu talento de exímio copista, Philippe Dussaert reproduz quadros famosos de pintores como Da Vinci, Manet, Cézane e Vermeer, porém exclui da imagem quaisquer personagens humanos ou animais, e preserva fielmente o cenário ao fundo. Causando surpresa e inquietude no mundo das artes, ele segue radicalizando sua proposta e aos poucos suas obras se tornam cada vez mais valiosas e são disputadas por grandes museus e colecionadores. A trajetória de Dussaert chega ao ápice quando ele expõe e vende, ao custo de 8 milhões de francos, sua obra maior. O episódio deflagra uma reviravolta, que ficou conhecida como O Escândalo Philippe Dussaer".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto de "O escândalo Philippe Dussaert", de autoria de Jacques Mougenot, em cartaz na França há quase uma década com o autor interpretando o monólogo. Em exibição no Teatro Maison de France, a peça tem direção assinada por Fernando Philbert e interpretação a cargo de Marcos Caruso.
Recebidos na entrada pelo ator de forma extremamente educada e carinhosa, ao se instalarem em suas poltronas os espectadores constatam que irão assistir a uma palestra, cujo tema titula o espetáculo. E durante o transcorrer da mesma, o palestrante vai aos poucos saciando a curiosidade que impera desde o início, ao mesmo tempo em que empreende divertidas e pertinentes reflexões sobre arte contemporânea. Quanto à mencionada curiosidade que vai sendo saciada, me abstenho de tecer qualquer consideração sobre ela, posto que isso privaria o espectador de inenarráveis surpresas. Mas certamente posso falar um pouco, ainda que com modéstia, a respeito do que é dito sobre arte contemporânea.
Sempre se relacionando com a plateia de forma direta e amorosa, em dado momento o palestrante propõe que se tente chegar a uma definição de arte contemporânea. Existiria essa tal arte? E caso exista, quais seriam os critérios que a definem? E se critérios existem, quem os teria criado e com que autoridade? Essas e outras questões são formuladas, e a impressão que tenho é de que o autor, sem negar a existência de obras contemporâneas que merecem ser consideradas Arte, acredita que grande parte delas não passa de subprodutos criados por oportunistas e que, não raro, têm sua validade respaldada por supostos especialistas temerosos de serem considerados presos ao passado e à tradição. Talvez esta seja a opinião de Jacques Mougenot. Mas caso não seja, em todo caso é a minha.
Com relação ao espetáculo, Fernando Philbert impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Se por um lado o diretor investe em marcações que aproximam o personagem da plateia, convertendo-a em cúmplice, por outro não se descuida de enfatizar momentos em que ocorrem súbitos afastamentos, durante os quais o palestrante sugere estar totalmente tomado pela realidade da cena. Afora esta sábia e bem articulada alternância, cabe ainda ressaltar a precisão dos tempos rítmicos e a sensibilidade de Philbert no sentido de proporcionar a Marcos Caruso todas as condições para que ele pudesse explorar ao máximo seu imenso talento.
Diante de um ator deste porte e com a trajetória artística que possui, me parece totalmente desnecessário tecer considerações sobre suas mais do que reconhecidas virtudes, tais como excelente voz e não menos excelente expressividade corporal, seu carisma, sua fortíssima presença cênica etc. Mas então, já que estou optando por não me ater a considerações de ordem técnica, como faço para traduzir em palavras o encantamento que senti, sem dúvida o mesmo que todos sentem ao vê-lo em cena no presente espetáculo?
Na dúvida, opto inicialmente pelo mistério. Ou seja: não haveria nenhuma explicação capaz de definir o fortíssimo elo que Marcos Caruso estabelece com a plateia. Mas exercendo a crítica teatral há 27 anos, imagino que os leitores não se satisfaçam com uma explicação aparentemente tão vaga. Então, vamos à segunda hipótese, esta absolutamente palpável: Marcos Caruso jamais está sozinho em cena - mesmo que invisíveis para o público, os deuses do teatro estão sempre a rodeá-lo, protegendo-o de eventuais percalços e incentivando-o cada vez mais a promover um verdadeiro e inesquecível encontro entre quem faz e quem assiste.
Na equipe técnica, Marilu de Seixas Corrêa responde por magnífica e fluente tradução, a mesma excelência presente na cenografia e figurino de Natalia Lana (com relação a este último, devo confessar minha inveja dos lindíssimos sapatos usados pelo ator), na iluminação de Vilmar Olos, na direção musical de Maíra Freitas e nas belas e divertidas projeções de Rico e Renato Vilarouca.
O ESCÂNDALO PHILIPPE DUSSAERT - Texto de Jacques Mougenot. Direção de Fernando Philbert. Com Marcos Caruso. Teatro Maison de France. 5ª e 6ª às 20h; sábado às 21h e domingo às 18h.
"O escândalo Philippe Dussaert"
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Inesquecível encontro com Marcos Caruso
Lionel Fischer
"Reconhecido por seu talento de exímio copista, Philippe Dussaert reproduz quadros famosos de pintores como Da Vinci, Manet, Cézane e Vermeer, porém exclui da imagem quaisquer personagens humanos ou animais, e preserva fielmente o cenário ao fundo. Causando surpresa e inquietude no mundo das artes, ele segue radicalizando sua proposta e aos poucos suas obras se tornam cada vez mais valiosas e são disputadas por grandes museus e colecionadores. A trajetória de Dussaert chega ao ápice quando ele expõe e vende, ao custo de 8 milhões de francos, sua obra maior. O episódio deflagra uma reviravolta, que ficou conhecida como O Escândalo Philippe Dussaer".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto de "O escândalo Philippe Dussaert", de autoria de Jacques Mougenot, em cartaz na França há quase uma década com o autor interpretando o monólogo. Em exibição no Teatro Maison de France, a peça tem direção assinada por Fernando Philbert e interpretação a cargo de Marcos Caruso.
Recebidos na entrada pelo ator de forma extremamente educada e carinhosa, ao se instalarem em suas poltronas os espectadores constatam que irão assistir a uma palestra, cujo tema titula o espetáculo. E durante o transcorrer da mesma, o palestrante vai aos poucos saciando a curiosidade que impera desde o início, ao mesmo tempo em que empreende divertidas e pertinentes reflexões sobre arte contemporânea. Quanto à mencionada curiosidade que vai sendo saciada, me abstenho de tecer qualquer consideração sobre ela, posto que isso privaria o espectador de inenarráveis surpresas. Mas certamente posso falar um pouco, ainda que com modéstia, a respeito do que é dito sobre arte contemporânea.
Sempre se relacionando com a plateia de forma direta e amorosa, em dado momento o palestrante propõe que se tente chegar a uma definição de arte contemporânea. Existiria essa tal arte? E caso exista, quais seriam os critérios que a definem? E se critérios existem, quem os teria criado e com que autoridade? Essas e outras questões são formuladas, e a impressão que tenho é de que o autor, sem negar a existência de obras contemporâneas que merecem ser consideradas Arte, acredita que grande parte delas não passa de subprodutos criados por oportunistas e que, não raro, têm sua validade respaldada por supostos especialistas temerosos de serem considerados presos ao passado e à tradição. Talvez esta seja a opinião de Jacques Mougenot. Mas caso não seja, em todo caso é a minha.
Com relação ao espetáculo, Fernando Philbert impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Se por um lado o diretor investe em marcações que aproximam o personagem da plateia, convertendo-a em cúmplice, por outro não se descuida de enfatizar momentos em que ocorrem súbitos afastamentos, durante os quais o palestrante sugere estar totalmente tomado pela realidade da cena. Afora esta sábia e bem articulada alternância, cabe ainda ressaltar a precisão dos tempos rítmicos e a sensibilidade de Philbert no sentido de proporcionar a Marcos Caruso todas as condições para que ele pudesse explorar ao máximo seu imenso talento.
Diante de um ator deste porte e com a trajetória artística que possui, me parece totalmente desnecessário tecer considerações sobre suas mais do que reconhecidas virtudes, tais como excelente voz e não menos excelente expressividade corporal, seu carisma, sua fortíssima presença cênica etc. Mas então, já que estou optando por não me ater a considerações de ordem técnica, como faço para traduzir em palavras o encantamento que senti, sem dúvida o mesmo que todos sentem ao vê-lo em cena no presente espetáculo?
Na dúvida, opto inicialmente pelo mistério. Ou seja: não haveria nenhuma explicação capaz de definir o fortíssimo elo que Marcos Caruso estabelece com a plateia. Mas exercendo a crítica teatral há 27 anos, imagino que os leitores não se satisfaçam com uma explicação aparentemente tão vaga. Então, vamos à segunda hipótese, esta absolutamente palpável: Marcos Caruso jamais está sozinho em cena - mesmo que invisíveis para o público, os deuses do teatro estão sempre a rodeá-lo, protegendo-o de eventuais percalços e incentivando-o cada vez mais a promover um verdadeiro e inesquecível encontro entre quem faz e quem assiste.
Na equipe técnica, Marilu de Seixas Corrêa responde por magnífica e fluente tradução, a mesma excelência presente na cenografia e figurino de Natalia Lana (com relação a este último, devo confessar minha inveja dos lindíssimos sapatos usados pelo ator), na iluminação de Vilmar Olos, na direção musical de Maíra Freitas e nas belas e divertidas projeções de Rico e Renato Vilarouca.
O ESCÂNDALO PHILIPPE DUSSAERT - Texto de Jacques Mougenot. Direção de Fernando Philbert. Com Marcos Caruso. Teatro Maison de France. 5ª e 6ª às 20h; sábado às 21h e domingo às 18h.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2017
Prêmio Cesgranrio de Teatro / 4ª Edição / 2016
A cerimônia de premiação acontece no próximo dia 24 de janeiro, no Golden Roon do Copacabana Palace. A festa será apresentada por Irene Ravache e Eriberto Leão. A homenageada é a atriz Nicette Bruno. O início da premiação ocorre às 21h e às 22h30 rola o coquetel souper de confraternização.
INDICADOS
MELHOR FIGURINO
Cassio Brasil por “5X Comédia”
Kika Lopes por “A Gota d’Água [A
Seco]”
Luiza Fardin por “Se Eu Fosse
Iracema”
Marcelo Olinto por “A Invenção do
Amor”
Paula Ströher por “Tran_se”
MELHOR CENOGRAFIA
André Cortez por “A Gota d’Água
[A Seco]”
André Curti e Artur Luanda
Ribeiro por “Gritos”
Aurora dos Campos por “Os
Sonhadores”
Bel Lobo e Bruce Gomlevsky por
“Demônios”
Daniela Thomas e Camila Schmidt
por “Os Realistas”
José Dias por “Boa Noite,
Professor”
MELHOR ILUMINAÇÃO
Artur Luanda Ribeiro e Hugo
Mercier por “Gritos”
Maneco Quinderé por “O Como e o
Porquê”
Nadja Naira por “Vaga Carne”
Paulo César Medeiros por “Imagina
Esse Palco que se Mexe”
Rodrigo Belay “Os Sonhadores”
Tomás Ribas por “Fatal”
MELHOR ATOR
Álamo Facó por “Mamãe”
Bruno Mazzeo por “5X Comédia”
Emílio de Mello por “Os
Realistas”
Marcos Caruso por “O Escândalo
Philippe Dussaert”
Matheus Nachtergaele por
“Processo de Conscerto do Desejo”
Otto Jr. por “Amor em Dois Atos”
MELHOR ATOR EM TEATRO MUSICAL
Alexandre Rosa Moreno por “A
Cuíca do Laurindo”
Hugo Bonemer por “OrdinaryDays”
Hugo Germano por “A Cuíca do
Laurindo”
CATEGORIA ESPECIAL
Cesar Augusto pela curadoria do
Galpão Gamboa
Eduardo Rieche pela autoria do
livro “Yara Amaral - A Operária do Teatro”
Elenco do espetáculo “Auê”
Nós do Morro pelos 30 anos de
atividades
Tato Taborda pela criação musical
nos espetáculos “Céus”, “Boa Noite, Professor” e “Imagina Esse
Palco que se
Mexe”
Wolf Maya pela construção do
Teatro Nathalia Timberg
MELHOR ATRIZ
Claudia Mauro por “A Vida Passou
Por Aqui”
Debora Bloch por “Os Realistas”
Fabiula Nascimento por “5X
Comédia”
Grace Passô por “Vaga Carne”
Helena Varvaki por “A
Outra Casa”
Suzana Faini por “O Como e o
Porquê”
MELHOR ATRIZ EM TEATRO MUSICAL
Laila Garin por “A Gota d’Água [A
Seco]”
Vilma Melo por “Chica da Silva -
O Musical”
MELHOR DIREÇÃO
Ana Teixeira e Stephane Brodt por
“Os Cadernos de Kindzu”
André Curti e Artur Luanda
Ribeiro por “Gritos”
Duda Maia por “Auê”
Guilherme Weber por “Os
Realistas”
Luiz Felipe Reis por “Amor em
Dois Atos”
Marcio Abreu por “Nós”
MELHOR DIREÇÃO MUSICAL
Alexandre Elias por “Chica da
Silva - O Musical”
Alfredo Del-Penho e Beto Lemos
por “Auê”
Luciano Moreira e Felipe Vidal
por “Cabeça (Um Documentário Cênico)”
Luis Barcelos por “A Cuíca do
Laurindo”
Pedro Luís por “A Gota d’Água [A
Seco]”
MELHOR TEXTO NACIONAL INÉDITO
Álamo Facó por “Mamãe”
Claudia Mauro por “A Vida Passou
por Aqui”
Diogo Liberano e Dominique
Arantes por “Os Sonhadores”
Felipe Vidal por “Cabeça (Um
Documentário Cênico)”
Grace Passô por “Vaga Carne”
Rodrigo Portella por “Alice
Mandou um Beijo”
MELHOR ESPETÁCULO
Auê
Gritos
Mamãe
Nós
Os Cadernos de Kindzu
Vaga Carne
_________________________________
Teatro/CRÍTICA
"Se eu fosse Sylvia P."
.....................................................................
A frágil relevância das coincidências
Lionel Fischer
"A ruptura real de um casamento foi a motivação para a criação do espetáculo, idealizado pela atriz e dramaturga Alessandra Gelio. Há quatro anos, depois de assistir ao filme Sylvia - paixão além das palavras, Gelio começou a pesquisar o universo da poeta Sylvia Plath (1932-1963) e descobriu várias semelhanças entre momentos marcantes de sua vida pessoal e da escritora norte-americana. A montagem é uma experiência cênica poética que transita entre a realidade e a ficção. O tom confessional que marca a obra literária de Plath conduz a dramaturgia criando uma atmosfera intimista. Temas como amor, solidão, relações familiares, vida e morte perpassam a apresentação".
Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima define as premissas essenciais que deram origem a "Se eu fosse Sylvia P.", em cartaz no Teatro Cândido Mendes. Alessandra Gelio responde pela idealização do projeto e pela dramaturgia, também assinando a direção com Cyntia Reis. No elenco, Alessandra Gelio, Léo Rosa e Téia Kane.
Antes de entrar no mérito do presente espetáculo, e pensando basicamente nos espectadores que não leram Plath, gostaria de salientar que a poeta, contista e romancista norte-americana é reconhecida principalmente por sua obra poética, com destaque para "Ariel" (obra póstuma) e "Poemas". A autora também escreveu o romance "A redoma de vidro", de cunho autobiográfico, no qual aborda, dentre outros temas, sua luta contra a depressão. Plath suicidou-se em Londres - tomou uma grande quantidade de narcóticos e enfiou a cabeça dentro do forno.
Com relação a Sylvia Plath, imagino que ela pudesse padecer de algo que defino como a dor de existir, um estado imune a todos os tratamentos, posto que nada tem a ver com angústias definidas ou mazelas advindas dos clássicos conflitos que todos temos que enfrentar. É algo ligado a um permanente desconforto, a uma sensação de que nada pode ser suficiente, que coisa alguma é capaz de preencher o vazio que o tempo só faz esgarçar. Na peça "Caligula", de Albert Camus, o imperador enlouquece porque não pode ter a lua, ou seja, o impossível. Não sei que luas Sylvia Plath desejaria possuir, mas certamente não lhe foram acessíveis.
Entrando agora - e finalmente - no projeto que é alvo desta análise, devo confessar que uma dúvida me assaltou. E ela diz respeito ao explicitado no parágrafo inicial: "Gelio descobriu várias semelhanças entre momentos marcantes de sua vida pessoal e da escritora norte-americana". Pois bem: seriam de fato relevantes tais descobertas? Ou elas deveriam ser encaradas no máximo como curiosas coincidências? Ao que tudo indica, Alessandra Gelio levou a sério as ditas coincidências, posto que escreveu o texto baseando-se nelas. E aqui reside o principal problema da peça.
Se tivesse optado por escrever uma obra baseada unicamente na vida de Sylvia Plath, a autora talvez chegasse a um ótimo resultado. O mesmo poderia ter ocorrido se sua opção fosse a de escrever sobre si mesma, já que sua história não carece de dramaticidade - tentativa de suicídio, a morte precoce do pai etc. No entanto, ao alternar permanentemente a narrativa entre a história de Plath e a sua, o indispensável aprofundamento sobre as trajetórias das duas personalidades acaba não se materializando. Ainda assim, seria injusto não mencionar a força de alguns diálogos e sua carga poética, cabendo também registrar a coragem de Alessandra Gelio de expor sem rodeios momentos marcantes de sua história pessoal.
Com relação ao espetáculo, este alterna passagens interessantes e outras bem menos. As interessantes ocorrem, quase sempre, quando o elenco encarna personagens envolvidos em viscerais embates; mas sempre que o foco recai para o tom confessional, com os atores se relacionando diretamente com a plateia, aí se dá um grande esvaziamento, uma espécie de conforto que, a meu ver, um espetáculo desta natureza não deveria proporcionar. E essa alternância de interesse também marca a performance do elenco, bem mais eficaz quando Alessandra Gelio, Léo Rosa e Téia Kane não estão falando de si mesmos e sim representando.
Na equipe técnica, Elsa Romero assina uma cenografia um tanto misteriosa. De gavetões que sugerem arquivos de abandonadas repartições públicas são retirados arbitrariamente alguns objetos; no teto, potinhos com líquidos de variadas cores estão pendurados, sem que se saiba por que; finalmente, temos um aquário colocado em cima dos ditos gavetões, sendo tal objeto efetivamente importante para o espetáculo. Rosa Ebee e Tiago Ribeiro respondem por figurinos em sintonia com as personalidades retratadas. Renato Machado ilumina a cena com a competência habitual, ainda que lançando mão de um número excessivo de efeitos. Quanto ao vídeo de Sandro Arieta, me parece que o mesmo não foi utilizado. E no que se refere à colaboração artística de Helena Varvaqui, não sei em que medida ela se deu, posto que não especificada. Finalmente, o guitarrista Fellipe Mesquita exibe competência e sensibilidade.
SE EU FOSSE SYLVIA P. - dramaturgia de Alessandra Gelio. Direção de Gelio e Cyntia Reis. Com Alessandra Gelio, Léo Rosa e Téia Kane. Teatro Cândido Mendes. Terça a quinta, 20h.
"Se eu fosse Sylvia P."
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A frágil relevância das coincidências
Lionel Fischer
"A ruptura real de um casamento foi a motivação para a criação do espetáculo, idealizado pela atriz e dramaturga Alessandra Gelio. Há quatro anos, depois de assistir ao filme Sylvia - paixão além das palavras, Gelio começou a pesquisar o universo da poeta Sylvia Plath (1932-1963) e descobriu várias semelhanças entre momentos marcantes de sua vida pessoal e da escritora norte-americana. A montagem é uma experiência cênica poética que transita entre a realidade e a ficção. O tom confessional que marca a obra literária de Plath conduz a dramaturgia criando uma atmosfera intimista. Temas como amor, solidão, relações familiares, vida e morte perpassam a apresentação".
Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima define as premissas essenciais que deram origem a "Se eu fosse Sylvia P.", em cartaz no Teatro Cândido Mendes. Alessandra Gelio responde pela idealização do projeto e pela dramaturgia, também assinando a direção com Cyntia Reis. No elenco, Alessandra Gelio, Léo Rosa e Téia Kane.
Antes de entrar no mérito do presente espetáculo, e pensando basicamente nos espectadores que não leram Plath, gostaria de salientar que a poeta, contista e romancista norte-americana é reconhecida principalmente por sua obra poética, com destaque para "Ariel" (obra póstuma) e "Poemas". A autora também escreveu o romance "A redoma de vidro", de cunho autobiográfico, no qual aborda, dentre outros temas, sua luta contra a depressão. Plath suicidou-se em Londres - tomou uma grande quantidade de narcóticos e enfiou a cabeça dentro do forno.
Com relação a Sylvia Plath, imagino que ela pudesse padecer de algo que defino como a dor de existir, um estado imune a todos os tratamentos, posto que nada tem a ver com angústias definidas ou mazelas advindas dos clássicos conflitos que todos temos que enfrentar. É algo ligado a um permanente desconforto, a uma sensação de que nada pode ser suficiente, que coisa alguma é capaz de preencher o vazio que o tempo só faz esgarçar. Na peça "Caligula", de Albert Camus, o imperador enlouquece porque não pode ter a lua, ou seja, o impossível. Não sei que luas Sylvia Plath desejaria possuir, mas certamente não lhe foram acessíveis.
Entrando agora - e finalmente - no projeto que é alvo desta análise, devo confessar que uma dúvida me assaltou. E ela diz respeito ao explicitado no parágrafo inicial: "Gelio descobriu várias semelhanças entre momentos marcantes de sua vida pessoal e da escritora norte-americana". Pois bem: seriam de fato relevantes tais descobertas? Ou elas deveriam ser encaradas no máximo como curiosas coincidências? Ao que tudo indica, Alessandra Gelio levou a sério as ditas coincidências, posto que escreveu o texto baseando-se nelas. E aqui reside o principal problema da peça.
Se tivesse optado por escrever uma obra baseada unicamente na vida de Sylvia Plath, a autora talvez chegasse a um ótimo resultado. O mesmo poderia ter ocorrido se sua opção fosse a de escrever sobre si mesma, já que sua história não carece de dramaticidade - tentativa de suicídio, a morte precoce do pai etc. No entanto, ao alternar permanentemente a narrativa entre a história de Plath e a sua, o indispensável aprofundamento sobre as trajetórias das duas personalidades acaba não se materializando. Ainda assim, seria injusto não mencionar a força de alguns diálogos e sua carga poética, cabendo também registrar a coragem de Alessandra Gelio de expor sem rodeios momentos marcantes de sua história pessoal.
Com relação ao espetáculo, este alterna passagens interessantes e outras bem menos. As interessantes ocorrem, quase sempre, quando o elenco encarna personagens envolvidos em viscerais embates; mas sempre que o foco recai para o tom confessional, com os atores se relacionando diretamente com a plateia, aí se dá um grande esvaziamento, uma espécie de conforto que, a meu ver, um espetáculo desta natureza não deveria proporcionar. E essa alternância de interesse também marca a performance do elenco, bem mais eficaz quando Alessandra Gelio, Léo Rosa e Téia Kane não estão falando de si mesmos e sim representando.
Na equipe técnica, Elsa Romero assina uma cenografia um tanto misteriosa. De gavetões que sugerem arquivos de abandonadas repartições públicas são retirados arbitrariamente alguns objetos; no teto, potinhos com líquidos de variadas cores estão pendurados, sem que se saiba por que; finalmente, temos um aquário colocado em cima dos ditos gavetões, sendo tal objeto efetivamente importante para o espetáculo. Rosa Ebee e Tiago Ribeiro respondem por figurinos em sintonia com as personalidades retratadas. Renato Machado ilumina a cena com a competência habitual, ainda que lançando mão de um número excessivo de efeitos. Quanto ao vídeo de Sandro Arieta, me parece que o mesmo não foi utilizado. E no que se refere à colaboração artística de Helena Varvaqui, não sei em que medida ela se deu, posto que não especificada. Finalmente, o guitarrista Fellipe Mesquita exibe competência e sensibilidade.
SE EU FOSSE SYLVIA P. - dramaturgia de Alessandra Gelio. Direção de Gelio e Cyntia Reis. Com Alessandra Gelio, Léo Rosa e Téia Kane. Teatro Cândido Mendes. Terça a quinta, 20h.