Teatro/CRÍTICA
"Cálculo ilógico"
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Ótima versão de texto belíssimo
Lionel Fischer
"Misturando ficção e realidade, o solo apresenta o sentimento de inquietação que cerca a nós, humanos, quando nos deparamos com o fim. Em cena, a personagem Ella relembra, revive, calcula acontecimentos e expõe, em números, a eliminação errada de seu irmão D+ 1. A matemática é utilizada em metáforas e nesta autoficção a autora se apropria de uma dor pessoal e tenta entender esse sofrimento por meio de fórmulas e cálculos".
Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto em que se dá "Cálculo ilógico", de autoria de Jéssica Menkel, que também dá vida à personagem. Em cartaz na Sala Rogério Cardoso (Casa de Cultura Laura Alvim), a montagem leva a assinatura de Daniel Herz.
Acredito que todos nós, ainda que em graus variados, tenhamos para com a morte uma relação extremamente delicada. Para os que possuem algum tipo de fé, resta o consolo da possibilidade de um encontro futuro com aquele que se foi. Mas mesmo assim a dor é inenarrável e invariavelmente tentamos entender as razões que nos privaram de alguém que amamos tanto, sobretudo quando a morte não é fruto de uma doença incurável, e sim de um acidente imprevisto - no primeiro caso, ainda conseguimos criar mecanismos de defesa contra o inevitável; já no segundo, a surpresa gera uma sensação de orfandade absolutamente devastadora.
Pois bem: neste caso, a autora parte de um fato real, a morte de seu irmão mais velho, quando ela tinha dez anos. Ele estava de bicicleta, um ônibus avança o sinal e a tragédia se materializa. A partir daí, o que fazer? Como seguir em frente com o coração e a alma devastados, quando todas as lágrimas possíveis já foram derramadas, mas o peito segue oprimido como se sobre ele tivesse se instalado o peso do mundo? Ou sucumbimos por completo e aceitamos a depressão como algo inevitável, ou tentamos reagir de alguma forma. No presente caso, como já foi dito, a personagem tenta se valer de fórmulas matemáticas.
Antes da tragédia, a família era composta por pai, mãe, irmão e irmã. Formavam um cubo ou seria um quadrado? Não, não é bem assim, já que o quadrado é apenas uma forma de se demonstrar uma figura de quatro vértices, enquanto o cubo mostra uma estrutura de 12 vértices. Mas agora que o irmão se foi, o que restou foi um triângulo. Então, será que o Teorema de Pigágoras poderia ser de alguma valia?
Ele nos diz que existe uma relação matemática entre os comprimentos dos lados de qualquer triângulo retângulo. Mas a dor não passa. Então, quem sabe Euclides? Na geometria euclidiana, o teorema afirma que "Em qualquer triângulo retângulo, o quadrado do comprimento da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos comprimentos dos catetos". Mas a dor insiste em não se converter em resignação. Restaria, então, partir para um confronto direto com Deus, que Ella chama ironicamente de Senhor Superior Positivo Neutro?
Enfim...nem a matemática, e tampouco ironias, são suficientes. No entanto, em sua desesperada busca de entendimento para o que não pode ser entendido, neste percurso tão impregnado de dor e revolta, a personagem vai aos poucos se reestruturando, reinventando a si mesma a fim de seguir vivendo, o que acaba conseguindo ao se convencer de que, se por um lado não terá mais o irmão enquanto presença física, por outro o levará sempre em seu coração. Aqui, como em qualquer situação real semelhante, essa é a única alternativa possível, a única que pode nos gerar a paz tão almejada.
Texto belíssimo, "Calculo ilógico" recebeu ótima versão cênica de Daniel Herz, cabendo destacar sua desafiadora proposta de irmanar palavra e movimento, de torná-los indissociáveis, como se verbo e gestos não pudessem existir isoladamente, como se constituíssem um só corpo. E este é materializado de forma brilhante por Jéssika Menkel, atriz de apenas 28 anos, cuja fortíssima presença, visceral capacidade de entrega e inteligência cênica me levam a afirmar, sem nenhuma hesitação, que estamos diante de uma intérprete que reúne todas as condições para empreender uma lindíssima trajetória profissional.
Na equipe técnica, Thanara Schonardie responde por um figurino de grande expressividade, composto de roupas que se sobrepõem, incluindo uma camisa do irmão da protagonista - posso estar enganado, naturalmente, mas acredito que a intenção possa ter sido a de criar uma pele impregnada de memórias. A mesma profissional responde por uma cenografia simples e eficiente, composta basicamente por cubos e os destroços da bicicleta do irmão falecido. A mesma eficiência se faz presente na seca e pontual iluminação de Aurélio de Simoni, na preparação vocal de Jane Celeste e na direção musical de Éric Camargo. Finalmente, gostaria de ressaltar a beleza e sobretudo a objetividade do design gráfico de Bruno Niquet e Sheila Gelsleuchter - em muitos casos, os designers são tão criativos que para se chegar às informações essenciais temos que empreender hercúleos esforços.
CÁLCULO ILÓGICO - Texto e atuação de Jéssika Menkel. Direção de Daniel Herz. Casa de Cultura Laura Alvim. Sexta e sábado, 19h. Domingo, 18h.
segunda-feira, 27 de maio de 2019
quinta-feira, 23 de maio de 2019
Esta mensagem foi enviada com Alta prioridade.
AC
Ana de Castro <anadecastro@terra.com.br>
Qui, 23/05/2019 16:58
- Ana de Castro
UNIRIO – PROEXC/ESCOLA DE TEATRO & SOCIEDADE PSICANALÍTICA DO RIO DE JANEIRO APRESENTAM:
FÓRUM DE PSICANÁLISE E CINEMA
Prezados amigos e colegas, no dia 31 de maio, às 18 h, será analisado o premiado filme: MADRE JOANA DOS ANJOS, vencedor do Prêmio de Júri no Festival de Cannes de 1961, um clássico do cinema polonês, dirigido e roteirizado por Jerzy Kawalerowicz. Baseado em fatos reais, passado no século XVII, a obra recria o episódio ocorrido em um convento localizado na Polônia. Um padre é enviado ao local para exorcizar a religiosa que dá título à obra, pois se acredita estar sob posse demoníaca. Lá, ele encontra suas próprias tentações à espera. Com vigorosa direção de fotografia em preto e branco, o ambiente reforça o aprisionamento das freiras submetidas à rigidez religiosa, em regime autoritário e ameaçador. Esse clássico, considerado uma obra-prima pela crítica, vale ser assistido e debatido, por seu pioneirismo e atualidade. Assim, na última sexta-feira do mês, na Sala Vera Janacópulos da UNIRIO, analisaremos e discutiremos a película, em seus múltiplos aspectos e prismas diversos. Como sempre, aguardamos todos vocês e contamos com a divulgação aos amigos e aos interessados no viés cultural e psicanalítico. Um grande abraço de Ana Lúcia de Castro e Neilton Silva.
SERVIÇO:
DATA: 31 DE MAIO DE 2019.
HORÁRIO: FILME: 18 h; ANÁLISE E DEBATE: 20 h às 22 h.
LOCAL: SALA VERA JANACÓPULOS – UNIRIO
ENDEREÇO: AV. PASTEUR, 296. URCA.
ANÁLISE CULTURAL: PROF. DRA. ANA LÚCIA DE CASTRO
ANÁLISE PSICANALÍTICA: DR. NEILTON SILVA
ENTRADA FRANCA - INFORMAÇÕES: forumpsicinema@gmail.com
NOTA: Quem se interessar em adquirir o livro: Fórum de Psicanálise e Cinema: 20 filmes analisados, de autoria de Ana Lúcia de Castro e Neilton Dias da Silva, ele se encontra à venda nos dias do FÓRUM ou através da editora Letra Capital.
HISTÓRICO: O FÓRUM DE PSICANÁLISE E CINEMA FOI CRIADO EM 1997, COMO UM PROJETO CIENTÍFICO DA ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA RIO 3, PELO ENTÃO PRESIDENTE, DR. WALDEMAR ZUSMAN, E PELO DIRETOR DO INSTITUTO, DR. NEILTON DIAS DA SILVA. DESDE 2004 PASSOU A CONTAR COM A PARTICIPAÇÃO DA MUSEÓLOGA E PROFESSORA DA UNIRIO, DRA ANA LÚCIA DE CASTRO, RESPONSÁVEL PELAS ANÁLISES CULTURAIS DOS FILMES. CELEBRAMOS OS 14 ANOS DO FÓRUM E A PARCERIA DA SPRJ COM A UNIRIO PARA SEDIAR O PROJETO MENSALMENTE, SEMPRE MUITO CONCORRIDO.
sexta-feira, 10 de maio de 2019
Teatro/CRÍTICA
"Como se um trem passasse"
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Elenco transcende fragilidade dramatúrgica
Lionel Fischer
"A peça aborda a relação de uma mãe e seu filho pós-adolescente, deficiente intelectual, que deseja a vida com paixão. A mãe, superprotetora e medrosa, transmite ao filho seus receios e a impossibilidade de alcançar sonhos. A chegada da prima da capital evidencia fissuras na situação fechada em que vivem mãe e filho, muda as relações na casa e abre a perspectiva de que desejos se realizem".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto em que se dá "Como se um trem passasse", em cartaz no Teatro Poeirinha. De autoria da dramaturga argentina Lorena Romanin, também responsável pela direção, a montagem tem elenco formado por Dida Camero (Mãe), Caio Scot (Filho) e Manu Hashimoto (Prima).
Muitos sustentam que uma boa peça tem que necessariamente ser fruto de uma boa ideia, de preferência impregnada de grande originalidade. Sempre discordei disso, ainda que concordando que partir de uma boa e original ideia é melhor do que o inverso. Mas vamos a um exemplo: "Hamlet", de Shakespeare, que todos consideram o melhor texto teatral já escrito.
Pois bem: o que dispara a trama? O pai de Hamlet surge como um fantasma, informa o príncipe que foi assassinado pelo irmão e clama por vingança. Trata-se de uma boa e original ideia? Não me parece. No entanto, a partir dela, o fabuloso bardo escreveu a obra-prima que o mundo não se cansa de reverenciar.
No presente caso, o contexto nada tem de original, mas se trabalhado com mais profundidade poderia resultar em uma excelente peça. Infelizmente, não é o que acontece. Ainda que explicitados, os conflitos jamais são levados às últimas consequências e os embates só muito raramente ultrapassam a superficialidade. Além disso, a previsibilidade impera, o que inviabiliza qualquer possibilidade de espanto ou desconforto para o espectador.
Quanto ao final, acredito que o mesmo tenha surpreendido tanto a mim quanto a todos que assistiram a montagem: a mãe, que sempre relutou em deixar o filho ir sozinho a escola, permite que ele vá embora com a prima, quando esta retorna à capital. Mas, justiça seja feita, apesar de todas as ressalvas cumpre destacar as passagens em que o humor predomina, muito bem trabalhadas pela autora.
Com relação ao espetáculo, a simplicidade é a tônica, tornando-se evidente que a diretora apostou todas as suas fichas nos atores. E estes não decepcionam. No papel da mãe, Dida Camero exibe excelente desempenho, conseguindo materializar as principais características de uma personalidade autoritária e protetora, mas ao mesmo tempo amorosa e desamparada. Caio Scot compõe de forma irrepreensível o jovem com "deficiência intelectual", como consta no release, embora eu não saiba exatamente o que é isso - será que, em nome do politicamente correto, a clara doença do jovem não pode ser devidamente mencionada? Finalmente, Manu Hashimoto valoriza com eficiência a revolta, a doçura e o humor da prima adolescente.
No tocante à equipe técnica, Dina Salem assina um cenário belíssimo, sendo igualmente primorosa a sutil iluminação de Renato Machado. A mesma eficiência se faz presente nos figurinos de Julia Marques, em total sintonia com o contexto e as personalidades retratadas. Cabe também destacar a ótima tradução deCaio Scot e Junio Duarte.
COMO SE UM TREM PASSASSE - Texto e direção de Lorena Romanin. Com Dida Camero, Caio Scot e Manu Hashimoto. Teatro Poeirinha. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h.
"Como se um trem passasse"
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Elenco transcende fragilidade dramatúrgica
Lionel Fischer
"A peça aborda a relação de uma mãe e seu filho pós-adolescente, deficiente intelectual, que deseja a vida com paixão. A mãe, superprotetora e medrosa, transmite ao filho seus receios e a impossibilidade de alcançar sonhos. A chegada da prima da capital evidencia fissuras na situação fechada em que vivem mãe e filho, muda as relações na casa e abre a perspectiva de que desejos se realizem".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto em que se dá "Como se um trem passasse", em cartaz no Teatro Poeirinha. De autoria da dramaturga argentina Lorena Romanin, também responsável pela direção, a montagem tem elenco formado por Dida Camero (Mãe), Caio Scot (Filho) e Manu Hashimoto (Prima).
Muitos sustentam que uma boa peça tem que necessariamente ser fruto de uma boa ideia, de preferência impregnada de grande originalidade. Sempre discordei disso, ainda que concordando que partir de uma boa e original ideia é melhor do que o inverso. Mas vamos a um exemplo: "Hamlet", de Shakespeare, que todos consideram o melhor texto teatral já escrito.
Pois bem: o que dispara a trama? O pai de Hamlet surge como um fantasma, informa o príncipe que foi assassinado pelo irmão e clama por vingança. Trata-se de uma boa e original ideia? Não me parece. No entanto, a partir dela, o fabuloso bardo escreveu a obra-prima que o mundo não se cansa de reverenciar.
No presente caso, o contexto nada tem de original, mas se trabalhado com mais profundidade poderia resultar em uma excelente peça. Infelizmente, não é o que acontece. Ainda que explicitados, os conflitos jamais são levados às últimas consequências e os embates só muito raramente ultrapassam a superficialidade. Além disso, a previsibilidade impera, o que inviabiliza qualquer possibilidade de espanto ou desconforto para o espectador.
Quanto ao final, acredito que o mesmo tenha surpreendido tanto a mim quanto a todos que assistiram a montagem: a mãe, que sempre relutou em deixar o filho ir sozinho a escola, permite que ele vá embora com a prima, quando esta retorna à capital. Mas, justiça seja feita, apesar de todas as ressalvas cumpre destacar as passagens em que o humor predomina, muito bem trabalhadas pela autora.
Com relação ao espetáculo, a simplicidade é a tônica, tornando-se evidente que a diretora apostou todas as suas fichas nos atores. E estes não decepcionam. No papel da mãe, Dida Camero exibe excelente desempenho, conseguindo materializar as principais características de uma personalidade autoritária e protetora, mas ao mesmo tempo amorosa e desamparada. Caio Scot compõe de forma irrepreensível o jovem com "deficiência intelectual", como consta no release, embora eu não saiba exatamente o que é isso - será que, em nome do politicamente correto, a clara doença do jovem não pode ser devidamente mencionada? Finalmente, Manu Hashimoto valoriza com eficiência a revolta, a doçura e o humor da prima adolescente.
No tocante à equipe técnica, Dina Salem assina um cenário belíssimo, sendo igualmente primorosa a sutil iluminação de Renato Machado. A mesma eficiência se faz presente nos figurinos de Julia Marques, em total sintonia com o contexto e as personalidades retratadas. Cabe também destacar a ótima tradução deCaio Scot e Junio Duarte.
COMO SE UM TREM PASSASSE - Texto e direção de Lorena Romanin. Com Dida Camero, Caio Scot e Manu Hashimoto. Teatro Poeirinha. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h.
quinta-feira, 9 de maio de 2019
Teatro/CRÍTICA
"DENTRO"
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Bela e sensível reflexão sobre o passado
Lionel Fischer
"Leonor acolhe o público na mesma sala de estar onde outrora suas antepassadas viveram, serve café aos espectadores e mostra a eles algumas fotografias das mulheres de sua família. Pouco a pouco, instaurando um clima de intimidade com os presentes, a protagonista inicia um mergulho em seu passado buscando compreender melhor a sua própria história. A peça apresenta uma reflexão sobre o vínculo - nem sempre visível - entre uma história pessoal e subjetiva e outra mais geral e objetiva, a história oficial dos fatos e acontecimentos culturais, sociais e políticos do Brasil".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo e as premissas essenciais de "DENTRO", em cartaz no Teatro III do CCBB. O espetáculo, que comemora os dez anos de existência da companhia carioca Teatro Inominável, tem dramaturgia assinada por Diogo Liberano e direção a cargo de Natássia Vello, cabendo a atuação a Laura Nielsen.
Sempre acreditei que, se nos recusamos a refletir sobre nosso próprio passado, estamos condenados a repeti-lo. Ou seja: se eu me recuso a pensar sobre o que eu fui, eu o serei sempre. Não sei se Diogo Liberano concorda com o que acabo de dizer, mas tenho a impressão que sim.
No entanto, vai mais além, na medida em que a protagonista julga imprescindível, para chegar a um satisfatório entendimento sobre si mesma, empreender não apenas um profundo mergulho em sua memória, mas também nas histórias referentes às mulheres de sua família, abrangendo um total de 148 anos. Cabe também registrar que o referido mergulho não dissocia a história dessas mulheres do contexto sócio, político e cultural em que viveram, como explicitado no parágrafo inicial.
Sei que tratados já foram escritos - e por pessoas infinitamente mais capazes do que eu - sobre o passado e como ele pode ser distorcido e reinventado pela memória. Sendo tal assertiva verdadeira e exceção feita a fatos inquestionáveis, tudo o mais passaria por uma espécie de filtro seletivo, cujo objetivo seria o de, por um lado, valorizar ao máximo o que nos fez feliz, e, por outro, minimizar (ou até deletar) o que nos fez sofrer.
Seja como for, estamos diante de um belo texto que, em sua essência, nos incita a ter coragem de formular perguntas para as quais nem sempre haveremos de ter respostas. E se por acaso tais lacunas nos gerem um estado de perplexidade e desamparo, creio que Diogo Liberano nos lembra que nenhum movimento de transformação se inicia quando temos a sensação (quase sempre enganosa) de que nossa vida corresponde exatamente àquela que idealizamos.
Com relação ao espetáculo, Natássia Vello impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com os conteúdos em jogo. Na parte inicial, consegue estabelecer uma atmosfera próxima e acolhedora entre os espectadores e a protagonista. Mais adiante, à medida que o clima vai se tornando mais denso, explora com vigor e sensibilidade o potencial expressivo da bela cenografia de Elsa Romero. E, finalmente, quando a personagem vive um momento de incontrolada fúria, consegue extrair de Laura Nielsen o máximo que o papel permite. E ouso afirmar, sem nenhuma hesitação, que a intérprete exibe aqui a melhor performance de sua carreira, evidenciando uma vez mais sua total capacidade de entrega e notável inteligência cênica.
No complemento da ficha técnica, considero irrepreensíveis as preciosas colaborações de Ticiana Passos (figurino), Livs Ataíde (iluminação) e Arthur Braganti e Letícia Novaes (direção musical).
DENTRO - Dramaturgia de Diogo Liberano. Direção de Natássia Vello. Atuação de Laura Nielsen. Teatro III do CCBB. Quarta a domingo, 19h30.
"DENTRO"
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Bela e sensível reflexão sobre o passado
Lionel Fischer
"Leonor acolhe o público na mesma sala de estar onde outrora suas antepassadas viveram, serve café aos espectadores e mostra a eles algumas fotografias das mulheres de sua família. Pouco a pouco, instaurando um clima de intimidade com os presentes, a protagonista inicia um mergulho em seu passado buscando compreender melhor a sua própria história. A peça apresenta uma reflexão sobre o vínculo - nem sempre visível - entre uma história pessoal e subjetiva e outra mais geral e objetiva, a história oficial dos fatos e acontecimentos culturais, sociais e políticos do Brasil".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo e as premissas essenciais de "DENTRO", em cartaz no Teatro III do CCBB. O espetáculo, que comemora os dez anos de existência da companhia carioca Teatro Inominável, tem dramaturgia assinada por Diogo Liberano e direção a cargo de Natássia Vello, cabendo a atuação a Laura Nielsen.
Sempre acreditei que, se nos recusamos a refletir sobre nosso próprio passado, estamos condenados a repeti-lo. Ou seja: se eu me recuso a pensar sobre o que eu fui, eu o serei sempre. Não sei se Diogo Liberano concorda com o que acabo de dizer, mas tenho a impressão que sim.
No entanto, vai mais além, na medida em que a protagonista julga imprescindível, para chegar a um satisfatório entendimento sobre si mesma, empreender não apenas um profundo mergulho em sua memória, mas também nas histórias referentes às mulheres de sua família, abrangendo um total de 148 anos. Cabe também registrar que o referido mergulho não dissocia a história dessas mulheres do contexto sócio, político e cultural em que viveram, como explicitado no parágrafo inicial.
Sei que tratados já foram escritos - e por pessoas infinitamente mais capazes do que eu - sobre o passado e como ele pode ser distorcido e reinventado pela memória. Sendo tal assertiva verdadeira e exceção feita a fatos inquestionáveis, tudo o mais passaria por uma espécie de filtro seletivo, cujo objetivo seria o de, por um lado, valorizar ao máximo o que nos fez feliz, e, por outro, minimizar (ou até deletar) o que nos fez sofrer.
Seja como for, estamos diante de um belo texto que, em sua essência, nos incita a ter coragem de formular perguntas para as quais nem sempre haveremos de ter respostas. E se por acaso tais lacunas nos gerem um estado de perplexidade e desamparo, creio que Diogo Liberano nos lembra que nenhum movimento de transformação se inicia quando temos a sensação (quase sempre enganosa) de que nossa vida corresponde exatamente àquela que idealizamos.
Com relação ao espetáculo, Natássia Vello impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com os conteúdos em jogo. Na parte inicial, consegue estabelecer uma atmosfera próxima e acolhedora entre os espectadores e a protagonista. Mais adiante, à medida que o clima vai se tornando mais denso, explora com vigor e sensibilidade o potencial expressivo da bela cenografia de Elsa Romero. E, finalmente, quando a personagem vive um momento de incontrolada fúria, consegue extrair de Laura Nielsen o máximo que o papel permite. E ouso afirmar, sem nenhuma hesitação, que a intérprete exibe aqui a melhor performance de sua carreira, evidenciando uma vez mais sua total capacidade de entrega e notável inteligência cênica.
No complemento da ficha técnica, considero irrepreensíveis as preciosas colaborações de Ticiana Passos (figurino), Livs Ataíde (iluminação) e Arthur Braganti e Letícia Novaes (direção musical).
DENTRO - Dramaturgia de Diogo Liberano. Direção de Natássia Vello. Atuação de Laura Nielsen. Teatro III do CCBB. Quarta a domingo, 19h30.