terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Teatro/CRÍTICA

"A vingança do espelho:
a história de Zezé Macedo"

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Risos e lágrimas na Laura


Lionel Fischer


"A peça mostra uma companhia de teatro se preparando para encenar a vida de Zezé Macedo. O texto utiliza recursos de idas e vindas, buscando o passado em Silva Jardim, a adolescência, a perda do filho, além do auge da chanchada, a passagem pelo teatro de revista, os filmes, as relações de amor e amizade, e também os bastidores da televisão".

Extraído do ótimo release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo de "A vingança do espelho: a história de Zezé Macedo", em cartaz no Teatro Laura Alvim. Flávio Marinho assina o texto e Amir Haddad a direção, estando o elenco formado por Betty Gofman, Tadeu Mello, Mouhamed Harfouch, Marta Paret e Antonio Fragoso.

Antes de passarmos à crítica propriamente dita, cabe destacar que a presente montagem se insere no projeto idealizado e produzido por Eduardo Barata com o objetivo de resgatar a memória da cultura nacional através de uma trilogia do riso - já foi encenada "A garota do biquíni vermelho" (homenagem a Sonia Mamed) e ainda este ano chegará à cena um espetáculo sobre Consuelo Leandro.

Como implícito no parágrafo inicial, o presente texto aborda tanto a vida como a trajetória artística de Zezé Macedo, oferecendo ao público um retrato abrangente, divertido e emocionado de uma personalidade muito mais rica, poética e instigante do que pode supor a vã filosofia daqueles que apenas riam de seu visual um tanto bizarro (acentuado com a passagem do tempo) e de sua voz que lembrava a de "uma adolescente de 16 anos" - e aqui me abstenho de entrar em maiores detalhes, posto que isto privaria o espectador de inúmeráveis surpresas.

Seja como for, cumpre ressaltar que este é, sob todos os pontos de vista, o melhor texto já escrito por Flávio Marinho, cuja estrutura narrativa permite não apenas homenagear Zezé Macedo, mas também o teatro, na medida em que o processo de criação de um espetáculo é aqui explicitado com doses superlativas de humor e emoção. E se o teatro é também homenageado, ninguém melhor do que Amir Haddad para fazê-lo. 

Como todos sabemos - e os que o negam é por inveja, ignorância ou despeito - Amir Haddad é um dos homens de teatro mais importantes deste país. E não apenas por suas inúmeras, brilhantes e diversificadas realizações, mas também por encarar o fenômeno teatral não somente como resultado, pois isto equivaleria a primorizar a máxima de que os fins justificam os meios. Muito pelo contrário: para Amir, a festa tem que começar nos ensaios, pressupõe encontros e desencontros, perdas e ganhos, a negação amanhã do que hoje parece certo. Enfim: uma dinâmica em total sintonia com a dialética da vida, e que jamais dissocia intérprete e personagem. 

E certamente graças a estes predicados Amir Haddad conseguiu extrair o máximo de humor e poesia de seus intérpretes, todos eles exibindo performances irretocáveis, tanto no tocante às passagens mais dramáticas quanto naquelas em que o humor e o lirismo predominam. Mas é claro que, em função do contexto, torna-se imperioso tecer considerações mais detalhadas sobre a atuação de Betty Gofman na pele da protagonista.

A atriz poderia, digamos, ter tentado imitar Zezé Macedo e talvez obtivesse êxito. Mas tal êxito seria apenas relativo, pois sempre que se imita alguém o foco recai sobre seus aspectos mais superficiais, externos, e a essência do imitado jamais se materializa. Aqui, no entanto, o trabalho ocorre de dentro para fora, vem das entranhas, e é por isso que nos provoca risos isentos de debilidade e lágrimas que nada têm de piegas.

Betty Gofman, na melhor atuação de sua carreira, demonstra aqui que um grande intérprete não é apenas alguém dotado de vastos recursos expressivos, posto que aí nos deixamos fascinar somente por seu virtuosismo. Não, é muito mais do que isso: o grande intérprete é aquele que sabe que contém tudo que é inerente ao humano, para o bem ou para o mal. E é este predicado que o distingue, que o torna singular e único, pois ao representar um personagem, qualquer que seja ele, está também representando a si próprio e à toda humanidade.

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo os irrepreensíveis trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta oportuníssima empreitada teatral - Daniel Schenker (pesquisa), Afonso Tostes (direção de arte), Fernanda Fabrizzi (figurinos), Paulo Denizot (iluminação), Alessandro Perssan (trilha sonora), Eléonore Guisnet e Daniela Cavanellas (preparação corporal), Jacqueline Priston (preparação vocal) e Vavá Torres (visagismo).

A VINGANÇA DO ESPELHO: A HISTÓRIA DE ZEZÉ MACEDO - Texto de Flávio Marinho. Direção de Amir Haddad. Com Betty Gofman, Antonio Fragoso, Marta Paret, Mouhamed Harfouch e Tadeu Mello. Casa de Cultura Laura Alvim. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.    

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