terça-feira, 19 de março de 2013

Teatro/CRÍTICA


"A entrevista"

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Com lama até o pescoço


Lionel Fischer


Jornalista político em decadência, Pedro Pierre é designado para entrevistar Mariah, jovem e lindíssima protagonista de novelas, uma celebridade de discutível talento e notória capacidade de levar para a cama quem lhe aprouver. Ao longo da referida entrevista, no entanto, os personagens acabam revelando aspectos insuspeitados de suas personalidades e estabelecem um curioso jogo de sedução.

Eis, em resumo, o enredo de "A entrevista", baseada no filme homônimo de The Van Gogh.Theodor Holman assina o texto, traduzido e adaptado por Euclydes Marinho. Em cartaz no Teatro das Artes, a montagem leva a assinatura de Susana Garcia (direção geral de Daniel Filho), estando o elenco formado por Herson Capri e Priscila Fantin - Carlos Seidl faz breve participação em vídeo.

Dentre os muitos temas abordados pelo autor, talvez o mais significativo seja o da aparência. Num mundo como o nosso, que prioriza o visual e relações epidérmicas, parece não ter grande importância o que somos, mas o que aparentamos ser. E sendo verdadeira tal premissa, torna-se inevitável a mentira, o camuflar das verdadeiras emoções, um permanente jogo que nos leva a interpretar múltiplos papéis, como se todos fôssemos atores e a vida se resumisse a uma ribalta onde só o sucesso é admitido, seja qual for o preço a pagar. E mesmo que com lama até o pescoço, não raro insistimos em manter limpas as unhas nas pontas dos dedos, pois o que importa não é a parte submersa do iceberg, mas sua ínfima extremidade visível, desde que a mesma possua uma parcela mínima de sedução.

No presente caso, estamos diante de um homem de brilhante passado, mas condenado ao fracasso em função de algumas atitudes tomadas no exercício de sua profissão de jornalista - tais atitudes não posso revelar, pois privaria o espectador de  importantes revelações. Já a jovem atriz parece totalmente à vontade em seu papel de celebridade - não nega que transou com muitos homens para atingir o lugar que ocupa, não reluta em afirmar que, para ser protagonista, sua beleza foi determinante etc. Mas será que, por trás de toda a sua exuberância e fortaleza, não se esconde uma alma carente e não isenta de múltiplas fragilidades?

Como creio já ter sugerido, os personagens interpretam personagens, relutando ao máximo em exibir sua verdadeira face. Mas chega o momento em que as máscaras começam a cair e então ambos revelam ao menos uma parcela do que insistiam em ocultar. E é a partir deste ponto que a peça ganha maior interesse, mesmo que, em seu final, a plateia chegue à conclusão de que o ato de jogar não foi completamente abandonado.

Bem escrito, exibindo bons diálogos e personagens bem estruturados, "A entrevista" recebeu ótima versão cênica de Susana Garcia. Impondo à cena uma dinâmica impecável no que concerne ao ritmo e valendo-se de marcas tão diversificadas quanto expressivas, a encenadora exibe ainda o mérito suplementar de haver extraído ótimas atuações do alenco.

Na pele de Pedro Pierre, Herson Capri extrai todo o potencial do dúbio e angustiado personagem, valorizando com a mesma eficiência todos os climas emocionais em jogo - e aqui gostaria de enfatizar minha admiração por este maravilhoso ator, em especial pela inteligência de suas escolhas e por sua notável capacidade de entrega. E a mesma eficiência se faz presente na performance de Priscila Fantin, atriz cuja carreira está atrelada bem mais ao cinema e a TV do que ao teatro. Exibindo forte presença, grande carisma e a mesma desenvoltura tanto nas passagens mais dramáticas quanto naquelas em que o humor predomina, a jovem atriz revela-se uma parceira à altura do grande ator com quem contracena.

Na equipe técnica, Flavio Graff responde por uma cenografia belíssima, altamente sofisticada e expressiva, sendo igualmente expressivos os figurinos de Kika Lopes, a iluminação de Paulo Cesar Medeiros e a trilha sonora original de Alexandre Elias, que muito contribuem para o sucesso desta mais do que oportuna empreitada teatral. Com relação à adaptação e tradução, não tenho como avaliá-las, pois não conheço o original.

A ENTREVISTA - Texto de Theodor Holman. Direção de Susana Garcia. Com Herson Capri e Priscila Fantin. Teatro das Artes. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h30.

 











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