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Teatro/CRÍTICA
"Intimidade indecente"
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Deliciosas reflexões sobre o amor e a passagem do tempo
Lionel Fischer
"Mariano e Roberta formam um casal sessentão desgastado pela mesmice da rotina. O desejo esfriou, o sexo falta e a implicância sobra. Ávidos por novas experiências, entendem que não há mais porque ficar juntos. Acontece que, como num efeito bumerangue, a vida insiste em devolver um ao outro. E é nessas idas e vindas que, aos poucos, os dois descobrem-se os maiores cúmplices. O sentimento, ainda vivo e sólido, faz com que se entendam mais do que qualquer outra pessoa de fora. Assim, conforme os anos vão passando, resistem cada vez menos à presença um do outro em suas vidas novamente".
Extraído do ótimo release que me foi enviado pelos assessores de imprensa João Pontes e Stella Stephany, o trecho acima resume o enredo de "Intimidade indecente", de Leilah Assumpção, em cartaz no Teatro dos 4. Guilherme Leme Garcia assina a direção da montagem, estando o elenco formado por Eliane Giardini e Marcos Caruso.
Autora de 16 peças teatrais, com especial destaque (além da presente obra) para "Fala baixo senão eu grito", "Boca molhada de paixão calada" e "Vejo um vulto na janela, me acudam que eu sou donzela", Leilha Assumpção também escreveu para a televisão, assinando em parceria com Daniel Más a novela "Um sonho a mais" e a minissérie "Avenida paulista". No caso específico de "Intimidade indecente", estamos diante de uma comédia dramática que se inicia de forma inusitada (o casal se separando) e aos poucos vai esmiuçando todas as contradições e impasses que em geral caracterizam uma longa relação matrimonial.
Entretanto, como explicitado no parágrafo inicial, Mariano e Roberta não conseguem se desligar completamente e à medida que envelhecem a antiga cumplicidade ganha novos e imprevistos contornos, tornando evidente que, apesar de tudo que aconteceu, ambos nasceram um para o outro - não detalho os "novos e imprevistos contornos" porque isto privaria o espectador de deliciosas surpresas.
Bem escrita, contendo ótimos personagens e reflexões mais do que pertinentes sobre o amor e a passagem do tempo, "Intimidade indecente" recebeu ótima versão cênica de Guilherme Leme Garcia. Abstendo-se de inócuas mirabolância formais, o encenador concentrou-se basicamente em extrair o máximo potencial dos dois intérpretes, sendo totalmente bem sucedido neste quesito - mas isto não significa que a cena careça de marcações expressivas que potencializam tanto as passagens mais dramáticas quanto aquelas em que o humor predomina.
Mesmo correndo o risco de ser ou parecer monótono, reafirmo agora o que já disse várias vezes ao longo dos últimos 34 anos de exercício da crítica teatral: este país pode carecer de tudo, menos de intérpretes extraordinários. E Eliane Giardini e Marcos Caruso estão totalmente inseridos nesta seleta categoria. Portanto, me parece desnecessário detalhar seus maravilhosos e já mais do que reconhecidos recursos expressivos, o que os faz valorizar ao máximo todas as possibilidades dos excelentes personagens que interpretam. Mas gostaria de destacar dois momentos - apenas dois, dentre muitos - em que ambos deixam claro porque são intérpretes deslumbrantes.
Há um momento em que Eliane Giardini começa a cantar, bem baixinho, uma canção infantil. O "normal" seria que a platéia a escutasse. Mas eis que muitos espectadores começam a cantar com ela, materializando um coral pleno de encantamento. Como se consegue isso? No tocante a Marcos Caruso, em dado momento (precedido de muitos risos) o ator subitamente pergunta à sua parceira: "Você sabe o que é solidão?". Pois bem: o teatro emudece completamente e o silêncio se prolonga (por muito tempo) até o ator dar seguimento à sua fala. Como se consegue isso? Só perguntando aos sempre caprichosos deuses do teatro, que certamente abençoam Eliane Giardini e Marcos Caruso desde que pisaram em um palco pela primeira vez...
Com relação à equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo a inestimável contribuição de todos os profissionais envolvidos nesta imperdível empreitada teatral - Aurora dos Campos (cenografia), Tomás Ribas (iluminação) e Aline Meyer (direção musical).
INTIMIDADE INDECENTE - Texto de Leilah Assumpção. Direção de Guilherme Leme Garcia. Com Eliane Giardini e Marcos Caruso. Teatro dos 4. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h.
Teatro/ CRÍTICA
"Respira"
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Sensível e original montagem
Lionel Fischer
"É sobre viver, buscar o ar, olhar em volta, seguir adiante, se manter vivo, em movimento, trocar de pele. É sobre abrir os caminhos, ocupar os espaços e tomar a alegria de volta". Este trecho, extraído do ótimo release que me foi enviado pelo assessor de imprensa Ney Motta, sintetiza as premissas essenciais do presente espetáculo, "Respira", em cartaz na Arena do Sesc Copacabana. Tendo como material dramatúrgico o poema "Jardins", de Ericson Pires, a montagem leva a assinatura de Renato Rocha, estando o elenco formado pelos artistas criadores / Performers Camila Doring, Carol Dunham, Carol Pucu, Claudia Wer, Dani Barbosa, Daniel Bouzas, Eduardo Ibraim, Gabrielle Novello, Maria Cândida Portugal, Miguel Kalahary, Nina Rodrigues, Raquel Polistchuck, Renan Fidalgo, Tatyane Meyer e Thaisa Santoth.
O presente trabalho não se insere nos padrões convencionais de dramaturgia, posto que não prioriza o conflito entre os personagens. Até porque estes inexistem aqui. Na realidade, estamos diante de estados coletivos que se materializam em três blocos. No primeiro, o que predomina é a sensação de desemparo, sufocamento, como se o ato de respirar demandasse exaustivo esforço. No segundo, é visível a tentativa de transcender o estado anterior, e então o ritmo se acelera e todos os intérpretes (assim como a plateia) são estimulados a respirar - este segmento tem como mola propulsora, ao que me parece, o citado poema "Jardins", proferido com furor por uma atriz. Finalmente, uma vez ultrapassadas a angústia e a não aceitação da mesma, tudo se converte em uma grande festa, estimulada por deliciosa e diversificada trilha sonora, da qual a plateia participa com total entusiasmo.
Dentre os muitos méritos desta montagem, cabe destacar a expressividade das marcações, a alternância de tempos rítmicos e o elaborado universo gestual desenhado com grande sensibilidade por Valéria Martins e executado de forma primorosa pelo elenco. Este, por sinal, contracena de forma visceral em todos os momentos, o que só é possível quando a mútua confiança é irrestrita, assim como a crença absoluta na validade do projeto. A todos, portanto, parabenizo com o mesmo entusiasmo.
Na equipe técnica, considero irrepreensíveis as colaborações de todos os profissionais envolvidos neste mais do que oportuno projeto - Daniel Castanheira (Instalação sonora), Valéria Martins (Direção de movimento), Renato Machado (Iluminação), Renato Rocha (Direção de arte), Claudia Wer (Produção de objetos artísticos), Breno Buswell (Vídeos), Rico Villarouca (Direção técnica do audiovisual), Valéria Martins (Colaboração artística), Marcio Vito (Colaboração textual), Carolina Virguëz (Participação textos em off) e O Aramista (Máscaras eletroluminescentes).
RESPIRA - Direção de Renato Rocha. Com o Núcleo de Artes Integradas (NAI). Arena Sesc Copacabana. Quinta a domingo às 19h.
Meyerhold
idéias e reflexões
Ator e diretor russo, Vsevolod Meyerhold (1874-1942) entrou para a história do teatro sobretudo por ter concebido uma nova, revolucionária e polêmica forma de encenação, que batizou de Construtivismo. Este consistia, basicamente, na negação de toda
tendência
figurativa, no emprego de materiais em estado bruto e
na busca de uma
arte antiestética, utilitária, em consonância com
a alma e o ideal
dos operários. O presente artigo exibe fragmentos
do livro O teatro de Meyerhold (tradução,
apresentação e organização
de Aldomar
Conrado. Editora Civilização Brasileira, 1969; coleção
Teatro de Hoje, direção de Dias Gomes)
* *
*
Perfeição
É
obtida quando o “por quê” e o “como” coincidem.
O bom ator
Diferencia-se
do mau porque no sábado não interpreta do mesmo modo que no domingo.
Espelho
O
ator deve possuir a virtude de ver-se mentalmente como num espelho. Em forma
embrionária, todos possuem esta propriedade. Mas no ator isto deve ser
desenvolvido.
Música no circo
Vocês
já pensaram por que tocam sempre música nos números acrobáticos do circo? Se me
responderem que é para manter um ar de festa, deram-me uma resposta
superficial. Os artistas de circo necessitam da música como apoio rítmico, como
ajuda para calcular o tempo. Seu trabalho baseia-se num cálculo sutilíssimo e o
menor desvio pode conduzir a uma catástrofe. Apoiado numa música bem conhecida,
o cálculo é infalível. Mas se a orquestra tocasse, de repente, uma música à
qual o acrobata não estivesse acostumado, isso ocasionaria sua morte.
Improviso
O
ator só é capaz de improvisar quando se sentir alegre interiormente. Fora da
atmosfera da alegria criadora, do júbilo artístico, o ator não se descobre
nunca em toda a sua plenitude.
Irritação
A
irritação do diretor paralisa imediatamente o ator, é tão inadmissível como o
silêncio. Quem não for capaz de sentir o olhar inquieto do ator não é, na
realidade, um diretor.
Encanto
No
Teatro Madeleine, em Paris, fiquei encantado com um ator e fui até o seu
camarim. Imaginem que, depois do espetáculo, por sinal complicadíssimo, ao
invés de estar descansando ele ensaiava uma cena que não lhe parecera boa!?.
Não era obrigado a isto; mas sentia a necessidade interior de fazê-lo. Entre
nós anda debilitada a inquietação profissional, deixamo-nos levar, não nos entusiasmamos
com as representações nem com os ensaios e vamos para eles com inércia, para
não usar uma palavra mais dura. Considero que nas nossas companhias a apatia é
o inimigo número um.
Estréia
O
trabalho do ator, em sua substância, começa depois da estréia. Eu afirmo que,
no dia da estréia, o espetáculo ainda não está pronto. Salvini afirmava que só
compreendera Othelo depois de 200 representações.Acho que os críticos só devem
nos julgar depois de 20 representações.
Só então os personagens encontrarão nos atores as ressonâncias que exigem.
Dostoiévski
Um
dramaturgo inato. Em suas novelas transluzem fragmentos de tragédias a serem
escritas.
Tchecov
Tinha
o hábito de escutar seu interlocutor e rir, de repente, em momentos que nada
tinham de cômicos. A pessoa, de início, estranhava. Somente depois compreendia
que, ao mesmo tempo em que ouvia seu relato, Tchecov o transformava
mentalmente, acentuava situações e completava-o extraindo as possibilidades
humorísticas, gozando-as. Escutava, pensava e imaginava com mais rapidez que
seus interlocutores. O trabalho paralelo de seu cérebro alimentava-se da
conversa, porém tornava-a muito mais impetuosa e convincente.
Críticos
Para
eles seria encantador que a maturação do artista se produzisse numa espécie de
laboratório, com as cortinas cerradas e as portas trancadas. Porém, crescemos,
amadurecemos, buscamos, enganamo-nos e encontramo-nos diante dos olhos de todos
e em colaboração com o espectador. Aos chefes militares mostra-se o sangue
derramado no campo de batalha. Mas o artista mostra seu próprio sangue...Além
do mais, o que é um equívoco? Do equívoco de hoje nasce, às vezes, o êxito de
amanhã.
Decisões
Em
minha vida tenho sentido, antes de cada novo sucesso, umas pausas trágicas,
cheias de reflexões e dúvidas, chegando às vezes ao limiar do desespero.
Somente duas decisões (e de enorme transcendência) adotei em minha vida sem
vacilar. A primeira: recusei, ao terminar meus estudos, duas propostas
lisonjeadoras e vantajosas de ricos diretores de teatro da província, para
trabalhar, com pequeno salário, no Teatro de Arte de Moscou, que então se
inaugurava. A segunda: lançar-me à Revolução quando percebi o significado de
Outubro.
Árvores
Quando
vocês vêem, no outono, uma árvore que perde as folhas, têm a impressão de que
ela morreu. Porém, não é verdade; apenas prepara-se para o reflorescimento
futuro. Não há árvores que floresçam todo o ano, nem artista que não atravesse
momentos de crise, de queda, de dúvidas. Mas, que diriam vocês de um jardineiro
que quisesse cortar, no outono, as árvores que perdem as folhas? Então não se
pode tratar os artistas com a mesma paciência e carinho com que tratamos as
árvores?
Aprendizado
Quando
assisto a espetáculos montados pelos mais jovens dos meus alunos, noto que me
perturbam as mudanças e as transições constantes. E me pergunto assustado: será
possível que tenham ensaiado isto? Mas logo me tranqüilizo: não! Isto é porque
a juventude e a inexperiência fazem-lhes exagerar os meus defeitos, os quais
assimilaram muito bem. E depois sinto o desejo de montar os espetáculos com
mais calma e mais domínio. Desta maneira aprendo com meus alunos.
Oscar Wilde
Gosto
dele, mas detesto as pessoas para as quais Oscar Wilde é o autor predileto.
Inexperiência
A
inexperiência de um diretor se nota, sobretudo, na pouca preocupação em dar
clareza à exposição da obra. Se não se faz a exposição com clareza absoluta, o
espectador não compreenderá nada.
Fracasso
Sempre
sei onde fracassei. Por exemplo, Pedido
de casamento, de Tchecov, foi uma experiência que o espectador não aceitou,
embora tivéssemos trabalhado nela com muito carinho. Mas avançamos os limites,
fomos muito rebuscados e assim perdemos o humor.
Obrigação
O
diretor tem obrigação de saber montar qualquer obra. Não pode parecer-se aos médicos
que se especializam somente em enfermidades infantis, venéreas ou em
otorrinolaringologia. O diretor que pretenda montar somente tragédias, sem
saber montar comédias ou esquetes, fracassará irremediavelmente, porque na
verdadeira arte sempre estão emparelhados o alto e o baixo, o triste e o
cômico, o luminoso e o obscuro.
Associações
Procurem
inspirar as associações de idéias. Trabalhem com elas. No teatro, eu não faço
mais do que me aproximar da compreensão da enorme força que têm as associações
de imagens. Aqui há um tesouro infinito de possibilidades.
Pressa
O
espectador que tem pressa é inimigo do teatro. Os remédios amargos nós os
tomamos de um só gole, mas em troca saboreamos lentamente um prato bem
preparado. É claro que não se deve abusar da paciência do espectador, mas
tampouco deve se satisfazer ao que tem pressa. Se o teatro não pode obrigar o
espectador a esquecer que tem pressa, terá esse teatro o direito de existir?
Postura
Estou
convencido de que o ator, ao adotar uma postura física acertada, pronuncia bem
o texto. Mas a eleição de um plano acertado é um ato consciente, um ato do
pensamento criador. Pode haver planos errôneos, aproximativos, fortuitos,
exatos etc. A gama para eleger-se é imensa. Mas, da mesma maneira que o
escritor busca a palavra exata, eu também busco o plano mais exato.
Caçadores
Os
críticos que me visaram pouco me atingiram. E não porque fossem poucos os
caçadores que dispararam, mas porque sou um alvo que se move muito depressa.
Individualidade
O
que o ator tem de mais precioso é a sua individualidade. É preciso que ela
brilhe através de cada uma de suas encarnações, por mais hábeis que sejam.
Houve um ator chamado Petróvski que possuía uma espantosa técnica de
metamorfose. Mas como não possuía personalidade, nunca se transformou num
grande ator.
Equívoco
Só
os maus diretores acreditam que as peças de Ibsen são calmas. Leiam com atenção
e verão que são tão movimentadas quanto as montanhas russas.
Vaudeville
Não
admite personagens desagradáveis. Mesmo o vilão tem um certo encanto. É uma lei
do gênero.
Grotesco
A
noção do “grotesco” não tem nada de misteriosa. Trata-se simplesmente de um estilo cênico que joga com contrastes
e não cessa de deslocar os planos de percepção. O nariz, de Gogol, por exemplo. Não pode haver, em arte, métodos
proibidos; existem somente métodos mal empregados.
Artista
A
vida de todo artista autêntico é sempre a de um homem constantemente dilacerado
pela insatisfação. Somente os amadores estão sempre satisfeitos e não se
atormentam. A vida de um artista tem a alegria de um só dia, quando ele coloca
a última pincelada na tela, e tem a dor de muitos outros dias, quando percebe
seus erros.
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A ç õ e s
Stella
Adler
O objetivo de sua abordagem na
atuação é encontrar as ações numa cena ou peça. As ações devem ser realizáveis,
e podem ser expressas usando-se a forma verbal.
* Uma ação é alguma coisa que você
faz: ler.
* Uma ação tem um fim: estou lendo o
jornal.
* Uma ação é feita em determinadas
circunstâncias: estou lendo no metrô.
* Uma ação é justificada: estou
lendo para acompanhar a Bolsa de Valores.
Ações fortes e fracas
Para ser forte, uma ação necessita de um fim ou objetivo. Por exemplo:
Vou sair do quarto. O quarto é o fim da ação e
o fim a torna forte.
Vou escrever. Esta é uma ação sem fim e,
portanto, fraca. Se sua ação é “ir embora”, ela é mais fraca que “ir para
casa”.
Ação forte Ação
fraca
Gostaria de tomar café. Gostaria
de beber alguma coisa.
Gostaria de dar um passeio no
parque. Gostaria de ir
a algum lugar.
Gostaria de ir para a cama. Gostaria
de descansar.
Gostaria de escrever uma carta. Gostaria de
escrever.
Comecemos com ações simples.
A ação é:
* Verificar as luzes
a. Verificar as luzes do lustre.
b. Verificar
as luzes nas luminárias.
* Encontrar minha bolsa
a. Encontrar minha bolsa no chão.
b. Encontrar
minha bolsa na sala.
Os exemplos anteriores são de ações
que têm um fim definido e são feitas em determinadas circunstâncias. O que está
enfatizado fará você perceber que o fim lhe dá a intenção de cada ação. Essas
são ações simples que estão ligadas a ações maiores.
Explicação de uma ação
Numa ação, você deve saber:
* O que você faz:
jantar.
* Onde você faz: na
sala-de-jantar.
* Quando você faz: na
hora do jantar.
* Por que você faz: para
comer com a família depois do trabalho.
Mas você não sabe como fazer. O como é espontâneo e inesperado. A ação
nunca inclui o como. Exemplo:
Ação:
*
Limpando o escritório. O que você está fazendo?
*
Sala particular de um apartamento. Onde você está fazendo?
*
Nove horas da manhã. Quando você está fazendo?
*
Dois clientes estão vindo para um encontro. Por que você está fazendo?
Natureza de uma ação
* Calçar sapatos.
* Calçar meias.
* Passar fraldas a ferro.
* Preparar bebidas.
* Vestir a boneca.
* Pôr sua correspondência em ordem.
* Pôr as contas em ordem.
Cada ação que você faz tem a sua natureza. Que quer dizer a sua verdade.
Para ser verdadeiro em cena você deve saber a natureza da ação que está fazendo
e ela deve ser verdadeiramente executada. Em algumas ações você realiza coisas
físicas. As coisas que você realiza para cumprir suas ações são chamadas
“atividades”.
Ação:
pôr a mesa.
* A natureza da ação é pôr facas,
garfos e colheres. Isto é o que chamamos “atividades”.
Exemplo:
Ação: pôr a mesa.
Atividades:
* Colocar copos.
* Colocar pratos.
* Colocar garfos.
Exemplo:
Ação: acender um fogo.
Atividades:
* Pegar madeira.
* Conseguir tiras de papel.
* Obter líquido inflamável.
Exemplo:
Ação: jantar.
Atividades:
* Passar a sopa.
* Cortar as verduras.
* Misturar o molho.
Uma vez que tenha fisicalizado essas ações (nos exemplos
acima), a ação total será passar a
noite em casa.
Ação total (superobjetivo)
Todas as técnicas servem somente a um propósito e esse propósito é
fazer com que o ator chegue ao que Stanislavski chamava de superobjetivo do autor. Todo personagem deve caminhar em direção ao
superobjetivo da peça. É dever do ator compreender a intenção da peça. É o que
move o dramaturgo a escrever a peça. O ator deve estar certo de que a idéia
central de uma determinada peça vai atraí-lo emocional e intelectualmente. O
ator deve saber como tomar essa idéia para si. Todas as ações numa peça são
interligadas e todas elas conduzem o ator ao superobjetivo, ou ação total.
O autor escreve a peça para ser
representada. Mas o dramaturgo não faz o ator ciente de como a peça deve se
desenvolver para realizar seu máximo propósito. Exploremos agora esse
desenvolvimento pelo qual o ator é responsável. Uma ação deve ser dividida em
ações ou etapas menores. por exemplo, na ação de ir para o trabalho de manhã há
um número de etapas, tais como: acordar, tomar café, pegar o trem etc. O
superobjetivo de ir trabalhar poderia ser manter
a família unida.
Exercício.
Complete
a ação seguinte:
Preparar o desdejum.
Esteja seguro e divida a ação em atividades como:
1. Frigir ovos.
2. Espremer suco de laranja.
3. Passar manteiga na torrada.
Etapas nas ações.
* Se uma ação for muito complicada,
divida-a em duas ou três etapas e cada etapa ajudará no desenvolvimento da
ação.
* Quaisquer etapas que você adote na
sua ação devem ser necessárias e dirigidas a ela.
Etapas numa ação.
Se sua atividade é tomar café, você deve executá-la. Se sua atividade é
tirar o anel, você deve executá-la. Mas você não pode realizar a ação de
preparar uma festa, ir trabalhar ou viajar para a Europa sem dividi-la em
etapas que a constituirão. Seria de grande auxílio anotar, como está escrito
abaixo, sua ação, as etapas nessa ação e as atividades. Exemplo:
AÇÃO ETAPAS
Ir
para o trabalho Etapa 1. Vestir-se (as atividades ou a
natureza da ação são):
Atividades:
a.
Trocar os sapatos.
b.
Colocar os brincos.
c.
Arrumar a bolsa.
Etapa 2. Tomar o desdejum.
Atividades:
a.
Colocar o pão na torradeira.
b.
Preparar café na cozinha.
c.
Preparar os cereais.
Etapa 3. Arrumar minha pasta de
negócios.
Atividades:
a.
Pôr a correspondência em ordem.
b.
Examinar a pasta de papéis do advogado.
c.
Assinar cartas.
Suas
etapas são extraídas da ação.
Detenha-se
na ação. Alimente-se dela.
Exemplo:
AÇÃO ETAPAS
Prepapar-se
para uma festa. Etapa 1. Reunir minhas roupas.
Atividades:
a. Escolher um vestido.
b.
Escolher um par de sapatos.
c.
Escolher uma bolsa.
Etapa 2. Preparar as bebidas.
Atividades:
a.
Pegar as garrafas de licor.
b.
Pegar o gelo.
c.
Pegar os copos.
Tudo isso fará
parte da natureza de “prepapar-se para uma festa”. Tente não escolher mais que três
atividades.
Fisicalizando (fazer alguma coisa física)
Quando eu peço a um ator para fisicalizar suas ações e usar suas
circunstâncias, o objetivo é tirar o fardo de cima. Se você ler alguma coisa no
jornal de que goste, recorte-a. Então você estará fisicalizando a ação de ler o
texto. Você tem sempre que manter as circunstâncias verdadeiras. Na vida, como
no palco, não quem eu sou, mas o que eu faço é a medida do meu valor e
o segredo do sucesso. Todo o resto é espalhafato, arrogância e vaidade.
Qualquer coisa que você faça deve ser fisicalizando. Fazer significa
fisicalizar.
Se um ator falha em se proteger no palco
fisicalizando sua atuação, nós provavelmente vamos surpreendê-lo tentando
representar sentimentos. Em vez disso, escolha alguma coisa física para fazer,
como pegar uma carta, guardar as chaves ou averiguar se as luzes estão acesas.
A atmosfera da peça estará lá, mas não a verdade da peça. Em cena, quando a
verdade chega, devemos celebrá-la eternamente.
Concluindo e não concluindo
as ações
Ou você conclui uma ação ou não. Se
você não completa a sua ação, deve transformá-la em uma outra ação. Se você
pode concluir sua ação, continue com ela e passe para uma outra. Mas você deve
estar sempre em ações - ao invés de estar em palavras.
Exemplo:
a. Ação: ir ao teatro.
Você perdeu seus ingressos
Você não pode completar sua ação. Você muda
para uma ação alternativa.
b. Ação: passar a noite em casa.
Exemplo:
a. Ação: tomar banho.
Não há água quente.
Você não pode completar sua ação.
b. Ação: vestir-se.
Exemplo:
a. Ação: ir ao teatro.
A campainha toca.
A ação é interrompida.
b. Passe para a ação de
receber sua visita.
c. Volte para ação inicial de
“ir ao teatro”.
A vida pode intrometer-se na sua ação.
Exemplo:
Ação: estudar anatomia.
A
vida se intromete na ação.
* O telefone toca.
* Você fecha a janela.
* Você desliga o rádio.
* Você acerta o relógio.
* Você pega uma xícara de café.
Sempre retorne à sua ação de estudar
anatomia.
Exemplo:
Ação: preparar café.
* O carteiro toca a campainha.
* O telefone toca.
* O inspetor quer checar as luzes.
* O cachorro está arranhando a porta
para sair.
Continue a ação de preparar o café.
Ações que não empregam texto
Exemplo:
Ação: costurar em meu quarto.
* Vejo uma toalha na cama: eu a
penduro.
* Ouço o táxi buzinando: olho pela
janela.
* Vejo minha bolsa: levanto-me para
guardar dinheiro.
* Vejo uma gaveta entreaberta:
retiro o suéter.
* O relógio toca: verifico a hora.
Exemplo:
Ação: ler na varanda.
* Afaste sua cadeira do sol.
* Coloque água nas flores da mesa.
* Pegue uma caneta sobre a mesa.
* Fuja das abelhas que estão à sua
volta.
Preparação e entradas
convincentes
Sempre que você entra ou deixa o
palco, isto ocorre dentro de circunstâncias específicas e você deve preparar-se.
Preparação é algo que você faz por si mesmo. A preparação se destina a ajudá-lo
a começar sua ação. Também o trará para mais perto das circunstâncias dadas.
* A preparação não é outra ação.
* Você deve selecionar o detalhe, a
coisa minúscula que será útil para a sua ação.
* Preparação é algo que você faz por
si mesmo.
* Você tira uma coisa de suas
circunstâncias que o ajudará a começar sua ação.
Se sua ação é entrar numa
biblioteca, tome alguma atividade física, tal como retirar o casaco ou folhear
sua agenda, para auxiliá-lo durante sua entrada. Quando você vem de um aposento
para outro, nós precisamos saber em que cômodo estava e em qual está entrando.
Se você entrar com flores recém colhidas e colocá-las num vaso, nós podemos
deduzir que você acaba de vir do jardim. A preparação afastará a tensão. O
adereço o manterá verdadeiro. Exemplo:
Entrando:
* No escritório Pegue a correspondência ao passar.
Guarde os óculos.
Use
a cheve para abrir o escritório.
* No quarto Tire o cachecol. Recoloque a chave na carteira. Leia
nome e endereço numa carta.
* Na sala-de-aula Tire o casaco. Tire as luvas. Arrume os
papéis da aula.
Dor e morte
Mais cedo ou mais tarde, seu trabalho no teatro irá exigir que você
expresse dor ou choque, ou você será ferido e terá que morrer à vista da
platéia. São ações que não podem ser experimentadas diretamente no palco e para
as quais você precisa de esforço. Nesta técnica as palavras “como se” são
usadas para estimulá-lo.
Dor
1. Alguém estivesse apertando seu
globo ocular.
2. Você estivesse fazendo um buraco
em seus olhos.
3. Eu estivesse enfiando uma agulha
no seu olho.
4. Eu estivesse derramando álcool
nele para limpá-lo.
Você não deve buscar a reação. Ele
deve vir imediatamente da imagem mental, e você deve escolher uma imagem que o
afete instantaneamente de modo que a reação possa sobreviver. Exemplo: se você
tem uma terrível dor de dentes, localize a dor e então é “como se” alguém
estivesse raspando suas gengivas com uma gilete. Não antecipe a dor. Ela deve
vir da gilete raspando as gengivas. O uso da metáfora para despertar uma reação
não vai além do que o que fazemos na vida real ao dizer “tenho azia”, “minhas
costas estão rangendo” ou “minha cabeça está rachando”. A imagem projeta a dor
da experiência. É “como se” eu tivesse uma ferida aberta no alto da minha
cabeça e estivesse derramando amônia na beira da ferida. A imaginação
despertada pelo “como se” lhe dará a técnica para sentir a dor em qualquer
parte do corpo.
Morte
Se você recebe um tiro, deve situar o lugar onde foi ferido; pode então
cair para a frente ou saltar com o baque. A reação de John Barrymore ao receber
um tiro em cena foi dar um salto de 90cm no ar. A ação de dormir está próxima à
de morrer - o abandono da consciência. Você começa a perder vida, perder o
mundo. Primeiro a vontade não está mais sob controle. Você tenta estender o
braço, mas não consegue. Continua a respirar, mas não pode mais se mover. Os
sentidos começam a abandoná-lo - audição, visão, paladar; então o cérebro morre
e o coração pára. Ao morrer, você experimenta esses estágios sucessivos de
perda até que você tenha partido.
Emoção
Mente, coração e alma do ator estão
envolvidos em sua profissão. Algumas vezes a mente assume o comando. Às vezes a
alma está mais envolvida. Isto trás à baila a questão da emoção. O ator tem
numerosos recursos dentro de si mesmo para obter a emoção de que a peça ou
personagem necessita. Toda emoção exigida dele pode ser encontrada através da
sua imaginação dentro das circunstâncias. O ator deve entender que não pode
existir verdadeiramente, exceto dentro das circunstâncias da peça.
Se na peça o ator necessita de uma
ação à qual não responde, pode voltar à sua própria vida, não em busca da
emoção, mas de uma ação similar. Em sua própria experiência pessoal você teve
uma ação semelhante à qual correspondeu uma reação emocional. Volte à ação e às
circunstâncias específicas em que esteve e lembre-se do que fez. Se você
recordar o lugar, os sentimentos voltarão.
Se o ator tem que rezar para Zeus e
considera isso difícil, pode dizer “alguma vez na vida, eu orei”, voltando
então à sua própria vida em busca da ação “orar”, que implica pedir socorro. Se
ele chegar a esta ação através da sua própria vida e suas cirscunstâncias pessoais,
deve tirar dela somente o seu lado realizável: “pedir socorro”. Uma vez que ele
saiba o que é realizável na ação de orar, deve voltar imediatamente para as
circusntâncias da peça e erguer as mãos para Zeus. Se o ator constrói os
antecedentes da peça e justifica a ação de estender as mãos - porque as
crianças estão morrendo, não têm água, suas línguas estão inchadas - haverá o
suficiente para dar a ele a ação de estender as mãos ou “orar”.
O lado físico da ação “orar” é
“estender as mãos”. Usar uma ação de seu passado é a
única
maneira em que ele pode ser trazido para a peça. Permanecer com seu passado
pessoal, que o fez chorar ou que lhe causou tão grande emoção, é falso, porque
você não está naquelas circunstâncias agora. Você está na peça e são as circunstâncias
da peça que têm de ser realizadas verdadeiramente, tomando emprestado da ação
que você teve no passado apenas o que era físico, não a emoção.
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Este artigo reproduz o capítulo 5 do livro Técnica da representação teatral, de Stella Adler. Tradução de Marcelo Mello. Editora Civilização Brasileira. (1992)
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