segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

 Teatro/CRÍTICA


"Dignidade"


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Irrepreensível versão de ótimo texto


Lionel Fischer


"Sozinhos em uma sala na sede de um importante partido político, às vésperas da convenção que decidirá o nome que vai concorrer à presidência nas próximas eleições, dois personagens se encontram: Francisco, líder do partido, político promissor, símbolo de mudança para o país e o seu braço direito, Alex. Depois de anos caminhando juntos, eles finalmente estão prestes a chegar ao mais alto cargo do país. Mas o que parece ser um descontraído encontro entre velhos amigos, pouco a pouco vai se revelando um tenso jogo cheio de surpresas e segredos, que põe em xeque a relação de amizade e parceria de tantos anos, expondo diferentes pontos de vista e dilemas éticos."

Extraído do ótimo release que me foi enviado pelo assessor de imprensa Bruno Morais, o trecho acima sintetiza o contexto em que se dá "Dignidade", do autor espanhol Ignasi Vidal. Em cartaz até o próximo domingo no Teatro de Arena do Sesc Copacabana, a montagem leva a assinatura de Daniel Dias da Silva, estando o elenco formado por Thelmo Fernandes e Claudio Gabriel.

Embora me falte autoridade e conhecimento para empreender profundas reflexões sobre política, tenho a impressão de que o exercício da mesma acaba revelando, mais do que qualquer outra atividade, a verdadeira essência do caráter humano. Em todo o mundo, e não apenas no Brasil, explodem diariamente escândalos variados, sendo os mais escabrosos os que envolvem corrupção. 

Isto posto, uma pergunta se impõe: seria realmente inevitável que, após um certo tempo, todos os políticos (inclusive os inicialmente idealistas e corretos) acabem por ceder à tentação de burlar as leis que deveriam defender e preservar? Particularmente, acredito que muitos se mantenham íntegros. Mas tudo indica que não sejam a maioria.

No presente caso, e tentando ao máximo não dar nenhum spoiler (palavra linda e muito em moda atualmente), estamos diante de dois amigos de longa data, cuja amizade sempre esteve em sintonia com seus ideais políticos. No entanto, aos poucos se percebe que existem questões até então jamais abordadas, e que precisam ser esclarecidas. E a iniciativa parte de Francisco, candidato à presidência, que de forma serenamente implacável começa a pressionar Alex, que seria seu companheiro de chapa. E à medida que a trama avança, o clima inicial de festa entre os dois personagens se converte em amargo pesadelo, conduzindo a um desfecho brilhante, do ponto de vista dramatúrgico, e completamente inesperado. 

Exemplar reflexão sobre amizade e política, "Dignidade" recebeu excelente versão cênica de Daniel Dias da Silva, também responsável pela ótima tradução. Renunciando a inócuas mirabolâncias formais e concentrando-se fundamentalmente no que de fato interessa - a relação entre os personagens -, o encenador consegue criar uma dinâmica cênica que valoriza ao máximo os múltiplos conteúdos emocionais em jogo. Mas é claro que isso só se tornou possível em função dos atores que estão em cena.

Já escrevi, incontáveis vezes, que este país pode carecer de tudo, menos de grandes intérpretes. E Thelmo Fernandes e Claudio Gabriel fazem parte deste seleto grupo, dentre outras razões por sua inteligência cênica, total capacidade de entrega, coragem para enveredar por novos caminhos e irrepreensíveis predicados técnicos, afora a empatia e fortíssima presença no palco. Assim, só me resta agradecer o maravilhoso encontro que tivemos, e torcer para que os sempre caprichosos deuses do teatro abençoem esta montagem absolutamente imperdível. 

Com relação à equipe técnica, considero do mais alto nível as colaborações de Victor Guedes (figurino), Natália Lana (cenografia), Vilmar Olos (iluminação) e Daniel Dias da Silva (trilha sonora)

DIGNIDADE - Texto de Ignasi Vidal. Direção de Daniel Dias da Silva. Com Thelmo Fernandes e Claudio Gabriel. Teatro de Arena do Sesc Copacabana. Quinta a domingo, 20h