sábado, 26 de maio de 2018

Teatro/CRÍTICA

"Catarse (uma para-ópera)"

................................................................
Oportuna e vigorosa montagem



Lionel Fischer


Há pequenas variações no que concerne ao conceito de epidemia. Mas o que se segue me parece o mais apropriado: "Epidemia é a propagação de uma doença infecciosa, que surge rapidamente em determinada localidade ou em grandes regiões e ataca ao mesmo tempo um grande número de pessoas". No caso da presente montagem, esta teve como ponto de partida o que ficou conhecido como "Epidemia da dança". 

O fato ocorreu em 1518, em Estrasburgo, França. Uma mulher começou a dançar sozinha e sem música no meio da rua. Inicialmente, foi encorajada por palmas e gritos, mas ela não parava de dançar. E assim continuou, durante seis dias, até que o estranho comportamento começou a se espalhar e, em uma semana, 34 pessoas estavam dançando também. Em um mês, já eram 400 pessoas, e nada fazia com que elas parassem, nem mesmo a morte de alguns deles por exaustão ou ataque cardíaco - essa informação consta do release que me foi enviado.

E, ainda baseando-me no material de divulgação, Felipe Vidal e os atores enxergaram naquele episódio uma metáfora potente para a necessidade extrema por parte daquelas pessoas de expressar uma insatisfação represada, em tempos de transição entre a era medieval e o renascimento. Uma insatisfação represada como a de hoje, no Brasil e no mundo, diante da assustadora onda de retrocesso e obscurantismo. O reconhecimento desse sentimento despertou no grupo o desejo de também usar a dança para se manifestar contra as variadas formas de opressão que tomam conta da sociedade em pleno século 21 - racismo, sexismo, homofobia, xenofobia e intolerância religiosa, entre tantas outras.

Eis, em resumo - um tanto longo, admito - a premissa e o contexto em que se dá "Catarse - (uma para-ópera"), que faz hoje e amanhã suas últimas apresentações no Teatro Sesc Ginástico. Felipe Vidal, Clarisse Zarvos e Leonardo Corajo respondem pela dramaturgia, que contou com a colaboração de todo o elenco e também com a interlocução dramatúrgica de Daniele Avila Small. Em cena,  Clarisse Zarvos, Francisco Thiago Cavalcanti, Jefferson Almeida, Maurício Lima/ Rômulo Galvão, Leonardo Corajo, Sérgio Medeiros, Noêmia Oliveira, Tainah Longras e Tainá Nogueira. Luciano Moreira (guitarra) e Felipe Vidal (baixo) também estão em cena, cabendo a este último a direção da montagem. 

Estamos diante de um espetáculo que decorre de uma dramaturgia extremamente instigante, posto que fruto de evocações históricas, depoimentos pessoais e sobretudo da dança, seja a mesma executada no mais absoluto silêncio ou com acompanhamento musical. E é justamente a dança o elemento mais potente da montagem. E por dança, ao menos no presente caso, entenda-se não coreografias convencionais, mas orgânicos e viscerais movimentos que traduzem uma infinidade de sentimentos que precisam vir à tona, que não podem mais ser represados, como provavelmente ocorreu no citado episódio medieval.

Neste sentido, gostaria de destacar a belíssima passagem em que dois homens iniciam uma movimentação que sugere um processo de sedução, que pouco a pouco se torna cada vez mais frenético e virulento, impregnado de sorrisos e ameaças, avanços e recuos, até que finalmente ambos se abraçam e se beijam, unindo seus corpos e suas almas, materializando algo que não poderia mais permanecer represado. 

E a mesma urgência de se colocar para fora o que permanecia oculto se faz presente nos depoimentos pessoais dos atores e nas reflexões feitas sobre os temas já mencionados, tudo orquestrado pelo diretor Felipe Vidal através de uma dinâmica cênica plena de vigor e expressividade, materializada com extrema sensibilidade por todo o elenco, não apenas nas passagens faladas, mas também naquelas em que a dança e o canto predominam - no que se refere às canções, todas estão em plena sintonia com os múltiplos conteúdos emocionais em jogo.

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as preciosas colaborações de Felipe Vidal e Luciano Moreira (direção musical e, ao que me parece, autores das músicas), Francisco Thiago Cavalcanti e Rômulo Galvão (responsáveis por impecável direção de movimento), Flávio Souza (figurinos), Felipe Antello e Felipe Vidal (iluminação) e Eduardo Souza (videografismo e programação visual).

CATARSE (UMA PARA-ÓPERA ) - Dramaturgia de Felipe Vidal, Clarisse Zarvos e Leonardo Corajo, com a colaboração do elenco e interlocução dramatúrgica de Daniele Avila Small. Direção de Felipe Vidal. Com Clarisse Zarvos, Francisco Thiago Cavalcanti, Jefferson Almeida, Maurício Lima/Rômulo Galvão, Leonardo Corajo, Sérgio Medeiros, Noêmia Oliveira, Thainah Longras e Tainá Nogueira. Teatro Sesc Ginástico. Sábado às 19h,. Domingo, 18h.  













sexta-feira, 25 de maio de 2018

Teatro/CRÍTICA

"A vida ao lado"

............................................................
Inesquecível encontro no Serrador



Lionel Fischer




"A peça mostra o dia a dia dos moradores de um edifício que está prestes a ser desapropriado pelo governo. Eles estão levando suas vidas normalmente, quando recebem a notícia de que terão que se mudar, pois a prefeitura vai implodir o edifício para a construção de um enorme e exótico aquário. Cada morador receberá uma indenização e deverá mudar-se o quanto antes para outro lugar".

Extraído do programa oferecido ao público, o trecho acima resume o contexto em que se dá "A vida ao lado", de autoria de Cristina Fagundes, que também assina a direção do espetáculo. Em cartaz no Teatro Serrador, a montagem tem elenco formado por Alexandre Barros Alexandre Varella, Ana Paula Novellino, Bia Guedes, Cristina Fagundes, Flávia Espírito Santo e Marcelo Gonçalves.

O primeiro e grande mérito do presente texto diz respeito à premissa que lhe deu origem. Se o prédio em questão fosse implodido para dar lugar a um hospital, uma universidade, um centro cultural ou uma escola para crianças carentes, dentre outras possibilidades, a iniciativa teria validez. Mas não: ali será construído um enorme e exótico aquário. Com que finalidade? Certamente a de enriquecer empreiteiros que haverão de superfaturar a obra, que mais adiante será relegada ao mais completo abandono, como ocorreu com a maior parte das construções erguidas durante as olimpíadas. 

Outro ponto de suma importância refere-se à capacidade da autora de extrair comovente  humanidade e irresistível humor de situações absolutamente comuns, vividas não por heróis imbuídos de propósitos grandiosos ou acossados por dilemas metafísicos, e sim por personagens que reconhecemos e com os quais nos identificamos.

E os ditos personagens, que são muitos e diversificados, são estruturados de forma simultaneamente amorosa e crítica, cabendo também ressaltar a agilidade e imprevisibilidade dos diálogos, sempre em perfeita sintonia com o contexto e os múltiplos conteúdos emocionais em jogo. Sob todos os aspectos, estamos diante de uma comédia dramática de excelente nível, cuja temporada se encerra amanhã, mas que desejamos que volte ao cartaz o mais rapidamente possível.

Com relação ao espetáculo, Cristina Fagundes impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Este possui uma estrutura fragmentada, mas esta fragmentação é trabalhada de tal forma que o interesse pelas situações eventualmente interrompidas não desaparece, mas sim adquire renovado vigor quando retomadas. Valendo-se de marcações imprevistas e criativas, Cristina Fagundes exibe aqui um maravilhoso trabalho de direção, que certamente se insere entre os melhores da atual temporada.   

Com relação ao elenco, é realmente notável a constatação de que todos contracenam conscientes de que o êxito de cada um está atrelado ao do outro, que nada pode se materializar mediante um brilho solitário. E justamente por isso, por esse belo e visceral encontro entre os intérpretes, é que o espetáculo propicia um inesquecível encontro entre palco e plateia. Assim, a todos parabenizo com o mesmo entusiasmo, e a todos agradeço a  emocionante e divertida noite que me proporcionaram. 

Na equipe técnica, considero irrepreensíveis as contribuições de Daniel Leuback (direção de movimento), Aurélio de Simoni (iluminação), Alice Cruz e Tuca Benvenutti (cenografia), Sol Azulay (figurinos), Vini Kilesse (visagismo) e Isadora Medella (trilha sonora).

A VIDA AO LADO - Texto e direção de Cristina Fagundes. Com Alexandre Barros, Alexandre Varella, Ana Paula Novellino, Bia Guedes, Cristina Fagundes, Flávia Espírito Santo e Marcello Gonçalves. Teatro Serrador. Hoje e amanhã às 19h30. 

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Teatro/CRÍTICA

"LTDA"

.....................................................................
Oportuna reflexão sobre o nosso tempo 



Lionel Fischer



Em busca de seu primeiro emprego, um jovem recém formado em jornalismo consegue uma entrevista em uma aparentemente ilibada agência de jornalismo. Mas logo os sócios da empresa explicitam o que esperam dele: "Você será bem pago para inventar e divulgar notícias com o objetivo de expandir o mercado das empresas que contratam nossos serviços". Ainda que surpreso, posto que a proposta contraria frontalmente seus ideais, o rapaz aceita o emprego, mas logo percebe que a mentira também é inerente ao funcionamento interno da empresa, o que contribui para seu progressivo esfacelamento.

Eis, em resumo, o enredo de "LTDA", de autoria de Diogo Liberano. No elenco, integrantes do Coletivo Ponto Zero (Brisa Rodrigues, Bruna Scavuzzi e Lucas Lacerda) e os atores convidados Leandro Soares e Orlando Caldeira. Debora Lamm assina a direção do espetáculo, em cartaz no Teatro Eva Herz.

Como todos sabemos, a mentira tornou-se, nos tempos atuais, uma espécie de instituição, cujo poder parece não ter limites, graças aos recursos tecnológicos à disposição. E o ato de mentir está cada vez mais acoplado a um cínico descaramento, como se fosse absolutamente natural esquecer a ética desde que a mesma constitua um entrave aos objetivos a serem alcançados. 

Posso estar enganado, e espero estar enganado, mas tenho a impressão de que estamos vivendo em um mundo que parece destinado a chafurdar na própria imundície, que estamos todos com lama até o pescoço e que em breve o ar nos faltará, e valores éticos talvez se vejam reduzidos a vagas lembranças do que poderíamos ter sido e não fomos. Mas haverá ainda alguma esperança de reverter esse macabro destino? 

O texto de Diogo Liberano nos aponta uma remota possibilidade, na medida em que, como dito no parágrafo inicial, as poderosas instituições que fabricam mentiras podem se desestruturar quando internamente a mentira for inerente à própria engrenagem. Mas será isso suficiente? Ou também se torna imperioso que todos nós, que não pertencemos a poderosas instituições, iniciemos um processo de conscientização que nos leve a banir de nossas vidas a compulsão de fabricar falsos perfis nas redes sociais, de fingir o que não somos, de simular emoções que não sentimos e assim por diante? Enfim, o tempo dirá. Mas o problema é que o tempo passa muito rápido...

Bem escrito, contendo ótimos personagens e extremamente oportuno graças às reflexões que Liberano faz a respeito do  sinistro tempo em que vivemos, "LTDA" recebeu ótima versão cênica de Debora Lamm. Valendo-se de marcações imprevistas e criativas, a dinâmica cênica criada pela diretora contribui  decisivamente para o fortalecimento dos múltiplos e diversificados climas emocionais em jogo. Além disso, estabelece com a plateia uma relação de permanente incômodo, deixando claro que todos somos responsáveis, ainda que em graus diferentes, pela tragédia que nos assola.  

Com relação ao elenco, Orlando Caldeira exibe performance irretocável na pele do Narrador que conduz a história e se relaciona tanto com a plateia como interage com os personagens. Leandro Soares compõe muito bem o jovem jornalista, trabalhando com a mesma eficiência tanto os aspectos humorísticos do personagem como sua progressiva perplexidade. Na pele da funcionária que almeja ser demitida para abrir seu próprio negócio com o dinheiro da indenização, Brisa Rodrigues exibe forte presença e uma indignação que emociona. Bruna Scavuzzi e Lucas Lacerda, os sócios da empresa, materializam com extremo vigor o cinismo, descaramento e total ausência de ética daqueles que acreditam cegamente na eficácia do poder de manipulação.

Na equipe técnica, considero irrepreensíveis as contribuições de Denise Stutz (direção de movimento), Marcelo H (criação sonora), Ticiana Passos (figurino), Josef Chasilew (visagismo), Debora Lamm (cenário) e Ana Luzia de Simoni (iluminação), cabendo também destacar a criativa programação visual de Daniel de Jesus.

LTDA - Texto de Diogo Liberano. Direção de Debora Lamm. Com Brisa Rodrigues, Bruna Scavuzzi, Leandro Soares, Lucas Lacerda e Orlando Caldeira. Teatro Eva Herz. Quinta a sábado, 19h.







quarta-feira, 16 de maio de 2018

O

domingo, 13 de maio de 2018

Prêmio APTR 2017
Vencedores

Produção – Morente Forte (Um Bonde chamado Desejo)
Espetáculo – Tom na Fazenda
Direção – José Roberto Jardim (Adeus, Palhaços Mortos)
Ator – Ary Fontoura (Num Lago Dourado)
Atriz – Guida Vianna (Agosto)
Atriz Coadjuvante – Leticia Isnard (Agosto) e Lisa Eiras (Hamlet)
Ator Coadjuvante – Claudio Mendes (Agosto) e Fábio Enriquez (Suassuna – O Auto do Reino do Sol)
Autor – Bráulio Tavares (Suassuna – O Auto do Reino do Sol)
Cenografia – Carla Berri e Paulo de Moraes (Hamlet)
Figurino – Kika Lopes e Heloisa Stockler (Suassuna – O Auto do Reino do Sol)
Iluminação – Adriana Ortiz (Monólogo Público) e Paulo Cesar Medeiros (O Jornal)
Música – Alfredo Del Penho, Beto Lemos e Chico Cesar (Suassuna – O Auto do Reino do Sol) e João Callado (Zeca Pagodinho – Uma História de Amor ao Samba)
Especial – Veríssimo Junior (pelo trabalho no Teatro da Laje)