sexta-feira, 25 de maio de 2018

Teatro/CRÍTICA

"A vida ao lado"

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Inesquecível encontro no Serrador



Lionel Fischer




"A peça mostra o dia a dia dos moradores de um edifício que está prestes a ser desapropriado pelo governo. Eles estão levando suas vidas normalmente, quando recebem a notícia de que terão que se mudar, pois a prefeitura vai implodir o edifício para a construção de um enorme e exótico aquário. Cada morador receberá uma indenização e deverá mudar-se o quanto antes para outro lugar".

Extraído do programa oferecido ao público, o trecho acima resume o contexto em que se dá "A vida ao lado", de autoria de Cristina Fagundes, que também assina a direção do espetáculo. Em cartaz no Teatro Serrador, a montagem tem elenco formado por Alexandre Barros Alexandre Varella, Ana Paula Novellino, Bia Guedes, Cristina Fagundes, Flávia Espírito Santo e Marcelo Gonçalves.

O primeiro e grande mérito do presente texto diz respeito à premissa que lhe deu origem. Se o prédio em questão fosse implodido para dar lugar a um hospital, uma universidade, um centro cultural ou uma escola para crianças carentes, dentre outras possibilidades, a iniciativa teria validez. Mas não: ali será construído um enorme e exótico aquário. Com que finalidade? Certamente a de enriquecer empreiteiros que haverão de superfaturar a obra, que mais adiante será relegada ao mais completo abandono, como ocorreu com a maior parte das construções erguidas durante as olimpíadas. 

Outro ponto de suma importância refere-se à capacidade da autora de extrair comovente  humanidade e irresistível humor de situações absolutamente comuns, vividas não por heróis imbuídos de propósitos grandiosos ou acossados por dilemas metafísicos, e sim por personagens que reconhecemos e com os quais nos identificamos.

E os ditos personagens, que são muitos e diversificados, são estruturados de forma simultaneamente amorosa e crítica, cabendo também ressaltar a agilidade e imprevisibilidade dos diálogos, sempre em perfeita sintonia com o contexto e os múltiplos conteúdos emocionais em jogo. Sob todos os aspectos, estamos diante de uma comédia dramática de excelente nível, cuja temporada se encerra amanhã, mas que desejamos que volte ao cartaz o mais rapidamente possível.

Com relação ao espetáculo, Cristina Fagundes impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Este possui uma estrutura fragmentada, mas esta fragmentação é trabalhada de tal forma que o interesse pelas situações eventualmente interrompidas não desaparece, mas sim adquire renovado vigor quando retomadas. Valendo-se de marcações imprevistas e criativas, Cristina Fagundes exibe aqui um maravilhoso trabalho de direção, que certamente se insere entre os melhores da atual temporada.   

Com relação ao elenco, é realmente notável a constatação de que todos contracenam conscientes de que o êxito de cada um está atrelado ao do outro, que nada pode se materializar mediante um brilho solitário. E justamente por isso, por esse belo e visceral encontro entre os intérpretes, é que o espetáculo propicia um inesquecível encontro entre palco e plateia. Assim, a todos parabenizo com o mesmo entusiasmo, e a todos agradeço a  emocionante e divertida noite que me proporcionaram. 

Na equipe técnica, considero irrepreensíveis as contribuições de Daniel Leuback (direção de movimento), Aurélio de Simoni (iluminação), Alice Cruz e Tuca Benvenutti (cenografia), Sol Azulay (figurinos), Vini Kilesse (visagismo) e Isadora Medella (trilha sonora).

A VIDA AO LADO - Texto e direção de Cristina Fagundes. Com Alexandre Barros, Alexandre Varella, Ana Paula Novellino, Bia Guedes, Cristina Fagundes, Flávia Espírito Santo e Marcello Gonçalves. Teatro Serrador. Hoje e amanhã às 19h30. 

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