sexta-feira, 18 de maio de 2018

Teatro/CRÍTICA

"LTDA"

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Oportuna reflexão sobre o nosso tempo 



Lionel Fischer



Em busca de seu primeiro emprego, um jovem recém formado em jornalismo consegue uma entrevista em uma aparentemente ilibada agência de jornalismo. Mas logo os sócios da empresa explicitam o que esperam dele: "Você será bem pago para inventar e divulgar notícias com o objetivo de expandir o mercado das empresas que contratam nossos serviços". Ainda que surpreso, posto que a proposta contraria frontalmente seus ideais, o rapaz aceita o emprego, mas logo percebe que a mentira também é inerente ao funcionamento interno da empresa, o que contribui para seu progressivo esfacelamento.

Eis, em resumo, o enredo de "LTDA", de autoria de Diogo Liberano. No elenco, integrantes do Coletivo Ponto Zero (Brisa Rodrigues, Bruna Scavuzzi e Lucas Lacerda) e os atores convidados Leandro Soares e Orlando Caldeira. Debora Lamm assina a direção do espetáculo, em cartaz no Teatro Eva Herz.

Como todos sabemos, a mentira tornou-se, nos tempos atuais, uma espécie de instituição, cujo poder parece não ter limites, graças aos recursos tecnológicos à disposição. E o ato de mentir está cada vez mais acoplado a um cínico descaramento, como se fosse absolutamente natural esquecer a ética desde que a mesma constitua um entrave aos objetivos a serem alcançados. 

Posso estar enganado, e espero estar enganado, mas tenho a impressão de que estamos vivendo em um mundo que parece destinado a chafurdar na própria imundície, que estamos todos com lama até o pescoço e que em breve o ar nos faltará, e valores éticos talvez se vejam reduzidos a vagas lembranças do que poderíamos ter sido e não fomos. Mas haverá ainda alguma esperança de reverter esse macabro destino? 

O texto de Diogo Liberano nos aponta uma remota possibilidade, na medida em que, como dito no parágrafo inicial, as poderosas instituições que fabricam mentiras podem se desestruturar quando internamente a mentira for inerente à própria engrenagem. Mas será isso suficiente? Ou também se torna imperioso que todos nós, que não pertencemos a poderosas instituições, iniciemos um processo de conscientização que nos leve a banir de nossas vidas a compulsão de fabricar falsos perfis nas redes sociais, de fingir o que não somos, de simular emoções que não sentimos e assim por diante? Enfim, o tempo dirá. Mas o problema é que o tempo passa muito rápido...

Bem escrito, contendo ótimos personagens e extremamente oportuno graças às reflexões que Liberano faz a respeito do  sinistro tempo em que vivemos, "LTDA" recebeu ótima versão cênica de Debora Lamm. Valendo-se de marcações imprevistas e criativas, a dinâmica cênica criada pela diretora contribui  decisivamente para o fortalecimento dos múltiplos e diversificados climas emocionais em jogo. Além disso, estabelece com a plateia uma relação de permanente incômodo, deixando claro que todos somos responsáveis, ainda que em graus diferentes, pela tragédia que nos assola.  

Com relação ao elenco, Orlando Caldeira exibe performance irretocável na pele do Narrador que conduz a história e se relaciona tanto com a plateia como interage com os personagens. Leandro Soares compõe muito bem o jovem jornalista, trabalhando com a mesma eficiência tanto os aspectos humorísticos do personagem como sua progressiva perplexidade. Na pele da funcionária que almeja ser demitida para abrir seu próprio negócio com o dinheiro da indenização, Brisa Rodrigues exibe forte presença e uma indignação que emociona. Bruna Scavuzzi e Lucas Lacerda, os sócios da empresa, materializam com extremo vigor o cinismo, descaramento e total ausência de ética daqueles que acreditam cegamente na eficácia do poder de manipulação.

Na equipe técnica, considero irrepreensíveis as contribuições de Denise Stutz (direção de movimento), Marcelo H (criação sonora), Ticiana Passos (figurino), Josef Chasilew (visagismo), Debora Lamm (cenário) e Ana Luzia de Simoni (iluminação), cabendo também destacar a criativa programação visual de Daniel de Jesus.

LTDA - Texto de Diogo Liberano. Direção de Debora Lamm. Com Brisa Rodrigues, Bruna Scavuzzi, Leandro Soares, Lucas Lacerda e Orlando Caldeira. Teatro Eva Herz. Quinta a sábado, 19h.







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