quarta-feira, 31 de julho de 2013


RECICLAGEM DE ATORES


          Pessoal, estamos promovendo uma Reciclagem reunindo 8 grandes Diretores do Rio com treinos para atores todas as segundas à noite no Humaitá. É um espaço para trocar informações e ficar aquecido para o mercado. E, para quem quiser se aprofundar, teremos também um workshop Intensivo de Interpretação com o diretor Belga radicado no Rio, Thierry Tremouroux e sua parceira de trabalho Raquel Karro, onde eles vão desenvolver pequenas comoposições artísticas a partir do tema Viagem. E uma oficina de Interpretação para TV com o experiente diretor de telenovelas Marcelo Zambelli para uma turma pequena. São espaços preciosos para trocar e treinar, vale à pena. E para dar uma facilitada, quem se increver até o dia 1º de agosto terá 10% de desconto. Inscreva-se agora noww.atelieartisticodorio.com.br e ganhe seu desconto.
Teremos também oficinas de Dublagem, Dramaturgia, Teatro para Adolescentes, Circo com Intrépida Trupe, O corpo para Teatro e Projetos para TV, vejam abaixo detalhes da oficina de Reciclagem.

Mais informações com a Coordenação do Ateliê Artístico do Rio
21 3449-3712 - 9666-9954

RECICLAGEM DE ATORES COM 8 DIRETORES

Ministrantes:
Daniel Herz, Cris Moura, Thierry Tremouroux, Moacir Chaves, Inez Viana, Ignácio Coqueiro, Celina Sodré e Márcio Libar.

O que é:
Treinamento para atores profissionais com diretores teatrais convidados.

Público-alvo:
Atores profissionais (é necessário registro profissional para participar).

Detalhes do Curso

Pré-requisitos:
é necessário registro profissional para participar

Período:
12 de Agosto a 30 de Setembro

Frequência:
Segundas

Horário:
das 19h30 às 22h30

Preço com desconto:
621,00
690 à vista
ou 2x 395,00 = 790,00

INTENSIVO DE INTERPRETAÇÃO

Ministrantes:

Com Thierry Trémouroux e Raquel Karro.

O que é:

          Os alunos serão instigados a criar pequenas composições cênicas, podendo utilizar-se dos mais diversos recursos, como mapas, fotografias, projeções, músicas, mímicas, objetos, depoimentos… A partir daí novas investigações serão feitas e trechos de textos não dramáticos (como romances e literatura em geral ) servirão de base para um trabalho de interpretação mais detalhado, começando assim o processo da adaptação, da união de elementos, com o intuito de construir “pequenas paisagens poéticas”, conjugando memórias e vivências pessoais com o próprio texto, criando “fricções” entre ficção e realidade, ator e personagem, literatura e teatro.

Público-alvo:
Atores, bailarinos, circenses, dramaturgos, artistas de vídeo, músicos e artistas plásticos. Performers em geral.

Detalhes do Curso

Pré-requisitos:
nenhum

Período:
de 13 Agosto a 26 de Setembro

Frequência:
Terças e Quintas

Horário:
das 20:30hs às 22:30hs

Preço com desconto:
450,00
500,00 à vista
ou 2x 300,00 = 600,00



     

  

sábado, 27 de julho de 2013

Teatro/CRÍTICA

"JIM"

.................................................................
Sensível a angustiante acerto de contas

Lionel Fischer


"Um homem diante do túmulo de Jim Morrison com uma arma em punho. Um homem que não conheceu o vocalista do The Doors mas sempre buscou ter uma vida como a dele, um dos maiores ícones do rock de todos os tempos. Um homem que acalentou o sonho de seguir os passos de seu ídolo, como artista e ser humano, mas levou uma vida trivial. Um homem que chegou aos 40 anos despido de suas idealizações. Um homem que está agora em Paris, no cemitério Père-Lachaise, com um revólver na mão para acertar as contas com Jim Morrison. Tudo leva a crer que irá matar-se, mas de repente surge uma misteriosa mulher com quem ele trava uma decisivo diálogo."

Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima reproduz o enredo de "JIM", de autoria de Walter Daguerre, em cartaz no Teatro Leblon - a Sala Tônia Carrero. Paulo de Moraes assina a direção do espetáculo, estando o elenco formado por Eriberto Leão (que dá a vida a João Mota e a Jim Morrison) e Renata Guida, que interpreta a personagem feminina.

Por ser Jim Morrison por demais conhecido, assim como a trajetória de sua banda The Doors, não julgo necessário tecer maiores considerações sobre o trabalho de um artista extraordinário. O que me parece fundamental é a proposta de Walter Daguerre, que julgo da maior pertinência: a tendência que muitos apresentam de, em função de total identificação com um ídolo, tentar pautar sua vida em sintonia com o objeto idealizado. Na maioria esmagadora dos casos, quem renuncia à própria essência, quem despreza ou desconhece a própria singularidade está fadado ao mais profundo desespero. Como ocorre com João Mota.

Curiosamente, no entanto, tanto os diálogos que ele troca com Jim e sobretudo aqueles com a misteriosa mulher revelam uma personalidade sem dúvida atormentada, excessivamente crítica, mas nem por isso desprovida de grande potencial. E este é de certa forma demonstrado pela personagem feminina, que, dentre muitas interpretações possíveis, pode ser encarada como a consciência positiva de João, que possivelmente ele desconhecia ou simplesmente fazia questão de negar.

Bem escrito, contendo ótimos personagens e levantando questões inerentes à contemporaneidade, "JIM" recebeu excelente versão de Paulo de Moraes, que cria uma circunstância cênica que mescla com total êxito diálogos reais, imaginários, músicas cantadas (dez ao todo) e ao mesmo tempo faladas, tamanha sua força poética, tudo isto priorizando uma atmosfera sombria e extremamente angustiante. Sem dúvida, um dos espetáculos mais impactantes da atual temporada.

Na pele de Jim Morrison/João Mota, Eriberto Leão exibe a melhor atuação de sua carreira. Além de cantar muito bem, valorizando ao máximo a poesia e eventual fúria das canções, o ator também convence plenamente nas partes em que o texto predomina. Cabe também registrar a visceral entrega do ator aos personagens, estabelecendo com grande sensibilidade e sutileza suas semelhanças e incompatibilidades. Vivendo a mulher misteriosa, Renata Guida também apresenta atuação irrepreensível, tanto do ponto de vista vocal como corporal, estabelecendo irretocável contracena com seu parceiro. 

Na equipe técnica, Maneco Quinderé cria uma iluminação que enfatiza, através de seus muitos contrastes, todos os climas emocionais em jogo. A mesma eficiência se faz presente na direção musical de Ricco Vianna, na atuação dos músicos Zé Luiz Zambianchi (teclado), Felipe Barão (guitarra) e Rorato (bateria), na cenografia de Paulo de Moraes e nos figurinos de Rita Murtinho (em especial no da mulher misteriosa).

JIM - Texto de Walter Daguerre. Direção de Paulo de Moraes. Com Eriberto Leão e Renata Guida. Teatro do Leblon. Terça, quarta e quinta, 21h.    

  

   




quarta-feira, 24 de julho de 2013

Living Theatre: Paradise Now
Publicado em novembro 15, 2011
Rodrigo de Araújo

          
           O grupo teatral “The Living Theatre” foi fundado em Nova Iorque em 1947 pelo ator e pintor expressionista Julian Beck e a atriz Judith Malina. O grupo estudou, concebeu e difundiu uma nova forma de se fazer teatro, ou melhor de vivê-lo. Durante sua trajetória, foram encenadas mais de oitenta peças em oito idiomas nos quatro cantos do mundo, somando ao todo 25 países participados.
             
           O que o grupo fez foi aliar o encorpado teatro político de Bretch e de Piscator ao seus anseios de transformação social, criando uma forma de teatro radical, pertencente à contracultura sessentista americana. Devido a isto, foram muito criticados por dramaturgos e teatrólogos de renome. Um de seus maiores críticos foi o grande diretor polonês Grotowski.
           O termo happening surgiu pela crítica para definir o que acontecia com o novo teatro americano. Na “Black Mountain College” na Carolina do Norte em 1952, o Living mostrava o poder vanguardista de suas criações, fazendo uma das primeiras apresentações intermídias da história. Uma mistura de projeção de película com sinais luminosos e sonoros e olfativos invadia o lugar, causando espanto e admiração.

           A proposta do Living era a de inserir a platéia de forma inevitável e profunda em suas apresentações, negando as formas convencionais de uma dramaturgia roteirística e aristotélica, contendo princípio, meio e fim.
          Diversos locais onde mantinham estúdios para ensaios e estudos teatrais foram interditados com algum pretexto pelo governo americano. Desta forma, o teatro do Living não era apenas “Off-Broadway”, era inteiramente “Off-Off-Broadway” e nem por isso deixou de repercutir, causar polêmica e de simplesmente, revolucionar o novo teatro americano e mundial. Criticavam com veemência a Guerra do Vietnã e o “American Way of Life”.
          Os principais trabalhos deste período foram “The Connection”, espetáculo sobre a juventude americana perdida e sua fuga nas drogas. Para ilustrar a angústia de um jovem personagem (Gelber) construíram um cenário interessante, como escrito por Julian Beck em seu diário:
“[...] era pintado de preto, com feixes de listas que se aproximavam passo a passo, convergindo em direção à cena como direto para um foyer, como se nos encontrássemos dentro de uma velha máquina fotográfica Kodak e olhássemos em direção ao exterior através da lente, o olho do sonhador dentro do quarto preto; as cadeiras eram pintadas de cinza escuro, azul, bege, areia e sobre elas grandes números, como se vêem nos circos, com cores brilhantes.”
          Ainda no começo da década, em dezembro de 1961, eles iniciavam as apresentações de “The Apple”. Neste espetáculo eles utilizam duas obras Brechtianas: “Um homem é um homem” e “Na selva das Cidades”, porém repletas de improvisações, participando o público dos acontecimentos. Assim como o primeiro, a peça visava criticar a manipulação do indivíduo pelo sistema em que vive.
          Em maio de 1963, quando o grupo nem imaginaria o que estaria por vir em exatos oito anos mais tarde, deram início aos trabalhos de “The Brig” (A Prisão). A estética nos palcos já não era mais a mesma quando iniciaram este espetáculo. Tratava-se da história de Kenneth H. Brown, ex-marinheiro dos Estados Unidos que se tornou anárquico.
           Faziam peças barulhentas, silenciosas, arrastadas ou elípticas, mas sempre com o viés político. Neste caso, a difícil vida dos marinheiros americanos e daqueles presos navais é retratada através de um cenário labiríntico, que adianta ou impede os atores de progredirem suas performances. Arames farpados enrolados são dispostos no palco de forma que os próprios atores se complicam, além de contribuírem para a divisão antagônica entre os atores (presos) e o público (livre).
          De fato estavam presos e tiveram de sair da América. Não haviam pago taxas e até mesmo algumas parcelas de público não compreendiam exatamente tamanha “loucura”.
          Sendo assim, foram para a Europa, onde já haviam estado em 1961, e por quatro anos, de 1964 a 1968 permaneceram criando espetáculos importantes como “Frankstein” (1965) e “Paradise Now” (1968) apresentado no Festival de Avignon, sendo mais tarde executado em outras partes do mundo.
           “Frankstein” trata do contraste entre rico e pobre, sociedade justa e injusta, igualitária e autoritária, sendo uma de suas criações mais livres em questões de improviso. Já em maio de 1968, o Living chuta o pau da barraca com “Paradise Now”. Pretendem com isso buscar uma nova sociedade e novos padrões estéticos.
           A maneira de se fazer isto, segundo Julian era através da “utilização de alucinógenos, prática de yoga, meditação e a liberação dos impulsos eróticos. A própria estrutura do evento, de vaga matriz mágico-religiosa, serve para operar o encantamento, imprimindo ao espetáculo um ritmo crescente: Rito-Visão-Ação, um ciclo que se repete oito vezes, tantos quantos são os degraus da prodigiosa escada pela qual se ascende ao jardim do Éden.”
           No final da década de 60 já eram conhecidíssimos e responsáveis pela transformação do novo teatro, tendo provocado influências em muitos artistas, como por exemplo, nas performances de Jim Morrison da banda The Doors. Em 1970 quando estavam na Alemanha deram uma pausa e vieram para o Brasil a convite do aclamado Diretor de Teatro Zé Celso Martinez Corrêa.
          No Brasil, participaram de apresentações com Gerald Thomas e o lendário “Grupo Oficina”. O Living se dirigiu à Minas Gerais, onde realizou belos trabalhos junto às comunidades carentes, como na cidade de Ribeirão das Neves.
           Tornaram-se amigos do cineasta Glauber Rocha, que também fazia cinema político e um tanto improvisado, certamente inspirado também por Bertold Brecht. Já em Ouro Preto, um ano mais tarde, tornaram-se capa do New York Times, chamando a atenção da comunidade artística internacional para o que ocorrera no Brasil, a prisão dos integrantes.
          Sobre este episódio foi realizado um curta-metragem em caráter didático da realização fílmica, chamado “Paradise Now”, produzido coletivamente e coordenado pelo cineasta Luiz Carlos Lacerda durante a Terceira Mostra de Cinema de Ouro Preto. Este documentário tratava da trajetória do Living em Minas Gerais, especificamente sobre sua estadia na cidade de Ouro Preto – MG.
          Tive a alegria de trabalhar na Pesquisa, Roteiro e Assistência de Produção do resgate desta história. O curta foi exibido no Cine Vila Rica na cerimônia de encerramento da Mostra e mais tarde pela Rede Minas de Televisão.
           Este curta-metragem teve repercussão no jornal Estado de Minas e talvez tenha motivado o lançamento na sequência do Diário de Judith Malina, editado pela série “Arquivo DOPS” do arquivo público mineiro, um belíssimo livro ilustrado contendo as anotações da atriz durante o período em que ficou detida. Julian Beck não deixava de fazer performances mesmo estando na prisão, o que demonstrava a auto-estima e força política com que atuava no grupo.
          Avisei ao Luiz Carlos Lacerda, o “Bigode” sobre a publicação e ele decidiu preparar um filme mais completo, denominado “Diário de Aquário”, premiado como melhor documentário em vídeo do CINEPORT em 2009, um importante festival internacional que reune filmes de países lusófonos.
           Julian Beck faleceu 1985. Logo em seguida Hanon Reznikov assumiu a Direção Teatral e casou-se com Judith Malina, ainda em atividade.
          Judith Malina voltou a Minas Gerais em 1993 para abrir o Festival de Inverno de Ouro Preto da UFMG e retornou ainda em 2009 para receber a mais alta condecoração dada pelo Governo brasileiro para um artista, a Ordem do Mérito Cultural, como ato de retratação e pedido oficial de desculpas pelo triste episódio.
          Em novembro de 2011 durante o Fórum das Letras em Ouro Preto, foi realizado um seminário denominado “Judith Malina, Vida, Arte e Resistência” com a presença de Sergio Mamberti, Zéca Ligiero, Cecilia Boal, Brad Burgess e Tom Walker (Living Theatre) tendo a participação do Coro de alunos do DEART-UFOP, apresentando textos de Judith Malina e Julian Beck inéditos no Brasil (trad. Ilion Troya).
          O Living é o grupo teatral mais antigo em produção dos Estados Unidos. Produziu recentemente algumas peças importantes como  “Eureka!” baseada em uma obra de Edgar Alan Poe, que foi executada em um teatro intimista com capacidade para cinquenta pessoas.
         Judith Malina aos 88 anos dirigiu uma peça em 2011 sobre a situação política envolvendo os 30 anos de Ditadura Hosni Mubarak,no Egito e as grandes manifestações que ocorreram naquele país. 

Para saber mais sobre o

Living Theatre, basta visitar o seu site oficial: livingtheatre.org

           
           Este post foi possível através das pessoas que contribuíram para o meu conhecimento sobre o grupo. Desde Glauber Rocha (através de seu livro Revolução do Cinema Novo), passando pela Wikipedia a também pelos depoimentos dados nos curtas citados. Agradeço diretamente ao Luiz Carlos Lacerda, Manoela Starling e Alberto Marsicano, que contribuíram de forma mais direta para minha breve pesquisa sobre o grupo.

             Tirso de Molina é o pseudônimo do dramaturgo espanhol frei Gabriel Téllez, homem pleno de “talento e infortúnios”, segundo ele mesmo disse em uma de suas célebres obras. Vastíssima foi a produção literária de frei Gabriel Tellez, iniciada em 1606. Entre as desventuras que disse haver padecido, cabe mencionar que os dados encontrados que chegaram até os dias atuais, não são todos eles fundados. Um de seus estudiosos, Dona Blanca de Los Ríos, intenta defender que era filho natural do duque de Osuna.
               
          Nada se sabe ao certo, embora chame atenção a maneira com que trata a leviana conduta das pessoas da alta sociedade daquela época. Não obstante, cabe destacar que gozou de esmerada educação, estudou  na Universidade de Alcalá e, com certa amargura, tornado teólogo de renome.
            
          Em 1600, suas inclinações religiosas o enviaram como noviço com 30 anos de idade, ao convento da ordem de Mercedes de Guadalajara, local onde, um ano mais tarde professaria seus votos solenes. Passou por vários conventos até que em 1616, quando se encontra em Sevilla, embarca para a ilha de Santo Domingo, no qual resultaram em aprofundamentos em teologia. Tudo isso o conduziria, de volta à Espanha, com um amplo acervo de memórias coletadas em suas viagens: “não merece o nome de homem quem permanece encerrado em seu país e ignora as demais gentes”.
              
           Apesar de Tirso não ter saído de seu país, sua visão aguçada, contudo, serviu para torná-lo  o “custumizador mais notável entre nossos dramaturgos”.
                
          Tirso viajava muito por seu país e tinha convívio com gente de relevada importância; foi muito amigo de Lope de Vega, a quem conheceu na Academia Poética fundada pelo humanista Juan Francisco de Medrano. De Lope dirá em alguma ocasião “…tem elevado a comédia a tal ponto de perfeição e sutileza que pode formar escola por si só; e todos nós, que nos consideramos seus discípulos, teremos que defender sua doutrina contra seus adversários entusiásticos”.
                
          A ele são atribuídas mais de 300 obras e sabe-se de algumas outras perdidas, porém grande parte de seu material foi salvo e constituem um dos tripés gloriosos do Teatro de Ouro espanhol, junto com ‘o monstro’ Lope e o “imortal” Calderón.
            
           Sofreu as censuras da Igreja, produto de malquerentes. Com efeito, por causa da publicação de seu renomado livro “misceláneoCigarrales de Toled” (1621) que inclui prosa, verso e teatro. Uma junta de examinadores o exilou da corte (por volta de 1626) por atentar contra a moral. Imprimiu caráter religioso às suas obras, uma mescla de histórias piedosas, poesia devota e autos sacramentais; sua aparição, em 1635, anos mais tarde de que fora nomeado cronista oficial da Ordem a qual, três anos depois, dedicou a “História geral  da  Ordem  de Mercedes”. Apesar destes trabalhos, recebeu novas críticas que lhe valeram novos desterros. Embora tenha vivido seus últimos anos em Soria (como prior) e em Almazán, sua glória se deve a seu talento e fecundidade.
              
          Os estudiosos de sua obra indicam que embora não tivera um talento borbulhante e desordenado como seu amado mestre Lope, superou a este em sutileza e disciplina intelectual; dominou a “intriga” com uma estrutura cuidadosa e, segundo os eruditos, criou uma ponte entre a comédia Lopesca e o intrincado desenvolvimento que alcançaria Calderón de la Barca.
          
          Sua inspiração toma atitudes variadas, com personagens talentosos e maníacos, impulsivos ou hipócritas, sem meias tintas. Entre seus trabalhos, chama a atenção uma obra em prosa, derivada do Decamerón e as novelas (tipo italiano) que agrupam várias histórias narradas por damas e cavalheiros. É muito conhecido sobretudo por várias obras: “El condenado por desconfiado”, que planejou com enfoque ortodoxo o tema teológico da predestinação.  
            
          Trata-se de um poema dramático intenso  e  comovente destinado a apartar os seculares dos mistérios de preocupação mórbida por uns mistérios impenetráveis, orientando para a prática de um cristianismo sadio. É, acima de tudo, uma obra sobre a vida e a morte do ponto de vista da prática religiosa.“El condenado por desconfiado” tem tanto os protagonistas, quanto intrigas entrelaçadas de igual importância temática e tende a provocar a reflexão sobre a natureza da verdadeira devoção. Quiçá Tirso com esta obra quis demonstrar a profundidade teológica de seu saber a tal ponto que alguns pesquisadores duvidam que seu autor seja o célebre Frei Gabriel Téllez.
            
           Entre suas quatrocentas comédias destacam-se cerca de sessenta publicadas entre 1627 e 1636, algumas das quais mencionaremos: (cenários históricos) La prudencia de la mujer”, “Las quinas de Portugal” (hagiografia (vida dos santos)), “La venganza de Tamar“(sobre os amores incestuosos de Ammón, primogênito do Rei David, e sua hermanastra Tamar), “La espigadera”, “Santa Juana”. Inúmeros assuntos são dedicados ao teatro de Tirso, inclusive os costumes relaxados de seus contemporâneos, onde encontramos sigilosos agravos acerca da duvidosa origem de frei Gabriel Téllez.
            
          Demonstram particular interesse as comédias de enredos, cabendo mencionar “El vergonzoso en palácio” (um pastor, Mireno, sente um desejo instintivo de levar uma vida nobre e devido a um infortúnio é preso quando leva as roupas do secretário de um duque. No palácio ducal diz chamar-se Don Dionís, e a filha do duque, que se enamora dele, convence o pai para que lhe devolva a liberdade em nome do secretário. Com diversos ardis, a filha do duque consegue persuadir o jovem por quem está apaixonada. Tudo acaba bem. A protagonista declara-se astutamente em sonhos a seu tímido galã).
           
          Muitos são os temas e todos delineados com engenho por Tirso de Molina, mas teremos que deter-nos no “El burlador de Sevilla”, onde se combinam elementos do drama religioso, da comédia de capa e espada e (novamente) as sátiras de costumes relativos às classes elevadas. Tudo nos leva à figura de Don Juan, cujo desordenado erotismo o confronta moralmente com a sociedade, fazendo-lhe digno do castigo divino. Assim, “El burlador de Sevilla” é a principal fonte de uma tradição literária internacional: a do mito de Don Juan, a que pertencem numerosas obras de grande vulto, a miúde muito diferentes, desde a Espanha do século XVII até a Inglaterra.
             
          Com efeito, “El burlador de Sevilla (O trapaceiro de Sevilla)” não foi a primeira obra que foi escrita sobre Don Juan. “El burlador” foi impresso no século XVII como obra de Tirso, mas é de assombrar-se que não figura em nenhum dos livros que o mesmo publicou.Assim mesmo, fala-se de semelhanças com outra obra atribuída a Calderón, mas a maior parte dos entendidos concordam que tem o brilho e a eloqüência de Tirso.
                 
          O Que é El burlador de Sevilla? Arrogante e desinibido, Don Juan Tenorio surpreende a diversas mulheres com enganos e astúcias covardes. É filho privado do rei de Espanha e sobrinho do embaixador espanhol em Nápoles e também trapaceiro, arrogante e nécio. Seduz as damas, engana-as com falsas promessas de matrimônio; no caso de Dona Ana de Ulloa, escondido, mata o pai dela, Don Gonzalo, e passado um tempo, quando visita a tumba deste, tira-lhe a barba e convida-o a jantar em sua companhia. A estátua aparece e intima-o, e a seu término convida-o a sua vez a jantar na capela. Don Juan foge para a igreja onde está sepultado Don Gonzalo e traz uma comida composta de escorpiões, víboras e fel, a estátua toma a mão de Don Juan e ambos se aprofundam no inferno.  O rei de Espanha coloca ‘ordem’ na sociedade casando as vítimas de Don Juan com pares adequados. Tem-se falado que El burlador é um drama em que a edificação da sociedade humana se mostra débil e suja. Wilson  a considera uma grandiosa e impressionante tragédia social.
             
           Finalmente, o êxito da versão de Don Juan Tenorio, de Zorrilla, tem imortalizado a personagem em todo o mundo.A incansável “pena” de Tirso penetra, temerária na ligeireza da vida monástica (que deve ter produzido alguns dissabores) em “La elección por la virtud”, composta em 1622. Por esses tempos teve severas críticas da Igreja e o dramaturgo escapou por sorte.
            
          Nessa época nosso inspirado escritor dá a luz a uma obra talentosa, divertida e intencionada: “Don Gil de las calzas verdes”. Escreveu também, “La prudencia en la mujer”, drama histórico centrado nas figuras de Fernando IV, “el Emplazado, y la reina madre, dona María de Molina”; houve algumas habituais que saborearam os ‘currais’ de Madrid como: “Los balcones de Madrid”; “Bellaco sois, Gómez”; “El honroso atrevimiento”;”El celoso prudente” e alguns autos sacramentais para estar de bem com  a Igreja.
              
          Lamenta-se que Tirso tenha tido um breve esquecimento de algumas de suas obras dramáticas. Sua obra esteve relegada à poeira, mas ressurgiu no século XIX, graças aos estudos de Dionisio Solís, Agustín Durán e Juan Eugenio Hartzembusch. Foi precisamente Hartzembush quem disse, por sua dedicação à literatura que lhe valeu sua entrada na Real Academia Espanhola, o descobrimento dos clássicos, como Tirso de Molina encabeçando a lista.
           
            Tirso, com Lope e Calderón e alguns outros autores como Alarcón representa, com Cervantes à frente, com que o Século de Ouro presenteou, no âmbito espanhol, a cultura européia. Surgindo pouco depois Quevedo.
        
             Obras como “El vergonzoso en Palácio”, “La villana de Vallecas” e sobretudo a diabólica presença de Don Juan asseguraram a permanência de frei Téllez, é assegurar um Tirso com talento e humildade, mas também com talento e penetração, imortal nos costumes de um povo, que asseguram ao dramaturgo permanência na cabeceira do melhor teatro castellano. 

Fontes-
Artigo de Adolfo Hernández Muñoz;
- Ciclo de Ouro: Teatro; de Duncan Moir, editorial Ariel;
- Estudos do “véanse” de Georges Gendarme de Bévotte,Weinstein e E.W. Hesse, citações do ensaio do professor Duncan Moir, da Universidade de  Cambridge;
terça 25 dezembro 2007 20:57


terça-feira, 23 de julho de 2013

Cia dos Atores

Cia dos Atores
por Berta Teixeira

Todos já sabem que Enrique Diaz, um dos fundadores da Cia. Dos Atores, acaba de se desligar da companhia, que não sei se prosseguirá com suas atividades e de que modo. Mas acho oportuno postar aqui um belo depoimento de Berta Teixeira, que a meu ver traduz de forma esplêndida a importância deste formidável grupo teatral carioca. (Lionel Fischer)


           Em abril de 2008, assisto, no Centro Cultural de Belém (Lisboa/Portugal), aos espetáculos “Ensaio.Hamlet” e “A Gaivota”. Tratava-se, em bom rigor, de um ciclo dedicado ao encenador Enrique Diaz, porém, acabei por descobrir – perdão, encontrar! – uma companhia de atores e de atrizes deveras específica.

           Recordo-me de ter sido assaltada, enquanto assistia, por um desejo indômito de comparticipar da cena, da dramaturgia, enfim, do que me era oferecido. Acredito que, melhor do que a sensação de fazer teatro, é o sentimento de o querer fazer com pessoas que nos alimentam. Eu, ali, era público. Toda eu era frenesí. É notável quando os atores inspiram essa vontade num público de atores. E assim foi. Contatos. Abordagens. Rumei ao Rio de Janeiro, com a cara e com a coragem (surpreendida por um “venha, vamos começar um novo trabalho para celebrar os 20 anos”). Pude compreender, desde então, que a Cia. dos Atores cria trabalhando (sobre) a existência própria e a alheia, sendo que não existe uma sem interferência da outra. 

           A Cia. dos Atores é um estado, um modo, uma predisposição de vida, mais do que um dispositivo – ainda que tenha criado e venha mantendo, a pulso, uma estrutura logística e organizacional que permita aos seus cofundadores (e colaboradores) desenvolver projetos.

           Até ao momento, pude trabalhar com o grupo em “Auto-Peças” (2008), “Devassa” (2010) e “Auto-Peças 2: Peças de Encaixar” (2011).  Em “Auto-Peças”, a companhia celebra, assumindo formalmente, uma identidade/maturidade autoral dos seus atores. É difícil marcar o início de um processo, quando ele deriva de vontades, interesses e pequenos gestos. 

           “Devassa” (2010), o trabalho seguinte, agendado com mais de uma ano de antecedência, remetia a uma versão de Frank Wedekind inédita no Brasil. Nehle e Roberto Franke fizeram a tradução. A Cia. dos Atores havia realizado uma leitura, segundo a versão de Jean-Luc Lagarce, em 2009, num ciclo de dramaturgia contemporânea, no Centro Cultural Banco do Brasil. 

          Em abono de alguma verdade, Marcelo Olinto, membro fundador da Cia. dos Atores, teve, desde sempre, uma predileção pela obra de Wedekind, e, de constelação em constelação, foi progredindo um novo projeto, nos 22 anos de existência do coletivo; projeto esse que contaria com uma primeira direção feminina externa. Com isso, Bel Garcia e Susana Ribeiro haviam já assumido o papel de encenadoras, fazendo boa justiça ao estatuto de ator-criador, pelo qual a Cia. dos Atores prima. 

           Nesse projeto, cujo nome traduz, com excelência, a dinâmica e concepção do mesmo, oito membros fundadores desenvolveram oito trabalhos de acordo com as suas prioridades e motivações. Enrique Diaz, diretor da companhia, não estranhamente apresenta um vídeo-instalação – um diretor teatral em incursão noutras autorias?! Foi, pois, o momento dos demais membros assumirem e assinarem, no seio deste coletivo, uma autoria que, anteriormente, vinha sendo cunhada e diluída nos seus processos colaborativos enquanto atores-criadores. 

           Eu pude participar, enquanto encenadora-estagiária, e fazer assistência de direção a César Augusto, em “Talvez”. Com um novo trabalho em agenda, o grupo depara-se com as vicissitudes inerentes aos procedimentos de angariação de fundos. A manutenção da companhia, enquanto estrutura, é uma questão vital para a boa prossecução dos seus ensejos de criação. Reunidas, apenas, algumas condições de base, a Cia. dos Atores decide avançar com o processo nos primeiros dias de março de 2010. Economia (e rentabilização de esforços) vem sendo a palavra-chave das suas empreitadas.

           Nehle Frank, alemã radicada na Bahia, já se encontrava no Rio de Janeiro. Eu deixo São Paulo e chego passados três dias. Na sede da Cia. dos Atores, Bel Garcia e Nehle tomavam decisões sobre a escolha do restante do elenco. Vislumbrava-se a necessidade de pelo menos seis atores a avaliar pela multiplicidade de personagens no texto original de Wedekind. Enrique Diaz, Gustavo Gasparani, Marcelo Valle, Susana Ribeiro e Drica Moraes não trabalharam nesta criação, apesar da sua onipresença ser irrefutável. Por isso, estávamos perante a necessidade de convidar outros colaboradores. A assistência de direção estaria garantida por mim e por Vinícius Arneiro, também ator e diretor, cujos anteriores envolvimentos com o coletivo nos proporcionaria esta função.

          Uma semana de leituras com atores de perfis variados permitiu chegar a um elenco final: César Augusto, Marcelo Olinto, Bel Garcia, da casa; e Pedro Brício, Alexandre Akerman e Marina Vianna, como convidados. A restante equipe de criação garantia a parceria recorrente e incontornável com Maneco Quindaré, Rodrigo Marçal e, claro, Marcelo Olinto, já incluso no elenco, que teria a concepção e desenho de figurino a seu cargo. Os demais foram sendo convidados e convocados em função dos objetivos pretendidos e pela sua disponibilidade.

           A escolha do elenco, tendo sido fundamentada nos trabalhos prévios dos atores e das sucessivas leituras efetuadas, permitiu um rigoroso entendimento do texto original. Por outro lado, o compromisso com o Festival de Curitiba, para o qual havia sido agendada uma leitura encenada, veio fortalecer a incorporação de 80 páginas de letras, palavras, orações, pontuações e frases em várias línguas e registos teatrais. 

           Num primeiro momento, o que quase se apresentava como um atraso ao início do processo criativo, veio a seu tempo potencializar um domínio de conteúdos e formas, que permitiram a reformulação do texto original, resultando num roteiro final cocriado por todos os atores.

           Tanto a leitura no Festival em Curitiba como o workshop realizado no Sesc Copacabana, com participantes alheios ao processo (que corria a todo vapor), tinham um objetivo concreto: veicular um texto, na sua tradução do alemão, a um público geral. No caso do workshop, privilegiou-se igualmente o procedimento viewpoints, que deixa de o ser, já que a Cia. dos Atores o vem utilizando e reapropriando especificamente a seu modo.

          O caso de “Devassa” é, quanto a mim, um bom exemplo de uma inquirição e investigação que, até na sua concretude teatral, assumiu essa dimensão. “Devassa” traduz, com vigor criativo e rigor escatológico, não só a investigação de um texto original, como a procura de “colaboradiretores-atores-criadores” em torno de temas sobejamente contemporâneos de uma sociedade tão mais cosmopolita quanto localizada. As modalidades “colaboracriadoras”, e, por isto mesmo, horizontais nos seus processos constelares, alimentam e encorajam a minha umbilical crença na negociação e na democratização assente na auto-responsabilização – sem que por isto deixe de existir uma assinatura-decisão autoral.

             O que posso acrescentar, ao que já muito foi dito e escrito sobre os processos colaborativos da Cia. dos Atores, remete para a dimensão de exercício de confiança que um agregado de “colaboratores-criadores” deposita num olhar externo, a saber o do “colaboradiretor”. Ou seja, num pacto de respeito e lealdade ao que vai sendo produzido com novas ideias-conceitos e suas materializações corpóreas e cênicas, enfim, teatrais, o agregado dos “colaboratores-criadores” escolhe um olhar testemunha para o progresso das suas propostas de tratamento das matérias e dos materiais de base.

           Como, por ironia do implícito, a sua posição de atores não lhes permite ter um olhar distanciado, de si mesmos e até dos demais parceiros em cena, como a sua implicação e incorporação direta os coloca num ângulo cego, ao todo e a certas partes vistas de fora, os “colaboratores-criadores”, generosamente, fazem uma opção de se proporcionarem um olhar-guia que os leve pela sensibilidade, receptividade e negociação – é que, afinal, o ator tem um poder incomensurável. Por muita direção que receba, ele tem, sempre, o gesto final (voluntário e/ou involuntário), para o bem ou para o mal do resultado final. A “colaboracriação” apresenta-se como um ato de dádiva e de cumplicidade entre todos os intervenientes, o que me faz pensar sobre a sua ética e até sobre a sua estética.

           Existe uma estética da cumplicidade, da dádiva, específica e diferenciável das demais estéticas do primado do texto, ou da versão autoral do encenador? A existir, quais poderão ser os instrumentos visíveis e invisíveis dessa linguagem cênica? Se não existe ao ponto de os podermos diferenciar, resta-nos a dimensão ética? Que ética é essa que pode sobressair na linguagem de cena e no resultado final do espetáculo? Se essa ética não é tão identificável na estética do trabalho, e assumindo e reconhecendo que ela existe, que exemplo será este de agregação e dinamismo social? Pode um simples agregado de “colaboradores-criadores” dar um exemplo de regulação e de emancipação social sustentável a outros domínios e segmentos da sociedade?

           “Auto-Peças 2: Peças de Encaixar”, realizado em 2011, vem dar mais respostas a estas perguntas – que são algumas das aforias da minha tese de doutorado em plágio. A proposta era simples: partindo de uma oficina de dramaturgia que a Cia. dos Atores deu no Sesc Copacabana, acabou por se construir um espetáculo que materializou a articulação de diferentes escritas, pessoas e formações. Do caos ao encaixe, fez-se sentir a pulsação de todos os interferentes.  César Augusto e Susana Ribeiro assinaram a encenação. Um elenco de atores e atrizes, autores convidados, alguns deles e delas, também escritores/as. Como se anunciava no programa, “Peças de Encaixar é a cara da Cia. dos Atores”. Este trabalho serviu paralelamente de material e vivência para o projeto de intercâmbio com Os Fofos Encenam – “(Re)soluções para Ontem: Inventar o Passado”, no âmbito de Rumos Teatro, do Itaú Cultural. Mais uma vez, a minha colaboração artística resulta de uma abertura ímpar que a Cia. dos Atores tem ao acolher outros criadores, nomeadamente, como foi o caso, disponibilizando-se e envolvendo-se em trabalhos como este por mim inicialmente concebido e proposto.

           Efetivar encontros, afetos e competências específicas no e com o teatro é a qualidade, diria invejável, da Cia. dos Atores. A sua generosidade rigorosa nutre e configura o que denomino por Dramaturgias Interferentes. O teatro, que até aqui venho fazendo com a companhia, apresenta-se como um ato epistemológico singelo. O teatro é, na senda desta postura, tomado como forma de questionamento-investigação-procura, como modalidade de produção de sentido e de entendimento. O teatro da Cia. dos Atores não só muda, transforma, mas ele muda os modos de transformar. O teatro da Cia. dos Atores não é um intermezzo à intelligentsia, ele é a própria  inteligência humana tendo a emoção como razão.

             Por Dramaturgias Interferentes, entendo toda a prática/experiência passível de ser mobilizada para a construção teatral. As Dramaturgias Interferentes são compósitas, ou seja, perante a tarefa de construção de uma obra teatral, o propósito é convocar, indutiva (com exemplos materiais concretos) e dedutivamente (partindo de sistemas de princípios abstratos),   elementos de especificidades díspares. Em bom rigor, a linguagem cênica, em geral, já tem essa característica, em si mesma, de fazer convergir no evento performativo várias contribuições que configurarão uma estrutura ideológica e formal, mais ou menos homogênea, consoante as tendências e opções estéticas.

            Partindo do pressuposto que a dramaturgia tem como função prioritária fazer a articulação entre o mundo (real/imaginário) e a cena (visível/não-visível), interessa, com a prática das Dramaturgias Interferentes, reinventar os processos de modelização (abstração, estilização e codificação) e de significação em teatro. O mundo é cena e a cena é mundo.

            Uma tal atitude de reinvenção passa – para além da convocação de díspares e complementares elementos/linguagens (nada de muito novo!) – pela validação da posição equitária dos seus enunciados e materializações. Em cena, tudo tem leitura, mesmo que seja a ausência dela. Em cena, todos os elementos (com)participantes são agentes constitutivos do estaleiro-aparelho teatral e da sua configuração cênica ulterior. 

            As Dramaturgias Interferentes que consegui identificar e edificar com a Cia. dos Atores, não só tentam resgatar uma horizontalidade de forças e poderes mobilizadores de cada elemento constituinte na construção da obra teatral, como almejam comunicar a eventual tensão entre esses mesmos elementos, e até tornar fruível a negociação dessas forças mobilizadoras. Curiosamente, esta tensão processa-se a diferentes dimensões espaço-temporais. Conhecer, num construto de configuração teatral, tais processos de confronto, mediação e de negociação a um público, também pode ser um dos objetivos finais. Tornar esse público outro (com) participante, mais ou menos ativamente, das (re)soluções do eventual drama, seria desejável. Ter em consideração e partir de aporias (na Cia. dos Atores, utiliza-se o termo “dogmas”) para chegar às ambigüidades e aos ângulos cegos do espectador, é conseguir lograr na construção teatral. Esta construção será erguida pela interferência, pela interrupção, pela não-linearidade, pelo constante movimento dos “corposmídia” em superfícies suficientemente acidentados.

             O exercício das Dramaturgias Interferentes incorpora a inclusão-exclusão, enfim, a contingência, bem como se constitui em (pós)memória, uma vez que conta pela presentificação do fazer e não apenas pela representação simbólica. Ele torna-se econômico e regenera os excedentes sublimando o ínfimo.

            A Cia. dos Atores com as suas Dramaturgias Interferentes não se propõe a uma invenção radical dos formatos finais teatrais; porém, procura contribuir para uma reinvenção dos procedimentos e dinâmicas dos processos de criação, revendo certas figuras do agenciamento teatral, tais como a do encenador, a do ator – e até a do programador – nesta contemporaneidade inicial do século 21. A reinvenção dos dispositivos de criação em modalidades co-laborativas (horizontais e/ou pluridimensionais), de co-optação e de cocriação, portanto, de autoria distribuída, expandida, estilhaçada – ainda que com uma eventual coordenação-direção artística, até uma autoria – potenciarão, inevitavelmente, as configurações teatrais a conseguir. 

           A (des)confiança torna-se imperativa e a (des)lealdade outro predicado, todavia, não funcionam como ameaça ou coação. A diversidade não se me apresenta nos trabalhos e processos da Cia. dos Atores como adversidade. O reconhecimento da e pela diferença são a sua mais que valia. Existe sempre um valor biológico e esse valor é o do espetáculo.  Explorar e desenvolver uma (est)ética da cocriação, pelas Dramaturgias Interferentes, vem recolocar os vários agentes do corpus e apparatus teatral enquanto agentes insubstimáveis, com textos, leituras e discursos válidos – tão mais válidos quanto pela sua específica linguagem e discurso conseguirem comunicar aquilo que outra linguagem/discurso não logre (voluntária e/ou involuntariamente) em fazer.

             A criação na Cia. dos Atores não é monolítica nem hegemonizante, ela é distribuída e negociada até ao compartilhamento – o que nem sempre significa uma harmonia generalizada de processos e formas. Comunicar pelas Dramaturgias Interferentes, não é só transmitir, disseminar informação, mas outrossim concretizar (eventualmente traduzindo) os processos de vivência, de produção e de recepção dessa informação. Seria incorreto afirmar que todos os processos são contemplados, mas no reconhecimento da incompletude o importante é tentar convocar contribuições que estimulem as aporias (dogmas) de base de cada projeto.
           
           No que diz respeito à comunicação, não temos apenas um emissor e um receptor (um evento teatral que comunica algo a um público), mas temos, concomitantemente, uma (com)participação, mais ou menos ativa e motivada, para a experiência de fruição. As Dramaturgias Interferentes da Cia. dos Atores veiculam informação potenciando sentidos e traduzem o próprio processo de concretização e de elaboração dessa informação-conteúdos.

              Por outro lado, é pela consciência presença/ausência dos agentes (não só da cena) e das suas contribuições que, na Cia. dos Atores, pelas Dramaturgias Interferentes, se pretende parturiar elementos imprevistos no processo de criação. Esses sim, novas possibilidades, derivam dos interstícios de constelações em curso pelas práticas correntes de cada agente-criador-interferente. As Dramaturgias Interferentes que atribuo à Cia. dos Atores, na sua porosidade e fricção, provocam a construção no mo(vi)mento (e na suspensão dele), sensibilizam o texto escrito/oral tornando-o movediço e errante, como as areias de um de(ser)to, em que suas dunas configuram relevos em função dos ventos e chuvas. A poética teatral (nas suas formas e conteúdos), o discernimento corpóreo (portanto emocional, contemplado também como razão), em suma, a “inteligência sensível” são os mecanismos operativos desta prática de cocriar em teatro.

              Se as Dramaturgias Interferentes da Cia. dos Atores dão tempo e espaço às diferentes versões do drama, em regime equitário e validante de conteúdos e formas, elas são, portanto, dramaturgias do testemunho situado e articulado. Criar em teatro, colaborativamente, implica domínios específicos de competências e de linguagens que as Dramaturgias Interferentes podem articular criando intra-inter-trans ações se não inovadoras, pelo menos, surpreendentes. 

            Tendo a Cia. dos Atores um caráter apaixonante, não admira que o seu teatro seja tão polivalente quanto diversificado. Ela é cosmopolita, habita a cidade do Rio de Janeiro e todos os dias sobe as escadinhas de Seleron à Lapa – qual garota de Ipanema! Ela faz um teatro em que “amigo não empata amigo”. Ela potencializa desejos, ela é a companhia que eu não quero deixar escapar. Sim, porque ela é rápida, não tem pressa, mas não tem tempo a perder! 

“Amôrrr, deixeucabar essa tééési, queu vô ganhar tesãum no seu Ethos Carioca... Será quocê ainda mi quérrr?”


Berta Teixeira é atriz, investigadora, formadora, desenvolve as suas criações-investigações entre Portugal-Angola-Brasil. Vem colaborando com a Cia dos Atores (RJ Brasil) desde 2008.
Doutoranda em Sociologia da Cultura, Conhecimento e Comunicação da Faculdade de Economia Universidade de Coimbra – Portugal.