quarta-feira, 24 de julho de 2013

Living Theatre: Paradise Now
Publicado em novembro 15, 2011
Rodrigo de Araújo

          
           O grupo teatral “The Living Theatre” foi fundado em Nova Iorque em 1947 pelo ator e pintor expressionista Julian Beck e a atriz Judith Malina. O grupo estudou, concebeu e difundiu uma nova forma de se fazer teatro, ou melhor de vivê-lo. Durante sua trajetória, foram encenadas mais de oitenta peças em oito idiomas nos quatro cantos do mundo, somando ao todo 25 países participados.
             
           O que o grupo fez foi aliar o encorpado teatro político de Bretch e de Piscator ao seus anseios de transformação social, criando uma forma de teatro radical, pertencente à contracultura sessentista americana. Devido a isto, foram muito criticados por dramaturgos e teatrólogos de renome. Um de seus maiores críticos foi o grande diretor polonês Grotowski.
           O termo happening surgiu pela crítica para definir o que acontecia com o novo teatro americano. Na “Black Mountain College” na Carolina do Norte em 1952, o Living mostrava o poder vanguardista de suas criações, fazendo uma das primeiras apresentações intermídias da história. Uma mistura de projeção de película com sinais luminosos e sonoros e olfativos invadia o lugar, causando espanto e admiração.

           A proposta do Living era a de inserir a platéia de forma inevitável e profunda em suas apresentações, negando as formas convencionais de uma dramaturgia roteirística e aristotélica, contendo princípio, meio e fim.
          Diversos locais onde mantinham estúdios para ensaios e estudos teatrais foram interditados com algum pretexto pelo governo americano. Desta forma, o teatro do Living não era apenas “Off-Broadway”, era inteiramente “Off-Off-Broadway” e nem por isso deixou de repercutir, causar polêmica e de simplesmente, revolucionar o novo teatro americano e mundial. Criticavam com veemência a Guerra do Vietnã e o “American Way of Life”.
          Os principais trabalhos deste período foram “The Connection”, espetáculo sobre a juventude americana perdida e sua fuga nas drogas. Para ilustrar a angústia de um jovem personagem (Gelber) construíram um cenário interessante, como escrito por Julian Beck em seu diário:
“[...] era pintado de preto, com feixes de listas que se aproximavam passo a passo, convergindo em direção à cena como direto para um foyer, como se nos encontrássemos dentro de uma velha máquina fotográfica Kodak e olhássemos em direção ao exterior através da lente, o olho do sonhador dentro do quarto preto; as cadeiras eram pintadas de cinza escuro, azul, bege, areia e sobre elas grandes números, como se vêem nos circos, com cores brilhantes.”
          Ainda no começo da década, em dezembro de 1961, eles iniciavam as apresentações de “The Apple”. Neste espetáculo eles utilizam duas obras Brechtianas: “Um homem é um homem” e “Na selva das Cidades”, porém repletas de improvisações, participando o público dos acontecimentos. Assim como o primeiro, a peça visava criticar a manipulação do indivíduo pelo sistema em que vive.
          Em maio de 1963, quando o grupo nem imaginaria o que estaria por vir em exatos oito anos mais tarde, deram início aos trabalhos de “The Brig” (A Prisão). A estética nos palcos já não era mais a mesma quando iniciaram este espetáculo. Tratava-se da história de Kenneth H. Brown, ex-marinheiro dos Estados Unidos que se tornou anárquico.
           Faziam peças barulhentas, silenciosas, arrastadas ou elípticas, mas sempre com o viés político. Neste caso, a difícil vida dos marinheiros americanos e daqueles presos navais é retratada através de um cenário labiríntico, que adianta ou impede os atores de progredirem suas performances. Arames farpados enrolados são dispostos no palco de forma que os próprios atores se complicam, além de contribuírem para a divisão antagônica entre os atores (presos) e o público (livre).
          De fato estavam presos e tiveram de sair da América. Não haviam pago taxas e até mesmo algumas parcelas de público não compreendiam exatamente tamanha “loucura”.
          Sendo assim, foram para a Europa, onde já haviam estado em 1961, e por quatro anos, de 1964 a 1968 permaneceram criando espetáculos importantes como “Frankstein” (1965) e “Paradise Now” (1968) apresentado no Festival de Avignon, sendo mais tarde executado em outras partes do mundo.
           “Frankstein” trata do contraste entre rico e pobre, sociedade justa e injusta, igualitária e autoritária, sendo uma de suas criações mais livres em questões de improviso. Já em maio de 1968, o Living chuta o pau da barraca com “Paradise Now”. Pretendem com isso buscar uma nova sociedade e novos padrões estéticos.
           A maneira de se fazer isto, segundo Julian era através da “utilização de alucinógenos, prática de yoga, meditação e a liberação dos impulsos eróticos. A própria estrutura do evento, de vaga matriz mágico-religiosa, serve para operar o encantamento, imprimindo ao espetáculo um ritmo crescente: Rito-Visão-Ação, um ciclo que se repete oito vezes, tantos quantos são os degraus da prodigiosa escada pela qual se ascende ao jardim do Éden.”
           No final da década de 60 já eram conhecidíssimos e responsáveis pela transformação do novo teatro, tendo provocado influências em muitos artistas, como por exemplo, nas performances de Jim Morrison da banda The Doors. Em 1970 quando estavam na Alemanha deram uma pausa e vieram para o Brasil a convite do aclamado Diretor de Teatro Zé Celso Martinez Corrêa.
          No Brasil, participaram de apresentações com Gerald Thomas e o lendário “Grupo Oficina”. O Living se dirigiu à Minas Gerais, onde realizou belos trabalhos junto às comunidades carentes, como na cidade de Ribeirão das Neves.
           Tornaram-se amigos do cineasta Glauber Rocha, que também fazia cinema político e um tanto improvisado, certamente inspirado também por Bertold Brecht. Já em Ouro Preto, um ano mais tarde, tornaram-se capa do New York Times, chamando a atenção da comunidade artística internacional para o que ocorrera no Brasil, a prisão dos integrantes.
          Sobre este episódio foi realizado um curta-metragem em caráter didático da realização fílmica, chamado “Paradise Now”, produzido coletivamente e coordenado pelo cineasta Luiz Carlos Lacerda durante a Terceira Mostra de Cinema de Ouro Preto. Este documentário tratava da trajetória do Living em Minas Gerais, especificamente sobre sua estadia na cidade de Ouro Preto – MG.
          Tive a alegria de trabalhar na Pesquisa, Roteiro e Assistência de Produção do resgate desta história. O curta foi exibido no Cine Vila Rica na cerimônia de encerramento da Mostra e mais tarde pela Rede Minas de Televisão.
           Este curta-metragem teve repercussão no jornal Estado de Minas e talvez tenha motivado o lançamento na sequência do Diário de Judith Malina, editado pela série “Arquivo DOPS” do arquivo público mineiro, um belíssimo livro ilustrado contendo as anotações da atriz durante o período em que ficou detida. Julian Beck não deixava de fazer performances mesmo estando na prisão, o que demonstrava a auto-estima e força política com que atuava no grupo.
          Avisei ao Luiz Carlos Lacerda, o “Bigode” sobre a publicação e ele decidiu preparar um filme mais completo, denominado “Diário de Aquário”, premiado como melhor documentário em vídeo do CINEPORT em 2009, um importante festival internacional que reune filmes de países lusófonos.
           Julian Beck faleceu 1985. Logo em seguida Hanon Reznikov assumiu a Direção Teatral e casou-se com Judith Malina, ainda em atividade.
          Judith Malina voltou a Minas Gerais em 1993 para abrir o Festival de Inverno de Ouro Preto da UFMG e retornou ainda em 2009 para receber a mais alta condecoração dada pelo Governo brasileiro para um artista, a Ordem do Mérito Cultural, como ato de retratação e pedido oficial de desculpas pelo triste episódio.
          Em novembro de 2011 durante o Fórum das Letras em Ouro Preto, foi realizado um seminário denominado “Judith Malina, Vida, Arte e Resistência” com a presença de Sergio Mamberti, Zéca Ligiero, Cecilia Boal, Brad Burgess e Tom Walker (Living Theatre) tendo a participação do Coro de alunos do DEART-UFOP, apresentando textos de Judith Malina e Julian Beck inéditos no Brasil (trad. Ilion Troya).
          O Living é o grupo teatral mais antigo em produção dos Estados Unidos. Produziu recentemente algumas peças importantes como  “Eureka!” baseada em uma obra de Edgar Alan Poe, que foi executada em um teatro intimista com capacidade para cinquenta pessoas.
         Judith Malina aos 88 anos dirigiu uma peça em 2011 sobre a situação política envolvendo os 30 anos de Ditadura Hosni Mubarak,no Egito e as grandes manifestações que ocorreram naquele país. 

Para saber mais sobre o

Living Theatre, basta visitar o seu site oficial: livingtheatre.org

           
           Este post foi possível através das pessoas que contribuíram para o meu conhecimento sobre o grupo. Desde Glauber Rocha (através de seu livro Revolução do Cinema Novo), passando pela Wikipedia a também pelos depoimentos dados nos curtas citados. Agradeço diretamente ao Luiz Carlos Lacerda, Manoela Starling e Alberto Marsicano, que contribuíram de forma mais direta para minha breve pesquisa sobre o grupo.

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