Living Theatre:
Paradise Now
Publicado
em novembro 15, 2011
Rodrigo de Araújo
O
grupo teatral “The Living Theatre” foi fundado em Nova Iorque em 1947
pelo ator e pintor expressionista Julian Beck e a atriz Judith
Malina. O grupo estudou, concebeu e difundiu uma nova forma de se fazer
teatro, ou melhor de vivê-lo. Durante sua trajetória, foram encenadas mais de
oitenta peças em oito idiomas nos quatro cantos do mundo, somando ao todo 25
países participados.
O que o grupo fez foi aliar o encorpado
teatro político de Bretch e de Piscator ao seus anseios de transformação
social, criando uma forma de teatro radical, pertencente à contracultura
sessentista americana. Devido a isto, foram muito criticados por dramaturgos e
teatrólogos de renome. Um de seus maiores críticos foi o grande diretor polonês
Grotowski.
O
termo happening surgiu pela crítica para definir o que
acontecia com o novo teatro americano. Na “Black Mountain College” na Carolina
do Norte em 1952, o Living mostrava o poder vanguardista de
suas criações, fazendo uma das primeiras apresentações intermídias da história.
Uma mistura de projeção de película com sinais luminosos e sonoros e olfativos
invadia o lugar, causando espanto e admiração.
A
proposta do Living era a de inserir a platéia de forma inevitável e profunda em
suas apresentações, negando as formas convencionais de uma dramaturgia
roteirística e aristotélica, contendo princípio, meio e fim.
Diversos
locais onde mantinham estúdios para ensaios e estudos teatrais foram
interditados com algum pretexto pelo governo americano. Desta forma, o teatro
do Living não era apenas “Off-Broadway”, era inteiramente “Off-Off-Broadway” e
nem por isso deixou de repercutir, causar polêmica e de simplesmente,
revolucionar o novo teatro americano e mundial. Criticavam com veemência a
Guerra do Vietnã e o “American Way of Life”.
Os
principais trabalhos deste período foram “The Connection”, espetáculo sobre a
juventude americana perdida e sua fuga nas drogas. Para ilustrar a angústia de
um jovem personagem (Gelber) construíram um cenário interessante, como escrito
por Julian Beck em seu diário:
“[...] era pintado de preto, com feixes de listas
que se aproximavam passo a passo, convergindo em direção à cena como direto
para um foyer, como se nos encontrássemos dentro de uma velha máquina
fotográfica Kodak e olhássemos em direção ao exterior através da lente, o olho
do sonhador dentro do quarto preto; as cadeiras eram pintadas de cinza escuro,
azul, bege, areia e sobre elas grandes números, como se vêem nos circos, com
cores brilhantes.”
Ainda
no começo da década, em dezembro de 1961, eles iniciavam as apresentações de
“The Apple”. Neste espetáculo eles utilizam duas obras Brechtianas: “Um homem é
um homem” e “Na selva das Cidades”, porém repletas de improvisações, participando
o público dos acontecimentos. Assim como o primeiro, a peça visava criticar a
manipulação do indivíduo pelo sistema em que vive.
Em
maio de 1963, quando o grupo nem imaginaria o que estaria por vir em exatos
oito anos mais tarde, deram início aos trabalhos de “The Brig” (A Prisão). A
estética nos palcos já não era mais a mesma quando iniciaram este espetáculo.
Tratava-se da história de Kenneth H. Brown, ex-marinheiro dos Estados Unidos
que se tornou anárquico.
Faziam
peças barulhentas, silenciosas, arrastadas ou elípticas, mas sempre com o viés
político. Neste caso, a difícil vida dos marinheiros americanos e daqueles
presos navais é retratada através de um cenário labiríntico, que adianta ou
impede os atores de progredirem suas performances. Arames farpados enrolados
são dispostos no palco de forma que os próprios atores se complicam, além de
contribuírem para a divisão antagônica entre os atores (presos) e o público
(livre).
De
fato estavam presos e tiveram de sair da América. Não haviam pago taxas e até
mesmo algumas parcelas de público não compreendiam exatamente tamanha
“loucura”.
Sendo
assim, foram para a Europa, onde já haviam estado em 1961, e por quatro anos,
de 1964 a 1968 permaneceram criando espetáculos importantes como “Frankstein”
(1965) e “Paradise Now” (1968) apresentado no Festival de Avignon, sendo mais
tarde executado em outras partes do mundo.
“Frankstein”
trata do contraste entre rico e pobre, sociedade justa e injusta, igualitária e
autoritária, sendo uma de suas criações mais livres em questões de improviso.
Já em maio de 1968, o Living chuta o pau da barraca com “Paradise Now”.
Pretendem com isso buscar uma nova sociedade e novos padrões estéticos.
A
maneira de se fazer isto, segundo Julian era através da “utilização de
alucinógenos, prática de yoga, meditação e a liberação dos impulsos eróticos. A
própria estrutura do evento, de vaga matriz mágico-religiosa, serve para operar
o encantamento, imprimindo ao espetáculo um ritmo crescente: Rito-Visão-Ação,
um ciclo que se repete oito vezes, tantos quantos são os degraus da prodigiosa
escada pela qual se ascende ao jardim do Éden.”
No
final da década de 60 já eram conhecidíssimos e responsáveis pela transformação
do novo teatro, tendo provocado influências em muitos artistas, como por
exemplo, nas performances de Jim Morrison da banda The Doors. Em 1970 quando
estavam na Alemanha deram uma pausa e vieram para o Brasil a convite do
aclamado Diretor de Teatro Zé Celso Martinez Corrêa.
No
Brasil, participaram de apresentações com Gerald Thomas e o lendário “Grupo
Oficina”. O Living se dirigiu à Minas Gerais, onde realizou belos trabalhos
junto às comunidades carentes, como na cidade de Ribeirão das Neves.
Tornaram-se
amigos do cineasta Glauber Rocha, que também fazia cinema político e um tanto
improvisado, certamente inspirado também por Bertold Brecht. Já em Ouro Preto,
um ano mais tarde, tornaram-se capa do New York Times, chamando a atenção da
comunidade artística internacional para o que ocorrera no Brasil, a prisão dos
integrantes.
Sobre
este episódio foi realizado um curta-metragem em caráter didático da realização
fílmica, chamado “Paradise Now”, produzido coletivamente e coordenado pelo
cineasta Luiz Carlos Lacerda durante a Terceira Mostra de Cinema de Ouro Preto.
Este documentário tratava da trajetória do Living em Minas Gerais,
especificamente sobre sua estadia na cidade de Ouro Preto – MG.
Tive
a alegria de trabalhar na Pesquisa, Roteiro e Assistência de Produção do
resgate desta história. O curta foi exibido no Cine Vila Rica na cerimônia de
encerramento da Mostra e mais tarde pela Rede Minas de Televisão.
Este
curta-metragem teve repercussão no jornal Estado de Minas e talvez tenha
motivado o lançamento na sequência do Diário de Judith Malina, editado pela
série “Arquivo DOPS” do arquivo público mineiro, um belíssimo livro ilustrado
contendo as anotações da atriz durante o período em que ficou detida. Julian
Beck não deixava de fazer performances mesmo estando na prisão, o que
demonstrava a auto-estima e força política com que atuava no grupo.
Avisei
ao Luiz Carlos Lacerda, o “Bigode” sobre a publicação e ele decidiu preparar um
filme mais completo, denominado “Diário de Aquário”, premiado como melhor
documentário em vídeo do CINEPORT em 2009, um importante festival internacional
que reune filmes de países lusófonos.
Julian
Beck faleceu 1985. Logo em seguida Hanon Reznikov assumiu a Direção Teatral e
casou-se com Judith Malina, ainda em atividade.
Judith
Malina voltou a Minas Gerais em 1993 para abrir o Festival de Inverno de Ouro
Preto da UFMG e retornou ainda em 2009 para receber a mais alta condecoração
dada pelo Governo brasileiro para um artista, a Ordem do Mérito Cultural, como
ato de retratação e pedido oficial de desculpas pelo triste episódio.
Em
novembro de 2011 durante o Fórum das Letras em Ouro Preto, foi realizado um
seminário denominado “Judith Malina, Vida, Arte e Resistência” com a presença
de Sergio Mamberti, Zéca Ligiero, Cecilia Boal, Brad Burgess e Tom Walker
(Living Theatre) tendo a participação do Coro de alunos do DEART-UFOP,
apresentando textos de Judith Malina e Julian Beck inéditos no Brasil (trad.
Ilion Troya).
O Living é o grupo teatral mais antigo
em produção dos Estados Unidos. Produziu recentemente algumas peças importantes
como “Eureka!” baseada em uma obra de Edgar Alan Poe, que foi executada
em um teatro intimista com capacidade para cinquenta pessoas.
Judith Malina aos 88 anos dirigiu uma
peça em 2011 sobre a situação política envolvendo os 30 anos de Ditadura Hosni
Mubarak,no Egito e as grandes manifestações que ocorreram naquele país.
Para
saber mais sobre o
Living
Theatre, basta visitar o seu site oficial: livingtheatre.org
Este post foi possível através das
pessoas que contribuíram para o meu conhecimento sobre o grupo. Desde Glauber
Rocha (através de seu livro Revolução do Cinema Novo), passando pela Wikipedia
a também pelos depoimentos dados nos curtas citados. Agradeço diretamente ao
Luiz Carlos Lacerda, Manoela Starling e Alberto Marsicano, que contribuíram de
forma mais direta para minha breve pesquisa sobre o grupo.
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