Teatro/CRÍTICA
"Rain Man"
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Humor e dramaticidade
Lionel Fischer
Baseada no filme homônimo de Barry Morrow, a peça tem como tema central a relação entre os irmãos Charlie e Raymond. O primeiro é um arrogante e insensível vendedor de automóveis, e o segundo, mais velho, é autista e está internado há muitos anos numa clínica. A morte do pai revela que este deixou uma polpuda herança, só que destinada inteiramente a Raymond. Inconformado, Charlie tenta reverter o quadro e após conseguir retirar o irmão da instituição onde estava internado, com ele acaba estabelecendo uma surpreendente relação de respeito e afeto.
Eis, em resumo, o enredo de "Rain Man", em cartaz no Teatro dos Quatro. De autoria de Dan Gordon e contando com ótima tradução de Miguel Paiva, a montagem chega à cena com direção de José Wilker e elenco formado por Marcelo Serrado (Raymond), Rafael Infante (Charlie), Fernanda Paes Leme (Susan, namorada de Charlie), Roberto Lobo (médico), Jaime Leibovitch (advogado e psiquiatra) e Sara Freitas (dançarina/garçonete).
Vários fatores contribuíram para o extraordinário sucesso do filme, mas aqui detalhá-los demandaria muitas considerações. No entanto, o que me parece importante ressaltar é que tanto o texto de Dan Gordon como a encenação de Wilker conseguem materializar de forma irretocável uma trama que mescla, com a mesma eficiência, humor e dramaticidade.
Mesmo que em dificuldades, Charlie personifica o típico capitalista norte-americano, para quem os meios pouco importam, desde que se atinja o fim pretendido. Além disso, seu egocentrismo o torna incapaz de se doar verdadeiramente a alguém, como ocorre com relação à sua namorada. Esta é encarada quase que como um acessório e jamais se torna merecedora de palavras ou gestos carinhosos. Em resumo: Charlie é do tipo que primeiro pisa e depois - caso esteja num dia iluminado - talvez se dê ao trabalho de perguntar se doeu.
Bem escrito, contendo ótimos personagens e uma trama que envolve o espectador desde o início, "Rain Man" recebeu, como já foi dito, irretocável versão cênica de José Wilker. Valendo-se de marcas criativas e diversificadas, o diretor exibe o mérito suplementar de haver extraído irrepreensíveis atuações do elenco - o que em nada me surpreende, já que José Wilker é um dos maiores intérpretes deste país e, portanto, sabe como fazer com que o ator revele o que muitas vezes até desconhecia.
Na pele de Charlie, Rafael Infante valoriza todas as características do personagem, cabendo ressaltar a sensível transição que faz do início prepotente para o final afetuoso. A mesma excelência se faz presente na performance de Marcelo Serrado, que provavelmente muitos consideram mais dotado para a comédia. E de fato ele está muito engraçado nas passagens em que o humor predomina, mas igualmente notável quando a dramaticidade se faz presente. Sem dúvida, uma das mais brilhantes atuações da atual temporada.
Vivendo Susan, Fernanda Paes Leme valoriza até onde é possível um papel sem o mesmo alcance dos protagonistas, mas mesmo assim é uma forte presença em cena. Roberto Lobo exibe segura participação como o médico, o mesmo aplicando-se a Sara Freitas nos papéis de dançarina e garçonete, basicamente voltados para o humor. Quanto a Jaime Leibovitch, este se sai igualmente bem em seus dois personagens, diametralmente opostos. Aliás, aproveito para registrar que considero Leibovitch um ator excelente, que por uma dessas circunstâncias misteriosas quase sempre atua como coadjuvante, invariavelmente com inegável brilho.
Na equipe técnica, Marcos Flaksman responde por uma cenografia que atende a todas as necessidades da trama, sendo de excelente nível os figurinos de Beth Filipecki, a iluminação de Maneco Quinderé, a trilha sonora de Marcelo Neves, a direção de movimento de Marina Salomon e o vídeo de abertura de Eduardo Chamon.
RAIN MAN - Texto de Dan Gordon. Direção de José Wilker. Com Marcelo Serrado, Fernanda Paes Leme, Rafael Infante, Roberto Lobo, Jaime Leibovitch e Sara Freitas. Teatro dos Quatro. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.
quinta-feira, 11 de julho de 2013
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