segunda-feira, 13 de abril de 2009

Teatro/CRÍTICA

“Cabaret dos Ruim”

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Humor e lirismo no Glaucio Gill


Lionel Fischer


Como todos sabemos, o tempo em que vivemos se caracteriza, entre outras coisas, pelo total desprezo não apenas pela natureza, mas por tudo que contrarie os interesses das classes dominantes que, por carecerem de valores morais e éticos, impõem pela força de seus múltiplos poderes um “modelo” que julgam atender aos seus interesses. E aí pouco importa se estão sendo extintos animais, plantas, rios e pessoas, em especial aquelas que não se enquadram na “globalização”, que nada mais é do que um sistema perverso que privilegia o egoísmo, a falta de solidariedade e nos faz crer que o melhor que podemos esperar da vida é ficar rico aos 30 anos – no máximo.
E esse processo implacável de extinção, para ficarmos apenas no registro humano, inclui também atividades ligadas à Arte. E neste quesito, o nobre ofício do PALHAÇO é um dos mais atingidos, posto que encarado como algo ultrapassado e “menor”, enquanto manifestação artística. Trata-se, evidentemente, de um total descalabro, de uma inconcebível e inaceitável afronta àqueles que se dedicaram – e ainda teimam em se dedicar – à dificílima arte de fazer rir, sobretudo as crianças, que tanto necessitam do lúdico para compreender um mundo que mal conhecem e que só passarão a conhecer melhor desde que estimuladas a olhar a vida com um sentido crítico, que está na essência da atividade do Palhaço.
Márcio Libar é um Palhaço e também um ator. E por ser Palhaço e Ator, resolveu ministrar uma oficina, Ateliê do Riso, cujo objetivo fundamental era o de despertar, em cada um dos alunos, seu potencial de humor. A oficina durou três meses, e durante seu transcorrer, Libar foi incentivando seus alunos a escreverem e apresentarem números, e o resultado desta mais do que oportuna experiência – “Cabaret dos Ruim” – pode agora ser conferida no Teatro Glaucio Gill. Libar assina a direção do espetáculo, que conta com as participações de Roberto Rodrigues, Luiza Baratz, Leonardo Miranda, Fabrício Dornelles, Natalia Sambrini, Lis Schwabacher, Fernanda Guimarães, Ana Luiza França, Rita Fischer, Breno Sanchez, Filipe Codeço, Ana Carolina Sauwen, Jean Bodin e Adriano Pellegrini.
Talvez muitos discordem, mas consideramos a comédia bem mais difícil do que o drama. E por uma razão muito simples: a comédia é implacável. Ou seja: se uma piada ou uma passagem supostamente engraçada não desperta o riso imediato da platéia, é porque ocorreu alguma falha – de texto, do intérprete ou de “tempo”. Este último é vital no humor, pois se curto, não permite a correta apreensão do que se pretende. E se excessivo, termina por cansar o espectador, muitas vezes privando-o de usufruir algo que, em princípio, tinha tudo para dar certo.
No presente espetáculo – não isento de qualidades, como se verá a seguir – me parece evidente que o fator “tempo” contribui para minimizar o alcance de muitas passagens, ainda que as mesmas, em sua maioria, possuam um ótimo potencial. Vamos, então, a um breve comentário sobre cada uma delas, e também sobre a participação do Apresentador, cuja função primordial é a de servir de elo entre os quadros.

APRESENTADOR – Roberto Rodrigues desempenha com vigor, eficiência e humor este personagem. O jovem ator exibe presença, carisma, ótima voz e bom preparo corporal. No entanto, fica tempo demais em cena, alongando em demasia algumas passagens.

EXCÊNTRICOS MUSICAIS – deste quadro participam Luiza Baratz (cantora), Leonardo Miranda (acordeão), Fabrício Dornelles (saxofone), Natalia Sambrini (castanhola) e Lis Schwabacher (maestro). Esta cena de abertura é boa, envolve a platéia e Luiza canta muito bem. E os eventuais “tropeços” são trabalhados com eficiência.

NÚMERO DO BONECO – Fernanda Guimarães cria uma cena engraçada, imprevista e estabelece ótima relação com o boneco.

CALCINHA ROXA – Ana Luiza França começa este quadro muito bem, fazendo caras e bocas de mulher fatal. Quando sobe no palco, porém, seu texto é excessivo, ainda que divertido – será que a atriz se disporia, nem que fosse uma noite, a reduzir um pouco seu texto para checar o resultado?

A MULHER DO MAC DONALDS – este quadro, protagonizado por Natalia Sambrini, me soa um tanto ambíguo. Senão, vejamos: uma mulher arma um piquenique e começa a se entupir de alface, certamente tentando evitar aumentar de peso. No entanto, de repente, sem nenhuma motivação mais consistente, desiste da alface e se atraca com um hambúrguer. Em minha opinião, a cena ficaria muito melhor se, entre muitas outras possibilidades, a personagem de repente visse passar, muda e impávida, uma mulher linda e magérrima devorando um hambúrguer e/ou tomando um gigantesco milkshake. Então a personagem poderia pensar: “Ora, se ela é linda e magra, e come tudo que não deveria comer, por que eu não posso fazer o mesmo?”. Aí, ao renunciar à alface e partir para tudo que teoricamente contrariaria seus anseios de magreza, a cena adquiriria um outro peso, ficaria muito mais engraçada e teria uma justificação. Ainda assim, Natalia faz de forma convincente o quadro que criou.

O STAND UP DOS ADESIVOS – antes de mais nada, cumpre registrar a beleza e graça da atriz, oriundas de sua impecável matriz, no caso, eu mesmo (rsrsrsrsrsrs). O quadro é bom, Rita exibe presença, carisma e grande habilidade verbal, sobretudo quando improvisa, sozinha ou relacionando-se com a platéia. Mas quando improvisa, em qualquer dos casos, deve ficar atenta para que esse desvio, ainda que engraçado, não leve o espectador a perder de vista o foco principal.

OS VAGABUNDINHOS – este quadro tem como protagonistas Leonardo Miranda e Lis Schwbacher, e seu potencial lírico é maravilhoso. Porém, o quadro é excessivamente longo, minimizando as ótimas premissas que o motivaram – quem sabe ambos não se dispõem a reduzir um pouco a duração de “Vagabundinhos”?

O NÚMERO DA FLOR, DA LINHA VERMELHA – aqui temos como protagonista Breno Sanchez. E aqui novamente se repete o fator “tempo”. O objetivo do quadro, se não estamos enganados, é a revelação final da foto – julgamos que o personagem estaria apaixonado por uma mulher e, no entanto, o alvo de sua paixão é um homem. Portanto, e mesmo que obviamente algo tenha que acontecer antes da dita revelação, esta demora demais a se materializar. Quem sabe o ator não apressa um pouco o “antes”, para então valorizar muito mais o “depois”?

BATATINHA COM A ANA SULIVAN – protagonizado por Filipe Codeço e Ana Carolina Sauwen, este quadro possui momentos engraçados e surpreendentes, mas novamente peca pelo excesso. E mesmo que os intérpretes revelem presença e ótimo preparo corporal (em especial Codeço), além de boa contracena, o todo acaba prejudicado pela prolixidade da cena – ainda que não verbal, ou pouco verbal, não estou me lembrando ao certo agora.

BATATINHA SOZINHO COM O VIOLÃO – aqui novamente está em cena Codeço, num quadro de grande potencial lírico, ainda que não isento de humor. Mas aqui se dá o exemplo mais gritante de excesso de tempo. Codeço tem presença, carisma e ótimo preparo corporal (como já foi dito), mas minimiza enormemente sua própria idéia por estendê-la muito além do que seria cabível – então propomos ao ator que experimente reduzir drasticamente a cena e provavelmente a reação da platéia será ainda mais favorável do que já é.

TANGO – Jean Bodin e Rita Fischer fazem uma cena muito boa, mas achamos que poderia ser ainda melhor se, por exemplo, no início fizessem mais caras e bocas, fossem realmente mais cafonas, mais argentinos (implico razoavelmente com eles porque venho do Uruguai, admito), mas tudo feito muito a sério. E o progressivo “desgrenhamento”, muito bem executado, poderia ser mais radical e levar a um desfecho ainda mais desconjuntado, com os intérpretes caídos no chão, estatelados, contundidos, proferindo ofensas um ao outro. Mas o quadro funciona muito bem como está. Mas se pode melhorar...

O MOÇOILO INTELECTUAL, NÚMERO DO BATUQUE – Adriano Pellegrini faz otimamente o batuque, assim como está impagável em sua construção do perfeito débil mental. Mas não seria muito melhor dispensar os “boa noite” e, sem proferir uma única palavra ou fazer qualquer gesto bizarro, o ator chegasse até o proscênio, seríssimo, e começasse simplesmente a batucar? E depois fosse embora sem dizer absolutamente nada? Tenho a impressão de que o ótimo quadro ficaria ainda melhor.

ATILA – este último quadro, protagonizado por Fabrício Dorneles e tendo como ajudante Ana Carolina Sauwen, é potencialmente ótimo, já que, durante todo o espetáculo, o Apresentador informa que a grande atração, o dito Átila, já está a caminho etc. Pois bem: o que de fato interessa é o que de melhor exibe o quadro: a figura bizarra do protagonista, que contraria frontal e propositadamente tudo que se espera de um “herói”. A partir daí, o fato dele quebrar correntes ou rasgar um catálogo é menos importante – essas ações podem e devem ser feitas, mas num tempo muito menor, já que a grande surpersa, o grande impacto, já aconteceu.

Finalmente, parabenizamos Márcio Libar por esta iniciativa tão oportuna: a de dar liberdade de criação para jovens artistas, ao invés de castrá-los e induzi-los a percorrer caminhos já explorados e gastos. Que os deuses do teatro protejam e abençoem este maravilhoso PALHAÇO e sua jovem trupe.

CABARET DOS RUIM – Direção de Márcio Líber. Textos e cenas criados pelo elenco. Teatro Gláucio Gill. Quinta-feira, 21h.

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