segunda-feira, 7 de março de 2011

                                  Eva Todor
                                    A inventora de um gênero

                                                                             Daniel Schenker

         
          É freqüente os atores se especializarem em determinados gêneros. Há os que têm vocação para a comédia; outros preferem o drama; um número menor envereda pela tragédia. Mas não é nada fácil encontrar uma atriz que simplesmente tenha criado um estilo. Eva Todor fundou o chamado "gênero Eva". "É um modo gaiato de representar", resume a própria Eva. Talvez seja possível dizer um pouco mais sobre seu jeito de interpretar personagens avoadas, simpáticas e cheirosas, vividas por uma atriz portadora de um timing irrepreensível. "Os espectadores costumavam perguntar na bilheteria: essa peça é do 'gênero Eva'? Se a bilheteira dizia que não tanto, desanimavam", afirma.

          A atriz começou a fazer "gênero Eva" desde que deu partida à carreira. Teve como empresário seu primeiro marido, Luiz Iglesias, com quem casou aos 14 anos. Na época, já tinha alguma experiência no balé, que começou a aprender aos quatro anos, ainda na Hungria, seu país natal, e continuou, já no Brasil, com Maria Olenewa, no Theatro Municipal, sempre estimulada pelos pais. Graças ao jornalista Mário Nunes foi parar no Teatro Recreio, onde conheceu Iglesias, que inaugurou uma companhia de teatro, rebatizada, em 1940, de Eva e seus Artistas devido ao sucesso incontestável da atriz nos palcos.

          Da companhia faziam parte mais de dez atores - entre eles, Jardel Jarcolis, Elza Gomes, André Villon, Afonso Stuart e Henriette Morinau, com quem viria a contracenar, muitos anos mais tarde, na montagem Quarta-feira, sem falta, lá em casa, de Mário Brasini. Além de Iglesias, Eva acumulou experiência com os portugueses Esther Leão (que a dirigiu em Feia, de Paulo Magalhães) e Eduardo Vieira. "Ele me ensinou muito sobre teatro, quando eu ainda não dominava o português. Lembro que pedia para eu 'fazer diferente' e eu entendia que era para 'fazer de frente", recorda Eva, que, mais de 80 anos depois de ter chegado ao Brasil, continua falando fluentemente o húngaro, país para onde voltou apenas uma vez, ao lado do segundo marido, Paulo Nolding. "Meus pais não deixaram que esquecesse a língua", afirma a atriz, de 91 anos recém-completados, que contou com o incentivo e a presença constante dos pais na platéia.

          Eva se especializou em personagens ingênuas e jovens em peças ocasionalmente adaptadas pelo próprio Luiz Iglesias num período em que os atores eram os grandes chamarizes do espetáculo. Alguns não conseguiram permanecer trabalhando diante da renovação do teatro brasileiro ao longo da década de 1930, que culminou na emblemática montagem de Ziembinski para Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues. Eva Todor, porém, continuou atuando de segunda a domingo, ininterruptamente. Só no Teatro Serrador ficou mais de 20 anos. Marcou presença nos palcos dos teatros Copacabana e Maison de France. Viajou com a companhia para Portugal, onde chegou a permanecer durante dois anos e meio em uma das temporadas. Na África, passou por cerca de 50 cidades.

          A atriz apostou num repertório que agradava seu público. "Quando Luiz Iglesias sentia que a montagem fraquejava, tirava de cartaz", assume. Depois da morte de Iglesias, Eva Todor refez a vida ao lado de Paulo Nolding, que também se tornou seu empresário e influenciou decisivamente para que passasse a interpretar personagens mais velhas. "Nolding disse: 'Vamos parar com as personagens ingênuas'", conta Eva, que se dedicou a um repertório formado por Senhora da boca do lixo, de Jorge Andrade, e Em família, de Oduvaldo Vianna Filho. "Como diretora contratada, Dulcina (de Morais) me convenceu a fazer Senhora. Ela era encantadora, engraçada. Fazia muito bem a alta comédia", elogia.

          O público se surpreendeu, mas a ceitou a transição no repertório da atriz, que não abandonou o "gênero Eva". "Eu soube envelhecer porque fui fazer logo as mais velhas. Das jovens passei para personagens de 70, 80 anos. Não interpretei as que estariam no meio do caminho, as damas elegantes", conta. A atriz lembra o sucesso de Em família, dirigida por Sergio Britto. "Fazia uma personagem que tinha em torno de 70 anos, muito mais do que eu naquele momento", sublinha. Ao longo do tempo, Eva transitou entre comédias como Lily, Lily, de J. P. Grédy e Pierre Barillet, na qual se encarregava de duas personagens, e uma dramaturgia mais ambiciosa, simbolizada, por exemplo, por Cândida, de Georges Bernard Shaw, e Carta, de Somerset Maugham, textos que enfrentou já na década de 40.

           Em De olho na Amélia, de Georges Feydeau, mais aplausos, além da conquista do Prêmio Molière. Eva surpreendeu falando um palavrão. Mas sua peça preferida continua sendo aquela em que mais se distanciou do "gênero Eva": O efeito dos raios gama sobre as margaridas do campo, texto de Paul Zindel, marcado por humor cruel, na qual interpretava uma mãe dominadora. Com a morte de Nolding, Eva passou por uma desestabilização maior que a vivida pela perda de Luiz Iglesias. "Quando Iglesias morreu, fiquei doida. Mas continuei. Quando Nolding morreu, disse em alguma entrevista que eu não tinha mais ninguém. Felizmente, Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho) soube e me chamou. Disse: 'De hoje em diante sua família passará a ser a TV Globo'", destaca.

          Abalada pelo falecimento de Nolding, Eva estreou Como se tornar uma supermãe em dez lições, de Paul Fuks. "Na noite de estréia, Wolf Maya me disse que seria um ensaio geral", revela. A atriz ainda participaria da montagem de A pequena mártir de Cristo Rei, de Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa, antes de se afastar do teatro. "Durante um bom tempo conciliei teatro e televisão. Só depois da morte de Nolding é que precisei optar. Afinal, não sei escolher peça e nem lidar com dinheiro. Só entendo da ribalta para dentro", admite Eva Todor, cuja trajetória artística foi esmiuçada no livro O teatro de minha vida, de Maria Angela de Jesus, lançado pela Coleção Aplauso, da editora Imprensa Oficial, e homenageada com justiça na última edição do Prêmio Shell, no Rio de Janeiro.
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Entrevista extraída da Revista de Teatro da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores), nº 522, novembro/dezembro 2010. 

         

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