terça-feira, 9 de agosto de 2011

Das contrariedades
Sêneca saúda o amigo Lucílio


          Tu ficas indignado e te queixas! Não compreendes que todo o mal provém não do que te acontece, mas sim de tua indignação e de tuas reclamações?  Do meu ponto de vista, não existe miséria para um homem a não ser a de achar que algo que faz parte da natureza das coisas não está correto. Nem a mim mesmo suportarei quando, um dia, começar a considerar algo insuportável.

          Minha saúde não é boa; faz parte do meu destino. Meus criados estão na cama? Minhas rendas estão em baixa? Minha casa está rachando? Perdas, ferimentos, cansaços, inquietudes me assolam? São coisas que acontecem. Indo além, elas devem acontecer, pois não são obras do acaso, estavam determinadas.

          Acredita, o que agora te digo faz parte dos meus mais íntimos sentimentos. Sempre que a vida me parece cruel ou adversa, imponho a seguinte regra a ser seguida: não obedecer aos deuses, mas segui-los. Faço isso porque quero, não por obrigação. Nada do que vier a me acontecer me abaterá e me deixará com a aparência alterada. Aceitarei de boa vontade aquilo que me cabe, pois tudo o que provoca nossos sofrimentos e nossos medos é a lei da vida. E eu, meu caro Lucílio, não espero que assim seja diferente e que possa estar livre disso.

          Tua bexiga te incomoda? Chegaram más notícias pelo correio? Há perdas incessantes? Indo mais longe, temes por tua vida? Pensa bem, não sabias que desejavas tudo isso ao querer envelhecer? Tudo isso faz parte do percurso de uma longa vida, como a poeira, a lama e a chuva durante uma viagem.

           "Mas eu gostaria de viver livre de todas essas incomodações", dizes. Afirmação tão insensata não é digna de um homem. Aceita como achares melhor esse meu conselho, se não for pelo que nele há de bom, pelo menos em razão de minha boa vontade: "Não queiram os deuses e deusas que a fortuna te prenda em seus prazeres".

          Interroga a ti mesmo, pressupondo que um deus te permita escolher se preferes viver em um mercado ou em um acampamento. Viver, Lucílio, é ser soldado. É por isso que aqueles que se arriscam em missões mais perigosas, através de penhascos e desfiladeiros, são os mais valentes, a elite da tropa. Já aqueles que se ocupam apenas com leves tarefas, enquanto os outros dão o máximo de si, esses não passam de mocinhos delicados, no abrigo, mas sem honras. Passa bem!
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Extraído de Aprendendo a viver

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