Teatro/CRÍTICA
"Édipo Rei"
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Obra-prima em belíssima versão
Lionel Fischer
Incontáveis ensaios já foram escritos sobre "Édipo Rei" e certamente por pessoas muito mais qualificadas do que eu. Não tenho, portanto, a pretensão de acrescentar nada ao que já foi dito por filósofos, críticos, pensadores e psicanalistas. No entanto, e pensando sobretudo nos leitores/espectadores mais jovens, julgo oportuno fornecer alguns elementos que talvez contribuam para uma percepção mais abrangente desta obra-prima.
Autor dramático grego, Sófocles (496-406 a. de C) é considerado o representante máximo da tragédia durante o governo de Péricles - em sua Poética, Aristóteles afirmava que os dramas de Sófocles eram modelos irretocáveis da tragédia. Suas peças colocam o homem no centro da trama e priorizam a relação dramática entre diferentes personalidades, ou entre diferentes aspectos de um mesmo caráter. Sófocles também deu muita importância ao enredo, sempre pleno de tensão, e à caracterização dos personagens. Consta que escreveu cerca de 120 peças, mas apenas sete chegaram até nós: Ájax, Antígona, As Traquínias, Édipo Rei, Electra, Filoctetes e Édipo em Colono.
Com adaptação assinada por Eduardo Wotzik e Fernanda Schnoor e direção de Wotzik, "Édipo Rei" chega à cena (Espaço Sesc) com elenco formado por Gustavo Gasparani (Édipo Rei), Fabiana de Mello e Souza (Corifeu), César Augusto (Creonte), Amir Haddad (Tirésias), Eliane Giardini (Jocasta), Pedro Mario Bogianchini (Emissário), Rogério Fróes (Pastor), Thiago Magalhães (Arauto), Nina Malm (Ismênia) e Louise Marrie (Antígona), que dividem a cena com os músicos Felipe Antello e Murilo O'Reilly.
Por tratar-se de uma obra por demais conhecida, não julgo necessário reproduzir seu enredo. Mas, contrariando o que disse acima, não resisto à tentação de escrever o que se segue. Em sua ânsia de conhecer a verdade, Édipo instiga o cego Tirésias a revelar sua professia. Inicialmente indignado, ainda assim Édipo faz absoluta questão de levar até o fim sua investigação. E quando esta confirma inteiramente o relato de Tirésias, ele voluntariamente cega a si próprio, atitude que muitos acreditam ser apenas um ato de autopunição. Pode até ser, mas prefiro acreditar que tal gesto evidencia um claro desejo do personagem de libertar-se, digamos, de sua cegueira espiritual. Entre a aparência e a essência, Édipo opta por esta última.
Com relação ao espetáculo, Eduardo Wotzik consegue impor à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Toda a tragicidade se materializa não através de marcações mirabolantes ou efeitos espetaculosos, mas da valorização do texto e das relações entre os personagens. E justamente em função do caráter austero da montagem, de sua ambientação e da permanente relação dos atores com a plateia, as questões levantadas pelo autor nos atingem de forma tão contundente e assistimos o espetáculo como se dele fizéssemos parte. Ou seja: sem nenhum distanciamento, sem qualquer possibilidade de encararmos a trama como algo restrito ao campo da ficção e que portanto pouco ou nada tem a ver com a nossa realidade. Muito pelo contrário.
Como todos sabemos, vivemos em um mundo que na imundície cada vez mais se afunda. E no entanto, não são poucos os que julgam satisfatório manter limpas as unhas nas pontas dos dedos, ainda que com lama até o pescoço. Mas certamente ainda existem alguns que se dispõem a rasgar os invólucros, que não encaram o silêncio como opção de sobrevivência, que não hesitam em tirar as máscaras impostas e exibem sua face verdadeira face, sejam quais forem as consequências. Neste último grupo, naturalmente, só se inserem aqueles que, como Édipo, acreditam que a humanidade não pode sobreviver sem ética. E talvez seja este valor, cada vez mais raro, que o texto mais enfatiza, e que esta belíssima montagem valoriza de forma tão poderosa e expressiva.
No tocante ao elenco, Gustavo Gasparani está irrepreensível na pele do protagonista, conseguindo materializar, através de ótimo trabalho vocal e corporal, todas as nuances de um personagem complexo e magnífico. A mesma excelência se faz presente nas performances de Fabiana de Mello e Souza, César Augusto e Eliane Giardini. Vivendo Tirésias, Amir Haddad constrói uma figura poderosa, de fortíssimo impacto. Mas acredito que o ator poderia, ao menos em alguns momentos, utilizar um tom de voz mais potente, já que algumas palavras não chegam a ser entendidas com total clareza. Pietro Mario Boginchinni e Thiago Magalhães estão corretos em suas participações, o mesmo aplicando-se a Nina Malm e Louise Marrie. Quanto a Rogério Fróes, o ator exibe uma atuação sensível e comovente, valorizando oa máximo seu pequeno papel.
Na equipe técnica, Bia Junqueira responde por uma cenografia maravilhosa, que explora com total êxito as possibilidades do espaço. Igualmente irrepreensíveis os belos figurinos de Marcelo Olinto, a sóbria e expressiva iluminação de Maneco Quinderé, a original direção musical de Marcelo Alonso Neves, o visagismo de Uirandê Holanda e a adaptação de Eduardo Wotzik e Fernanda Schnoor, cabendo ainda registar a excelente participação dos músicos Felipe Antello e Murilo O'Reilly.
ÉDIPO REI - Texto de Sófocles. Adaptação de Eduardo Wotzik e Fernanda Schnoor. Direção de Wotzik. Com Gustavo Gasparani, Fabiana de Mello e Souza, César Augusto, Amir Haddad, Eliane Giardini e outros. Espaço Sesc. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h30.
quinta-feira, 15 de novembro de 2012
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