quarta-feira, 11 de maio de 2016

Teatro/CRÍTICA

"Elogio da paixão"

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Deliciosa exaltação da vida



Lionel Fischer



Já um tanto debilitado por uma vida de excessos, um ator de 60 anos (Charles) contrata um escritor de 29 (Daniel) para escrever o texto de seu último espetáculo, com a premissa de que este faça uma apologia da paixão. Personalidades diametralmente opostas (o ator é apaixonado pela vida, pelas mulheres e pela bebida, enquanto o jovem prioriza a depressão e o recolhimento, fortemente influenciado por Schopenhauer), os dois aparentemente jamais conseguirão se entender. Mas tudo começa a mudar a partir da entrada de Fabiana, filha de Charles, por quem Daniel se apaixona perdidamente - ela cuida com extremo zelo do pai, tentando sempre coibir seus excessos. 

Eis, em resumo, o enredo de "Elogio da paixão", de autoria de Marcelo Pedreira, também responsável pela direção do espetáculo, em cartaz no Centro Cultural Correios. No elenco, Adriano Garib (Charles), André Arteche (Daniel) e Marina Palha (Fabiana). A montagem tem como fundo musical 11 canções da Bossa Nova, quase todas assinadas por Vinícius de Moraes e, como não poderia deixar de ser, enaltecendo apaixonadamente o amor.

No parágrafo inicial, mencionamos a paixão do escritor por Schopenhauer (1788-1860), paixão esta que o ator contrapõe com sua admiração por Nietzsche (1844-1900). E embora este espaço não se destine a divagações filosóficas, como os dois pensadores são muito citados no espetáculo acho oportuno que o leitor conheça o que se segue.

Nietzsche descobriu Schopenhauer quando ainda estava na universidade e o fez em uma livraria: comprou "O mundo como vontade e como representação" e se apaixonou imediatamente por sua filosofia, que dispensava Deus e a providência divina, e priorizava uma vontade cega e insaciável. Anos mais tarde, como sempre fazia com pessoas que admirava, Nietzsche acabou divergindo fortemente de seu antigo ídolo. E se alguém se interessar por conhecer detalhes de suas maiores diferenças, cito as cinco principais: Vontade, Dor, Arte, Vida e Niilismo. Digressão feita, voltemos à peça.

Marcelo Pedreira partiu de uma ótima ideia (o que não garante nada) e chegou a um ótimo resultado (que é o que importa). O enredo é muito bem desenvolvido e cabe registrar o ótimo achado final - Charles pede a Daniel que escreva justamente sobre as experiências que ambos estão vivenciando, o que supostamente haveria de conferir grande veracidade ao texto, já que este teria um caráter confessional. Afora isto, é inegável a capacidade do dramaturgo de escrever ótimos diálogos, valorizando ao máximo as personalidades envolvidas e suas muitas contradições. Pleno de humor e humanidade, "Elogio da paixão" é um dos melhores textos da atual temporada.

Com relação ao espetáculo, devo confessar que, inicialmente, levei um susto quando Adriano Garib começou a cantar, se não me engano, "Samba do avião", de Tom Jobim. Já sabia que o espetáculo era permeado por canções, mas ignorava como elas estariam inseridas. Mas logo este susto inicial foi substituído por total encantamento, tanto pela beleza das canções como pelo fato de serem cantadas com simplicidade, sem nenhuma afetação. E também por seu perfeito encaixe em cada uma das situações. 

No que concerne à dinâmica cênica, Marcelo Pedreira fez a sábia opção de dispensar inócuas firulas formais e construiu um espetáculo simples e objetivo, que, sem desprezar a expressividade, prioriza o que de fato importa: o trabalho dos atores. Neste sentido, Adriano Garib exibe uma das melhores performances de sua carreira, materializando um Charles que é uma espécie de ode à vida, a tudo de belo, imprevisto e intempestivo que ela pode oferecer - não me casei nove vezes como o personagem, mas o faria sem nenhuma hesitação... 

André Arteche também está muito bem na pele do depressivo e reprimido personagem, o mesmo ocorrendo quando ele se apaixona e então renuncia às trevas abissais de sua inconcebível solidão. Quanto a Marina Palha, a atriz valoriza com grande sensibilidade sua apaixonada e conturbada relação com o pai, exibindo em outras passagens uma sensualidade cujo encanto reside na total ausência de vulgaridade. Sem dúvida, uma atriz cuja trajetória merece ser acompanhada com grande atenção.

No tocante à equipe técnica, Duda Maia, como de hábito, responde por impecável direção de movimento, o mesmo ocorrendo com a direção musical e arranjos de Felipe Habib - e aqui cabe um destaque todo especial para a excelente participação dos músicos João Bittencourt (piano e acordeom), Felipe Habib (acordeom), Fernando Carvalho (violão) e Alfredo Del Penho (violão de sete cordas). Paulo Denizot responde por corretas iluminação e cenografia, a mesma correção presente nos figurinos de Marcelo Pedreira.

ELOGIO DA PAIXÃO - Texto e direção de Marcelo Pedreira. Com Adriano Garib, André Arteche e Marina Palha. Centro Cultural Correios. Quinta a domingo, 19h.






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