Teatro/CRÍTICA
"Balé Ralé"
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Inesquecível encontro no Sergio Porto
Lionel Fischer
"Balé Ralé nos coloca diante de alguns dilemas morais, seja em nosso íntimo ou coletivo, justamente quando se torna necessário e urgente trazer à luz temas que têm estado nas capas dos jornais e que dizem respeito a todos, como desigualdade, o preconceito, a opressão, os muros políticos, sociais e simbólicos que se erguem cotidianamente. Os textos de Marcelino Freire dão continuidade à pesquisa da companhia na reflexão das questões da diversidade e seus reflexos sobre o homem contemporâneo, numa cena contundente sobre os limites do corpo, da sociedade e sua potência transformadora".
Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza as premissas essenciais da obra, resultante de textos de Marcelino Freire. Mais recente produção da Companhia Teatro de Extremos, "Balé Ralé" está em cartaz no Espaço Cultural Sergio Porto. Fabiano de Freitas assina a concepção e a direção, estando o elenco formado por Blackyva, Leonardo Corajo, Maurício Lima, Samuel Paes de Luna e Tatiana Henrique - também fazem parte do projeto Vilma Mello e Juracy de Oliveira, que não estavam em cena quando assisti o espetáculo.
"Balé Ralé" exibe uma estrutura narrativa singular: não há uma história a ser contada e os personagens não dialogam entre si - ao menos no sentido convencional. O que existe são fragmentos, monólogos que abordam alguns temas como os mencionados no parágrafo inicial. E todos eles cumprem uma finalidade semelhante: a de nos mostrar, por um lado, os horrores da sociedade em que vivemos, e por outro, ainda que não explicitamente, nos imputar alguma responsabilidade pelo que está acontecendo. Vamos a alguns exemplos.
É possível que nenhum dos espectadores presentes na sessão que assisti tenha violentado uma mulher. No entanto, que atitude tomamos em face dos estupros que acontecem diariamente em nossa cidade? Um menino é abusado pelo pai no banheiro de sua casa: sabemos que abusos deste tipo ocorrem todos os dias. E o que fazemos quanto a isto? A miséria leva uma mulher a vender os filhos. Todos nós temos consciência da constância desta tragédia: mas será que basta ter consciência?
Em minha opinião, o que confere especial contundência a "Balé Ralé" não se limita à exposição de muitas e gravíssimas mazelas que assolam nossa cidade, mas sobretudo ao claro e virulento apelo que nos faz para que abandonemos nossa inércia, renunciemos à nossa indiferença e passemos a acreditar que tudo que acontece ao outro também nos diz respeito. E isso implica em agir, verbo que em nossa sociedade parece condenado à mais absoluta imobilidade.
Texto belíssimo, impregnado de um furor poético em tudo semelhante ao das grandes tempestades, "Balé Ralé" recebeu esplêndida versão cênica de Fabiano de Freitas, cabendo destacar a expressividade de suas marcações, seu domínio dos tempos rítmicos e sua atuação junto ao elenco. Como lhe disse após o espetáculo, pretendia avaliar detalhadamente o trabalho de cada intérprete. Mas acabei chegando à conclusão de que me tornaria repetitivo, pois contatei as mesmas virtudes em todos - excelente domínio vocal e corporal, fortíssima presença cênica e a consciência de que estão inseridos em um projeto de enorme relevância. Assim, a todos parabenizo com o mesmo entusiasmo, e a todos agradeço o inesquecível encontro que tivemos.
Com relação à equipe técnica, considero irretocáveis as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Marcia Rubin (direção de movimento), Renato Machado (iluminação), Gustavo Benjão (direção musical), Pedro Paulo de Souza e Evee Avila (cenografia), Luiza Fardin (figurinos) e Josef Chasilew (visagismo).
BALÉ RALÉ - Texto de Marcelino Freire. Concepção e direção de Fabiano de Freitas. Com a Companhia Teatro de Extremos. Espaço Cultural Sergio Porto. Sexta a segunda, 20h30.
terça-feira, 5 de setembro de 2017
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