sexta-feira, 10 de maio de 2019

Teatro/CRÍTICA

"Como se um trem passasse"

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Elenco transcende fragilidade dramatúrgica


Lionel Fischer



"A peça aborda a relação de uma mãe e seu filho pós-adolescente, deficiente intelectual, que deseja a vida com paixão. A mãe, superprotetora e medrosa, transmite ao filho seus receios e a impossibilidade de alcançar sonhos. A chegada da prima da capital evidencia fissuras na situação fechada em que vivem mãe e filho, muda as relações na casa e abre a perspectiva de que desejos se realizem".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto em que se dá "Como se um trem passasse", em cartaz no Teatro Poeirinha. De autoria da dramaturga argentina Lorena Romanin, também responsável pela direção, a montagem tem elenco formado por Dida Camero (Mãe), Caio Scot (Filho) e Manu Hashimoto (Prima).

Muitos sustentam que uma boa peça tem que necessariamente ser fruto de uma boa ideia, de preferência impregnada de grande originalidade. Sempre discordei disso, ainda que concordando que partir de uma boa e original ideia é melhor do que o inverso. Mas vamos a um exemplo: "Hamlet", de Shakespeare, que todos consideram o melhor texto teatral já escrito.  

Pois bem: o que dispara a trama? O pai de Hamlet surge como um fantasma, informa o príncipe que foi assassinado pelo irmão e clama por vingança. Trata-se de uma boa e original ideia? Não me parece. No entanto, a partir dela, o fabuloso bardo escreveu a obra-prima que o mundo não se cansa de reverenciar.

No presente caso, o contexto nada tem de original, mas se trabalhado com mais profundidade poderia resultar em uma excelente peça. Infelizmente, não é o que acontece. Ainda que explicitados, os conflitos jamais são levados às últimas consequências e os embates só muito raramente ultrapassam a superficialidade. Além disso, a previsibilidade impera, o que inviabiliza qualquer possibilidade de espanto ou desconforto para o espectador. 

Quanto ao final, acredito que o mesmo tenha surpreendido tanto a mim quanto a todos que assistiram a montagem: a mãe, que sempre relutou em deixar o filho ir sozinho a escola, permite que ele vá embora com a prima, quando esta retorna à capital. Mas, justiça seja feita, apesar de todas as ressalvas cumpre destacar as passagens em que o humor predomina, muito bem trabalhadas pela autora.  

Com relação ao espetáculo, a simplicidade é a tônica, tornando-se evidente que a diretora apostou todas as suas fichas nos atores. E estes não decepcionam. No papel da mãe, Dida Camero exibe excelente desempenho, conseguindo materializar as principais características de uma personalidade autoritária e protetora, mas ao mesmo tempo amorosa e desamparada. Caio Scot compõe de forma irrepreensível o jovem com "deficiência intelectual", como consta no release, embora eu não saiba exatamente o que é isso - será que, em nome do politicamente correto, a clara doença do jovem não pode ser devidamente mencionada? Finalmente, Manu Hashimoto valoriza com eficiência a revolta, a doçura e o humor da prima adolescente.

No tocante à equipe técnica, Dina Salem assina um cenário belíssimo, sendo igualmente primorosa a sutil iluminação de Renato Machado. A mesma eficiência se faz presente nos figurinos de Julia Marques, em total sintonia com o contexto e as personalidades retratadas. Cabe também destacar a ótima tradução deCaio Scot e Junio Duarte.

COMO SE UM TREM PASSASSE - Texto e direção de Lorena Romanin. Com Dida Camero, Caio Scot e Manu Hashimoto. Teatro Poeirinha. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h.




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