segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Teatro/CRÍTICA

"3 maneiras de tocar no assunto"

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Montagem imperdível no Poeirinha



Lionel Fischer


"Um tema, três solos curtos. No primeiro, O homem de uniforme escolar, o público assiste a uma aula de bulling homofóbico: o que é, como praticar e quais as suas consequências físicas e emocionais. São histórias reais de crianças e jovens que sofreram com o preconceito e a intolerância na escola. Na sequência, O homem com a pedra na mão parte do depoimento ficcional de um dos participantes da Revolta de Stonewall, ocorrida em junho de 1969 em Nova York, marco fundamental da luta pelos direitos da comunidade LGBT, que completou 50 anos em 2019. Desenvolve-se, então, uma descrição minuciosa da noite em que os frequentadores (gays, lésbicas, travestis, dragqueens) do bar Stonewall Inn reagiram, pela primeira vez, a uma batida policial no local. O último solo, O homem no Congresso Nacional, foi construído a partir de falas do ex-deputado federal Jean Wyllys, proferidas entre janeiro de 2011 e dezembro de 2018. Para criar o texto, Leonardo Netto assistiu e transcreveu discursos, pronunciamentos, entrevistas e declarações de Jean e criou o depoimento de um deputado gay e ativista na tribuna da Câmara".

Extraído do ótimo release que me foi enviado pela assessora de imprensa Paula Catunda, o parágrafo acima não resume, como costumo fazer, o contexto de um espetáculo, mas o explicita integralmente - achei importante fazer esta opção porque assim o leitor terá uma visão clara e detalhada de algo que recomendo com o maior entusiasmo, como se verá a seguir. Em cartaz no Teatro Poeirinha, "3 maneiras de tocar no assunto" tem texto e atuação de Leonardo Netto, estando a direção a cargo de Fabiano de Freitas.

No primeiro solo, Leonardo Netto encarna, digamos assim, uma espécie de conferencista, que expõe para a plateia praticamente todas as variantes possíveis da abjeta prática do bulling homofóbico escolar. No entanto, não estamos diante de uma conferência em seu sentido óbvio e convencional, já que o ator, quase sempre atuando numa chave que prioriza a ironia, dá a entender que todos nós, os espectadores, sabemos exatamente do que se trata, deixando em aberto a possibilidade de sermos coniventes - ao menos em alguma medida. 

Em O homem com a pedra na mão, o espetáculo atinge seu ponto máximo, e por diversas razões. A primeira delas diz respeito ao caráter lúdico da narrativa, mesmo nas passagens que evocam a violenta batalha travada entre os frequentadores do local e as forças de segurança. De um lado, a violência bruta e injustificada; de outro, a poesia libertária dos que acreditam no amor e em seu legítimo direito de vivê-lo e expressá-lo. Afora isso, Leonardo Netto vivencia, com visceral e comovente capacidade de entrega,  tantas camadas emocionais que torna-se literalmente impossível acompanhar a narrativa sem torcer para que seu desfecho seja favorável àqueles que ousaram, pela primeira vez, dizer Não ao obscurantismo - e aqui não hesito em afirmar que Leonardo Netto exibe a melhor performance de sua carreira.

Já no último solo, o ator incorpora o corajoso e lúcido ativista a ponto de acreditarmos que o mesmo está em cena - e mais uma vez somos tratados não como meros espectadores, mas como os congressistas que o repudiavam e agrediam sempre que ele ocupava a tribuna para se insurgir contra o preconceito e a violência que vitimam gays, negros e demais categorias que o Estado e o fanatismo religioso encaram com inaceitáveis desprezo e rejeição. 

Com relação ao espetáculo, Fabiano Freitas impõe à cena uma dinâmica de grande expressividade, para tanto valendo-se de marcas que valorizam ao extremo todos os conteúdos emocionais em jogo. Afora isto, cabe ao encenador o crédito suplementar de haver extraído do ator, como já foi dito, a melhor performance de sua carreira, e sem dúvida uma das mais potentes da atual temporada.

No tocante à equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as preciosas colaborações de todos os profissionais envolvidos nesta imperdível empreitada teatral - Renato Machado (iluminação), Luiza Fardin (figurino), Elza Romero (cenário), Marcio Mello (visagismo), Marcia Rubin (direção de movimento) e Rodrigo Marçal e Leonardo Netto (trilha sonora). 

3 MANEIRAS DE TOCAR NO ASSUNTO - Texto e atuação de Leonardo Netto. Direção de Fabiano Freitas. Teatro Poeirinha. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h.






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