Teatro/CRÍTICA
"A Golondrina"
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Oportuna reflexão sobre o medo
Lionel Fischer
"Inspirado no ataque terrorista homofóbico que aconteceu no Bar Pulse, em Orlando (EUA), em junho de 2016, o texto mostra o encontro de Ramón, sobrevivente de um ataque praticado por homofóbicos em um bar gay, com Amélia, uma severa professora de canto, que também tem sua história ligada ao trágico evento. Quando os personagens se encontram, eles têm dois caminhos a seguir: podem optar pelo ódio ou caminhar juntos. Ambos têm razões para causarem ainda mais danos do que sofreram ou se reconhecer na dor um do outro para não permitir que vença o instinto animal".
Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima contextualiza "A Golondrina", de autoria do espanhol Guillem Clua. Já exibida com sucesso em São Paulo, a montagem está em cartaz no Teatro Sesc Ginástico. Gabriel Fontes Paiva responde pela direção, estando o elenco formado por Tania Bondezan (também responsável pela tradução) e Luciano Andrey.
Como se depreende no parágrafo inicial, a peça foi apenas contextualizada. Entrar em maiores detalhes implicaria em revelar a evolução do enredo, o que certamente privaria o leitor de muitas e imprevistas surpresas. Assim, opto apenas por tecer algumas considerações sobre aquele que me parece ser o principal tema abordado pelo autor: o medo de não sermos aceitos (e, portanto, amados) pelo que somos.
No presente caso, é óbvio que a mola propulsora do texto é a homofobia. No entanto, partindo-se da premissa de que a homossexualidade existe desde sempre, por que ela gera atualmente tamanha repulsa e violência? Digo atualmente porque, como todos sabemos, na Grécia Antiga - berço cultural da Civilização Ocidental - alguns dos mais importantes filósofos e dramaturgos tiveram relações homossexuais e não eram execrados por isso. Pelo contrário: tal conduta era considerada normal, ainda que a mesma reduzisse as mulheres ao mero papel de serem mães e cuidarem da casa - não estou insinuando que isso fosse justo, mas apenas lembrando que era assim.
A partir da Idade Média, no entanto, e com o Cristianismo impondo-se como a principal religião do Ocidente, a sodomia passou a ser considerada a pior das heresias. E as punições, para os homossexuais, estavam atreladas às suas idades. Após confissões obtidas na base da tortura, o indivíduo abaixo de 15 anos era recluso por três meses. Os adultos deveriam pagar multas, e em caso de recusa, tinham seus genitais amarrados e deveriam andar nus pela cidade, sendo açoitados e depois expulsos. Caso fossem maiores de 33 anos, os acusados seriam julgados, sem direito de defesa, e caso fossem condenados, eram mortos na fogueira e tinham seus bens confiscados. Curiosamente, neste mesmo período, há relatos fidedignos de pelo menos dois papas homossexuais: Paulo II e Alexandre VI...
Mas estamos em pleno século XXI. E se a Igreja Católica não detém mais o poder de confiscar bens e queimar vivos os homossexuais, estes continuam a ser perseguidos. Por que será? Por que o fato de alguém dirigir seu afeto para um igual ainda gera uma violência completamente injustificável? E o mais grave é que essa intolerância não se restringe à questão da homossexualidade, mas se estende a praticamente todos os campos, em especial os que dizem respeito a opções político-ideológicas. Ou seja: ainda não aprendemos - e talvez jamais o façamos - a respeitar as diferenças, a encará-las como algo inerente aos seres humanos. Mas voltemos ao texto, já me desculpando por esta excessiva digressão.
Um pouco acima, abordei a questão do medo de não sermos aceitos pelo que somos. Mas existem muitos outros medos, dentre eles o de constatar que aquele a quem amamos não corresponde às nossas expectativas, em especial no tocante à sexualidade. E então optamos pela negação, não raro pagando um preço muito alto. E é sobre isso, basicamente, que o presente texto nos fala, e também nos adverte: a verdade, ainda que dolorosa em um primeiro momento, é sempre preferível do que ocultá-la. E se existe de fato amor, o autor parece nos dizer que ele acabará por derrubar todas as barreiras, ainda que estas se afigurem como intransponíveis.
Bem escrito, contendo ótimos personagens e abordando questões da maior relevância, "A Golondrina" recebeu sóbria e segura versão cênica de Gabriel Fontes Paiva, cujo principal mérito foi o de perceber que estava diante de um texto para atores, o que o levou a dispensar inócuas mirabolâncias formais. Na pele de Amélia, Tania Bondezan exibe ótima performance, tanto nas breves passagens humorísticas quanto naquelas em que o drama prevalece. A mesma eficiência se faz presente na performance de Luciano Andrey, cabendo ressaltar a forte contracena entre ambos, em especial quando o silêncio predomina.
Na equipe técnica, considero de excelente nível as contribuições de Tania Bondezan (tradução), Fabio Namatame (cenário e figurino), André Prado e Gabriel Fontes Paiva (iluminação), Luisa Maita (trilha sonora) e Jonatan Harold (preparação vocal).
A GOLONDRINA - Texto de Guillem Clua. Direção de Gabriel Fontes Paiva. Com Tania Bondezan e Luciano Andrey. Teatro Sesc Ginástico. Quinta a sábado, 19h. Domingo, 17h.
sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020
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