quarta-feira, 11 de março de 2020

Teatro/CRÍTICA

"A esperança na caixa de chicletes ping pong"

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Brasil: ame-o e fique!



Lionel Fischer




"Inspirado na obra poético-musical de Zeca Baleiro, o texto de Clarice Niskier faz uma declaração de amor à cultura popular brasileira. Reunindo 59 músicas de Zeca Baleiro (trechos e íntegras) a fragmentos de textos de Sergio Buarque de Holanda, Ferreira Gullar, Eduardo Galeano, Hélio Pellegrino e Oswald de Andrade e temas livremente inspirados nos livros do historiador Yuval Harari (autor de Sapiens: uma breve história da humanidade), Clarice Niskier cria um roteiro teatral de suas memórias político-sociais. A peça é uma espécie de "fico" de Clarice Niskier, que expõe, poética e dramaturgicamente, suas razões para abraçar o Brasil, ao invés de deixá-lo".

Extraído do ótimo release que me foi enviado por João Pontes e Stella Stephany (além de ótimo, o mais alentado que já recebi em 30 anos de crítica teatral - 12 páginas!), o trecho acima sintetiza as premissas fundamentais de "A esperança na caixa de chicletes ping pong", que após cumprir temporada em São Paulo, está em cartaz no Teatro Petra Gold. Clarice Niskier responde pelo texto, interpretação e direção geral, cabendo a Amir Haddad a supervisão de direção.

Por razões óbvias, o tempo sombrio que se abateu sobre o país - e em especial no que se refere à Cultura - tem levado incontáveis brasileiros a deixá-lo. Aos que quiseram, mas não conseguiram se exilar, restam duas opções: aqui permanecer passivo e mudo, ou encontrar alguma forma de resistir à barbárie que hoje faz parte do nosso cotidiano. É claro que existem muitas formas de resistência, mas não hesito em afirmar que uma das mais poderosas se dá através da arte. No presente caso, estamos diante de um evento que protesta energicamente contra a nossa atual e amarga realidade, contrapondo ao ódio generalizado fartas doses de humor e poesia. 

Clarice Niskier está completando 40 anos de carreira. E já era uma atriz maravilhosa muito antes de estrear o fenômeno "A alma imoral", há 14 anos em cartaz - nesse meio tempo, criou também "A lista". E além de excelente intérprete, jamais esteve engajada  em projetos fúteis, que nada fazem além de conspurcar o palco. Ou seja: afora seus notáveis predicados técnicos, Clarice é uma artista que pensa e não apenas sobre suas questões pessoais, mas também sobre o contexto em que vive. E por isso encontrou em Zeca Baleiro um parceiro ideal, posto que ele também se posiciona como artista da mesma forma. 

Com relação ao texto, belíssimo, quase todo escrito em versos, ele nos permite um amoroso, sério e divertido olhar para nós mesmos, e para um Brasil que talvez ainda possa ser resgatado. São muitos os temas abordados, sempre pertinentes e trabalhados de tal forma que nos tocam, simultaneamente e com igual potência, a razão e o coração. E o mesmo se dá com relação ao espetáculo, que dispensa inócuas mirabolâncias formais e prioriza o encontro de Clarice com o espectador, que em poucos minutos se converte em cúmplice de tudo que lhe é generosamente ofertado.

Com relação à equipe técnica, parabenizo com o mesmo entusiasmo as preciosas colaborações de todos os profissionais envolvidos neta bela e mais do que oportuna empreitada teatral - Zeca Baleiro (direção musical), Xarlô (criação, confecção e ressignificação do manto vermelho de Zeca Baleiro e adereçamento dos instrumentos), Aurélio de Simoni (Iluminação), Kika Lopes (figurino), Luís Martins (cenário), Rose Gonçalves (preparação vocal), Mary Cunha (preparação corporal), Fernando Santana (confecção da Esperança), Javier Pared (confecção do Boneco), Toninho Lobo e Fernando Santana (adaptação do Boneco para o xaxado), Bethi Albano (pesquisa de sonoridades instrumentais) e Marcus Azevedo (pesquisa coreográfica, Dança Charme).

A ESPERANÇA NA CAIXA DE CHICLETES PING PONG - Texto, interpretação e direção geral de Clarice Niskier. Supervisão de direção de Amir Haddad. Teatro Petra Gold. Sexta a domingo às 20h.

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