quarta-feira, 3 de junho de 2009

As respostas de Michael Tchecov
ao questionário da Academia de Artes

Em 1923, a seção de teatro da Academia de Artes Russa enviou um vasto questionário (68 perguntas) para alguns atores com o intuito de investigar a psicologia da representação. A seguir temos 21 respostas de Michael Tchecov ( sobrinho do grande dramaturgo Anton Tchecov) para as questões que julguei mais relevantes..

* * *

1) O que você sente, como ator, ao ler uma peça pela primeira vez?

Sinto uma onda de energia criativa e nenhuma forma de liberá-la. Minha consciência fica em estado de caos. Sinto-me com uma disposição de espírito ativa e agradável. Há um desejo de ordem, isto é, sinto necessidade de trabalhar. Antevejo a imagem que construirei do papel. Contudo, se a peça não me interessa, minha imaginação permanece passiva; a mente compreende claramente a peça, mas há uma indiferença geral.

2) Durante os estágios preparatórios do trabalho, você visualiza algum outro personagem além daquele que lhe interessa, e ele tem alguma influência no seu próprio esforço criativo?

Dificilmente vejo qualquer outro personagem. Só durante os estágios finais do trabalho poreparatório é que as imagens criadas pelos outros atores começam a influenciar minha própria imagem.

3) A linguagem da peça, sua qualidade musical e seu ritmo afetam seu trabalho?

Eu amo o ritmo da linguagem de um Dostoievski ou do vernáculo russo, e ambos me deixam muito à vontade. As traduções criam muitas dificuldades e não têm vida. O verso tem um efeito deprimente.

4) Você se interessa principalmente pelo seu próprio papel - enquanto trabalha nele - ou pela peça como um todo?

A partir do caos criado em minha mente pela primeira leitura da peça, minha atenção aos poucos vai se concentrando exclusivamente em meu próprio papel. É só durante os estágios finais de preparação que começo a sentir a peça como um todo, mesmo que tenha feito tentativas anteriores neste sentido.

5) Os acontecimentos da vida real ou as experiências pessoais servem como material em seu trabalho de ator?

Uso estas experiências quando elas não são muito recentes, quando existem em minha mente apenas como uma lembrança e não como uma condição emocional real em que posso estar envolvido num dado momento. Tenho que ser capaz de avaliar estas experiências objetivamente - tudo que ainda está relacionado ao meu ego é inútil em meu trabalho.

6) Você busca em sua própria personalidade as características do papel ou você recorre a outras fontes - pessoas de seu meio e leteratura?

Eu procuro as características do papel em mim mesmo, nas pessoas que conheço (em particular) e na literatura. Contudo, nada disso tem qualquer influência decisiva. No final, a imagem é criada a partir de elementos que não surgem de parte alguma, por assim dizer, e ela é surpreendente e nova para mim também.

7) Você costuma basear sua visão de personagem em alguém que tenha realmente conhecido? Em caso afirmativo, até que ponto isto restringe seu trabalho?

Situações assim ocorreram no passado e foram de grande ajuda no início do trabalho. Contudo, a imagem final provavelmente não se parecerá com a pessoa que foi originalmente escolhida para servir de modelo. O ideal é vir a conhecer alguém que se pareça com a imagem já pronta.

8) O personagem que você está prestes a representar se materializa em sua imaginação espontaneamente - através do sentimento - ou você o constrói através da análise e do uso de várias combinações de seus elementos?

Na maioria dos casos, a imagem, em linhas gerais, irrompe em minha mente logo na primeira leitura da peça. Então, ela desaparece por muito tempo e me envolve numa busca árdua através do uso de várias combinações de seus elementos. Finalmente, a imagem reaparece e, daí em diante, permanece em meu poder. Gostaria de mencionar aqui, também, que o período de busca da imagem desaparecida é acompanhado pela ocorrência de pensamentos negativos e depressão. A tentação de sucumbir a ela é muito grande. É essencial manter durante este período uma disposição de espírito de alegria, ou mesmo júbilo. Se a depressão encontra condições para predominar, o momento de triunfo sobre a imagem esquiva pode não apenas experimentar uma demora dolorosa, mas ser totalmente perdido.

9) O que emerge primeiro - o aspecto psicológico, plástico ou sonoro do papel?

Varia muito. Acho que depende dos seguintes fatores: 1) O que o autor apresentou de forma mais tocante e 2) que aspecto do papel se relaciona de modo mais significativo com a minha própria individualidade criativa, minha tendência criativa (possivelmente subconsciente). Não me refiro à imagem ideal, que pode ser estimulada pelo papel, mas à idéia ou tendência criativa, que existiu no fundo de meu subconsciente desde o nascimento. Consciente ou inconscientemente, expresso esta idéia dominante no decorrer de toda a minha vida ativa e a cada novo papel.

10) Pode nos dizer o momento exato em que o papel ganha "vida" enquanto você trabalha nele?

Sempre num estágio bem avançado. Não posso apontar o momento exato ou a razão para que o papel ganhe "vida". Até certo ponto, ele sofre influência da maquiagem (especialmente a primeira), figurino, público, minha disposição de espírito, a influência inspiradora de um diretor, a visualização do papel num sonho, o encontro com alguém que se assemelhe ao papel e, finalmente, sem nenhuma razão aparente.

11) Você faz alguma modificação no diálogo no decorrer de repetidas representações?

Não houve um só papel em que eu pudesse resistir à tentação de improvisar, especialmente em peças traduzidas.

12) Você estuda seus papéis silenciosamente ou os lê em voz alta?

Eu não decoro minhas falas - elas se fixam em minha mente por conta própria. Quanto à imagem acabada, eu a crio principalmente através da visualização e da análise.

13) Enquanto prepara um papel, você costuma utilizar fontes literárias, artísticas ou científicas?

Algumas vezes.

14) Durante o péríodo preparatório, você visualiza as condições externas em torno do pesonagem que está para representar?

Considero este recurso útil, porém prefiro não adotá-lo, uma vez que os resultados, no meu caso, tendem a se tornar forçados e maçantes.

15) Em suas considerações das características exteriores do papel, você se baseia inicialmente em seus próprios atributos, ou você procura se adaptar à imagem ideal, do modo como a vê?

Eu tento ansiosamente criar uma imagem ideal. Não apenas desprezo meus atributos físicos, mas também tento de todas as maneiras sobrepujá-los. Naturalmente, algmas limitações sempre permanecem, o que nunca deixa de me entristecer.

16) Você presta atenção à sua própria fala, seja durante os ensaios, seja no decorrer da representação em si?

Sim. Contudo, há dois tipos de atenção: 1) a estimulada por um desejo vão de "controlar" a fim de alcançar um meio mais efetivo e interessante de dizer a fala (isto é um sinal de má representação e uma garantia de fracasso); 2) a atenção realizada ao mesmo tempo que o processo criativo e que não interessa no trabalho subconsciente - tal "escuta" provavelmente não permitirá que a mente consciente faça alterações, afete entonações nem influencie de qualquer outro modo a representação.

17) Enquanto trabalha no papel, você verifica suas expressões no espelho?

Não, mas se acontecer por acaso, ou devido à curiosidade, por exemplo, nunca deixa de causar um efeito prejudicial. Além disso, aquilo que vejo no espelho é tão desagradável quanto assistir à minha própria representação numa tela de cinema.

18) Quando o trabalho preparatório do papel está terminado, você visualiza a si mesmo representando? Em caso afirmativo, com que profundidade de detalhes?

Sim, eu me vejo representar, e isso é uma poderosa força criativa. Posso, até certo ponto voluntariamente, ver minha representação em detalhes, com o tipo de sofisticação que considero ser ideal. Isto me dá uma tremenda satisfação artística. Nestas ocasiões, a imagem que visualizo é minha própria criação e, ao mesmo tempo, a representação de outro, cujo talento é muito maior que o meu.

19) Ver um outro ator no papel que você está preparando - ou já representando - interfere em seu trabalho?

Sim, interfere definitivamente em meu próprio trabalho; apenas uma representação muito fraca não exerceria nenhuma influência.

20) Quanto você trabalha no papel por conta própria, e quanto é realizado durante os ensaios? O que é mais essencial para você?

Trabalhar durante os ensaios é algo que me tem sido imposto. Isso causa ansiedade devido ao fato de que através de um processo consciente, tenho que revelar aquilo que ainda não amadureceu. Fora dos ensaios, o trabalho criativo ocorre de forma subconsciente e, aparentemente, sem interrupções. É então que me permito pensar sobre o papel, visualizo a imagem e sonho com ela. Contudo não tento incorporá-la prematuramente. Acho que ambos os tipos de trabalho são igualmente importantes e essenciais como parte de um todo.

21) Até que ponto o diretor ajuda ou prejudica seu trabalho?

Sempre que um diretor é impaciente, despótico, rude ou quando ele não incentiva e é inflexível em suas exigências, sua influência sobre o ator é negativa. Porém, quando ele é capaz de se interessar pelas idéias do ator - ou, por sua vez, transmitir seu entusiasmo ao ator - ou ambos descobrem que têm algo em comum, a ajuda de um diretor é ilimitada. Acho difícil, neste caso, determinar quem deveria receber o crédito pela imagem criada.

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