terça-feira, 9 de junho de 2009

Pode-se ensinar direção?

Zygmunt Hübner

Reitor do Departamento de Direção
da Escola Nacional Superior de Teatro
de Varsóvia


Essa pergunta é feita também àqueles que ensinam direção. Trata-se, com efeito, da própria essência da profissão do diretor. Podemos ensinar a qualquer um a tabuada de multiplicar, a anatomia humana, podemos ensinar alguém a andar na corda bamba. Podemos medir o grau de apreensão desses conhecimentos (ou dessas habilidades) e podemos admitir que eles derivem de processos didáticos. Mas pode-se ensinar a alguém a cantar e a desenhar? Aqui a resposta é mais difícil, porque o resultado depende em medida mais larga de aptidões do aluno do que do sistema de ensino e das qualificações do professor; além disso, não é fácil medir os resultados.

Enfim, podemos ensinar alguém a refletir independentemente, a saber observar e tirar conclusões? Todas as escolas, do maternal à universidade, possuem esta ambição. E elas podem frequentemente vangloriar-se de alguns resultados, se bem que isto deva ser aceito com uma dose de ceticismo: é difícil estabelecer com precisão a parte que ocupa no desenvolvimento intelectual do aluno o processo real de maturação, de estabelecer exatamente o quanto o progresso obtido dependeu da escola ou do que se passou fora da escola, e, finalmente, qual o papel desempenhado pelas predisposições naturais pessoais.

Definição

Essas perguntas parecem muitas vezes de uma simplicidade infantil, em comparação com a pergunta proposta no título. Precisamos em primeiro lugar definir o que entendemos por direção e quais os conhecimentos que todo diretor deve possuir. Acredito que mesmo neste particular é difícil obter um ponto de vista unânime, e francamente minhas dúvidas não se resumem nisto. Há também o sério problema das características pessoais - os traços de personalidade - que devem distinguir o diretor.

Conhecimentos

É muito difícil admitir que o diretor deva possuir uma certa soma de conhecimentos no terreno da história do teatro, da literatura, da arte, dos costumes; que é bom que ele conheça música e saiba interpretar um desenho técnico; que é útil que ele saiba algumas técnicas do teatro, como a iluminação, instalações mecânicas, tecnologia etc. Ele pode evitar muitos problemas se conhecer a organização do trabalho teatral, e, no caso de companhias profissionais, a legislação em vigor concernente aos teatros e aos direitos autorais. O que é pior, esta lista poderia ser aumentada indefinidamente pois não seria útil, por exemplo, que ele conhecesse a psicologia, a sociologia, a filosofia, línguas estrangeiras? E também não deveria ele saber escrever?

Necessidade

Com efeito, o diretor, muitas vezes, encontra-se diante da necessidade de modificar um texto literário ou melhorar uma tradução medíocre. Já estamos assim colocando o carro na frente dos bois. Pois não falamos até agora do essencial: o conhecimento do mundo no qual o diretor vive e trabalha, a consciência dos processos sociais, políticos e morais que têm lugar neste mundo.

Seleção

Cada escola faz sua própria seleção das matérias que considera indispensável para a formação de futuros diretores. São chamadas geralmente de "teoria". Concorda-se hoje com o essencial: um diretor que tenha recebido uma grande formação humanística é melhor do que aquele que não possua esses conhecimentos. As referências sarcásticas sobre os diretores "de biblioteca" - como os chamavam há não muito tempo atrás, os atores antigos - já estão ultrapassadas. Essas brincadeiras só reaparecem quando o saber teórico é o único título, quando os diretores não possuem outra qualificação. E são essas "outras qualificações" que decidem afinal o valor do diretor.

Talento

Poder-se-ia resumi-las como "talento", se esta palavra não envolvesse tantos mal-entendidos. A mistificação romântica do talento como dom de Deus ou da natureza - e em consequência um valor que escapa à compreensão e a toda intervenção didática - não facilita a tarefa daqueles que querem discutir seriamente sobre a possibilidade da formação de não importa qual domínio da criação artística. Como ouvimos frequentemente que alguém perdeu seu talento, que outro desenvolveu seu talento, isto quer dizer que o talento não é um valor constante, mas sim variável. E se assim é, pode-se pelo menos fazer um esforço para ajudar a pessoa que é dotada de talento a sustentá-lo ou desenvolvê-lo.

Combinação

Em que consiste o talento do diretor? Em uma feliz combinação de traços pessoais. Comecemos pelas características da personalidade que não são necessárias ao trabalho de outros artistas. O pintor, o escritor e o compositor criam a sós; a atividade do diretor - numa medida mais ampla do que o maestro, por exemplo - consiste em se fazer compreender aos outros, em dirigir grupos de pessoas e em realizar suas próprias intenções por intermédio do grupo. Se eu não conhecesse muitos diretores extremamente tímidos, mas que se safam de uma maneira ou de outra (para falar a verdade, não tão bem), incluiria uma certa dose de segurança entre os traços "típicos" de representantes desta profissão. Estar muito confiante em si mesmo, ficar muito acima dos outros, é uma atitude que afasta as pessoas, mas uma timidez excessiva é em geral nefasta, sobretudo entre as pessoas que dissimulam sua ansiedade sob a forma de agressividade.

Confiança

O importante, afinal, é que o diretor inspire confiança; o autor deve se submeter a ele com a convicção de que ele sabe o que quer e pode levar adiante suas intenções. Isto é extremamente importante para jovens diretores, que não podem se orgulhar de suas realizações, e que devem confiar mais nas suas intrínsecas habilidades para ganhar simpatia ou respeito, para estabelecer contato com as pessoas e finalmente impor suas vontades sem recorrer a meios repressivos. O diretor deve ter qualidade de chefe, capacidade de comando. Que esta terminologia militar não nos desconcerte. Um bom chefe é aquele que é amado ou que tem a confiança de seus subordinados. As batalhas não são ganhas pelos generais, mas sim pelos soldados, porém a história já forneceu inúmeras provas de como a incompetência de um chefe pode reduzir a nada o esforço de uma grande tropa, e um exército mais fraco pode ser vitorioso se for dirigido por um general de talento.

Escuta

O diretor deve também saber escutar. Ele não precisa, é verdade, seguir todos os conselhos que dão os atores e colaboradores. Isto não o levaria a nada. Às vezes, ele deve aproveitá-los, ou pelo menos dar a impressão de aproveitar, para não matar a inventiva do grupo que dirige. Um bom clima de trabalho de equipe depende da satisfação pessoal que todos os membros do grupo encontram em seus trabalhos. E pode chegar um momento em que o diretor realmente precise ser aconselhado e ajudado.

Lista

Se pudéssemos escrever uma lista dos traços pessoais que são indispensáveis a um estudante da arte de dirigir, o papel dos professors seria infinitamente facilitado. Eles não perderiam tempo em formar pessoas que, embora inteligentes e talentosas, à sua maneira, não tivessem predisposição para o trabalho de diretor. Mas não é assim tão simples. Aprendemos por experiência que é necessário um ano, às vezes dois, antes de podermos julgar com relativo senso de responsabilidade as qualificações de um jovem. Ninguém até agora criou um teste satisfatório. Logo ao primeiro encontro, é muito fácil eliminar aqueles cujas aspirações de diretor estão em evidente contradição com suas possibilidades. Mas membros da comissão que decide a admissão dos candidatos aos estudos de direção frequentemente se iludem pensando que um rapaz (ou uma moça) inteligente e sensível, que atrai a simpatia de todos, terminará por desenvolver as habilidades específicas do diretor, e só depois de um certo tempo descobrem que isso era ilusão. O jovem diretor continua a suscitar consideração por seu saber e pela sua assiduidade ao trabalho, mas não sabe se comportar com o ator, quando encontra um ator, e não é capaz de obter nada dele, mesmo quando o ator deseja ajudá-lo porque gosta dele.

Importância

E chegamos aqui à mais importante das qualidades do diretor: a capacidade de pensar e de ver de uma determinada maneira. De pensar e de ver em termos de teatro, em termos de espetáculo. Isto pode ser ensinado? Erwin Axer deu a esse respeito uma opinião extrema, e que é talvez também a mais certa: vale a pena ensinar, mas só àquele que já sabe.

Chave

O sistema de Stanislavski tem a chave do modo de pensar necessário ao diretor. O sistema das perguntas formuladas de uma certa maneira e dentro de uma ordem determinada constitui o esquema de uma análise aproveitável ao diretor e aos atores. Isto se pode ensinar. É por isso que acho que um conhecimento mais profundo (eu disse "profundo" porque um conhecimento superficial pode originar prejuízos incalculáveis) do método Stanislavski é útil, talvez mesmo indispensável a todo jovem estudante da arte de direção. Ele inculca um senso de ordem, um raciocínio disciplinado, e ajuda a encontrar uma linguagem comum com o ator. Não se inventou nada de melhor até agora.

Infelicidade

Infelizmente, colocam-se em cena não as perguntas, mas sim as respostas. E elas dependem não do conhecimento de um método, mas da inteligência do diretor, de sua intuição, da sua imaginação, de seu senso de observação, enfim, da originalidade de seu pensamento. O que importa que a pergunta seja formulada corretamente, se a resposta é banal ou estúpida? Assiste-se então a espetáculos onde essas respostas tomam uma forma cênica que nos dá vontade de chorar! Posso ainda acrescentar que, mesmo utilizando-se o método de Stanislavski, pode-se ficar na superfície da questão, não indo ao fundo das coisas quando, para as perguntas fundamentais e preliminares como " por quê?" e "para quê?", dá-se uma falsa resposta.
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O presente artigo, aqui resumido, foi extraído de The Theatre in Poland, tradução de Carminha Lyra, e consta da revista Cadernos de Teatro nº 83/1979, edição já esgotada.

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