sexta-feira, 31 de julho de 2009

Sinto necessidade da forma dramática

Federico Garcia Lorca


Adotei o gênero teatral porque sinto necessidade de me expressar na forma dramática. Mas não abandono por isso a prática da poesia pura, que pode ser encontrada também na peça teatral e no poema simplesmente.

O teatro sempre foi a minha vocação. Tenho dado a ele muitas horas de minha vida. A minha concepção de teatro é pessoal e, até certo ponto, combativa. O teatro é a poesia que sai do livro e se faz humana e, ao acontecer isso, ela fala e grita, chora e se desespera.

O teatro tem necessidade que os personagens tenham uma roupagem de poesia que deixe, ao mesmo tempo, ver seus ossos, seu sangue. Devem ser tão humanos, tão terrivelmente trágicos, presos à vida e ao quotidiano com tal força que possam desvendar suas traições, refletir suas dores e que de seus lábios brotem as orgulhosas palavras carregadas de amor ou de desgosto.

O que não pode mais continuar é a sobrevivência dos personagens dramáticos que, atualmente, sobem à cena levados pela mão de seus autores. Personagens ocos, totalmente vazios, nos quais se pode ver, através do colete, um relógio parado, um postiço ou o lixo de velhos sótãos.

Hoje, na Espanha, a maioria dos autores e dos atores ocupam uma zona intermediária. Escrevem teatro para as poltronas, esquecendo-se das galerias e das torrinhas. Escrever para a platéia de escolhidos é o que pode haver de mais triste no mundo.

O público que vai a um espetáculo sente-se frustrado, o público virgem, o público simples - o povo - não compreende como lhe venham falar de problemas que ele despreza, em seu meio. Não se pode mais fazer esse tipo de teatro que nada mais é do que prolongar uma diva através do tempo, ou um jeune premier apesar de sua esclerose.

A verdade do teatro é um problema religioso e econômico-social. O mundo está imobilizado diante da fome que extermina os povos. Enquanto houver esse desequilíbrio, o mundo não poderá raciocinar. Vi isso com meus próprios olhos.

Dois homens que se vão à margem de um rio. Um é rico, o outro, pobre. Um com a barriga cheia e o outro que enche o ar com seus bocejos. E o rico exclama: "Oh, que lindo barco vai passando! Veja essa flor na margem do rio!". O pobre só pode balbuciar: "Estou com fome, não vejo nada". Naturalmente. No dia em que a fome desaparecer, haverá no mundo a maior explosão espiritual que a humanidade tenha jamais visto. É difícil imaginar a alegria que brotará nesse dia.

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