segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Teatro/CRÍTICA

"Terra do Nunca"

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Crescer ou não: eis a questão...


Lionel Fischer


Crescer ou não crescer: essa parece ser a questão. Digo "parece" porque o crescimento traz implícito dois significados: o crescimento físico (inevitável) e o crescimento emocional (nem sempre materializado, e aqui devendo ser entendido como amadurecimento). Tendo como mola propulsora três premissas básicas - a busca da eterna juventude, o culto à beleza e a procura da felicidade -, o presente espetáculo visa não necessariamente questionar, mas sim tentar entender as possíveis razões que levam a maioria das pessoas, nos dias atuais, a adiarem ao máximo a própria independência (em todos os sentidos), assim como a nutrirem verdadeiro horror com relação à velhice.

Em cartaz no Espaço Sesc, "Terra do Nunca" foi estruturada, além das premissas já mencionadas, a partir de quatro tópicos principais: a leitura dos livros "A criação da juventude - como o conceito de teenage revolucionou o século XX", de Jon Savage, "O retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde, "O pequeno pássaro branco", de James Mattew Barrie, que imortalizou a figura de Peter Pan, assim como a personalidade de Michael Jackson (que chegou a construir sua versão da Terra do Nunca) e outro ícone supostamente invencível e indestrutível, o Super-Homem.

Com dramaturgia assinada por Ivan Sugahara e Leonardo Netto (com a colaboração de Alice Ripoli, Álvaro Lazzarotto, Gabriela Carneiro da Cunha, Helena Stewart, José Karini e Letícia Isnard), "Terra do nunca" chega à cena com direção de Ivan Sugahara e elenco formado por Helena Stewart, José Karini, Leonardo Netto e Letícia Isnard.

É possível que, como especula Hamlet, muitas pessoas não ponham término às próprias vidas não por adorá-las, mas pelo temor do que possa vir em seguida. Assim sendo, restaria uma única alternativa: prolongar ao máximo a própria existência. Mas isto implica em envelhecer, em perder o viço da juventude, mesmo que esta possa ser, digamos, "prolongada" através dos mais variados recursos oferecidos pela medicina. No entanto, chega-se a um ponto em que tais recursos revelam-se inúteis e não raro as pessoas que deles lançam mão acabam se tornando patéticas caricaturas de si mesmas.

Então, como lidar com a única questão verdadeiramente relevante, qual seja, a passagem do tempo? Como compensar a inevitável deteriorização física com posturas e atitudes capazes de nos fazer compreender que a vida, em primeira e última instância, merece ser encarada como uma verdadeira dádiva?

No presente texto, seus autores não objetivam oferecer respostas, sejam elas apaziguadoras ou não. Através de cenas curtas e não necessariamente cronológicas, limitam-se a fazer indagações, exprimir perplexidades, trabalhar em cima de contradições, enfim, facultam aos espectadores a possibilidade de refletirem sobre suas próprias vidas e as escolhas feitas até então. Para mim, nisto reside o principal mérito de "Terra do Nunca".

Quanto ao espetáculo, como de hábito Ivan Sugahara encontra soluções inesperadas e não raro muito expressivas - e aqui cabe destacar a melhor cena da montagem, aquela em que uma mulher dialoga consigo mesma frente a um espelho, que obviamente reflete sua imagem. Passagem sem dúvida muito angustiante, já que impregnada de terrível solidão.

Com relação ao elenco, Helena Stewart, José Karini, Leonardo Netto e Letícia Isnard exibem desempenhos plenamente convincentes, não só pelo fato de serem ótimos intérpretes, mas também - e sobretudo - porque estão abordando questões que lhes interessam e que certamente estão procurando equacionar da melhor forma possível.

Na equipe técnica, contribuem de forma decisiva para o espetáculo os trabalhos de Alice Ripoli (preparação corporal), Ivan Sugahara e Álvaro Lazzarotto (trilha sonora), Natália Lana (cenografia), Nello Marrese (figurinos) e Renato Machado (iluminação).

TERRA DO NUNCA - Texto de Ivan Sugahara e Leonardo Netto. Direção de Sugahara. Com Helena Stewart, José Karini, Leonardo Netto e Letícia Isnard. Espaço Sesc. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h30. Haverá sessão extra no próximo dia 20, quarta-feira, às 21h, em substituição à sessão não realizada ontem.

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