sexta-feira, 18 de março de 2011

Teatro/CRÍTICA

"Inverno da luz vermelha"

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Primavera inatingível


Lionel Fischer


"Em uma noite no 'Bairro da Luz Vermelha', em Amsterdam, os amigos e turistas David e Matheus tem contato com uma mesma mulher, Christine. De personalidades quase opostas, cada um absorve a experiência de forma diferente. Um ano depois, já de volta ao seu país de origem, ela os reencontra e o público percebe como a experiência mexeu - em graus bem diferentes - com cada um dos envolvidos".

Este trecho, extraído do release que me foi enviado, sintetiza o enredo de "Inverno da luz vermelha", ainda que não explicite alguns aspectos importantes, o que farei mais adiante. De autoria de Adam Rapp, a peça chega ao Rio de Janeiro (Teatro Gláucio Gill) após cumprir bem-sucedidas temporadas em São Paulo e Brasília. Monique Gardenberg responde pela direção (contando com a co-direção de Michele Matalon), estando o elenco formado por André Frateschi, Rafael Primot e Marjorie Estiano.

Como dito acima, alguns detalhes importantes não estão contidos no trecho do release reproduzido. São eles os seguintes: Christine, supostamente uma francesa, na realidade é uma brasileira que se prostitui em Amsterdam, atraindo clientes nas conhecidas vitrines - mais adiante fica-se sabendo que mantém um casamento de fachada com um advogado francês gay, supostamente bem-sucedido, o que torna um tanto incompreensível sua opção pela prostituição.

Atraído por Christine, David tem com ela uma breve relação de cliente, mas que parece ter marcado profundamente a jovem prostituta. Mais adiante, e desejando que o tímido e angustiado  Matheus usufrua do mesmo prazer, David leva Christine ao apartamento que divide com o amigo, chegando no exato momento em que ele tenta se enforcar. A partir daí, a trama segue o que já foi descrito.

Em entrevista publicada hoje (18/03/2011) no jornal O Globo, o autor, ao expor as razões que o levaram a escrever o presente texto, diz o seguinte:  "Eu estava interessado em refletir sobre o que uma solidão extrema pode causar ao coração e à mente. Interessava-me saber como chegamos a esse ponto em que o menor gesto que um outro ser humano pode oferecer, um toque no rosto ou um ato de gentileza qualquer, pode ser distorcido em proporções épicas. Como lutamos com a nossa vontade de ser amados e de nos mantermos sozinhos, ao mesmo tempo. O que ser verdadeiramente vulnerável na frente de outra pessoa custa à alma de alguém, o custo de tudo isso".

E certamente suas premissas podem ser identificadas na cena. No entanto, algo que talvez não saiba definir com precisão me impediu de estabelecer um contato mais profundo com o texto. É possível que a deficiência esteja em mim, mas de qualquer forma arriscaria uma hipótese: embora os diálogos sejam fluentes, alternando humor e dramaticidade, e os personagens potencialmente interessantes, a grosso modo as relações que estabelecem não produzem em nenhum deles mudanças significativas, com a ação praticamente limitando-se (salvo em poucas passagens) a troca de informações sobre o que foram ou o que pretendem se tornar.

Seja como for, é inegável que o texto contém pertinentes reflexões sobre a solidão, o desamparo e uma ânsia desesperada de amor, dentre outros temas. E sua materialização na cena está em perfeita sintonia com o contexto. Valendo-se marcas expressivas, que vão da mais absoluta ternura à mais desenfreada violência, a diretora Monique Gardenberg consegue criar uma dinâmica que valoriza ao extremo os conteúdos propostos pelo autor. E também exibe maestria na condução do elenco.

Na pele do agressivo, debochado e ao mesmo tempo terno David, André Frateschi realiza um trabalho impecável, evidenciando forte presença cênica e nada desprezíveis dotes de cantor. Rafael Primot está igualmente irrepreensível vivendo o frágil, angustiado, sonhador e reprimido Matheus, com Marjorie Estiano trabalhando muito bem a sensualidade da personagem, assim como sua amargura, dureza e, em última instância, desesperadora solidão.

Na equipe técnica, considero de primeira linha o trabalho de todos os envolvidos nesta irretocável produção, capitaneada por Beto Amaral e Pedro Igor Alcantara:  Daniela Thomas (cenografia), Cassio Brasil (figurinos) e Maneco Quinderé (iluminação), cabendo também registrar a excelência da trilha sonora, que me parece ter sido elaborada por Monique Gardenberg e Michele Matalon.

INVERNO DA LUZ VERNELHA - Texto de Adam Rapp. Direção de Monique Gardenberg (co-direção de Michele Matalon). Com André Frateschi, Marjorie Estiano e Rafael Primot. Teatro Gláucio Gill. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 18h. 

Um comentário:

  1. Peça foi ótima... recomendo a todos... parabens aos artistas que deram show de interpretação!!!

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