sábado, 9 de junho de 2012

Teatro/CRÍTICA

"Fantasmas de Guerra e Paz"

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Beleza e ambigüidade


Lionel Fischer


Ao lado de Dostoiévski, Gorki e Tchecov, Leon Tolstoi (1828-1910) foi um dos grandes mestres da literatura russa do século XIX. Deixou uma obra vasta e diversificada, na qual se incluem contos, ensaios, crônicas e romances, dentre estes duas monumentais obras-primas: "Anna Karenina" (onde denuncia o ambiente hipócrita da época e realiza um dos retratos mais profundos da alma feminina) e "Guerra e Paz", que tem como tema as campanhas de Napoleão na Rússia.

E é justamente este último - ou, melhor dizendo, recortes do mesmo, segundo consta do release que me foi enviado - que deu origem ao presente espetáculo, em cartaz na sede do Studio Stanislavski, que ora completa 21 anos de atividade. Com dramaturgia assinada por Henrique Gusmão e direção a cargo de Celina Sodré, "Fantasmas de Guerra e Paz" chega à cena com elenco formado por Branca Temer, Carlos Tonelli, Carol Caju, Clara Choveaux, Dandara Vital, Douglas Resende, Evelin Reginaldo, Henrique Gusmão, Joana dos Santos, Juan Carlos, Ketlen Cajueiro, Marcus Fritsch, Mauricio Fuziyama, Mel Brígida, Michael Sodré e Tuini Bitencourt.

Também contendo citações do filme "Guerra e Paz", de Sergei Bondarchuk, a montagem acontece nos dois espaços do Studio Stanislavski. Inicialmente, no primeiro deles, ficam os espectadores, diante de um elenco masculino; no segundo, as espectadoras, diante de atrizes. Como as ações acontecem simultaneamente e pertencendo ao sexo masculino, não posso avaliar o que aconteceu no segundo andar enquanto estava no primeiro. E neste espaço o que pude apreender é que estava diante de oficiais que teciam, dentre outras, conjecturas sobre a vida e a guerra, eventualmente interrompidos pela soturna aparição de uma figura misteriosa que, mais tarde, já no segundo andar, revelou-se um maçom.

Neste segmento, e mesmo que os espectadores presentes tenham lido "Guerra e Paz" e portanto possam ter identificado os personagens e o contexto em que estão inseridos, ainda assim o que predomina é uma atmosfera carente de maior teatralidade, fato agravado pela excessiva duração do referido segmento. Quando, porém, somos convidados a ir para o espaço superior, aí a montagem ganham um interesse infinitamente maior.

A maravilhosa cenografia de Celina Sodré, certamente apoiada na direção de arte de José Dias, nos coloca em um ambiente que remete a um possível bordel, já que parte das atrizes está caracterizada como prostitutas. Mas um bordel, digamos, um tanto atemporal e certamente não realista, pois ali presenciamos não apenas cenas típicas de um lugar como este, mas breves passagens protagonizadas por personagens que evidentemente pertencem a um outro contexto.

Ou seja: estamos e não estamos em um bordel, e talvez esta ambientação tenha sido criada porque materializa não apenas fatos, mas também fantasias, pesadelos e possibilita o aflorar de adormecidas memórias. Aqui, e mesmo que não tenha conseguido, como não consegui, apreender a narrativa de uma forma que me satisfizesse, a teatralidade é de tal magnitude que me senti completamente envolvido pela atmosfera criada pela encenadora, para a qual muito contribui a belíssima iluminação de Renato Machado e Leysa Vidal, cabendo também destacar os criativos figurinos assinados pela diretora. 

Artista de inegável talento e seriedade, inteiramente alheia às exigências do mercado, Celina Sodré segue firme em seu propósito de investigar as fronteiras que existem entre o ator e o espectador, sempre apoiada - ao que me parece - no método de ações físicas proposto por Stanislavski. Mas acredito que a encenadora deva sempre levar em conta que, por mais bela que possa ser uma encenação, o espectador precisa entender os conteúdos propostos, sob pena de sair do espetáculo com o olhar encantado, mas um tanto órfão com relação aos significados.

Finalmente, uma breve consideração sobre o numeroso elenco. O naipe masculino, no primeiro segmento que assisti, revela inegável entrega e paixão, mas a maioria das composições me pareceu algo forçada, artificial, diria mesmo periférica, com as palavras articuladas num tom e num ritmo quase sempre muito monocórdios. Já as atrizes me pareceram bem mais convincentes, sobretudo porque nelas corpo e voz exibem coerência e unidade. Seja como for, estamos diante de um sério esforço coletivo, cuja honestidade de propósitos supera, em grande parte, as carências por mim apontadas - não necessariamente verdadeiras, que fique bem claro, pois é possível que outros espectadores não se ressintam das deficiências que acabo de mencionar.

FANTASMAS DE GUERRA E PAZ - Texto baseado na obra de Leon Tolstoi. Dramaturgia de Henrique Gusmão. Direção de Celina Sodré. Com o Studio Stanislavski. Sexta a domingo, 20h.   



  

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