Teatro/CRÍTICA
"Doppelgänger (O mito do duplo)"
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Humor e mistério no Sérgio Porto
Lionel Fischer
Julia Vieira é uma grande atriz e seu marido, Julio Matos, um ator medíocre. Casados há muito tempo, o ódio mútuo é o elo mais forte entre ambos. Uma noite, após pavorosa discussão, Julio sai de casa como que movido pelo furor das grandes tempestades e tudo indica que não voltará mais. Julia procura o psicanalista Marco Aurélio, sem saber que ele nutre brutal paixão por ela, e pede a ele que atenda seu marido. Julio inicia sessões de análise. Mas o que parecia indicar uma narrativa centrada apenas nas dificuldades de um casal em crise, logo ganha contornos misteriosos: Julio possui um duplo!
Eis, em resumo, o enredo de "Doppelgänger (O mito do duplo)", que acaba de estrear no Teatro Sérgio Porto. Domingos Oliveira assina o texto e a direção, estando o elenco formado por Priscilla Rozenbaum (Julia Vieira), Ricardo Kosovski (Julio Matos) e André Mattos (Marco Aurélio).
"Segundo a lenda germânica, cada um de nós tem um duplo. Igual, mas que traz consigo a morte e a destruição. Cada um de nós pode encontrar seu duplo de repente à sombra de uma esquina, no sol da praia ou na plateia do teatro. São dois corpos para uma vida só. Um deles tem de morrer. O Duplo (Doppelgänger) é considerado nas magias negras um ente satânico." (Domingos Oliveira)
Em função do que lhe é oferecido, o público pode interpretar o texto de diversas maneiras. Mas acredito, embora possa estar enganado, que o objetivo principal de Domingos possa ter sido o de criar uma peça que, dispensando enfadonhas digressões teórico-metafísicas,
propõe uma divertida reflexão sobre o teatro, a vida e, naturalmente, sobre a morte.
Um ator pode anular-se por completo e encarnar uma personalidade diametralmente oposta à sua - faz parte do jogo teatral essa morte momentânea do ser real, posto que o mesmo haverá de ressurgir ao fim da representação. Tais duplos são aceitáveis e, em alguns casos, geram aplausos. No entanto, como lidar com a possibilidade de possuirmos um duplo, excluída a hipótese de um irmão gêmeo? O ser, digamos, duplicado, conteria necessariamente uma pulsão de morte e destruição? Ou, pelo contrário, mostraria bem mais afeição por Eros do que por Thanatos?
Enfim...infindáveis conjecturas poderiam ser aqui alinhavadas, mas o que realmente importa é a apreensão que cada espectador fará desta obra curiosa, instigante e sem dúvida muito engraçada, já levada à cena há alguns anos, mas que aqui retorna bastante modificada, em especial no tocante ao cenário em que se dá grande parte da ação: o consultório do psicanalista.
Com relação ao espetáculo, Domingos Oliveira impõe à cena uma dinâmica que mescla, com absoluta eficiência, vários gêneros, tais como o policial, o suspense, o terror, a comédia e, de certa maneira, aquilo que o próprio Domingos menciona no release e que talvez melhor defina sua encenação: um vaudeville sinistro.
No tocante ao elenco, Ricardo Kosovski está irrepreensível na pele dos duplos, aos quais impõe sutis diferenças. E, como de hábito, o ator exibe voz perfeitamente colocada, expressividade gestual e notável inteligência cênica. Priscilla Rozenbaum também reitera suas habituais virtudes, dentre as quais destaco sua forte presença cênica e absoluta precisão nos tempos rítmicos.
Quanto a André Mattos, ator de grande exuberância cênica, aqui ele realiza um trabalho mais contido e interiorizado, e quando finalmente materializa um momento de total descontrole, este torna-se perfeitamente crível, como a sugerir o rompimento de um dique incapaz de represar emoções tão virulentas. Tal passagem é, simultaneamente, engraçada e trágica, e tal duplicidade de emoções se mostra em total sintonia com a essência do texto e do espetáculo.
Na equipe técnica, Ronald Teixeira assina uma cenografia primorosa, cuja principal virtude consiste em nos dar a sensação de que tudo ocorre em um espaço infinito. O mesmo Ronald e Eloy Machado respondem por figurinos em total consonância com as personalidades retratadas, com Fernanda Mantovani e Tiago Mantovani iluminando a cena de maneira irrepreensível, sempre conseguindo enfatizar os múltiplos climas emocionais em jogo. Quanto à trilha sonora, não sei a quem atribuir o crédito (talvez seja do próprio Domingos), mas sem dúvida é admirável pela diversidade com que pontua as ações.
DOPPELGÄNGER (O MITO DO DUPLO) - Texto e direção de Domingos Oliveira. Com Priscilla Rozenbaum, Ricardo Kosovski e André Mattos. Teatro Sérgio Porto. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.
segunda-feira, 28 de julho de 2014
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Lionel Obrigada pelas palavras sobre o espetáculo. Estamos muito felizes com o resultado, porém só teria conseguido com a imprescindível atuação do meu duplo, Tiago Mantovani, que assina a luz do espetáculo junto comigo. Gostaria de pedir , que se for possível, fizesse a correção, dando o crédito a ele também. obrigada. Até o próximo!
ResponderExcluirFernanda amiga,
Excluirte agradeço as palavras gentis sobre o que escrevi. E se não mencionei o Tiago, isto se deve a uma distração de minha parte, pela qual te peço desculpas. Mas o erro já foi remediado.
Beijos,
Eu