segunda-feira, 13 de julho de 2015

Teatro/CRÍTICA

"Antologia do remorso"

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Humor e paixão no Calouste



Lionel Fischer



"Antologia do remorso utiliza-se de pilares do universo rodrigueano, como a violência e os questionamentos morais, aliados a uma estética inspirada nos filmes Noir e nas histórias em quadrinhos. Interpretada de forma leve pelos atores, a peça, irônica e ácida, coloca em perspectiva a tristeza fúnebre, analisando os desdobramentos das crises de forma sarcástica. Assim, o espectador é levado a um riso constante, mas nervoso, que provoca uma reflexão a respeito das questões abordadas".

O trecho acima, extraído do release que me foi enviado, resume o contexto em que se dá "Antologia do remorso", em cartaz no Teatro Gonzaguinha (Centro Municipal Calouste Gulbenkian). Flávia Prosdocimi assina o texto - vários contos transpostos para o palco sem qualquer adaptação dramatúrgica -, estando a direção a cargo de Daniel Belmonte. No elenco, Elisabeth Monteiro, Gustavo Barros e Tiago d'Ávila.

Como se sabe, o conceito de dramaturgia vem sofrendo grandes mudanças, sobretudo a partir dos anos 60. Até então, de uma maneira geral, o fenômeno teatral se dava a partir de textos escritos para serem representados em um palco. Aos poucos, porém, versões de romances, filmes, vídeos, obras poéticas e contos - dentre outros gêneros - foram cada vez mais ganhando espaço. Aqui, como já explicitado, estamos diante de contos transpostos para a cena de forma literal. Essa transposição possibilita uma série de variantes, sendo uma das mais utilizadas a que é adotada pela direção: os intérpretes dão vida aos personagens e ao mesmo tempo atuam como narradores.  

Com relação aos contos, é nítida a influência de Nelson Rodrigues, sobretudo no que se refere às obras reunidas em "A vida como ela é". Assim como Nelson, Flávia Prosdocimi prioriza as paixões e o exacerbamento, criando situações que invariavelmente conduzem a um impasse, cuja resolução é quase sempre trágica. E, também como Nelson, a autora não dispensa o humor, ainda que ácido, o que fatalmente converte seus escritos em tragicomédias.   

Isto posto, caberia a pergunta: sendo de fato verdadeira a grande influência de Nelson Rodrigues, estaria Flávia Prosdocimi apenas reproduzindo - ou tentando reproduzir - um modelo consagrado? Não creio que seja esse seu objetivo. No entanto, e partindo da premissa de que Flávia escreve muito bem e evidencia grande talento para criar personagens e inseri-los em contextos plenos de imaginação e expressividade, acredito que aos poucos acabará materializando uma escrita que não remeta a ninguém e apenas traduza sua singularidade.

Com relação ao espetáculo, Daniel Belmonte impõe à cena uma dinâmica muito criativa, que valoriza em igual medida tanto o humor quanto a tragicidade dos ótimos contos de Flávia Prosdocimi. E os três intérpretes (Elisabetht Monteiro, Tiago D'Ávila e Gustavo Barros, este último evidenciando grande expressividade corporal) também contribuem de forma decisiva para o encanto desta bem sucedida e oportuna empreitada teatral.

Na equipe técnica, considero seguras e eficientes as participações de Tiago e Fernanda Mantovani (iluminação), Julia Marina (cenário e figurinos), Daniel Belmonte (trilha sonora), Milene Pimentel (direção de movimento), Verônica Machado (preparação vocal) e Rafa Monteiro (visagismo).

ANTOLOGIA DO REMORSO - Texto de Flávia Prosdocimi. Direção de Daniel Belmonte. Com Elisabeth Monteiro, Gustavo Barros e Tiago d'Ávila. Teatro Gonzaguinha. Sexta e sábado, 20h. Domingo, 19h.  

     

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