Teatro/CRÍTICA
"As meninas"
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Emocionada e emocionante reflexão
Lionel Fischer
"No auge da ditadura militar, três jovens universitárias convivem em um pensionato paulistano de freiras. É nele que elas encaram o início da vida adulta, cada uma numa busca profunda pela sua própria identidade, vivendo uma história única de encontros e desencontros numa das épocas mais conturbadas do país. No palco, as três vozes se misturam para dar vida ao inquietante romance As meninas".
Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto em que se dá "As meninas", adaptação teatral de Maria Adelaide Amaral (também responsável pela dramaturgia) do romance homônimo de Lygia Fagundes Telles. Em cartaz no Teatro Poeira, a montagem leva a assinatura de Yara de Novaes, estando o elenco formado por Clarissa Rockenbach, Silvia Lourenço, Luciana Brites, Clarisse Abujamra, Sandra Pêra e Daniel Alvim.
Romance deslumbrante (Prêmio Jabuti de 1974), "As meninas" tem como foco central as relações entre Lorena, Ana Clara e Lia. A primeira, filha de família burguesa, é sonhadora, virgem e culta; perdeu tragicamente um irmão, o que levou o pai (já falecido) a um sanatório e sua mãe a uma vida fútil; é apaixonada por um homem mais velho e casado, de quem vive aguardando um telefonema. Ana Clara é modelo, oscila entre o noivo rico e o amante traficante, é viciada em drogas e foi abusada sexualmente na infância - afora carregar o fardo de saber que sua mãe era prostituta. Lia vai para São Paulo estudar Ciências Sociais fugindo da superproteção da mãe e do passado sombrio do pai, ex-militar nazista; durante seu curso, envolve-se na militância política contra a ditadura.
Estamos, portanto, diante de três mulheres com personalidades, histórias de vida e aspirações totalmente diferentes. E a engenhosa narrativa do romance, com foco na primeira pessoa, desloca-se constantemente para o fluxo de consciência das três amigas, que se entrevistam, se apresentam umas às outras e ao leitor, afora refletirem sobre si mesmas e sobre as demais. Ou seja: trata-se de uma estrutura bastante complexa e, ao menos teoricamente, difícil de ser transposta para o palco.
No entanto, Maria Adelaide Amaral realizou um trabalho brilhante, pois conservou o essencial do romance e conseguiu convertê-lo em material dramatúrgico de primeira grandeza. Assim, o espectador tem acesso a uma emocionada e emocionante reflexão sobre alguns dos mais relevantes aspectos da natureza humana, assim como sobre um dos períodos mais violentos e sombrios da história recente do país.
De posse de material tão rico e instigante, em nada me surpreende que a excelente atriz Yara de Novaes tenha conseguido impor à cena uma dinâmica à altura da adaptação de Maria Adelaide Amaral. Valendo-se de soluções criativas e imprevistas, e evidenciando notável domínio dos tempos rítmicos, a encenadora exibe o mérito suplementar de haver extraído ótimas atuações do elenco.
Na pele de Lia, a idealista guerrilheira, Silvia Lourenço consegue valorizar ao máximo uma personagem não tão interessante quanto as demais, posto que isenta de maiores nuances. Clarissa Rockenbach (Lorena) convence plenamente na pele da jovem sempre generosa, romântica e possuidora de delicioso senso de humor. Luciana Brites materializa, com visceral capacidade de entrega, a trágica personalidade da modelo que acaba consumida pelas drogas. Daniel Alvim está excelente vivendo o exasperado e sonhador traficante Max, conseguindo diferenciá-lo por completo de Guga, jovem que adere ao movimento Paz e Amor. E também convence em OFF vivendo M.N., o mesmo aplicando-se a Eloísa Elena (Secretária).
Com relação a Sandra Pêra (Irmã Priscila), a atriz realiza aqui um dos melhores trabalhos de sua carreira, conseguindo extrair o máximo de uma personalidade perplexa com a evolução dos costumes e cuja hilária histeria a leva a ambicionar converter-se em mártir na África. No tocante a Clarisse Abujamra (mãe de Lorena, na peça Mãezinha), estamos diante de um excepcional trabalho de atriz, tanto do ponto de vista vocal quanto corporal - é impressionante a capacidade da intérprete de valorizar todas as suas falas, assim como de cercá-las de um universo gestual de incrível expressividade. Sem dúvida, uma das performances mais marcantes da atual temporada carioca.
Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo a maravilhosa contribuição de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - André Cortez (cenário e figurinos), Juliana Santos (iluminação), Dr Morris (trilha sonora), Miriam Rinaldi (preparação corporal), Daniel Maia (preparação e arranjo vocal) e Bruna Pires (visagismo).
AS MENINAS - Texto de Lygia Fagundes Telles. Adaptação e dramaturgia de Maria Adelaide Amaral. Direção e concepção de Yara de Novaes. Com Clarissa Rockenbach, Luciana Brites, Silvia Lourenço, Daniel Alvim, Clarisse Abujamra e Sandra Pêra. Teatro Poeira. Terças e quartas, 21h.
quinta-feira, 10 de setembro de 2015
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