Teatro/ CRÍTICA
"Vulgar"
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Adaptação minimiza alcance do original
Lionel Fischer
Henrik Vogler, diretor de teatro experiente e perfeccionista, ensaia a peça O Sonho, de Strindberg. Depois de uma tarde de trabalho, ele está cochilando no palco quando volta ao teatro sua jovem protagonista, Anna, com a desculpa de procurar uma pulseira perdida. Durante o que seria uma conversa casual, surge uma avalanche de revelações pessoais, que vão transformando o texto em obra confessional. Em uma licença poética, ou num devaneio, ou mesmo em um sonho, mais adiante surge Raquel, mãe de Anna, que no passado interpretou o papel que hoje é da filha.
O trecho acima resume o enredo de "Depois do ensaio", de autoria de Ingmar Bergman, peça escrita em 1980 e quatro anos depois transformada em filme para a televisão. De acordo com o release que me foi enviado, o filme foi escolhido pela atriz Luisa Friese como "estímulo e fio condutor para a criação do novo trabalho". Um belo estímulo, sem dúvida, cujo resultado será avaliado em seguida.
"Vulgar" tem dramaturgia assinada por Diego de Angeli, estando a direção a cargo de Miwa Yanagizawa. No elenco, Lucas Gouvêa e Luisa Friese - o espetáculo deixa hoje a Sala Multiuso do Sesc, mas como acredito que prosseguirá temporada em outro espaço, acho que a presente crítica se justifica.
Nada tenho contra adaptações, estímulos ou fios condutores, mas o fato é que o texto de Diego de Angeli minimiza muito o alcance da belíssima reflexão que Bergman faz sobre a arte teatral. No original, a estrutura narrativa reforça de forma brilhante o caráter lúdico e mágico do teatro, pois jamais se chega a saber, com absoluta certeza, se alguns episódios aconteceram da forma como estão materializados (como a relação de Vogler e Raquel, esta última supostamente já falecida), ou se tudo se resume a um devaneio do diretor semi-adormecido. Ou seja: o espectador é convidado não a racionalizar sobre o que assiste, mas a liberar sua fantasia e deixar-se encharcar pela poesia do palco, que encontrará um campo muito mais fértil não em sua inteligência ou cultura, mas em seu inconsciente.
No entanto, como na presente adaptação o importantíssimo papel da mãe foi cortado (dentre outros cortes, mas fico apenas neste) a estrutura narrativa fica muito comprometida. E o texto apresentado, embora contenha bons diálogos e não deixe de abordar questões relativas à arte teatral, prioriza muito a relação homem/mulher entre o diretor e a atriz, que formaram um casal no passado. E esta relação, certamente muito mal resolvida, é reforçada em duas passagens em que a atriz fica nua, a meu ver sem a menor necessidade - na primeira, o diretor a manda tirar a roupa, obrigando-a a interromper o que faz em alguns momentos, o que talvez leve um espectador desavisado a supor que esteja diante de um outro tipo de peça; e na segunda ocasião, após ser assediada e sair de cena contrariada, surpreendentemente a atriz retorna vestindo só uma blusa...
Com relação ao espetáculo (e agora já não levando mais em conta as ressalvas dramatúrgicas e as referidas cenas de nudez) Miwa Yanagizawa impõe à cena uma dinâmica em sintonia com o texto de Diego de Angeli, valorizando todos os conteúdos através de marcas criativas e diversificadas, cabendo também destacar a habilidade da diretora no tocante aos tempos rítmicos. E no que diz respeito aos intérpretes, Lucas Gouvêa e Luisa Friese extraem o máximo dos personagens, materializando com inteligência e grande capacidade de entrega as muitas e não raro dolorosas emoções em causa.
Na equipe técnica, considero de ótima qualidade as contribuições de todos os profissionais envolvidos na produção - Ricardo Cutz (desenho de som e instalação), Maurício Shirakawa (iluminação), Yumi Sakate (figurino) e Toni Rodrigues (direção de movimento).
VULGAR - Dramaturgia de Diego de Angeli. Direção de Miwa Yanagizawa. Com Lucas Gouvêa e Luisa Friese. O espetáculo encerra hoje, às 18h, sua temporada na Sala Multioso, do Sesc.
sábado, 26 de setembro de 2015
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