Teatro/CRÍTICA
"O narrador"
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Precioso encontro com Diogo Liberano
Lionel Fischer
Por razões que a razão desconhece (ou será que não?), o fato é que só no último domingo assisti "O narrador", na Casa da Gávea, quando o espetáculo encerrava sua segunda temporada no Rio de Janeiro - e sendo assim, não faria muito sentido escrever sobre ele. No entanto, e felizmente, a montagem volta a ser exibida no Centro Cultural Justiça Federal, de 03 de outubro a 01 de novembro. Isto significa que possíveis retardatários, como eu, terão talvez a última oportunidade (ao menos nesta cidade) de vivenciar um belíssimo encontro com Diogo Liberano, que responde pelo texto e pela direção de uma das mais significativas empreitadas teatrais do grupo Teatro Inominável.
De acordo com o release que me foi enviado, Diogo Liberano teve como grande referência o ensaio "O narrador - considerações sobre a obra de Nikolai Leskov", escrito em 1936 pelo filósofo alemão Walter Benjamin. Abstendo-me de entrar em maiores considerações sobre a obra de Leskov, e igualmente sobre o referido ensaio, acredito que do mesmo Liberano possa ter se fixado na tese de Benjamin de que a arte de narrar histórias estaria em extinção. Isto significa que o narrador convive inexoravelmente com a consciência da própria finitude, e consequentemente de suas histórias. Daí deriva, segundo Benjamin, sua força e singular autoridade.
No presente texto, Diogo Liberano não tece nenhuma consideração teórica sobre a obra de Leskov e tampouco sobre o ensaio de Benjamin - apenas o menciona. Mas me parece óbvio, em função do material dramatúrgico, que o autor se vale da concretude da morte para tentar encontrar uma nova forma de enxergar a vida. E mesmo quando o desespero é inevitável e arrasador, mesmo quando nada mais parece fazer sentido e a sensação que predomina é a certeza de que se está diante de uma batalha que não pode ser vencida, ainda assim o texto deixa implícita a possibilidade de renascimento. Acredito, portanto, que o maior mérito de "O narrador" seja o de nos mostrar que tudo é possível para aquele que se dispõe a refletir sobre sua própria vida e, a partir de tal reflexão, reinventá-la.
Com relação ao espetáculo, Diogo Liberano (único ator em cena) fica sentado em uma cadeira, ao lado da qual há uma outra com um bichinho de pelúcia; intercalando falas e goles de água, o ator lê seu texto, pausadamente, valendo-se de um microfone; veste-se com roupas corriqueiras, a iluminação é discreta, de vez em quando uma música pontua algumas passagens. O espetáculo nos é apresentado como uma performance. Talvez seja. Mas o fundamental, para mim, não consiste em avaliá-lo a partir de tal premissa e sim declarar meu deslumbramento com a beleza da escrita e a profundidade das reflexões proferidas. E agradecer a Diogo Liberano por, através de suas histórias, iluminar minha vida.
Na equipe técnica, é de excelente nível a composição musical assinada por Rodrigo Marçal. E certamente preciosas as colaborações dos demais integrantes do Teatro Inominável
(Adassa Martins, Caroline Helena, Flávia Naves e Natássia Vello) e de João Pedro Madureira, ator e diretor da companhia gaúcha vai!ciadeteatro, que participaram de todo o processo.
E, finalmente: algumas pessoas me perguntaram se eu achava que todas as histórias de "O narrador" eram mesmo verdadeiras, se Diogo Liberano havia efetivamente vivido tudo aquilo. A todas respondi que achava que sim. Até que uma delas me disse, olhando-me fixamente nos olhos, como costumam fazer as pessoas profundas e os oculistas: "E se um dia você descobrir que tudo aquilo foi inventado"?. Candidamente, retruquei que se Diogo Liberano havia tudo inventado, é porque, ao menos em alguma instância, tudo aquilo havia vivido...
O NARRADOR - Texto e direção de Diogo Liberano. Centro Cultural Justiça deferal. Sábado e domingo, 19h.
sexta-feira, 2 de outubro de 2015
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