terça-feira, 20 de outubro de 2015

Teatrro/CRÍTICA

"Abajur lilás"

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Choque de linguagens minimiza alcance do texto



Lionel Fischer



"As prostitutas Dilma, Célia e mais adiante Leninha vivem confinadas num cubículo, exploradas pelo cafetão Giro, que vive acompanhado pelo segurança Oswaldo, um sádico torturador. Dilma é uma mulher sofrida e só aceita as condições impostas por causa do filho que precisa sustentar. Célia, revoltada e explosiva, bebe todos os dias e quase não rende de noite. E por não aguentar mais as pressões e ameaças de Giro, propõe um plano para Dilma: matar o cafetão e ficar com o prostíbulo. Mas um incidente provocado por Leninha acaba fazendo com que as coisas são saiam como planejadas".

Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima resume o enredo e o contexto de "Abajur lilás", de autoria de Plínio Marcos (1935-1999). Em cartaz no Teatro Sesc Tijuca, a montagem leva a assinatura de Renato Carrera, estando o elenco formado por Andreza Bittencourt (Dilma), Larissa Siqueira (Célia), Laura Nielsen (Leninha), Éber Inácio (Giro) e Higor Campagnaro (Osvaldo).

Muito já se escreveu sobre esta peça, pela maioria dos analistas considerada uma das mais violentas e politizadas do genial autor paulista. Por ter sido escrita em 1969 e censurada pela ditadura em 1975, não são poucos os que a consideram uma metáfora do que o país vivia sob o regime militar. E embora ache pertinente esta visão, ainda assim minha leitura sempre foi (e continua sendo) mais realista do que metafórica, e o que me encanta no texto é a capacidade de Plínio Marcos de retratar com tanta crueza e agudez um universo impregnado de violência e ausência de perspectivas, mas nem por isso isento de dilacerada poesia.  

Mas a presente montagem me gerou muitas dúvidas. Se por um lado o encenador Renato Carrera faz absoluta questão de investir no realismo - muitas cenas de nudez, como aquela em que as mulheres se lavam em bacias ou a frustrada tentativa do impotente torturador de fazer sexo com Dilma -, por outro esse investimento acaba soando estranho, já que as mencionadas cenas (e muitas outras) são revestidas de um evidente caráter ritualístico. Ou seja: estaríamos diante de uma proposta em cujo cerne habitariam tanto o realismo como o ritual, o que para mim minimiza o alcance do texto. 

E essa dualidade se estende por todos os segmentos do espetáculo. Como é evidente, a ação se passa em um mísero cubículo. No entanto, a cenografia de André Sanches exibe paredes de telhas translúcidas, certamente para permitir maiores possibilidades expressivas para a bela iluminação de Renato Machado. Com relação aos figurinos, corretos para as prostitutas, os mesmos me parecem totalmente exagerados no que diz respeito a Giro e Osvaldo - este último, por sinal, sugere estar paramentado para uma festa sadomasoquista, o que ao menos para mim retirou do personagem todo o seu caráter aterrorizante. No que concerne à trilha sonora de Alexandre Elias, esta pontua com eficiência os climas emocionais em jogo, cabendo destacar a ótima preparação corporal de Felipe Koury.

No que diz respeito à performance do elenco, muitas pessoas me disseram ter ficado admiradas com a coragem das atrizes de exporem totalmente seus corpos em situações nem um pouco glamurosas. De minha parte, não vejo nisso coragem alguma, apenas adesão total a uma proposta cênica. A coragem que as atrizes exibem - e esta sim cabe destacar com entusiasmo - é muito mais a de se desnudarem interiormente, de se esvaziarem para serem preenchidas e impregnadas de sentimentos e contradições que provavelmente desconheciam - ao menos no nível exigido por Plínio Marcos. 

Ainda assim, e mesmo admirando as performances de Andreza Bittencourt, Larissa Siqueira e Laura Nielsen, acredito que todas poderiam se sair ainda melhor se encontrassem mais variações de tom, que a meu ver não precisa ser tão exacerbado o tempo todo. Éber Inácio e Higor Campagnaro exibem vigor e grande capacidade de entrega, mas a composição de seus personagens me parece bastante equivocada. 

ABAJUR LILÁS - Texto de Plínio Marcos. Direção de Renato Carrera. Com Andreza Bittencourt, Laura Nielsen, Larissa Siqueira, Higor Campagnaro e Éber Inácio. Teatro Sesc Tijuca. Sexta a domingo, 20h.






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