terça-feira, 13 de outubro de 2015

Teatro/CRÍTICA


"The Pillowman - O Homem Travesseiro"


.....................................................................
Texto brilhante em ótima versão



Lionel Fischer



Um homem está sendo brutalmente interrogado em uma delegacia sob a acusação de haver matado duas crianças - talvez três. E o motivo de sua detenção é que ele é escritor e na maioria de suas histórias crianças são brutalmente assassinadas. Na sala ao lado, seu irmão deficiente mental também está sendo interrogado e de forma igualmente brutal. Com o desenrolar da trama, é explicitada a razão que levou o escritor Katurian a criar histórias tão macabras: seus pais torturaram seu irmão Michal durante anos, no quarto ao lado, acreditando que seus gritos de desespero poderiam estimular a criatividade de Katurian. Este acaba por assassinar os pais e a tomar sob sua responsabilidade a existência do irmão.

Eis, em resumo, o contexto em que se dá "The Pilowman - O Homem Travesseiro", do autor inglês (filho de pais irlandeses) Martin McDonagh. Em cartaz no Teatro Poeirinha, a peça tem direção assinada por Bruno Guida e Dagoberto Feliz, estando o elenco formado por Bruno Autran (Michal), Bruno Guida (investigador Ariel), Daniel Infantini (investigador Tupalski), Flavio Tolezani (Katurian) e Wandré Gouveia (vários personagens). 

Embora já tenha sido encenada em mais de 40 países (inclusive no Brasil, por Bruce Gomlevski) e recebido muitos e importantíssimos prêmios, "O homem travesseiro" não é uma unanimidade. John Simon, por exemplo, afirma que "...o que torna a peça verdadeiramente ofensiva é a maliciosa auto-satisfação autoral que ela apresenta com uma certa dose de maldade (New York Magazine Review). Já Eamonn Jordan sustenta, no ensaio War or Narrative: The Pillowman, que "...o autor se distingue por um senso de anomalia jamais visto no teatro irlandês". A se considerar apenas essas duas opiniões, emitidas por profissionais de reconhecido gabarito, o autor seria ofensivo, malicioso, mau e anômalo. Mas será que tais adjetivações são realmente justas? E se justas são, em que medida?

Em minha opinião, as mencionadas adjetivações não são justas em nenhuma medida. O que me parece que ocorre é que " O Homem Travesseiro", por um lado, aborda muitos e diversificados temas - a violência (particularmente abjeta quando envolve crianças), a intolerância, a obra de arte como resultado do sofrimento, a possibilidade da arte influenciar fortemente a vida para o bem ou para o mal etc.; e por outro, o autor propõe uma estrutura narrativa que, a princípio centrada no realismo, de repente envereda para a fábula e mais adiante retorna ao realismo, e novamente envereda para a a fábula, tudo isso sem pedir licença aos espectadores e menos ainda aos críticos, que talvez se irritem e se sintam desnorteados.  

Isto posto, cabe indagar: por que essa permanente alternância entre o real e o onírico haveria de gerar irritação e desnorteamento? E ainda que irrite e desnorteie, qual o problema? A principal função do teatro não consiste justamente em nos tirar do eixo, nos obrigar a renunciar à nossa zona de conforto? Um teatro que não incomoda, que não faz pensar, que não produz emoções contraditórias e em função de todas essas carências não gera nenhuma transformação, em minha opinião pode ser tudo, menos teatro. Enfim...

Particularmente, considero "O Homem Travesseiro" um texto brilhante, e não hesito em afirmar que o mesmo recebeu excelente versão cênica de Bruno Guida e Dagoberto Feliz. Ao optarem por uma estética expressionista (com claros elementos de bufonaria), os encenadores conseguiram valorizar ao máximo os muitos e complexos conteúdos em jogo. E o grotesco presente na composição dos personagens contribui tanto para ressaltar a tragicidade do contexto quanto seus aspectos humorísticos - é claro que estou me referindo a humor negro. 

Quanto ao elenco, todos os atores exibem performances irretocáveis, seja no que concerne ao texto articulado, seja no que diz respeito ao universo gestual, sob todos os aspectos riquíssimo. Assim, a todos parabenizo com o mesmo entusiasmo e a todos agradeço a maravilhosa noite que me proporcionaram.

Na equipe técnica, Daniel Infantini responde por figurinos adequadamente sombrios e andrajosos (exceção feita à roupa de Michal, por razões óbvias). Ulisses Cohn assina uma cenografia de altíssimo nível, igualmente sombria e também claustrofóbica, predicados semelhantes ao da excelente iluminação de Aline Santini.

THE PILOWMAN - O HOMEM TRAVESSEIRO - Texto de Martin McDonagh. Direção de Bruno Guida e Dagoberto Feliz. Com Bruno Autran, Bruno Guida, Daniel Infantini, Flavio Tolezani e Wandré Gouveia. Teatro Poeirinha. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário