Teatro/CRÍTICA
"Uma Ilíada"
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Inesquecível encontro no CCBB
Lionel Fischer
Poema épico cuja autoria é
atribuída a Homero (poeta grego do século VIII a.C.), a "Ilíada"
descreve a Guerra de Troia (entre gregos e troianos) em vinte cantos.
Na obra, Homero conta o penúltimo ano desta guerra, que durou dez anos. Após
sequestrarem a princesa grega Helena, os troianos são atacados pelos gregos.
Depois de anos de batalha, os gregos conseguem vencer, após presentearem os
troianos com um gigantesco cavalo de madeira, o Cavalo de Troia, dentro do qual
estavam escondidos centenas de soldados. De madrugada, os soldados gregos
saíram da barriga do cavalo e dizimaram a cidade inimiga. Porém, vale lembrar
que o episódio do Cavalo de Troia não aparece nos cantos da "Ilíada",
mas apenas na "Odisseia", outro poema de Homero, quando o herói
Ulisses apresenta lembranças desta guerra.
Baseados nesta que constitui uma
das obras mais relevantes da antiguidade, os norte-americanos Lisa Peterson e
Denis O'Hare escreveram "An Iliad" ("Uma Ilíada"), em
cartaz no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil. Bruce Gomlevsky assina a
direção do espetáculo e interpreta o único personagem, que talvez possa ser
definido como um contador de histórias. A tradução ficou a cargo do poeta
Geraldo Carneiro.
Escrito há cerca de três mil anos
e contendo mais de quinze mil versos, a "Ilíada" é considerado não
apenas o mais antigo e extenso documento literário grego que chegou até nossos
dias, mas também a obra fundadora da literatura ocidental e uma das mais
importantes da literatura mundial. Isto posto, caberia a pergunta: seria
possível adaptar a monumental obra para o teatro, condensando-a a ponto de
gerar um espetáculo de pouco mais de uma hora? A resposta é um
entusiasmadíssimo sim! E isto se deve, como explicita Bruce Gomlevsky no
release que me foi enviado, à capacidade dos autores de produzir "uma escrita
acessível e comunicativa para as plateias contemporâneas, sem perder a
profundidade e beleza do texto original".
Abordando uma série de temas,
dentre eles a ganância, a violência, a ferocidade humana, e novamente me
reportando a Gomlevsky, "a necessidade infindável do homem de guerrear,
conquistar e subjugar seu semelhante", a presente obra propicia ao
espectador uma rara oportunidade de refletir sobre algumas de suas questões
essenciais e, quem sabe, a partir dessas reflexões empreender algum movimento
no sentido de interromper essa ancestral tendência que não privilegia a vida,
mas a morte.
Impondo à cena uma dinâmica que,
sem deixar de exibir componentes ritualísticos, consegue estabelecer fortíssima
comunicação com a plateia, Bruce Gomlevsky valoriza ao máximo o excelente
material dramatúrgico, cabendo destacar a forma como explora a excelente
cenografia de sua autoria (um grande círculo composto por velas) e também como
interage com a dramática trilha sonora original de Mauro Berman, executada de
forma primorosa pela contrabaixista Alana Alberg.
Homem de teatro na acepção máxima
do termo (atua, dirige, produz), Bruce Gomlevsky é um ator de exceção. E isto
se deve não apenas aos seus vastíssimos recursos vocais e corporais, à sua
refinada sensibilidade e à inteligência de suas escolhas como intérprete, que
jamais descambam para o previsível. Acredito que existe algo mais em
Bruce Gomlevsky do que apenas um talento avassalador para
representar: sua profunda compreensão do fenômeno teatral, que pressupõe
um visceral encontro entre quem faz e quem assiste. E sua atual performance,
magistral sob todos os pontos de vista, só faz ratificar minha crença de que o
ator é um elemento fundamental no processo de descoberta e transformação do
homem. Assim, agradeço a Bruce Gomlevsky o inesquecível encontro que tivemos, e
peço aos sempre caprichosos deuses do teatro que permitam que este espetáculo,
cuja temporada se encerra na próxima segunda-feira, volte a ser exibido o mais
rapidamente possível e que fique muito tempo em cartaz.
No complemento da ficha técnica,
o poeta Geraldo Carneiro assina, como de hábito, maravilhosa tradução, bem ao
seu estilo, mesclando erudição e humor. A destacar também as preciosas
colaborações de Daniella Visco (direção de movimento), Carol Lobato (figurino),
Derô Martin (efeito especial), Mauricio Grecco (arte e identidade visual) e
Thiago Ristow (projeto gráfico).
UMA ILÍADA - Texto de Lisa
Peterson e Denis O'Hare. Tradução de Geraldo Carneiro. Direção e interpretação
de Bruce Gomlevsky. Teatro I do CCBB. Quarta a segunda, 19h
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