domingo, 20 de dezembro de 2015

Teatro/CRÍTICA

"Uma Ilíada"

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Inesquecível encontro no CCBB



Lionel Fischer



Poema épico cuja autoria é atribuída a Homero (poeta grego do século VIII a.C.), a "Ilíada" descreve a Guerra de Troia (entre gregos e troianos) em vinte cantos. Na obra, Homero conta o penúltimo ano desta guerra, que durou dez anos. Após sequestrarem a princesa grega Helena, os troianos são atacados pelos gregos. Depois de anos de batalha, os gregos conseguem vencer, após presentearem os troianos com um gigantesco cavalo de madeira, o Cavalo de Troia, dentro do qual estavam escondidos centenas de soldados. De madrugada, os soldados gregos saíram da barriga do cavalo e dizimaram a cidade inimiga. Porém, vale lembrar que o episódio do Cavalo de Troia não aparece nos cantos da "Ilíada", mas apenas na "Odisseia", outro poema de Homero, quando o herói Ulisses apresenta lembranças desta guerra.

Baseados nesta que constitui uma das obras mais relevantes da antiguidade, os norte-americanos Lisa Peterson e Denis O'Hare escreveram "An Iliad" ("Uma Ilíada"), em cartaz no Teatro I do Centro Cultural Banco do Brasil. Bruce Gomlevsky assina a direção do espetáculo e interpreta o único personagem, que talvez possa ser definido como um contador de histórias. A tradução ficou a cargo do poeta Geraldo Carneiro.

Escrito há cerca de três mil anos e contendo mais de quinze mil versos, a "Ilíada" é considerado não apenas o mais antigo e extenso documento literário grego que chegou até nossos dias, mas também a obra fundadora da literatura ocidental e uma das mais importantes da literatura mundial. Isto posto, caberia a pergunta: seria possível adaptar a monumental obra para o teatro, condensando-a a ponto de gerar um espetáculo de pouco mais de uma hora? A resposta é um entusiasmadíssimo sim! E isto se deve, como explicita Bruce Gomlevsky no release que me foi enviado, à capacidade dos autores de produzir "uma escrita acessível e comunicativa para as plateias contemporâneas, sem perder a profundidade e beleza do texto original".

Abordando uma série de temas, dentre eles a ganância, a violência, a ferocidade humana, e novamente me reportando a Gomlevsky, "a necessidade infindável do homem de guerrear, conquistar e subjugar seu semelhante", a presente obra propicia ao espectador uma rara oportunidade de refletir sobre algumas de suas questões essenciais e, quem sabe, a partir dessas reflexões empreender algum movimento no sentido de interromper essa ancestral tendência que não privilegia a vida, mas a morte.

Impondo à cena uma dinâmica que, sem deixar de exibir componentes ritualísticos, consegue estabelecer fortíssima comunicação com a plateia, Bruce Gomlevsky valoriza ao máximo o excelente material dramatúrgico, cabendo destacar a forma como explora a excelente cenografia de sua autoria (um grande círculo composto por velas) e também como interage com a dramática trilha sonora original de Mauro Berman, executada de forma primorosa pela contrabaixista Alana Alberg. 

Homem de teatro na acepção máxima do termo (atua, dirige, produz), Bruce Gomlevsky é um ator de exceção. E isto se deve não apenas aos seus vastíssimos recursos vocais e corporais, à sua refinada sensibilidade e à inteligência de suas escolhas como intérprete, que jamais descambam para o previsível.  Acredito que existe algo mais em Bruce Gomlevsky do que apenas um talento avassalador para representar: sua profunda compreensão do fenômeno teatral,  que pressupõe um visceral encontro entre quem faz e quem assiste. E sua atual performance, magistral sob todos os pontos de vista, só faz ratificar minha crença de que o ator é um elemento fundamental no processo de descoberta e transformação do homem. Assim, agradeço a Bruce Gomlevsky o inesquecível encontro que tivemos, e peço aos sempre caprichosos deuses do teatro que permitam que este espetáculo, cuja temporada se encerra na próxima segunda-feira, volte a ser exibido o mais rapidamente possível e que fique muito tempo em cartaz.

No complemento da ficha técnica, o poeta Geraldo Carneiro assina, como de hábito, maravilhosa tradução, bem ao seu estilo, mesclando erudição e humor. A destacar também as preciosas colaborações de Daniella Visco (direção de movimento), Carol Lobato (figurino), Derô Martin (efeito especial), Mauricio Grecco (arte e identidade visual) e Thiago Ristow (projeto gráfico).

UMA ILÍADA - Texto de Lisa Peterson e Denis O'Hare. Tradução de Geraldo Carneiro. Direção e interpretação de Bruce Gomlevsky. Teatro I do CCBB. Quarta a segunda, 19h












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