terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Teatro/CRÍTICA

"O topo da montanha"

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Emocionado e oportuno tributo

Lionel Fischer



Ele foi preso e torturado diversas vezes e sua casa chegou a ser atacada com bombas. Em 1963, reuniu mais de 200 mil pessoas numa marcha em Washington pelo fim da segregação racial - nesta ocasião, proferiu seu discurso mais conhecido, "Eu tenho um sonho", e como resultado destas manifestações nasceram as leis dos Direitos Civis (1964) e dos Direitos de Voto (1965). Em 1964, recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Em 1967, aliou-se aos movimentos contra a Guerra do Vietnã. Em 1968, após realizar na Igreja de Mason (Memphis) um de seus mais belos sermões, deve ter desejado uma noite de merecido repouso no hotel onde se hospedara, pois no dia seguinte apoiaria uma greve de coletores de lixo. Mas tal apoio acabou não se consumando: na manhã seguinte, quando estava na sacada do hotel, um atirador tirou sua vida. 

O trecho acima resume drasticamente a trajetória humana e política de Martin Luther King, assassinado no dia 3 de abril de 1968 quando tinha apenas 39 anos. E o presente espetáculo presta sensível, emocionado e oportuno tributo a um dos homens mais extraordinários do século 20. De autoria de Katori Hall, o texto está em cartaz no Teatro Sesc Ginástico, com direção assinada por Lázaro Ramos (codireção de Fernando Philbert) e elenco formado por Lázaro Ramos e Taís Araujo - a atriz Léa Garcia faz uma participação sonora na pele da mãe de Martin Luther King.

Com a ação ambientada no quarto do hotel, vemos Martin inicialmente aflito por estar sem cigarros e logo iniciando uma relação com uma camareira negra, em sua primeira noite de trabalho. Através da conversa entre ambos, quase sempre impulsionada pela camareira, a plateia entra em contato não apenas com questões fundamentais defendidas pelo líder religioso e notável pacifista, mas também com curiosos aspectos de sua personalidade, aí incluindo-se sua surpreendente (ainda que eventual) fragilidade. A partir de um dado momento, no entanto, o texto dá uma súbita e imprevista reviravolta, que me abstenho de mencionar pois isso privaria o espectador de uma grande surpresa.

Bem escrito, exibindo ótimos personagens e diálogos que mesclam, de forma sempre apropriada e convincente, passagens tensas e outras extremamente engraçadas, o texto recebeu sensível e segura versão cênica de Lázaro Ramos e de seu codiretor Fernando Philbert. Quanto ao elenco, Lázaro Ramos e Taís Araújo exibem aqui uma das melhores performances de suas brilhantes carreiras, contracenando de forma visceral e conseguindo valorizar aos máximo todas as emoções em causa - e por falar em emoção: em 27 anos de crítica teatral, jamais vi intérpretes se emocionarem tanto ao final de uma apresentação, fato que ganha especial relevância quando se sabe que o casal já está em cartaz com esta peça há mais de um ano.

Na equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta séria e oportuna empreitada teatral - Silvio Albuquerque (tradução), EdiMontecchi (preparação vocal), André Cortez (cenografia), Walmyr Ferreira (iluminação), Teresa Nabuco (figurinos), Wladimir Pinheiro (trilha sonora) e Rico e Renato Vilarouca (projeções).

O TOPO DA MONTANHA - Texto de Katori Hall. Direção de Lázaro Ramos (codireção de Fernando Philbert). Com Lázaro Ramos e Taís Araújo. Teatro Sesc Ginástico. Sexta e sábado, 19h; domingo, 18h.






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