terça-feira, 4 de abril de 2017

Teatro/CRÍTICA

"Dias perfeitos"

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Os horrores da psicopatia

Lionel Fischer


"Téo, um jovem solitário estudante de medicina, divide seu tempo entre cuidar da mãe paraplégica e dissecar cadáveres nas aulas de anatomia. Já Clarice é uma jovem de espírito livre que sonha tornar-se roteirista de cinema. Téo fica viciado em Clarice, quer desvendar aquela menina diferente de todas que conheceu. Começa, então, a se aproximar de forma insistente. Diante das seguidas negativas, opta por uma atitude extrema. "

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo de "Dias perfeitos", adaptação teatral do romance homônimo de Raphael Montes. Em cartaz no Teatro Candido Mendes, o livro foi adaptado por César Baptista, também responsável pela direção, estando o elenco formado por Dani Brescianini, Helio Souto Jobim, Arno Afonso, Leonardo Vasconcelos e Virgínia Castellões.

A primeira questão que me parece relevante, e certamente é a que impulsiona a narrativa, diz respeito à relação de Téo com a mãe e com o cadáver que disseca, a quem denomina Gertrudes. A primeira, que perdeu parte de sua capacidade de se locomover, o domina completamente; já a segunda, por razões óbvias, possibilita a Téo dissecar suas entranhas e estabelecer com ela a relação que lhe aprouver. 

Então, quando se depara com Clarice, o protagonista se vê diante de uma situação inusitada: ela não está presa a uma cadeira de rodas, não está preocupada em lhe dar ordens e muito menos em expor suas entranhas, daí o fascínio que gera e que faz aflorar a até então adormecida psicopatia de Téo, que o leva a sequestrar Clarice. 

A partir daí, o espectador assiste a uma sequência de situações (ambientadas em locais como um chalé em Teresópolis e uma praia deserta na Ilha Grande) em que os dois personagens vivem momentos impregnados de violência, sordidez e tortura psicológica, ainda que esta última, em algumas passagens, seja disparada por aquela cujo papel que lhe perecia reservado fosse apenas o de vítima. 

Como não li o original, não tenho condições de avaliá-lo enquanto romance policial. Mas a julgar pela adaptação, certamente se trata de ótima literatura, já que os personagens são muito bem estruturados e os diálogos extremamente pertinentes. No entanto, acredito que o texto poderia ter sido um pouco reduzido, sobretudo no que concerne ao personagem Téo, por razões que serão expostas mais adiante. 

Seja como for, César Baptista constrói uma dramaturgia que prende a atenção do espectador do início ao fim. E como encenador, há que se destacar a criatividade e imprevisibilidade das marcações, a capacidade do diretor de valorizar os múltiplos climas emocionais em jogo e seu domínio dos tempos rítmicos, especialmente nas mudanças de cenário e nas passagens em que o silêncio predomina. 

Com relação ao elenco, Helio Souto Jobim é obrigado a proferir uma quantidade excessiva de palavras, o que não lhe deixa outra opção a não ser a de falar quase sempre em um ritmo muito acelerado, o que inviabiliza maiores nuances. Mas mesmo assim o ator consegue, em várias passagens, materializar a doentia personalidade do psicopata Téo. Dani Brescianini exibe ótima voz, irrepreensível trabalho corporal e forte presença cênica. No entanto, me permito lhe dar um singelo conselho, que, como todos sabemos, é algo que dificilmente alguém segue. Mas...quem sabe?

Acredito que a atriz, quando da apresentação de sua personagem, poderia ser um pouco menos exuberante, falar um pouco mais baixo e num tom menos agressivo, o que, em meu entendimento, em nada comprometeria a personalidade que encarna. E tenho mesmo a impressão de que essa mínima contenção inicial tornaria mais crível o domínio que mais adiante Téo exercerá sobre ela. 

No tocante a Arno Afonso, Leonardo Vasconcelos e Virgínia Castellões, todos exibem atuações seguras e convincentes nos muitos personagens que interpretam, contribuindo de forma decisiva para o enriquecimento da narrativa.

Com relação à equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as excelentes contribuições de Edson FM (iluminação), Igor Alexandre Martins (cenário e figurino) e César Baptista (trilha sonora).

DIAS PERFEITOS - Romance original de Raphael Montes. Adaptação e direção de César Baptista. Com Dani Brescianini, Helio Souto Jobim, Arno Afonso, Leonardo Vasconcelos e Virgínia Castellões. Teatro Candido Mendes. Sexta e sábado, 20h30. Domingo, 19h30.

  




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