sexta-feira, 14 de abril de 2017

Teatro/CRÍTICA

"Falando frangamente"

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Delicioso cardápio no Porão

Lionel Fischer



"O espetáculo solo de Aloisio de Abreu é uma espécie de buffet de humor a kilo, onde, em formato de ato variado, Aloisio fala e canta assuntos de sabores variados. O ator, como uma espécie de garçon cênico, apresenta os pratos escritos num grande cardápio - na verdade, os assuntos que serão desenvolvidos na cena abrangem sexo, língua portuguesa, televisão, cirurgia plástica e dança, dentre outros. O espetáculo é teatro, é performance, é festa, show, dança, drama e celebração".

Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o delicioso cardápio em cartaz na Sala Rogério Cardoso (Porão da Laura Alvim). Ricardo Kosovski responde pela direção do espetáculo e Aloisio de Abreu, além de atuar, assina a concepção, textos e músicas, dividindo a cena com o DJ LC Ambient. 

Dizem que o homem é o único animal que ri - trata-se, em meu entendimento, de suposição duvidosa, pois tenho absoluta certeza de que meu cachorro, em dadas circunstâncias, me sorri de forma inequívoca. Mas admitamos ser verdadeira a máxima que sustenta ser o homem o único animal que ri. No entanto, e isso é inquestionável, há risos e risos. Vamos, então, dividi-los em dois grupos.

Há risos que advém de piadas idiotas, de grosserias patéticas, de melancólicas tentativas de autores que só obtém algum tipo de aprovação das próprias mães - desde que as mesmas sejam possuidoras de infinita compaixão. Em contrapartida, há risos oriundos de um olhar crítico sobre a realidade, em múltiplos de seus aspectos. E são apenas estes que realmente valem a pena, posto que potencialmente capazes de gerar reflexões e não raro imprevistas transformações. E é nesta categoria que se inserem os ótimos textos de Aloisio de Abreu.

Como se sabe, tratados já foram escritos sobre o riso e por pessoas infinitamente mais capazes do que eu. No entanto, e ainda que rubro de modéstia, ouso confessar que pretendo, em breve, escrever um diminuto ensaio (que ninguém lerá) sobre o tema, tendo como pilares a Vergonha e o Alívio. Mas, estando a dita obra ainda em processo de elaboração, por ora me permito apenas ressaltar o que já se sabe, ou seja, que na origem do humor está o desequilíbrio, a momentânea perda do eixo, algo que foge do controle e coloca o sujeito à mercê de fatos que não gostaria de vivenciar.

Digressão feita, e admito que um tanto longa, gostaria de enfatizar minha irrestrita admiração pela extraordinária capacidade de Aloisio de Abreu de enxergar além das aparências, de desprezar o meramente epidérmico e penetrar em camadas mais profundas, ainda que olhares desatentos ou distraídos não o percebam. Cito apenas um exemplo. 

Há um quadro em que três mulheres, que submeteram seus corpos às mais diversificadas plásticas, se alternam cantando uma música. Todos os espectadores se contorcem de rir, porque a cena é realmente engraçadíssima. Mas isso não nos impede de perceber a presença do trágico naquelas mulheres que, em sua ânsia de permanecerem jovens e sempre belas, acabam por se tornar nada além de patéticas caricaturas. Quanto aos demais textos, me abstenho de comentá-los, pois isso privaria o leitor de usufruir impagáveis surpresas. 

No tocante à atuação, considero Aloisio de Abreu um ator completo, na acepção máxima do termo. E se aqui ele nos faz rir, numa outra ocasião nos fará chorar, se assim o desejar. Possuidor de grande carisma, forte presença cênica, ótima voz e impecável trabalho corporal, além disso Aloisio de Abreu responde por ótimas canções, canta esplendidamente e, como se tudo isso não bastasse, permanece lindo como sempre foi.

Com relação à direção de Ricardo Kosovski, não sei até que ponto ela leva seu dedo - no sentido metafórico, naturalmente. Sendo ele um excelente ator e não menos excelente diretor, ainda assim fico curioso a respeito do processo de ensaio. Como terá sido? 

Não sei, evidentemente, mas imagino que, diante de um material dramatúrgico tão interessante e de um ator capaz de fazer qualquer coisa, ainda assim Kosovski tenha feito observações pontuais, proposto algumas alternâncias rítmicas, enfatizado a importância de uma dinâmica que transcendesse o que teoricamente seria apenas um show e assim por diante. Seja como for, é evidente que Kosovski tem que ter sido peça muito importante para o sucesso desta montagem imperdível.

No que concerne à equipe técnica, considero irrepreensíveis as colaborações de Beli Araújo (cenografia), Allinges Tibau (figurino), André Poyart (direção musical) e Nadia Nardini e Tony Nardini (dinâmica corporal).

FALANDO FRANGAMENTE - Concepção, textos e músicas de Aloisio de Abreu. Direção de Ricardo Kosovski. Com Aloisio de Abreu. Sala Rogério Cardoso (Porão da Laura Alvim). Quinta-feira, 21h. 

   








2 comentários:

  1. Oi Lionel..ontem na entrevista da Roquette Pint o te elogiei como um bom crítico de teatro e vc me desmentiu dizendo que é critico de cinema...
    Não entendi nada pois na internet tem várias suas críticas sobre teatro...

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  2. Maurício amigo,

    não me recordo de ter dito que sou crítico de cinema, pois jamais exerci essa atividade. sou crítico de teatro há 28 anos.

    abraços,

    eu

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