terça-feira, 16 de maio de 2017

Teatro/CRÍTICA


"Hollywood"

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O eterno conflito entre Arte e Comércio



Lionel Fischer



Tony Miller acaba de ser promovido a diretor de produção de um grande estúdio cinematográfico, cuja função reside basicamente em selecionar projetos capazes de fazer sucesso. E é o que lhe oferece seu amigo Daniel Fox - uma história ridícula, mas que pode ser protagonizada por um grande astro. Nesse meio tempo, ambos entram em contato com Karen, uma jovem e atraente secretária, que está ali apenas para substituir por um dia a titular do cargo. Tony a encarrega de ler um livro (que poderia se converter em roteiro) e propõe encontrá-la em sua casa. Isso acaba acontecendo e Tony fica totalmente mobilizado com a narrativa que lhe é resumida pela tal secretária. No dia seguinte, comunica a Daniel que não está mais interessado no projeto que ele lhe apresentou. E a partir daí, os conflitos se estabelecem.

Eis, em resumo, o enredo de "Hollywood", terceira peça da Trilogia Mamet, idealizada pelo diretor Gustavo Paso e a Cia. Teatro Epigenia. De autoria de David Mamet, o texto está em cartaz no Teatro Poeira, com direção de Paso e elenco formado por Cláudio Gabriel (Tony Miller), Luciana Fávero (Karen) e Gustavo Falcão, que faz o papel de Daniel Fox às quintas e sextas, cabendo a Ricardo Pereira representá-lo aos sábados e domingos - assisti o espetáculo com Gustavo Falcão.

Se por um lado fica claro, como bem exposto no release que me foi enviado, que o tema central da peça é o eterno confronto entre Arte e Entretenimento, com digressões a respeito do papel das artes no mundo e qual seria a fronteira entre arte e comércio, acredito que o mundialmente aclamado texto de David Mamet contém aspectos bastante questionáveis. Vamos, pois, a eles.

Estamos diante de um homem que trabalha há 11 anos na indústria cinematográfica e que acaba de ser promovido ao importante cargo de diretor de produção, como já foi dito. Ao tomar conhecimento do projeto que lhe é apresentado por seu amigo, e embora o considere ridículo, percebe seu potencial de gerar dinheiro, desde que protagonizado por um astro e então se mostra disposto a dar seu aval. Até aí, nenhuma questão, nenhuma novidade, pois de uma maneira geral os grandes estúdios cinematográficos norte-americanos, quando trabalham com vultosos orçamentos, visam fundamentalmente o lucro.

No entanto, quando Tony Miller está na casa da secretária e ela lhe resume o conteúdo do livro - fala-se de amor, fraternidade, de significativas descobertas interiores, da relação que podemos ter com o planeta e assim por diante -, o executivo fica tão tocado que resolve produzir a história, abortando a que lhe foi proposta por seu amigo. E mesmo que, ao longo das discussões posteriores que ambos travam, fique claro que Tony detém poder suficiente para produzir filmes de baixo orçamento sem consultar seu chefe, me pareceu totalmente implausível o abalo que ele sofre com uma história que aborda questões que, ao menos em princípio, não seriam capazes de abalar um homem cujo perfil é o de alguém cuja função não é a de levar em conta belos sentimentos e sim o lucro.

Outra questão diz respeito à reviravolta final. Ainda no início da trama, e diante de uma secretária jovem e atraente, os dois executivos fazem uma espécie de aposta: Tony garante ao amigo que ainda naquela noite irá se encontrar com Karen na casa dela. Com que objetivo? Ouvir o que ela achou do livro? É óbvio que não, o que já indicaria o caráter em geral execrável daqueles que detêm um grande poder. Mas ambos acabam não transando, possivelmente em função do já mencionado abalo do executivo. 

No entanto, e já perto do desfecho, Daniel pergunta à secretária se ela teria se envolvido com Tony se ele se dispusesse a produzir um filme baseado no livro. Ela diz que sim. Atônito, Tony faz a pergunta inversa, ou seja, se ela teria se envolvido com ele mesmo que o livro jamais chegasse às telas. Ela responde que não. E então é expulsa da sala com grande virulência. E os dois amigos, após terem trocado insultos e agressões, acabam se entendendo - afinal, são essencialmente homens de negócio...

Ressalvas feitas, é inegável a habilidade de David Mamet de criar excelentes diálogos e explorar pertinentes contradições inerentes à contemporaneidade. E a montagem de Gustavo Paso, em termos de dinâmica cênica, valoriza com vigor os conflitos em causa, valendo-se de marcações que surpreendem ora pela virulência, ora pela imprevisibilidade. No entanto, no que concerne ao seu trabalho junto ao elenco, me permito um questionamento, referente à performance de Gustavo Falcão.

Falcão é um ator de reconhecido mérito, que sempre se entrega de forma visceral a todos os personagens que interpreta. No entanto, aqui ele trabalha numa chave (certamente aprovada ou estimulada pela direção) tão exasperada, tão paroxística, seja em termos vocais quanto corporais, que acaba reduzindo Daniel Fox a um ser cuja permanente histeria inviabiliza qualquer tipo de sutileza. Luciana Fávero defende uma personagem em cuja essência repousa a dubiedade. Se por um lado Karen aparenta ser uma mulher do bem, supostamente interessada em preciosas questões relativas ao afeto e a comunhão entre as pessoas, ao mesmo tempo, quando é desmascarada, exibe uma impressionante frieza. Em ambas as situações a atriz exibe segura e precisa atuação. Quanto a Cláudio Gabriel, e mesmo levando-se em conta meus questionamentos a respeito da essência do caráter do personagem, ainda assim o ator o valoriza ao máximo, tanto nas passagens em que encarna o cínico e frio executivo quanto naquelas em que ameaça se desestruturar em função de algo que, como já foi dito, em minha opinião jamais o desestruturaria.

No tocante à equipe técnica, considero de excelente nível as contribuições de Flávio Marinho e Gustavo Paso (tradução), Gustavo Paso (cenografia), Sônia Soares (figurinos), Paulo Cesar Medeiros (iluminação) e André Poyart (trilha sonora).

HOLLYWOOD - Texto de David Mamet. Direção de Gustavo Paso. Com Ricardo Pereira e Gustavo Falcão (alternando-se no mesmo personagem), Cláudio Gabriel e Luciana Fávero. Teatro Poeira. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h.    






     



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