terça-feira, 26 de junho de 2018

Teatro/CRÍTICA

"Vou deixar de ser feliz por medo de ficar triste?"

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Amor, humor e lirismo



Lionel Fischer



Tendo como fonte inspiradora a verídica história de amor de Yuri Ribeiro e Claudia Wildberger, a peça mescla referências e passagens da vida do casal. Mas tudo nos é apresentado em um universo de fábula, que contribui de forma decisiva para a valorização do enredo e dos múltiplos climas emocionais em jogo.

De autoria de Yuri Ribeiro, "Vou deixar de ser feliz por medo de ficar triste?" está em cartaz no Teatro das Artes. Yuri Ribeiro também responde pelo argumento - em parceria com Claudia Wildberger - e está em cena ao lado de Paula Burlamaqui, Vitor Thiré e Jujuba. Jorge Farjalla assina a direção do espetáculo.

O primeiro ponto que gostaria de destacar diz respeito à coragem dos responsáveis pelo argumento não tanto no sentido de abordarem sua própria história, mas de deixarem bem claro que o amor pode - e realmente deve - transcender as amarras impostas pelas convenções. No presente caso, a relação de um jovem com uma mulher mais velha.

De uma maneira geral, sempre que se deparam com uma relação como essa, o que pensam 99% das pessoas? Ela deve ser rica e ele pobre. Ou ele é bom de cama e ela uma mulher carente. Ou ambas as coisas e mais uma infinidade de variantes, que desprezam o que deveria ser encarado com naturalidade, ou seja: duas pessoas estão se amando e ponto. Se há uma razoável diferença de idade, o que temos a ver com isso? 

No entanto, no caso de o homem ser bem mais velho do que a mulher, o percentual de preconceito cai significativamente, posto que aí o lastimável machismo que ainda predomina entre nós tende a valorizar o homem, cujas supostas virtudes seriam de tal magnitude que a jovem em questão não hesitou em renunciar aos homens de sua idade. Mas, ainda assim, retrógrados de plantão haverão de pensar: "Há algo de estranho aí. Esse homem deve ser muito poderoso ou muito rico. Ou ambas as coisas..."

Mas o amor, se verdadeiro for, acaba se materializando, sobrepondo-se a todos os questionamentos advindos de mentes medievais, aos quais se agregam diversos sentimentos, sendo o mais execrável o da inveja - ou será que ninguém já reparou o quanto se ressente, por exemplo, um casal que não se ama ante um outro que esbanja felicidade? Este ressentimento é sobretudo constatável em restaurantes, quando alguns casais não conseguem trocar meia dúzia de palavras, tendo à sua frente um outro de cujo cardápio constam risos e delicadas carícias. Enfim...passemos ao texto, após as divagações acima - se  excessivas, por elas me desculpo. 

Yuri Ribeiro escreveu uma belíssima peça, cujo maior mérito é a extrema sensibilidade e delicioso humor com que aborda variados temas - dentre muitos outros, a relação entre mãe e filho, a dificuldade dele em aceitar que sua mãe se relacione com um homem "que poderia ser meu irmão", o desejo da mulher, ainda que inicialmente hesitante, de se deixar levar por um sentimento que não consegue negar. Contendo ótimos personagens e uma ação que cativa o espectador do início ao fim, a peça é sem dúvida uma das melhores da atual temporada.

Com relação à montagem, a opção do diretor Jorge Farjalla de priorizar a fábula contribui decisivamente para o estabelecimento de uma atmosfera impregnada de humor, delicadeza e lirismo, demonstrando com inequívoca clareza que o universo cotidiano pode conter inestimáveis doses de poesia. E cabe também destacar seu precioso trabalho junto ao elenco.

Paula Burlamaqui exibe aqui uma das melhores performances de sua carreira, extraindo todo o potencial de sua excelente personagem, tanto nas passagens mais dramáticas quanto naquelas em que o humor predomina - afora isso, é inegável que está cada vez mais linda. Yuri Ribeiro também está irrepreensível na pele do jovem cheio de aspirações e sonhos, de início um tanto imaturo e finalmente sabendo exatamente o que deseja. Vitor Thiré encarna diversos personagens, exibindo grande carisma e notável versatilidade. Quanto a Jujuba, o ator, ainda que pouco fale, é uma presença fortíssima, trabalhando com igual maestria o humor e o patético inerentes ao personagem, cabendo também destacar sua sensibilidade quando toca acordeão, o que acontece praticamente ao longo de toda a montagem. 

Na equipe técnica, José Dias responde por irrepreensíveis direção de arte e cenografia, sendo esta última, cuja atmosfera contém algo de circense, uma das mais belas e poéticas já executadas por um dos melhores profissionais do país em sua especialidade. O mesmo brilho se faz presente nos maravilhosos figurinos criados por Jorge Farjalla (também responsável pela impecável preparação corporal), na excelente preparação vocal de Patrícia Maia, na lindíssima trilha sonora de João Paulo Mendonça e na expressividade do visagismo a cargo de Rosa Bandeira.

VOU DEIXAR DE SER FELIZ POR MEDO DE FICAR TRISTE? - Texto de Yuri Ribeiro. Argumento de Yuri e Claudia Wildberger. Direção de Jorge Farjalla. Com Paula Burlamaqui, Yuri Ribeiro, Vitor Thiré e Jujuba. Teatro das Artes. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.         



  


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