Teatro/CRÍTICA
"Cuidado quando for falar de mim"
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Corajoso brado contra o preconceito e a discriminação
Lionel Fischer
Embora só tenha sido oficialmente identificada em 1981, estudos demonstram que a AIDS surgiu por volta de 1930. E o que vem a ser ela? É causada pelo vírus HIV, que interfere na capacidade do indivíduo de combater infecções. Inicialmente gerando efeitos devastadores, já há algum tempo a doença - ainda que não tenha cura - pode ser controlada através de tratamentos que impedem a multiplicação do vírus. Ou seja: os infectados, desde que não negligenciem o tratamento, podem levar uma vida normal. Mas como a sociedade se relaciona com eles? Já não são mais discriminados? Já não mais padecem do estigma em torno da doença, posto que uma de suas formas de transmissão se dá pela prática de sexo não seguro, ou seja, sem preservativo?
As questões acima formuladas, assim como outras - relações abusivas, dificuldade de se entregar ao amor, o livre arbítrio para abortar ou não etc. - estão na essência de "Cuidado quando for falar de mim", em cartaz na Sede das Cias até o próximo domingo. De autoria de Caroline Lavigne, a peça tem direção assinada por Ricardo Santos, estando o elenco formado por Higor Compagnaro, Juracy de Oliveira, Laura Araújo, Maurício Lima, Nina da Costa Reis, Taye Couto e Whiverson Reis - Jordhan Lessa faz participações em vídeos..
Embora aqui não exista uma narrativa no sentido convencional do termo, posto que as histórias apresentadas são independentes, cumpre registrar que as mesmas são intercaladas por vídeos protagonizados por Jordhan Lessa, que aborda com segurança e tranquilidade alguns aspectos instigantes de sua trajetória - não entro aqui em maiores detalhes pois isso privaria o espectador de comoventes e impactantes surpresas.
Com relação à dramaturgia propriamente dita, são apresentadas quatro cenas. Na primeira estamos diante de uma reunião de acolhimento de pessoas vivendo e convivendo com HIV. Em seguida tudo gira em torno de uma mulher que, cansada de ser tratada abusivamente pelo marido, encontra abrigo - físico, amoroso e espiritual - com uma vizinha; mas finalmente ela resolve voltar para o marido, ingenuamente acreditando que ele pode ter mudado. A terceira cena tem o aborto como tema. E na que encerra o espetáculo uma prostituta aceita o convite de um policial para viver com ele, com a condição de que ela jamais abra uma determinada mala. Por que será que ele faz esse pedido?
Contendo pertinentes reflexões sobre os temas abordados, o ótimo texto de Caroline Lavigne recebeu sensível e criativa versão cênica de Ricardo Santos. E além disso muito corajosa, à medida que trabalha os conflitos de tal forma que nos faculta o indispensável tempo para absorvê-los e vivenciá-los. Neste sentido, o encenador confere ao silêncio um imenso potencial expressivo. Mas isto não significa que não haja passagens de ritmo acelerado, mas mesmo nessas há momentos de suspensão que geram instigante dúvida na plateia com relação ao que virá em seguida.
Com relação ao elenco, todos os profissionais que estão em cena exibem ótimos desempenhos, visceral capacidade de entrega e a certeza de que acreditam totalmente na relevância do projeto que ajudaram a materializar. A todos, portanto, parabenizo com o mesmo entusiasmo e a todos agradeço pelo precioso encontro que tivemos.
Na equipe técnica, considero irrepreensíveis as colaborações de Isabella Raposo (vídeos), Tatiana Rodrigues (figurino), Rodrigo Marçal (direção musical), Eugenio Oliveira (iluminação) e Josué Ribeiro (programação visual).
CUIDADO QUANDO FOR FALAR DE MIM - Texto de Caroline Lavigne. Direção de Ricardo Santos. Com Higor Compagnaro, Juracy de Oliveira, Laura Araújo, Maurício Lima, Nina da Costa Reis, Taye Couto, Whiverson Reis e Jordhan Lessa (participação em vídeo). Sede das Cias. Sexta e sábado, 20h. Domingo, 19h.
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