Cenas para Estudo
“A cerimônia do adeus”
(Mauro Rasi)
(trecho da cena 1, ato I). OBS: aqui Juliano é ainda
um adolescente
ASPÁZIA – Abre a boca! Abre a boca!
JULIANO – O que é isso? Me larga!
ASPÁZIA – Bebeu: tô sentindo daqui!
JULIANO – Foi gemada que eu tomei, com vinho do
Porto.
ASPÁZIA – Cínico! Seu primo contou que você bebe na
escola! (Agarrando a bolsa dele e remexendo.) Solta! Deixe eu ver o que tem aí
dentro!
JULIANO – Não tem nada aí. Tem só caderno, lápis...
ASPÁZIA (Encontrando uma garrafa) – Conhaque? Então
é verdade? Bebendo conhaque na escola, ordinário, cafajeste! E eu não queria
acreditar...
JULIANO – Olha aí: tá deixando cair tudo...
ASPÁZIA – O que é isso aqui? (Folheando.) Cheio de
vagabunda nua!
JULIANO (Tomando de volta) – Meu ‘Cahier du Cinema’.
ASPÁZIA – Fazendo seu pai gastar dinheiro: se não
quer estudar, vai trabalhar, vagabundo! O que é isso aqui: ‘O Estrangeiro’?
Isso é coisa da escola?
JULIANO – Foi a professora de francês que pediu,
para fazer um trabalho sobre Camus...
ASPÁZIA – Vá atrás dessa gente, desses escritores:
belas idéias tão te enfiando na cabeça! O piano tá lá: fechado! Nunca mais
tocou nele. A freira me telefonou, dizendo que você nem aparece mais no
Conservatório! Olha só pros seus dedos: tudo manchado de nicotina! E não era
você que dizia que ia ser concertista, que ia ser um Rubinstein?
JULIANO – Desisti: agora quer ter a bondade de me
devolver o Camus?
ASPÁZIA – Eu vou queimar isso!
JULIANO – Como já queimou os meus Ginsberg, os meus
Faulkner, os meus Gide, os meus...
ASPÁZIA – Faço isso pro seu bem. Essa literatura
está te deixando doente. Olha pro seu estado: amarelo, abatido, pálido, magro,
cheio de olheiras de tanto ficar trancado naquele maldito quarto. Parece um
velho!
JULIANO – Estou destinado à literatura! Quero ser ao
mesmo tempo Spinoza e Stendhal.
ASPÁZIA – Vai namorar, menino! Vai se divertir! Vai
sair com as moças! Larga essa vagabunda francesa...
JULIANO – Que ‘vagabunda francesa’?
ASPÁZIA – Essa tal de Simone de Buvuá. (Faz careta
de desdém.) Ah, mas eu vou entrar lá dentro, abrir bem aquela janela, arejar
bem aquele túmulo, pegar aquelas porcarias todas e fazer uma fogueira!
JULIANO (Erguendo, ameaçadoramente, a garrafa contra
ela) – Pára! No meu quarto, ninguém entra!
ASPÁZIA – Ergue a mão pra sua mãe: ergue, indecente
– que Deus te dá um castigo que você vai ver só!
JULIANO – Olha que eu queimo os seus livrinhos de
sacanagem, hein? (Aspázia olha-o, surpresa. Ele confirma.) De sacanagem, sim,
que a senhora lê e a tia Brunilde tem. E não adianta encapar eles e esconder
não, que eu achei ‘O Garanhão’ e ‘Os Insaciáveis’ de Harold Robbins! Vocês já leram
a obra completa dele!
ASPÁZIA – Tá querendo dar um show, tá? Dá: dá logo
um show para a vizinhança toda ouvir e saber o demônio que você é.
JULIANO – Sua obscurantista! Sua Hitler!
ASPÁZIA – Ofende! Ofende que eu te dou um tapa na
cara e ainda deixo a marca da minha mão no seu rosto, demônio!
JULIANO (Puxando) – Larga o meu livro, sua puta!
(Aspázia dá-lhe uma bofetada no rosto.) Rasgou! Rasgou! Agora eu vou rasgar o
seu! (Corre para apanhar o livro escondido.).
ASPÁZIA – Juliano: é da sua tia! Larga! Lar...
(Dá-lhe várias bofetadas no rosto.).
JULIANO (Chorando) – É por isso que eu não gosto de
voltar pra casa. Essa casa é um inferno! Um inferno! (Corre para o quarto.).
ASPÁZIA – Juliano! Juliano!... (Ele entra no quarto,
que está totalmente escuro, fecha a porta, ofegando. Volta-se e acende a luz.).
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“A lira dos vinte anos”
(Paulo Cesar Coutinho)
Ato
I, Cena 1
DIOGO – Lucas! Lucas!
LUCAS – Você não vem estudar?
DIOGO – Hoje não dá, ta uma lua incrível, desce
aqui.
LUCAS – Amanhã tem prova.
DIOGO – Esquece um pouco esse vestibular, quero
falar com você.
LUCAS – Peraí. (Desce)
DIOGO – Acabei de ler o Maiakovski. Os brocratas só
podiam mesmo odiar um poeta daqueles, eles mataram o cara. Eu entendi tudo.
LUCAS – Tudo o quê?
DIOGO – Tudo. Olha que lua incrível. Eu quero essa
luz pro meu filme. Você ama Godard? Eu amo, é um gênio, revolucionou o cinema.
LUCAS – Diogo, posso te falar uma coisa?
DIOGO – Claro, fala!
LUCAS – Você não acha que o mar tem a ver com
liberdade?
DIOGO – Acho. Você já resolveu o que vai fazer na
vida?
LUCAS – Diogo, eu quero fazer a Revolução.
DIOGO – Você não tem medo de morrer?
LUCAS – Não...tenho medo de não viver.
DIOGO – Por que você resolveu estudar História?
LUCAS – Pra entender as coisas. Você também, não é?
DIOGO – É, mas às vezes eu não sei se é por isso. A
História deles é o contrário da vida.
LUCAS – Mas pra gente é uma arma. Outro dia
perguntaram na prova em que ano caiu o Império Romano do Ocidente. Avaliando
que a gente, os bárbaros, já estamos às
portas da Universidade, respondi que o Império vai cair agora, em 68.
DIOGO – Avaliando que quem corrije as provas é a
civilização decadente, você vai é levar pau no vestibular. Cara, você voa
durante as aulas, não sei como é que se dá bem. Quando entrei pro curso te
achei muito estranho.
LUCAS – Eu também te achei diferente, tão sério com
17 anos...às vezes o professor tava lá falando e eu ficava te olhando...
DIOGO – Eu notava que você me olhava. Por quê?
LUCAS – Eu gosto de olhar as pessoas...mas você
também me olhava. Por quê?
DIOGO – Também gosto de olhar as pessoas. Gosto de
te olhar, sim. E isso me dá medo.
LUCAS – Por que medo?
DIOGO – Porque é novo, não sei definir, não sei
aonde vai me levar...e de todo jeito eu quero ir.
LUCAS – Eu também tinha medo que você não sentisse
assim, que a gente nunca fosse conversar sobre isso.
DIOGO – Uma vez, quando eu era garoto, meu pai me
pegou abraçado com outro menino. Botou ele pra fora de casa e me deu uma surra.
Nem sabia por que tinha apanhado, e nós nunca mais falamos nisso. Tive
namoradas e gostava delas, mas nunca deixei de achar que o amor acontece com
qualquer pessoa, assim...
LUCAS – É, o amor acontece assim...
DIOGO – E agora quero correr todos os riscos por
você.
LUCAS – Me dá um beijo (Diogo beija Lucas na boca)
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As Guerreiras do Amor
(Aristófanes, adaptação de Domingos Oliveira)
CENA 11
(Cinésias entra)
CINÉSIAS - Oh! destino mau! Estou tonto de desejo. Não ando, latejo. Eu não sou eu, sou meu pau. (Mirrina põe um pano sobre a cabeça)
MIRRINA -
Bom dia, cidadão.
CINÉSIAS
- Por piedade, vá buscar Mirrina. Sou o marido dela.
MIRRINA -
Sua esposa não tira seu nome da boca. Quando tem fome, colhe no pé uma cereja e
diz: “Ah, se Cinésias estivesse aqui...”.
CINÉSIAS -
Ela fala assim? Vá chamá-la depressa.
MIRRINA
(Tirando o pano) - Se eu for, o que
você dá para mim?
CINÉSIAS
- Mirrina! Sei de teu compromisso, mas tens de me satisfazer.
MIRRINA
- Tire a mão de cima de mim. Não dei permissão.
CINÉSIAS
- Mas nosso amor não te importa?
MIRRINA
- Não enquanto continuar a guerra.
CINÉSIAS
- Então acabamos com ela! Mas antes vem cá e deita comigo.
MIRRINA
- Está bem. Mas onde poderíamos deitar. Aqui no chão?
CINÉSIAS
- Nunca vi pedras tão macias.
MIRRINA
- Mas aqui é descampado, vão nos ver...
CINÉSIAS -
Então ali, na gruta de Pã.
MIRRINA
- Depois de tantos meses, seria um desperdício. Espera, vou buscar o colchão. (Sai)
CINÉSIAS
- Não precisa! (À platéia) Ela vai
ceder!
MIRRINA
(Volta) - Aqui está. Agora não falta
nada. Já volto. (Sai).
CINÉSIAS
- Mirrinha, tem dó.
MIRRINA
(Volta) - Pronto, pode deitar. Meu
Deus, será possível que nem um travesseiro você mereça? Afinal são dois meses
de espera. (Sai)
CINÉSIAS -
Pra quê que eu vou deitar a cabeça?
MIRRINA
(Volta) - Pronto, agora já tem tudo,
meu amo e senhor. Mas, por Zeus...estou tonta de emoção, como fui esquecer o
cobertor? (Sai)
CINÉSIAS
- Quem está com frio? Eu ardo!!!
MIRRINA (Voltando) -
Não quer um pouco de perfume?
CINÉSIAS
- Com esse vai e vem, temo a ejaculação precoce.
MIRRINA -
Querido, agora está tudo aqui. Uma cama feita e uma mulher sabida. Você já me
prometeu muita coisa que não cumpriu. (Sai)
CINÉSIAS
- Puta que o pariu! Não tem solução!
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OS SETE GATINHOS
(Nelson Rodrigues)
CENA 24, um pouco reduzida
(Quarto de Silene)
AURORA – Quem é o cara?
SILENE – Viajou.
AURORA – Escuta: você confia em mim?
SILENE – Confio.
AURORA – Então quero saber tudinho!
SILENE – Depende.
AURORA – Depende, não senhora! Se você começar a me
esconder os troços, eu largo você de mão e olha: depois do que houve quem é
aqui tua amiga no duro e te defende?
SILENE – Eu sei que você gosta de mim, nunca neguei!
AURORA – Então me diz o nome dele.
SILENE – Se ele é casado e não pode casar outra vez?
Que interessa o nome?
AURORA – Você é menor e ele tem responsabilidade!
SILENE – Faz de conta que eu digo o nome e vocês
fariam o quê?
AURORA – É o seguinte: eu tenho um namorado que não
custa pra dar uma surra, ou, até, liquidar um cara!
SILENE – Vocês então mandariam dar uma surra no
meu...
AURORA – Surra, uma conversa! Um tiro! Uma bala!
SILENE – Matar?
AURORA – O cara leva um tiro sem saber como e fica
por isso mesmo!
SILENE – Ele não tem culpa! A culpada sou eu!
AURORA – Abusou de você, uma menina, uma criança! É
um canalha!
SILENE – Não! Não! (Abraça-se aos joelhos da irmã)
AURORA – Mas que é isso? Maninha, levanta! (Silene ergue-se)
SILENE – Aurora, agora eu sou mulher igual a vocês e
até mais, porque estou grávida! Quero saber de ti o seguinte: você tem
namorado. Gosta dele? É amor?
AURORA – Demais.
SILENE – Pois se você ama, eu também amo! Ele não é
canalha, não! Fui eu que insisti e quis ter o filho!
AURORA – Ele te desgraçou!
SILENE – Pelo contrário! Eu não sou desgraçada! Você
é desgraçada?
AURORA – Não, eu feliz!
SILENE – E eu também!
AURORA – Escuta: o que ninguém entende é como você,
interna, sem sair, e foi acontecer isso! Você conheceu o rapaz onde? Ou já
conhecia?
SILENE – Não conhecia.
AURORA – É do colégio?
SILENE – Mora perto.
AURORA – Continua.
SILENE – O colégio dá fundos para a casa dele. Ele
passava sempre pela calçada e, uma vez, me olhou.
AURORA – Bonito?
SILENE – Lindo!
AURORA – E vocês se encontravam onde?
SILENE – A gente conversava no muro, que é meio baixo.
E um dia eu pulei o muro e...
AURORA – Mas que perigo!
SILENE – Fomos para a casa dele, pro quarto da
empregada, que estava de folga. A mulher dele não sai da cama.
AURORA – Que falta de juízo!
SILENE – Eu disse que ele é diferente dos outros,
porque tem a lágrima mais linda que eu já vi!
AURORA – Já chorou na tua frente?
SILENE – Ele estava me beijando e, de repente,
começou a soluçar, depois foi parando...e eu vi uma lágrima, aqui, no cílio...
AURORA – Uma lágrima? Ele chora por um olho só?
SILENE – E quando ele passa, na calçada do colégio,
as meninas dizem: “Lá vem o homem vestido de virgem!”
AURORA – Por que “vestido de virgem”?
SILENE – Porque só usa terno branco!
AURORA – Anda de branco e chora por um olho só!
SILENE – E, na última vez, fomos a um apartamento em
Copacabana e...
AURORA – Chega. Não preciso saber mais nada!
SILENE – Mas eu não te disse o nome dele.
AURORA – Não interessa o nome! (Vai para a porta)
SILENE – Tem um apelido gozado!
AURORA – Não quero saber, nem de nome, nem de apelido!
SILENE – Mas eu confio em ti!
AURORA – Deixa pra lá! Escuta: você não me sai do
quarto, não fala, não diz nada. Resolvo tudo. Vou lá, invento um troço, digo
que o homem viajou...
SILENE – Aurora, você é um anjo! E olha: você vai
ser madrinha do meu filho, eu faço questão! (Aurora sai do quarto)
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(Tchecov)
Cena de Ânia e Vária (Ato I)
Vária - Graças a Deus vocês chegaram! Até que enfim! Você,
aqui em casa comigo. (Acariciando Ânia).
Meu coração voltou, minha lindeza!
Ânia - Eu já estava que não podia mais.
Vária - Imagino!
Ânia - Saí daqui na Semana Santa, fazia um frio! A Carlota falando sem parar, a viagem toda, fazendo mágicas. Por que é que você foi me arranjar essa Carlota?
Vária - Uai, você não podia viajar sozinha, menina. Com 17 anos!
Ânia - Chegamos a Paris. Frio, neve. Eu falo francês pessimamente, uma vergonha. Mamãe mora num quinto andar, eu chego e encontro uns franceses - senhoras, um padre velho com um livro, tudo cheio de fumaça de cigarro, tudo revirado. De repente fiquei com uma pena de mamãe, tanta pena. Me abracei com ela e peguei a cabeça dela nas mãos e não queria mais largar. Depois mamãe me abraçou e ficou chorando sem parar...
Vária (Entre lágrimas) - Não conte, não conte...
Ânia - Já tinha vendido a casa perto de Menton, não sobrou nada! E eu também sem um níquel, mal deu para chegarmos lá. E mamãe não compreende! Fomos jantar no buffet da Estação, ela pedia os pratos mais caros, dava a cada garçon um rublo de gorjeta! E Carlota, a mesma coisa! E o Iacha também. Pedia um prato especial. Só para ele. Um horror! O Iacha agora é empregado de mamãe, tivemos de trazê-lo conosco.
Vária - Eu já vi o malandro.
Ânia - E então? Vocês pagaram os juros?
Vária (Negando) - Qual nada.
Ânia - Ah, meu Deus, meu Deus...
Vária - Em agosto a fazenda vai a leilão.
Ânia - Meu Deus...
Lopakhin (Olha pela porta e bale) - Mée...é...é...(Sai)
Vária - Só queria dar uma surra nele! (Ameaça a porta com o punho)
Ânia (Baixinho, abraçando-a) - Vária, ele já te pediu em casamento? (Vária sacode negativamente a cabeça) Mas ele gosta de você. Por que é que vocês não se explicam, o que é que estão esperando?
Vária - Acho que não dá em nada não. Ele está sempre ocupado, não tem tempo pra mim, nem me percebe. Deixa pra lá, eu nem quero vê-lo. Todo mundo falando em nosso casamento, cumprimentando, e na realidade mesmo não existe nada...é como se fosse um sonho. (Mudando de tom) Que broche engraçado esse seu. Parece uma abelhinha.
Ânia (Triste) - Mamãe comprou. (Vai para seu quarto e fala alegremente, como uma criança) Em Paris eu subi de balão! Voei...!
Vária - Meu coraçãozinho voltou, minha lindeza voltou! (Duniacha já veio com a cafeteira e prepara o café. Vária está perto da porta de ânia) E eu, meu bem, o dia inteiro lidando na casa, andando de um lado pro outro e sonhando. Sonhando que casava você com um ricaço e eu ficava descansada, ia fazer um retiro e depois saía em romaria, visitava Kiev, Moscou, todos os lugares santos, de um para o outro, a vida inteira, que felicidade!
Ânia - Os passarinhos estão cantando no jardim. Quantas horas?
Vária - Quase três. Você já devia estar dormindo, meu bem. (Entrando no quarto de Ânia) Que felicidade!
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