Teatro/CRÍTICA
"A última ata"
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Retrato implacável dos bastidores do poder
Lionel Fischer
"Onde foi parar a última ata? Por que o vereador César não faz mais parte desta câmara? As menores cidades guardam os maiores segredos. A trama, que tem um mistério como fio condutor, apresenta como pano de fundo o disparate coletivo dos vereadores da câmara local. Um dos temas centrais é até que ponto estamos dispostos a ir para não nos descobrirmos do lado errado da História".
O trecho acima, extraído do ótimo release que me foi enviado pelo assessor de imprensa Guilherme Scarpa, sintetiza o contexto de "A última ata", de autoria de Tracy Letts, em cartaz no Teatro das Artes. Victor Garcia Peralta assina a direção da montagem, que tem elenco formado por Alexandre Dantas, Alexandre Varella, Analu Prestes, Ary Coslov, Débora Figueiredo, Dedina Bernardelli, Leonardo Netto, Marcelo Aquino, Mario Borges, Roberto Frota e Thiago Justino.
Como todo grande dramaturgo, Tracy Letts não tem pressa em deixar claro quais são seus reais objetivos. Portanto, inicialmente tudo se resume a duas insistências de um vereador recém chegado à câmara: que lhe facultem o acesso à última ata e que alguém lhe informe porque o vereador César não está presente. Mas só recebe respostas evasivas, ainda que aparentemente visando saciar a dupla curiosidade.
Passado este primeiro momento, a sessão se inicia. E então o autor nos brinda com um quadro deliciosamente crítico, tão bizarras são as pautas apresentadas pelos vereadores, sendo tal bizarrice acentuada pela gravidade com que são postas em discussão. Este segmento é muito engraçado, mas seu humor não se estende em demasia porque o recém chegado vereador continua insistindo para que alguém responda às perguntas que fez no início. Seria ele apenas um burocrata obstinado ou no fundo ele intui que algo de muito grave possa ter ocorrido?
É claro que não darei aqui nenhum spoiler (palavra linda e muito em moda), e no máximo posso adiantar que a trama acaba enveredando por caminhos bem mais sombrios do que se poderia supor. E que retratam, de forma implacável, as não raro deploráveis ambições daqueles que detêm algum poder.
Com relação ao espetáculo, Victor Garcia Peralta impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Através de marcas muito criativas e expressivas, o encenador consegue valorizar todos os climas emocionais em jogo, cabendo também destacar sua notável capacidade de trabalhar o silêncio. E, como de hábito, extrai ótimas atuações do numeroso elenco.
Aos que me acompanham (se é que alguém me acompanha) ao longo destes 34 anos de exercício da crítica teatral, é possível que já tenham reparado que sou completamente apaixonado pela dificílima arte de representar. E neste quesito, como já disse incontáveis vezes, nossos intérpretes nada ficam a dever aos melhores do mundo. Portanto, em nada me surpreende a excelente performance de todos que integram esta mais do que oportuna montagem, e a todos agradeço pelo precioso encontro que me proporcionaram.
No tocante à equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as preciosas colaborações de todos os envolvidos nesta empreitada teatral - José Pedro Peter (tradução), Julia Deccache (cenografia), Thiago Ribeiro (figurinos), Andréa Zeni (sonoplastia) e Ana Luiza de Simoni, que assina aqui seu mais expressivo trabalho de iluminação.
A ÚLTIMA ATA. Texto de Tracy Letts. Direção de Victor Garcia Peralta. Com grande elenco. Teatro das Artes. Sexta e sábado às 21h e domingo às 20h.
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