Teatro/CRÍTICA
"Três mulheres altas"
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Obra-prima em versão irrepreensível
Lionel Fischer
Após um longo período relegado ao esquecimento, o dramaturgo norte-americano Edward Albee (1928-2016), autor, dentre outras obras, de "The zoo story", "Quem tem medo de Virgínia Woolf", "Um equilíbrio delicado" - literalmente ressurgiu das cinzas em 1994: ganhou o Prêmio Pulitzer de Teatro com "Três mulheres altas", considerada pela crítica como a melhor peça norte-americana das últimas décadas. Em cartaz no Teatro Copacabana Palace, a peça chega à cena dirigida por Fernando Philbert, estando o elenco formado por Suely Franco, Deborah Evelyn, Nathalia Dill e João Sena.
Assumidamente autobiográfico, o texto gira em torno da mãe adotiva do autor, com quem ele viveu até os 18 anos, quando foi expulso de casa sob a acusação de ser homossexual e possuir ideias políticas excessivamente liberais para os padrões de sua família. Escrita em dois atos, no primeiro a peça se concentra nas recordações algo desconexas de A (Suely Franco), autoritária e amarga matriarca de 92 anos. Junto dela estão B (Deborah Evelyn), uma espécie de cuidadora terna e desiludida e C (Nathalia Dill), jovem e vaidosa advogada que representa o escritório que cuida dos interesses financeiros da caquética milionária - por razões que ficarão claras no segundo ato, Albee não dá nome às suas personagens.
Na segunda parte, o autor promove o que os franceses chamam de Coup de Théâtre, uma surpresa tão desconcertante que aclará-la equivaleria a privar o espectador de um impacto realmente avassalador. Em todo caso, cumpre ressaltar que o brilhante recurso contribui para conferir um peso ainda maior às sensíveis reflexões sobre a vida - com todas as suas variantes e infinitas possibilidades -, o tempo e fundamentalmente sobre a condição feminina.
O diretor Fernando Philbert impõe à cena uma dinâmica que traz algumas de suas marcas registradas: sobriedade, elegância e uma notável capacidade de extrair o máximo de seus intérpretes. Abstendo-se de dispensáveis firulas formais, concentrando-se basicamente em explicitar todos os conteúdos propostos pelo autor através de um mergulho nas contradições e psicologia dos riquíssimos personagens, Philbert consegue criar uma encenação de altíssimo nível, totalmente à altura desta obra-prima.
Mas é óbvio que numa peça dessa natureza, seu alcance e maior significado estão condicionados ao desempenho do elenco. Só intérpretes de enorme talento seriam capazes de, por um lado, fazer aflorar uma infinidade de sentimentos, em geral dolorosos; e por outro, mergulhar profundamente em seu próprio universo afetivo -não acredito que um resultado tão expressivo possa ser fruto apenas de técnica e experiência. E Suely Franco, Deborah Evelyn e Nathalia Dill conseguem superar todos os desafios artísticos e humanos propostos por Albee.
Exibindo atuação que cativa a platéia ao longo de toda a montagem, Suely Franco convence plenamente em todos os momentos, tanto no que diz respeito à composição física quanto na forma como explicita o rico e contraditório mundo interior da personagem. Além disso, cumpre ressaltar seu imenso carisma e o mais do que merecido carinho do público, certamente agradecido pelos inúmeros encontros que teve com a atriz ao longo de sua brilhante carreira.
Deborah Evelyn consegue materializar, de forma absolutamente irrepreensível, todas as nuances de sua complexa personagem - no primeiro ato terna e acolhedora, no segundo sua angústia, ódio, desespero e sensualidade explodem com um furor em tudo semelhante ao das grandes tempestades. Salvo engano de minha parte, a atriz exibe aqui a mais expressiva performance de sua bela e vitoriosa trajetória artística.
Quanto a Nathalia Dill, a ainda bem jovem e lindíssima atriz - cujos olhos mereceriam um parágrafo à parte, que prometo escrever numa próxima oportunidade -, valoriza com extrema sensibilidade uma personagem inicialmente apenas chata e implicante, e mais adiante perplexa e inconformada com o futuro que haverá de viver. Finalmente, João Sena tem breve e correta participação.
Com relação ao trabalho da equipe técnica, este também merece ser considerado excepcional. Tanto a cenografia de Natalia Lana como os figurinos e visagismo de Tiago Ribeiro retratam de forma impecável o ambiente e as personalidades criadas por Albee. Quanto à iluminação de Vilmar Olos, cabe destacar as sutis alterações de cor, invariavelmente associadas ao estado emocional das personagens. Gustavo Pinheiro assina excelente tradução.
TRÊS MULHERES ALTAS - Texto de Edward Albee. Direção de Fernando Philbert. Com Suely Franco, Deborah Evelyn e Nathalia Dill. Teatro Copacaba Palace. Quinta a sábado, 19h30. Domingo, 18h.
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